FOLHA DE SP - 25/03
China cresce muito pois se trabalha muito ou porque se pratica muita política industrial?
Desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, a economia de mercado com propriedade privada dos meios de produção é praticamente o único modelo de organização da produção e distribuição dos bens eserviços adotado mundo afora.
No entanto, há enorme diversidade na maneira de organizar a economia de mercado.
Simplificando muito, é possível separar os diferentes modos de expressão do modelo “economia de mercado com propriedade privada dos meios de produção” em dois eixos.
O primeiro eixo diferencia as sociedades na existência ou não de um Estado de bem-estar social. Pode ou não haver oferta pública abundante de seguros públicos que protegem os cidadãos dos azares de uma economia de mercado: contra a pobreza, contra a perda de capacidade laboral em razão da incapacitação ou envelhecimento, contra doenças, contra desemprego etc.
Quando há oferta pública abundante de seguros, a carga tributária é elevada e o Estado será grande.
A diferenciação ao longo desse eixo define escolhas normativas. Não há nada na teoria econômica que indique que um modelo é melhor do que outro. Vale o gosto do freguês: maior dinamismo econômico e risco maior ou maior equidade e, para financiá-la, maior carga tributária. Temos a tradicional disjuntiva direita e esquerda como definida, por exemplo, por Norberto Bobbio.
O segundo eixo estabelece o grau de intervenção do poder público no espaço econômico. Trata-se de saber se a regulação sobre a economia será mais ou menos pesada. Enfrentamos temas como: abertura da economia ao comércio internacional de bens e serviços, abertura da conta de capital, haver ou não muitos setores liderados por empresas estatais, o contrato de trabalho ser minuciosamente regulado ou não etc.
Essa dimensão dos diferentes modos de organizar o modelo “economia de mercado” não se associa diretamente à disjuntiva esquerda vs. direita. Por exemplo, tanto a ditadura militar, principalmente após o governo Geisel, quanto o governo petista, principalmente após a saída de Palocci da Fazenda, na virada de 2005 para 2006, eram intervencionistas.
Há de tudo neste mundão. Temos o modelo anglo-saxão —liberal nas duas dimensões—, o modelo escandinavo —pouco intervencionista, mas com Estado de bem-estar social abrangente—, o modelo de Europa latina —com mais intervenção e Estado de bem-estar social abrangente— e o modelo asiático —muito intervencionista e sem Estado de bem-estar social (isto é, com uma rede de proteção social mínima ou muito pequena comparada ao padrão médio do mundo ocidental).
Quando digo que a China é liberal, enfatizo a baixa carga tributária e a avareza do Estado de bem-estar social. Quando os economistas heterodoxos brasileiros afirmam que a China não é liberal, enfatizam o
intervencionismo.
Rótulo é menos importante. O que importa é o fenômeno.
A China cresce muito pois se trabalha muito, se poupa muito, se estuda muito e se investe muito? Ou cresce muito porque o BNDES deles é muito grande e se pratica muita política industrial?
Me parece que a primeira alternativa é a correta, enquanto para muitos de nossos heterodoxos a segunda opção é o fator decisivo para o sucesso do Leste Asiático. Essa discordância tem natureza positiva e não normativa.
O recente fracasso da nova matriz econômica no Brasil é um sinal de que, no mínimo, o tipo de intervenção asiática não funciona por aqui ou fizemos algo muito diferente do que os asiáticos fizeram.
domingo, março 25, 2018
O agro da porteira para fora - CELSO MING
ESTADÃO - 25/03
Para sair do lamaçal da infraestrutura ainda precária, o setor agro precisa continuar investindo em armazenagem e transbordo de carga, mas, também, pressionar o setor público para que as grandes obras aconteçam!
Se da porteira para dentro o agronegócio vem apresentando resultados espetaculares, da porteira para fora o quadro é menos animador. Por exemplo, na rodovia federal BR 163, que liga o norte do Rio Grande do Sul aos portos do Pará e do Amazonas, o caminhoneiro precisa primeiro olhar para o céu. Nos cerca de 90 km sem asfalto e mesmo nos trechos asfaltados mas cheios de problemas, chuva é sinônimo de atraso de entrega e de custos extras, caminhões atolados e enfileirados por todo o trecho.
Os avanços não podem ser ignorados. Bom exemplo do que melhorou é o Porto de Santos, onde as filas intermináveis de carretas carregadas, como as que ocorreram em 2013, sumiram depois da adoção de um sistema de agendamento eletrônico.
As ferrovias, embora ainda carregadas de problemas, também trilham caminho um pouco melhor. Em 2017, a supersafra impulsionou o setor, que transportou 32% a mais de soja e 75% a mais de milho, quando esse desempenho é comparado com o de 2016. Hoje, apontam levantamentos da Embrapa, 47% da safra de grãos chega aos portos por ferrovia. O restante segue por rodovia (42%) e hidrovia (11%).
Mas ainda há enormes deficiências, que tornam os caminhos para exportação mais difíceis e diminuem a competitividade do agronegócio. O Brasil perde até R$ 9,6 bilhões por ano por ter optado por investimentos de retorno incerto e por continuar com ligações intermodais de baixa eficácia, informa a Embrapa, resultado que deixa o País apenas na 55.ª posição do ranking de logística elaborado pelo Banco Mundial em 2016 com 160 países.
O mesmo ranking mostra que o Brasil gasta 12,4% do PIB apenas com custos de logística, enquanto os Estados Unidos, não mais que 8,0%. Essa diferença é suficientemente grande para onerar o produto brasileiro em US$ 36 bilhões por ano. Tal cenário levanta o questionamento: se tem obtido excelentes resultados e, apesar disso, se arca com enormes custos, por que o próprio agricultor não toma a iniciativa e trata de virar por conta própria esse jogo adverso? A resposta fácil e recorrente é a de que concessões e desapropriações dependem do setor público, o que não deixa de ser verdade.
