A Constituição governa quem governa. Governa de modo permanente quem governa de modo transitório
Comecemos por uma afirmação óbvia: o Poder Executivo de qualquer das quatro unidades da nossa federação tem um chefe. Estrutura-se ele, Poder Executivo, sob a chefia ou autoridade máxima de um agente político. Prefeito, governador, presidente da República, todos dirigem superiormente uma dada Administração Pública e daí se postam aos olhos do povo como a própria encarnação do governo. A face mais visível do poder público.
Estamos a falar, portanto, de um tipo de agente que é popularmente eleito para ficar no topo de um dos poderes elementares do Estado. Poder, esse, mais fisicamente próximo do conjunto da população, por lhe competir implementar as políticas públicas mais cotidianamente significativas dos interesses e valores juridicamente qualificados como próprios dessa população mesma. Interesses e valores que mais de perto viabilizam a sobrevivência, o equilíbrio e a evolução do conjunto da sociedade, por conseguinte. Donde a instantânea identificação entre chefe do Poder Executivo e o governo de toda pessoa estatal-federada: União, Estados, Distrito Federal e municípios.
Pois bem, haveria alguém acima desse governante que é o chefe do Poder Executivo? Claro que não! Nenhuma pessoa física, nenhum outro agente público, ninguém, enfim, se coloca aos olhos do povo como acima daquela autoridade que já estampa, em sua unipessoalidade, o governo de todo um povo geograficamente diferenciado e juridicamente personalizado. Mas, se não existe alguém, existe algo. Esse algo superior aos próprios governantes é a Constituição.
Com efeito, a Constituição governa quem governa. Governa de modo permanente quem governa de modo transitório. Por isso que o termo de posse do próprio chefe do Poder Executivo federal, que é o presidente da República, se dá pela prestação do "compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição". Em sequência é que vem a promessa de "observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil" (art. 78, cabeça, da nossa Magna Carta Federal).
Não pode ser diferente. A Constituição é o mais estrutural, o mais abrangente e o mais permanente projeto de vida nacional. Para além de se traduzir na Lei Fundamental do Estado e de todo o povo brasileiro, ela é a Lei Fundamental da própria nação igualmente brasileira. Sabido que a nação, por ser a linha invisível que faz a costura da unidade entre o passado, o presente e o futuro, é instituição que tanto engloba o povo de hoje como o povo de ontem e o povo de amanhã. Logo, à semelhança de cada família em apartado, nação é um misto de ideia e sentimento que faz a contemporaneidade caminhar de braços dados com a ancestralidade e a posteridade ("A pátria é a família amplificada", bem sentenciou Rui Barbosa).
Ora bem, sendo obra dessa realidade atemporal que é a nação, a Magna Carta Federal exprime uma vontade transgeracional. Que já é a vontade mais qualificadamente coletiva, no sentido de que unifica história e geografia do Brasil por todo o tempo. Vontade coletiva permanente, então, a se impor à vontade transitória dos governantes que se sucedem a cada eleição geral.
Diga-se mais: a Constituição é comando pra valer. Ela cuidou de se fazer imperativa e para isso é que habilitou os cidadãos e instituiu órgãos como os Tribunais de Contas e o Ministério Público para saírem em defesa da sua irrestrita aplicabilidade. Ao lado deles, e como instância derradeira de sua autodefesa, a nossa Lei Maior apetrechou o Poder Judiciário. Não que ele, Poder Judiciário, fosse aquinhoado com a função de governar. Não é isso. Mas, se não tem do governo a função, o Judiciário tem do governo a força. A força de impedir o desgoverno. O desmando. A desordem. Desgoverno ou desmando ou desordem tanto mais intoleráveis quanto resultem do desrespeito à Constituição.
Em suma, só há governabilidade legítima nos marcos da Constituição e das leis, nessa ordem. Fora desses marcos de civilidade jurídica, o que se tem já é puro arbítrio. Autoritarismo, e não autoridade. Uma predisposição para sequenciar o promíscuo jogo do vale-tudo político-partidário, ou político-parlamentar, ou político-empresarial. Ou as três coisas juntas, para maior desgraça da nossa qualidade de vida política. Essa qualidade de vida política a que aspiramos como a primeira das nossas afirmações coletivas.
2 comentários:
É uma verdadeira confissão de: ( para usar os termos dele mesmo) " desordem (...) ou desmando ou desordem tanto mais intoleráveis quanto resultem do desrespeito à Constituição"
-Foro único para quem não tem prerrogativas o que é?
-Se cabe ao Chefe de Governo e de Estado: "Poder Executivo federal, que é o presidente da República, se dá pela prestação do "compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição".
Então em defesa da Constituição, ele pode mandar anular tudo que for procedimento no país que espezinhe a Constituição.Certo? Caso contrário o que seria então a defesa da Constituição.
E quando o colunista coloca:"ou político-empresarial".Generaliza empresários e comete injustiça contra os empresários da produção ( industria e comércio )desse país.
O mais justo seria político-empresarial-midiático" ç
João Luiz
Ayres Britto apenas externou uma tendência que é a questão da implementação de políticas públicas pelo judiciário diante da inércia do executivo.
Assim, quando o judiciário intervem nessas questões, resta plenamente ratificado o fracasso do executivo.
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