O Globo - 27/05
Maria Silvia viveu este último ano entre vários fogos. Grande parte dos funcionários resistia às mudanças que ela tentava implantar no BNDES. Empresários diziam que o banco emperrava o crédito e isso dificultava a recuperação econômica. Moreira Franco dentro do Palácio repetia esses empresários. É isso que o governo acha que resolverá com o novo presidente. Foi então que a Lava-Jato se aproximou do banco.
O novo presidente, pelo perfil que tem, tentará se aproximar dos empresários e estimular o crédito. Dependendo de como fizer, será uma volta ao passado, mas não resolverá o problema da crise de confiança que leva ao subinvestimento. O grande problema continua sendo o que ronda o BNDES.
O BNDES entrou no centro da Lava-Jato nas últimas semanas. Houve a operação Bullish, que investiga supostas vantagens dadas ao grupo JBS e que questiona cláusulas dos empréstimos e de compras de debêntures e de ações do grupo. A delação de Joesley Batista escancarou. Ele disse com todas as letras que pagou propina em todas as operações feitas com o banco desde 2005, inicialmente a um emissário do ministro Guido Mantega, depois diretamente ao ex-ministro. Era 4% do valor da operação, depois passou a ser uma propina variável discutida caso a caso. Ele deu inúmeros detalhes.
Joesley disse que os funcionários não eram responsáveis pelos desvios, mas mesmo assim o corpo técnico passou a exigir da direção a defesa da instituição, e eles achavam que isso passava pela sustentação de que não houve erro nos empréstimos ou operações de equities. E claramente não se pode garantir isso. Até porque o próprio Joesley disse que as operações só saíam graças a Guido Mantega.
Ela sofreu resistência interna tão logo chegou. Quase 70% dos funcionários têm menos de 10 anos de casa, isso significa que só haviam trabalhado sob um presidente, Luciano Coutinho. Na gestão passada a ideologia dos campeões nacionais e do desenvolvimentismo dominava as mentes. Luciano fez sucessivos PDVs, reduziu o grupo mais velho que vinha de outras administrações e fez concursos para renovar o corpo de funcionários.
Maria Silvia chegou com outro discurso e outras propostas. Quis acabar com os departamentos e criar um novo desenho organizacional. Quis implantar variáveis como o retorno para a sociedade, ou a sustentabilidade como parte das pré-condições para os empréstimos. Tomou várias decisões modernizantes. Para começo de conversa, reduziu o espaço físico ocupado pela diretoria e acabou com as salas separadas de cada diretor. Ela e toda a diretoria ficavam num mesmo salão como acontece nas instituições financeiras modernas. Teve total liberdade para fazer a diretoria e levou vários diretores que não eram do quadro do banco.
Defendeu a proposta do governo de que o banco precisava devolver aos poucos os empréstimos gigantescos concedidos pelo Tesouro ao BNDES durante as gestões Lula e Dilma. E conseguiu devolver R$ 100 bilhões, dos R$ 500 bilhões que foram emprestados pelo Tesouro. Isso não foi bem recebido internamente, porque era entendido como se ela quisesse diminuir o tamanho do banco. Na verdade esse meio trilhão de reais transferidos à instituição foi um dos muitos absurdos da política econômica do primeiro mandato de Dilma.
Ela enfrentava também problemas externos. Empresários alegavam que os empréstimos estavam emperrados. Ela explicava que a demanda por financiamento caiu naturalmente com a recessão. Em entrevista ao “Valor”, em fevereiro, ela perguntou: “Estou travando crédito para quem?” Grandes tomadores do passado foram as empreiteiras, que agora, por estarem envolvidas na Lava-Jato, não podem ter empréstimos por razões legais. Na conversa entre Joesley e o presidente Temer no Jaburu, ele se queixa dela e diz que ela não estava conversando com os empresários.
A gestão Maria Silvia deu a Temer um grande argumento que ele tem usado em sua defesa. Foi da diretoria que ela presidiu que saiu a decisão de não aceitar a transferência do domicílio fiscal e da sede do grupo J&F para Irlanda e Reino Unido. Isso atrapalhou os planos do grupo. A defesa de Temer tem dito que tanto ele não favoreceu os irmãos Batista que os planos de transferência de ativos para o exterior foram frustrados.
A gestão de Paulo Rabello de Castro pode ser curta, se tiver como horizonte o governo Temer e como norte voltar à concessão de empréstimos favorecidos.
FOLHA DE SP - 27/05
SÃO PAULO - Sabe criança quando ganha um brinquedo novo e faz questão de usá-lo em todas as ocasiões, incluindo aquelas em que fazê-lo é inadequado? Pois é, minha sensação é a de que os procuradores estão agindo da mesma forma com as delações premiadas.