O especialista José Carlos Hausknecht, da consultoria MB Agro, argumenta que para bons projetos não falta interesse da iniciativa privada. É o caso da Ferrogrão, projeto ferroviário de R$ 12,7 bilhões, previsto para ligar os Estados de Mato Grosso e Pará e que faz parte de mapa estratégico desenhado por Amaggi, ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus e EDLP. Mas o somatório de fatores negativos, como lentidão, custos excessivos e escolha de projetos equivocados por parte setor público, impede que investimentos como esses saiam do papel.
Há questões essenciais para que as barreiras sejam transpostas. A primeira delas é renovar satisfatoriamente as concessões. Não há novo investimento, se não existe perspectiva de amortizar os custos. Daí a importância da renovação das concessões.
O segundo ponto é melhorar o ambiente regulatório e reduzir a insegurança jurídica, fatores que fazem com que alguns investimentos não tenham o retorno esperado. “Em muitas ferrovias, o setor público permitiu que o entorno fosse ocupado irregularmente, o que reduz velocidade e, portanto, diminui a eficiência”, pontua Hausknecht.
Essa também é a visão do chefe-geral do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica da Embrapa, Evaristo de Miranda. Estratégicas para o escoamento da safra em regiões importantes, as hidrovias, por exemplo, poderiam ser mais bem exploradas, mas encontram infinidade de barreiras legais, como restrições ambientais ou de uso dos recursos naturais. Ele cita o ano de 2014, o auge da crise hídrica no Estado de São Paulo, quando a hidrovia Tietê-Paraná, em níveis baixos de volume, teve o fluxo de carga impedido para dar prioridade à geração de energia. Muitos produtores tiveram de apelar para o frete rodoviário, o que aumentou os custos.
Não faltam resultados positivos da participação do setor privado. Ao final da safra de 2016, a capacidade de armazenagem do País cresceu 0,9% ante a safra anterior (dados do IBGE). Outro exemplo é a consolidação do Arco Norte, corredor que inclui os Portos de Santarém e Barcarena (PA), Itacoatiara (AM) e São Luis (MA). Para o diretor executivo do Movimento Pró-Logística Edeon Vaz Ferreira, esse foi dos principais avanços da infraestrutura recentemente e teve importante atuação do setor produtivo, que investiu em estações de transbordo de carga e em equipamentos de navegação.
Mas muita coisa, hoje nas mãos do governo, pode avançar mais depressa se o setor privado atuar com mais firmeza.
Para sair do lamaçal da infraestrutura ainda precária, o setor agro precisa continuar investindo em armazenagem e transbordo de carga, mas, também, pressionar o setor público para que as grandes obras aconteçam!
Se da porteira para dentro o agronegócio vem apresentando resultados espetaculares, da porteira para fora o quadro é menos animador. Por exemplo, na rodovia federal BR 163, que liga o norte do Rio Grande do Sul aos portos do Pará e do Amazonas, o caminhoneiro precisa primeiro olhar para o céu. Nos cerca de 90 km sem asfalto e mesmo nos trechos asfaltados mas cheios de problemas, chuva é sinônimo de atraso de entrega e de custos extras, caminhões atolados e enfileirados por todo o trecho.
Os avanços não podem ser ignorados. Bom exemplo do que melhorou é o Porto de Santos, onde as filas intermináveis de carretas carregadas, como as que ocorreram em 2013, sumiram depois da adoção de um sistema de agendamento eletrônico.
As ferrovias, embora ainda carregadas de problemas, também trilham caminho um pouco melhor. Em 2017, a supersafra impulsionou o setor, que transportou 32% a mais de soja e 75% a mais de milho, quando esse desempenho é comparado com o de 2016. Hoje, apontam levantamentos da Embrapa, 47% da safra de grãos chega aos portos por ferrovia. O restante segue por rodovia (42%) e hidrovia (11%).
Mas ainda há enormes deficiências, que tornam os caminhos para exportação mais difíceis e diminuem a competitividade do agronegócio. O Brasil perde até R$ 9,6 bilhões por ano por ter optado por investimentos de retorno incerto e por continuar com ligações intermodais de baixa eficácia, informa a Embrapa, resultado que deixa o País apenas na 55.ª posição do ranking de logística elaborado pelo Banco Mundial em 2016 com 160 países.
O mesmo ranking mostra que o Brasil gasta 12,4% do PIB apenas com custos de logística, enquanto os Estados Unidos, não mais que 8,0%. Essa diferença é suficientemente grande para onerar o produto brasileiro em US$ 36 bilhões por ano. Tal cenário levanta o questionamento: se tem obtido excelentes resultados e, apesar disso, se arca com enormes custos, por que o próprio agricultor não toma a iniciativa e trata de virar por conta própria esse jogo adverso? A resposta fácil e recorrente é a de que concessões e desapropriações dependem do setor público, o que não deixa de ser verdade.
O especialista José Carlos Hausknecht, da consultoria MB Agro, argumenta que para bons projetos não falta interesse da iniciativa privada. É o caso da Ferrogrão, projeto ferroviário de R$ 12,7 bilhões, previsto para ligar os Estados de Mato Grosso e Pará e que faz parte de mapa estratégico desenhado por Amaggi, ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus e EDLP. Mas o somatório de fatores negativos, como lentidão, custos excessivos e escolha de projetos equivocados por parte setor público, impede que investimentos como esses saiam do papel.
Há questões essenciais para que as barreiras sejam transpostas. A primeira delas é renovar satisfatoriamente as concessões. Não há novo investimento, se não existe perspectiva de amortizar os custos. Daí a importância da renovação das concessões.
O segundo ponto é melhorar o ambiente regulatório e reduzir a insegurança jurídica, fatores que fazem com que alguns investimentos não tenham o retorno esperado. “Em muitas ferrovias, o setor público permitiu que o entorno fosse ocupado irregularmente, o que reduz velocidade e, portanto, diminui a eficiência”, pontua Hausknecht.
Essa também é a visão do chefe-geral do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica da Embrapa, Evaristo de Miranda. Estratégicas para o escoamento da safra em regiões importantes, as hidrovias, por exemplo, poderiam ser mais bem exploradas, mas encontram infinidade de barreiras legais, como restrições ambientais ou de uso dos recursos naturais. Ele cita o ano de 2014, o auge da crise hídrica no Estado de São Paulo, quando a hidrovia Tietê-Paraná, em níveis baixos de volume, teve o fluxo de carga impedido para dar prioridade à geração de energia. Muitos produtores tiveram de apelar para o frete rodoviário, o que aumentou os custos.
Não faltam resultados positivos da participação do setor privado. Ao final da safra de 2016, a capacidade de armazenagem do País cresceu 0,9% ante a safra anterior (dados do IBGE). Outro exemplo é a consolidação do Arco Norte, corredor que inclui os Portos de Santarém e Barcarena (PA), Itacoatiara (AM) e São Luis (MA). Para o diretor executivo do Movimento Pró-Logística Edeon Vaz Ferreira, esse foi dos principais avanços da infraestrutura recentemente e teve importante atuação do setor produtivo, que investiu em estações de transbordo de carga e em equipamentos de navegação.
Mas muita coisa, hoje nas mãos do governo, pode avançar mais depressa se o setor privado atuar com mais firmeza.
27 milhões de empreendedores - GUSTAVO FRANCO
O GLOBO - 25/03
A nossa Constituição, em seu primeiro e mais básico dispositivo, estabelece que a República tem como um de seus fundamentos “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (art. 1, IV).
Repare que não se trata do trabalho em oposição à livre iniciativa, ou um contra a outra. Trata-se de um e outra, inclusive e principalmente porque funcionam conjuntamente, ou mesmo porque são compostos da mesma matéria.
É verdade que, mais adiante, a Carta Magna fala no “primado do trabalho” (art. 193), mas isso não quer dizer que o ofício do empreendedor não é também trabalho, amiúde muito trabalhoso inclusive. Talvez seja mais próprio, inclusive, afirmar o contrário, ou seja, que o trabalho que cria trabalho conta em dobro.
A Constituição traz pouca coisa sobre a empresa, essa instituição que cria riqueza e emprego. Há muita atenção dedicada à empresa estatal, e destaque para “o tratamento favorecido” à pequena empresa (art. 170, IX), muito mais por piedade que pelo encorajamento à empresa. O incentivo passa a ser, curiosamente, para as empresas permanecerem pequenas.
Talvez pela omissão em se exaltar a iniciativa privada, as leis trabalhistas e tributárias tratam o “trabalho empresarial” como se fosse de segunda categoria, uma tentativa de explorar ou enganar consumidores e trabalhadores, e permanentemente em falta e em débito com a sociedade. Isso para não falar da opressão das burocracias, licenças, alvarás e de fiscais rigorosos e gananciosos. Eis a dura rotina de quem empreende.
Desde a Colônia, conforme ensina o historiador Jorge Caldeira, o empreendedor existe em grande quantidade e sua sina inescapável é fugir do Estado, fingir-se de invisível. Não é por acaso que, conforme atestado pela icônica pesquisa da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, as periferias de São Paulo elegeram o Estado como seu inimigo, não reconhecem conflitos com a “burguesia” e enxergam “todos no mesmo barco”.
Foi necessário que os governos petistas promovessem os mais variados exageros de estatismo, sindicalismo e corrupção para que se adensasse mais claramente um anseio de valorização da livre iniciativa, ou do empreendedor na vida nacional. Esta é a ventania liberal que está transformando políticos veteranos, tradicionalmente destituídos de qualquer doutrina, em consumados campeões do livre mercado. O que não se percebe ainda é que este é um movimento de base.
Senão vejamos: conforme a Pnad, de 92,1 milhões trabalhando no país em dezembro de 2017, 33,3 milhões (36%) possuíam carteira assinada, enquanto 27,6 milhões pertenciam ao grupo empreendedor: profissionais liberais, trabalhadores por conta própria e empregadores de todos os tamanhos. São números parecidos, ou seja, há quase tanta gente empreendendo, se virando, “correndo atrás” — incluídos mini, micro, pequenos, médios e grandes empresários — do que assalariados formais. E muitos destes são aspirantes a empresários, ou empresários de si mesmos, buscando o progresso pessoal, ser dono do seu negócio e do seu tempo.
É verdade que há ainda forte uma aspiração antiga, trazida para os trópicos por Dom João VI: o emprego público. Este ideal foi intensamente explorado politicamente nos últimos governos que promoveram uma farra de concursos públicos com sérias implicações fiscais.
Ainda de acordo com a Pnad, em dezembro de 2017 tínhamos 11,5 milhões de servidores públicos, um número muito parecido com o de “sem carteira” (11,1 milhões) e com o de desempregados (12,3 milhões). São três vértices de uma sociedade funcionalmente desigual, o excessivamente formal e o informal, ou excluído, voluntária ou involuntariamente.
O quadro é parecido quando observado a partir de uma outra base de dados, a dos 28 milhões de declarantes de imposto de renda para o ano base de 2016. Dentre esses, são 8,5 milhões de assalariados e 7,2 milhões de empreendedores (empregadores, capitalistas, MEIs), e não há propriamente muita desigualdade de renda: os assalariados são 31% dos declarantes e produzem 25% da renda enquanto que o grupo empreendedor compreende 26% dos declarantes e reporta 30% da renda declarada.
Não há “informais” nessa base de dados, por óbvio, e aparecem com destaque os servidores públicos (6,4 milhões) e aposentados (4,3 milhões), juntos respondendo por 37% dos declarantes e 39% da renda declarada.
À luz desses números, é certamente paradoxal que os partidos políticos sistematicamente ignorem os 27 milhões de empreendedores, inclusive por serem os empregadores dos 33 milhões de assalariados, e levem o “primado do trabalho” ao extremo de fazê-lo em aberto detrimento de quem empreende e cria emprego. Por aí se explica a péssima colocação do Brasil nos rankings internacionais de ambiente de negócios.
Somos um país de empreendedores, precisamos de políticas públicas que não nos atrapalhem.
A nossa Constituição, em seu primeiro e mais básico dispositivo, estabelece que a República tem como um de seus fundamentos “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (art. 1, IV).
Repare que não se trata do trabalho em oposição à livre iniciativa, ou um contra a outra. Trata-se de um e outra, inclusive e principalmente porque funcionam conjuntamente, ou mesmo porque são compostos da mesma matéria.
É verdade que, mais adiante, a Carta Magna fala no “primado do trabalho” (art. 193), mas isso não quer dizer que o ofício do empreendedor não é também trabalho, amiúde muito trabalhoso inclusive. Talvez seja mais próprio, inclusive, afirmar o contrário, ou seja, que o trabalho que cria trabalho conta em dobro.
A Constituição traz pouca coisa sobre a empresa, essa instituição que cria riqueza e emprego. Há muita atenção dedicada à empresa estatal, e destaque para “o tratamento favorecido” à pequena empresa (art. 170, IX), muito mais por piedade que pelo encorajamento à empresa. O incentivo passa a ser, curiosamente, para as empresas permanecerem pequenas.
Talvez pela omissão em se exaltar a iniciativa privada, as leis trabalhistas e tributárias tratam o “trabalho empresarial” como se fosse de segunda categoria, uma tentativa de explorar ou enganar consumidores e trabalhadores, e permanentemente em falta e em débito com a sociedade. Isso para não falar da opressão das burocracias, licenças, alvarás e de fiscais rigorosos e gananciosos. Eis a dura rotina de quem empreende.
Desde a Colônia, conforme ensina o historiador Jorge Caldeira, o empreendedor existe em grande quantidade e sua sina inescapável é fugir do Estado, fingir-se de invisível. Não é por acaso que, conforme atestado pela icônica pesquisa da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, as periferias de São Paulo elegeram o Estado como seu inimigo, não reconhecem conflitos com a “burguesia” e enxergam “todos no mesmo barco”.
Foi necessário que os governos petistas promovessem os mais variados exageros de estatismo, sindicalismo e corrupção para que se adensasse mais claramente um anseio de valorização da livre iniciativa, ou do empreendedor na vida nacional. Esta é a ventania liberal que está transformando políticos veteranos, tradicionalmente destituídos de qualquer doutrina, em consumados campeões do livre mercado. O que não se percebe ainda é que este é um movimento de base.
Senão vejamos: conforme a Pnad, de 92,1 milhões trabalhando no país em dezembro de 2017, 33,3 milhões (36%) possuíam carteira assinada, enquanto 27,6 milhões pertenciam ao grupo empreendedor: profissionais liberais, trabalhadores por conta própria e empregadores de todos os tamanhos. São números parecidos, ou seja, há quase tanta gente empreendendo, se virando, “correndo atrás” — incluídos mini, micro, pequenos, médios e grandes empresários — do que assalariados formais. E muitos destes são aspirantes a empresários, ou empresários de si mesmos, buscando o progresso pessoal, ser dono do seu negócio e do seu tempo.
É verdade que há ainda forte uma aspiração antiga, trazida para os trópicos por Dom João VI: o emprego público. Este ideal foi intensamente explorado politicamente nos últimos governos que promoveram uma farra de concursos públicos com sérias implicações fiscais.
Ainda de acordo com a Pnad, em dezembro de 2017 tínhamos 11,5 milhões de servidores públicos, um número muito parecido com o de “sem carteira” (11,1 milhões) e com o de desempregados (12,3 milhões). São três vértices de uma sociedade funcionalmente desigual, o excessivamente formal e o informal, ou excluído, voluntária ou involuntariamente.
O quadro é parecido quando observado a partir de uma outra base de dados, a dos 28 milhões de declarantes de imposto de renda para o ano base de 2016. Dentre esses, são 8,5 milhões de assalariados e 7,2 milhões de empreendedores (empregadores, capitalistas, MEIs), e não há propriamente muita desigualdade de renda: os assalariados são 31% dos declarantes e produzem 25% da renda enquanto que o grupo empreendedor compreende 26% dos declarantes e reporta 30% da renda declarada.
Não há “informais” nessa base de dados, por óbvio, e aparecem com destaque os servidores públicos (6,4 milhões) e aposentados (4,3 milhões), juntos respondendo por 37% dos declarantes e 39% da renda declarada.
À luz desses números, é certamente paradoxal que os partidos políticos sistematicamente ignorem os 27 milhões de empreendedores, inclusive por serem os empregadores dos 33 milhões de assalariados, e levem o “primado do trabalho” ao extremo de fazê-lo em aberto detrimento de quem empreende e cria emprego. Por aí se explica a péssima colocação do Brasil nos rankings internacionais de ambiente de negócios.
Somos um país de empreendedores, precisamos de políticas públicas que não nos atrapalhem.
As mil flores do pântano da eleição - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 25/03
Multiplicação oportunista ou lunática de candidaturas pode ter efeitos ruins na economia
“Vai que cola” é um motivo do florescimento de tantas flores no pântano eleitoral de 2018, de tantas candidaturas a presidente. Outro motivo é posar de candidato com o objetivo de vender bem alianças dentro e fora de partidos. Até julho, por aí, o jogo de cena pode perdurar sem muito risco para os atores dessa comédia sem arte.
Não chega a ser novidade, mas é uma situação mais avacalhada pela ruína da política maior que tivemos, a polarização dos falecidos PSDB e PT.
A persistência da pantomima, no entanto, pode ter efeitos mais sérios na disputa real. Uma disputa em que boçais e loucos de todo gênero tenham chances reais ameaça estragar esse broto raquítico de crescimento econômico.
Um exemplo. Em conversas com povos dos mercados, financistas, executivos de empresa etc., é frequente ouvir que a política vai se encaminhar para a solução racional (sic). Isto é, a eleição de um centrista ponderado, capaz de articulação política bastante para aprovar reformas liberais.
Não se trata apenas de um perfil. Essa criatura ainda fantástica nas pesquisas eleitorais se chama Geraldo Alckmin, o candidato do PSDB. Ao menos em São Paulo e um tanto também no Rio, é possível ouvir gente até bem antenada politicamente dizer tal coisa com confiança.
Como parece já estar claro para todo o mundo agora, a multiplicação de candidaturas ditas centristas tende a prejudicar Alckmin nas pesquisas, pelo menos até julho, quando o governador paulista ainda será meio desconhecido no Brasil profundo. É bem plausível que a disputa esteja então entre Jair Bolsonaro, Ciro Gomes e o dedaço de Lula (alguém que tenha sido ou venha a ser nomeado sucessor pelo ex-presidente petista).
Goste-se ou não desses candidatos, os donos mais veteranos do dinheiro grosso não gostam. Quanto mais persistir esse quadro, mais retranca na economia.
Pelo outro lado, da economia em direção à política, há fumaça no ar. No que diz respeito à vida cotidiana do povo miúdo, as coisas vão ainda mais devagar do que nas contas do PIB.
Para ficar num só exemplo, os dados do primeiro bimestre mostraram uma reação muito lenta do emprego formal, retardada até na perspectiva desta recuperação morna. A precarização do trabalho ainda é crescente. Os salários crescem, mas em velocidade cadente. Não vai haver melhora geral relevante nos seis meses até a eleição.
Caso a despiora fosse liderada por governo, candidato ou partido que dessem esperança, falsa ou não, de dias melhores, como com Lula de 2002 e 2003, talvez o efeito político dessas migalhas pudesse ter efeito maior na eleição. Não é o caso, pois: 1) Michel Temer ou alianças com o presidente são o beijo da morte; 2) não apareceu candidato que concilie programa racional com plano econômico que satisfaça ou considere o povo miúdo.
Trocando em miúdos, é improvável que, devido à economia, o nojo popular do establishment político diminua, embora a despioraeconômica possa desanuviar o ambiente no terço mais rico do país, por aí.
Em suma, neste final de Quaresma há perspectiva de incerteza política duradoura a ponto de afetar ânimos nos mercados e um povo miúdo ainda furioso politicamente, hecatombado pela crise.
Multiplicação oportunista ou lunática de candidaturas pode ter efeitos ruins na economia
“Vai que cola” é um motivo do florescimento de tantas flores no pântano eleitoral de 2018, de tantas candidaturas a presidente. Outro motivo é posar de candidato com o objetivo de vender bem alianças dentro e fora de partidos. Até julho, por aí, o jogo de cena pode perdurar sem muito risco para os atores dessa comédia sem arte.
Não chega a ser novidade, mas é uma situação mais avacalhada pela ruína da política maior que tivemos, a polarização dos falecidos PSDB e PT.
A persistência da pantomima, no entanto, pode ter efeitos mais sérios na disputa real. Uma disputa em que boçais e loucos de todo gênero tenham chances reais ameaça estragar esse broto raquítico de crescimento econômico.
Um exemplo. Em conversas com povos dos mercados, financistas, executivos de empresa etc., é frequente ouvir que a política vai se encaminhar para a solução racional (sic). Isto é, a eleição de um centrista ponderado, capaz de articulação política bastante para aprovar reformas liberais.
Não se trata apenas de um perfil. Essa criatura ainda fantástica nas pesquisas eleitorais se chama Geraldo Alckmin, o candidato do PSDB. Ao menos em São Paulo e um tanto também no Rio, é possível ouvir gente até bem antenada politicamente dizer tal coisa com confiança.
Como parece já estar claro para todo o mundo agora, a multiplicação de candidaturas ditas centristas tende a prejudicar Alckmin nas pesquisas, pelo menos até julho, quando o governador paulista ainda será meio desconhecido no Brasil profundo. É bem plausível que a disputa esteja então entre Jair Bolsonaro, Ciro Gomes e o dedaço de Lula (alguém que tenha sido ou venha a ser nomeado sucessor pelo ex-presidente petista).
Goste-se ou não desses candidatos, os donos mais veteranos do dinheiro grosso não gostam. Quanto mais persistir esse quadro, mais retranca na economia.
Pelo outro lado, da economia em direção à política, há fumaça no ar. No que diz respeito à vida cotidiana do povo miúdo, as coisas vão ainda mais devagar do que nas contas do PIB.
Para ficar num só exemplo, os dados do primeiro bimestre mostraram uma reação muito lenta do emprego formal, retardada até na perspectiva desta recuperação morna. A precarização do trabalho ainda é crescente. Os salários crescem, mas em velocidade cadente. Não vai haver melhora geral relevante nos seis meses até a eleição.
Caso a despiora fosse liderada por governo, candidato ou partido que dessem esperança, falsa ou não, de dias melhores, como com Lula de 2002 e 2003, talvez o efeito político dessas migalhas pudesse ter efeito maior na eleição. Não é o caso, pois: 1) Michel Temer ou alianças com o presidente são o beijo da morte; 2) não apareceu candidato que concilie programa racional com plano econômico que satisfaça ou considere o povo miúdo.
Trocando em miúdos, é improvável que, devido à economia, o nojo popular do establishment político diminua, embora a despioraeconômica possa desanuviar o ambiente no terço mais rico do país, por aí.
Em suma, neste final de Quaresma há perspectiva de incerteza política duradoura a ponto de afetar ânimos nos mercados e um povo miúdo ainda furioso politicamente, hecatombado pela crise.
Esperança e realidade - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 25/03
De modo pragmático, vasta maioria dos cariocas apoia a intervenção na segurança do estado, mas também aponta que ainda não há melhora
Não surpreende que os cariocas manifestem amplo apoio à intervenção federal na área de segurança do estado. Segundo pesquisa Datafolha, 76% dos moradores da capital fluminense são favoráveis à ação decretada em fevereiro pelo governo Michel Temer (MDB).
A expectativa de uma redução sustentável dos índices de criminalidade, que data de décadas, viu-se frustrada, nos últimos anos, por erros na implementação do projeto das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) e pela situação caótica que se instalou nas finanças e nos serviços públicos do Rio.
A sensação de medo nas diversas camadas sociais e o cansaço com um quadro de intermináveis tiroteios em favelas, ineficiência policial e violência cotidiana imposta por traficantes e milicianos deixam a população sem alternativas.
Nesse cenário de desamparo e de perda de confiança nas instituições estaduais, as Forças Armadas são uma esperança de restabelecimento da ordem.
Na primeira quinzena de março, antes do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), o apoio à intervenção era de 79%. Não houve, pois, alteração substancial.
O respaldo é majoritário em todas as faixas socioeconômicas e regiões da cidade. Mostra-se maior em áreas mais desassistidas, como a zona oeste (81%), e mais baixo na zona sul (61%).
O apoio, contudo, é acompanhado da constatação de que a presença dos interventores não surtiu até aqui efeito mais significativo. Na visão de 71% dos cariocas, o combate à violência não se alterou depois que os militares assumiram o comando da segurança.
Quanto às perspectivas e ao possível legado da intervenção, há perceptível ceticismo --uma apertada maioria de 52% acredita que a situação vai melhorar até o fim da ação federal, enquanto 36% não esperam nenhuma mudança.
Anunciada de modo surpreendente por Temer, numa tentativa de lançar uma agenda favorável à imagem de seu governo, a iniciativa padece de problemas de origem.
Como ficou claro, não foi precedida por planejamento suficiente tanto no tocante às estratégias de atuação quanto aos recursos que precisará consumir.
Além disso, como esta Folha tem afirmado, trata-se de medida que expõe as Forças Armadas a desgastes e ao risco de contaminação pelo contato com agentes do narcotráfico. A Força Nacional de Segurança Pública seria mais adequada para assumir a missão.
Entretanto não há dúvida de que, diante da situação desastrosa do estado, os interventores têm boa chance de se saírem bem na comparação. Mais nebuloso é quão duradoura seria tal conquista.
De modo pragmático, vasta maioria dos cariocas apoia a intervenção na segurança do estado, mas também aponta que ainda não há melhora
Não surpreende que os cariocas manifestem amplo apoio à intervenção federal na área de segurança do estado. Segundo pesquisa Datafolha, 76% dos moradores da capital fluminense são favoráveis à ação decretada em fevereiro pelo governo Michel Temer (MDB).
A expectativa de uma redução sustentável dos índices de criminalidade, que data de décadas, viu-se frustrada, nos últimos anos, por erros na implementação do projeto das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) e pela situação caótica que se instalou nas finanças e nos serviços públicos do Rio.
A sensação de medo nas diversas camadas sociais e o cansaço com um quadro de intermináveis tiroteios em favelas, ineficiência policial e violência cotidiana imposta por traficantes e milicianos deixam a população sem alternativas.
Nesse cenário de desamparo e de perda de confiança nas instituições estaduais, as Forças Armadas são uma esperança de restabelecimento da ordem.
Na primeira quinzena de março, antes do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), o apoio à intervenção era de 79%. Não houve, pois, alteração substancial.
O respaldo é majoritário em todas as faixas socioeconômicas e regiões da cidade. Mostra-se maior em áreas mais desassistidas, como a zona oeste (81%), e mais baixo na zona sul (61%).
O apoio, contudo, é acompanhado da constatação de que a presença dos interventores não surtiu até aqui efeito mais significativo. Na visão de 71% dos cariocas, o combate à violência não se alterou depois que os militares assumiram o comando da segurança.
Quanto às perspectivas e ao possível legado da intervenção, há perceptível ceticismo --uma apertada maioria de 52% acredita que a situação vai melhorar até o fim da ação federal, enquanto 36% não esperam nenhuma mudança.
Anunciada de modo surpreendente por Temer, numa tentativa de lançar uma agenda favorável à imagem de seu governo, a iniciativa padece de problemas de origem.
Como ficou claro, não foi precedida por planejamento suficiente tanto no tocante às estratégias de atuação quanto aos recursos que precisará consumir.
Além disso, como esta Folha tem afirmado, trata-se de medida que expõe as Forças Armadas a desgastes e ao risco de contaminação pelo contato com agentes do narcotráfico. A Força Nacional de Segurança Pública seria mais adequada para assumir a missão.
Entretanto não há dúvida de que, diante da situação desastrosa do estado, os interventores têm boa chance de se saírem bem na comparação. Mais nebuloso é quão duradoura seria tal conquista.
Mistério: 2019 e seus perigos sumiram do radar - ROLF KUNTZ
ESTADÃO - 25/03
Até o Copom parece ter deixado de se preocupar com a incerteza política e a agenda emperrada
Cadê 2019? De repente o próximo ano desapareceu do radar. A economia funciona como se a política pouco importasse, o Judiciário fosse um imponente farol, nenhuma reforma fosse urgente e a herança destinada ao novo presidente fosse, no mínimo, aceitável. A assombração da dívida pública parece ter sido esquecida ou exorcizada, assim como o risco de rompimento da regra de ouro das finanças oficiais – a proibição de tomar empréstimos para cobrir conta de luz, folha de pessoal e outras despesas correntes. A dúvida, no mercado, é se o País terá fôlego para crescer 3% em 2018 ou se os brasileiros terão de se contentar com pouco menos. Não há sinal de euforia, até porque o Brasil ainda convalesce da recessão, mas as projeções apontam expansão econômica na faixa de 2,5% a 3% neste ano e pouco mais em 2019 e 2020, com inflação perto da meta ou mesmo abaixo. E a pauta de ajustes e reformas? Deus proverá, assumindo tarefa mais ampla que a mencionada por Jesus no Sermão da Montanha?
Uma separação entre economia e política foi apontada por alguns analistas no ano passado. O comentário pareceu exagerado, na ocasião, e talvez fosse mesmo. Durante algum tempo economistas do setor financeiro explicitaram, como pressuposto de suas projeções, o avanço na arrumação das contas públicas e na implementação de reformas.
Mas a pauta emperrou, afinal, e nada notável ocorreu no mercado. Nem sequer o rebaixamento da nota brasileira pela Fitch, uma das mais importantes agências de classificação de risco, gerou sobressalto visível. Estava tudo previsto, disseram as fontes mais consultadas. Mais que isso: já se absorveu, disse um banqueiro, o abandono da reforma da Previdência até o fim deste ano. Tudo bem, mas haverá alguma preocupação com 2019? O presidente eleito cuidará do assunto inevitavelmente?
Tanto no setor financeiro quanto no industrial a incerteza política parece ter produzido pouco ou nenhum efeito nos últimos meses. A insegurança pode limitar o investimento em bens de produção, é verdade, mas, apesar de tudo, as compras de máquinas e equipamentos têm crescido. Além disso, levantamentos periódicos apontam maior disposição de investir e maior certeza quanto à realização dos planos.
“A recuperação da produção e do investimento refletiu, entre outros fatores, a melhora acentuada nos indicadores de confiança”, segundo a Carta de Conjuntura publicada nesta semana pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No caso da indústria, assinalam os autores do informe, o indicador superou em fevereiro, pela primeira vez desde setembro de 2013, a linha de 100 pontos. Índices acima de 100 pontos denotam otimismo.
Tudo se passa, enfim, como se o andamento da produção, do consumo e até do investimento fosse basicamente autoalimentado. A vida prossegue como se pouco importasse a correção dos enormes problemas das contas públicas, ou, enfim, como se tivesse escassa relevância o nome escolhido para ocupar o Palácio do Planalto a partir de 1.º de janeiro.
Além disso, projetos importantes para a gestão do Orçamento neste ano estão emperrados. Outros têm sido desfigurados nas comissões, como o da reoneração da folha de pagamentos. Muitos bilhões previstos como reforço das finanças públicas podem ser perdidos.
O bloqueio orçamentário de mais R$ 2 bilhões, anunciado na quinta-feira pelo Ministério do Planejamento, foi uma reação a esse obstáculo político. Com isso o total congelado no Orçamento chegou a R$ 18,2 bilhões. A reoneração poderia proporcionar R$ 8,9 bilhões. Outro projeto emperrado, o da privatização da Eletrobrás, poderia render R$ 12,2 bilhões ao Tesouro.
E daí? Daí, nada, pelo menos no dia a dia da produção, do consumo e até do investimento na capacidade produtiva das empresas. Como ocorre desde o ano passado, a vida e os negócios continuam, sem grandes abalos, num ambiente quase alpino ou escandinavo.
Mas o desempenho mais notável, nesse campeonato de tranquilidade e confiança, é o do Comitê de Política Monetária do Banco Central, o Copom. Além de reduzir os juros básicos de 6,75% para 6,5% na quarta-feira, o comitê acenou com mais um possível corte na próxima reunião, marcada para maio. A inflação tem ficado abaixo das previsões e, além disso, o cenário externo continua favorável, sem sinal de aperto mais forte na política do Federal Reserve, o banco central americano. E o resto?
Bom, a nota distribuída depois da reunião do Copom, às 6 da tarde de quarta-feira, ainda menciona a pauta de ajustes e reformas como muito importante. Se falhar, pode mexer nas expectativas e desequilibrar todo o quadro. Mas a referência fica por aí, como se alguém tivesse incluído esse parágrafo, mais uma vez, apenas para cumprir tabela. Talvez tenha sido esse o caso.
Se a história vai por aí, os eminentes ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) talvez estejam certos. Suspenderam na quinta-feira uma das sessões mais importantes do ano, deram salvo-conduto provisório ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e adiantaram o feriado da Semana Santa.
O réu mais ilustre da Lava Jato poderá continuar tranquilo, pelo menos por alguns dias, se o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região confirmar na segunda-feira, 26, sua condenação. Quanto aos meritíssimos do STF, só voltarão a bater ponto três dias depois da Páscoa. Poderão, enfim, julgar o pedido de habeas corpus a favor de Lula, recusado por cinco a zero no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se o concederem, darão diplomas de bobos aos cinco juízes. Afinal, esses ministros votaram com base na jurisprudência criada pelo STF. A bobagem terá consistido em levar a sério essa jurisprudência. Quem mandou acreditar?
É arriscado dizer se o habeas corpus será concedido ou negado. Bem mais difícil é prever se uma decisão dessa natureza ainda afetará os mercados.
Até o Copom parece ter deixado de se preocupar com a incerteza política e a agenda emperrada
Cadê 2019? De repente o próximo ano desapareceu do radar. A economia funciona como se a política pouco importasse, o Judiciário fosse um imponente farol, nenhuma reforma fosse urgente e a herança destinada ao novo presidente fosse, no mínimo, aceitável. A assombração da dívida pública parece ter sido esquecida ou exorcizada, assim como o risco de rompimento da regra de ouro das finanças oficiais – a proibição de tomar empréstimos para cobrir conta de luz, folha de pessoal e outras despesas correntes. A dúvida, no mercado, é se o País terá fôlego para crescer 3% em 2018 ou se os brasileiros terão de se contentar com pouco menos. Não há sinal de euforia, até porque o Brasil ainda convalesce da recessão, mas as projeções apontam expansão econômica na faixa de 2,5% a 3% neste ano e pouco mais em 2019 e 2020, com inflação perto da meta ou mesmo abaixo. E a pauta de ajustes e reformas? Deus proverá, assumindo tarefa mais ampla que a mencionada por Jesus no Sermão da Montanha?
Uma separação entre economia e política foi apontada por alguns analistas no ano passado. O comentário pareceu exagerado, na ocasião, e talvez fosse mesmo. Durante algum tempo economistas do setor financeiro explicitaram, como pressuposto de suas projeções, o avanço na arrumação das contas públicas e na implementação de reformas.
Mas a pauta emperrou, afinal, e nada notável ocorreu no mercado. Nem sequer o rebaixamento da nota brasileira pela Fitch, uma das mais importantes agências de classificação de risco, gerou sobressalto visível. Estava tudo previsto, disseram as fontes mais consultadas. Mais que isso: já se absorveu, disse um banqueiro, o abandono da reforma da Previdência até o fim deste ano. Tudo bem, mas haverá alguma preocupação com 2019? O presidente eleito cuidará do assunto inevitavelmente?
Tanto no setor financeiro quanto no industrial a incerteza política parece ter produzido pouco ou nenhum efeito nos últimos meses. A insegurança pode limitar o investimento em bens de produção, é verdade, mas, apesar de tudo, as compras de máquinas e equipamentos têm crescido. Além disso, levantamentos periódicos apontam maior disposição de investir e maior certeza quanto à realização dos planos.
“A recuperação da produção e do investimento refletiu, entre outros fatores, a melhora acentuada nos indicadores de confiança”, segundo a Carta de Conjuntura publicada nesta semana pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No caso da indústria, assinalam os autores do informe, o indicador superou em fevereiro, pela primeira vez desde setembro de 2013, a linha de 100 pontos. Índices acima de 100 pontos denotam otimismo.
Tudo se passa, enfim, como se o andamento da produção, do consumo e até do investimento fosse basicamente autoalimentado. A vida prossegue como se pouco importasse a correção dos enormes problemas das contas públicas, ou, enfim, como se tivesse escassa relevância o nome escolhido para ocupar o Palácio do Planalto a partir de 1.º de janeiro.
Além disso, projetos importantes para a gestão do Orçamento neste ano estão emperrados. Outros têm sido desfigurados nas comissões, como o da reoneração da folha de pagamentos. Muitos bilhões previstos como reforço das finanças públicas podem ser perdidos.
O bloqueio orçamentário de mais R$ 2 bilhões, anunciado na quinta-feira pelo Ministério do Planejamento, foi uma reação a esse obstáculo político. Com isso o total congelado no Orçamento chegou a R$ 18,2 bilhões. A reoneração poderia proporcionar R$ 8,9 bilhões. Outro projeto emperrado, o da privatização da Eletrobrás, poderia render R$ 12,2 bilhões ao Tesouro.
E daí? Daí, nada, pelo menos no dia a dia da produção, do consumo e até do investimento na capacidade produtiva das empresas. Como ocorre desde o ano passado, a vida e os negócios continuam, sem grandes abalos, num ambiente quase alpino ou escandinavo.
Mas o desempenho mais notável, nesse campeonato de tranquilidade e confiança, é o do Comitê de Política Monetária do Banco Central, o Copom. Além de reduzir os juros básicos de 6,75% para 6,5% na quarta-feira, o comitê acenou com mais um possível corte na próxima reunião, marcada para maio. A inflação tem ficado abaixo das previsões e, além disso, o cenário externo continua favorável, sem sinal de aperto mais forte na política do Federal Reserve, o banco central americano. E o resto?
Bom, a nota distribuída depois da reunião do Copom, às 6 da tarde de quarta-feira, ainda menciona a pauta de ajustes e reformas como muito importante. Se falhar, pode mexer nas expectativas e desequilibrar todo o quadro. Mas a referência fica por aí, como se alguém tivesse incluído esse parágrafo, mais uma vez, apenas para cumprir tabela. Talvez tenha sido esse o caso.
Se a história vai por aí, os eminentes ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) talvez estejam certos. Suspenderam na quinta-feira uma das sessões mais importantes do ano, deram salvo-conduto provisório ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e adiantaram o feriado da Semana Santa.
O réu mais ilustre da Lava Jato poderá continuar tranquilo, pelo menos por alguns dias, se o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região confirmar na segunda-feira, 26, sua condenação. Quanto aos meritíssimos do STF, só voltarão a bater ponto três dias depois da Páscoa. Poderão, enfim, julgar o pedido de habeas corpus a favor de Lula, recusado por cinco a zero no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se o concederem, darão diplomas de bobos aos cinco juízes. Afinal, esses ministros votaram com base na jurisprudência criada pelo STF. A bobagem terá consistido em levar a sério essa jurisprudência. Quem mandou acreditar?
É arriscado dizer se o habeas corpus será concedido ou negado. Bem mais difícil é prever se uma decisão dessa natureza ainda afetará os mercados.
Assinar:
Postagens (Atom)