A introdução desse instituto foi fundamental para a desarticulação dos esquemas de corrupção enquistados no poder. Ao permitir que integrantes das quadrilhas negociem uma redução de pena em troca de informações e provas sobre atividades ilícitas, a legislação põe a matemática, mais especificamente a teoria dos jogos, a serviço do combate ao crime.
A própria ideia de negociação entre MP e acusados poderia ser mais bem explorada em nosso sistema. Se o réu admite culpa em troca de uma sentença mais branda, não há necessidade de levá-lo a julgamento, o que contribuiria para desafogar a Justiça. O Judiciário dos litigiosos norte-americanos só é viável porque de 90% a 95% dos casos são resolvidos nessas negociações (o "plea bargain") sem nem passar pelo juiz ou pelo júri.
É preciso, porém, que nos cerquemos de cuidados básicos, pois é fácil errar a mão nas negociações e passar tanto para criminosos como para a sociedade os incentivos errados. Salvo melhor juízo, é o que os procuradores fizeram ao acertar as delações e acordos de leniência envolvendo Odebrecht e, principalmente, a JBS.
Até para que os procuradores tenham referências para negociar, seria importante fixar alguns parâmetros, como o de que o benefício máximo concedido a delatores corresponda a, digamos, metade da pena mínima prevista para o crime principal. É preciso também limitar o acesso à delação a menos delinquentes e que ocupavam posições hierarquicamente inferiores. Por fim, é necessário cassar as vantagens de delatores que tenham mentido ou omitido fatos importantes. Sem isso, corremos o risco de o sistema estimular novos tipos de comportamento criminoso.
FOLHA DE SP - 27/05
RIO DE JANEIRO - Agora que estávamos nos acostumando à figura do corrupto —afinal, há séculos convivemos com ele—, eis que surge um novo animal na floresta: o corruptor. E em alto estilo: enorme, viscoso, tentacular, falando de cifras com que nunca sonhamos e com uma naturalidade que escancara para nós, de repente, toda a nossa inocência.
Com que, então, os milhões e bilhões que só conhecíamos por ouvir falar existem de verdade e não como papéis simbólicos, trocados por bancos e governos. Apesar do volume, são moeda corrente entre pessoas reais e circulam em malas, mochilas, meias e depósitos no Exterior, ou na forma de barcos, joias, sítios, tríplexes, aeroportos. A cada denúncia, os montantes têm sido de tal ordem que nos arriscamos a ficar blasés: "Mas como, tanto barulho por R$ 5 milhões? Ainda se fossem dólares...".
Enfim, se o corrupto não é novidade, nada mais fascinante nos últimos tempos do que nos defrontarmos com o corruptor —o que nos tem sido oferecido à larga pelas gravações da Lava Jato. Desse espetáculo, que supera qualquer reality show, pode-se inferir algo sobre a personalidade de ambos.
O corruptor tem desprezo pelo corrupto. Olha-o de cima para baixo, trata-o pelo primeiro nome ou pelo diminutivo, ignora a liturgia, marca local, dia e hora da visita ou chega sem avisar —claro, se é ele quem paga as contas, presta-se gostosamente aos achaques e compra políticos como se fossem bananas. O corruptor vai às compras com uma longa lista: transferências de fundos públicos, medidas provisórias, primazia em concorrências, isenção de impostos, empréstimos em bancos oficiais. O corrupto avia esses pedidos e, em troca, leva o seu. Mas o ganho do corrupto é pinto se comparado ao do corruptor.
Desprezado pelo corruptor, só resta ao corrupto, em troca, nos desprezar.
ESTADÃO - 27/05
Aproveitar-se da convulsão política no País para promover alterações constitucionais com vista a favorecer um grupo político viola escandalosamente a democracia
Os defensores da antecipação da eleição direta para presidente querem fazer acreditar que somente assim teremos um governo com legitimidade e, portanto, capaz de tirar o País da crise. Essa concepção do voto direto como panaceia dos problemas nacionais se presta a vários propósitos, a maioria inconfessáveis, e nenhum deles efetivamente democrático. Quem apregoa a eleição direta para presidente agora, de afogadilho, ou defende interesses turvos ou é apenas oportunista.
Em primeiro lugar, basta observar quais partidos lideram o esforço para colocar o tema na pauta do Congresso. São em sua maioria siglas que desde sempre se dedicam a questionar a legitimidade e a sabotar qualquer governo democraticamente eleito que não seja integrado por um dos seus. Os notórios PT, PSOL, Rede e PCdoB, entre outros, informaram que vão se reunir na semana que vem para discutir a formação de uma “frente nacional” para defender a antecipação da eleição presidencial direta. A memória nacional está repleta de exemplos de como os petistas e seus filhotes mais radicais jamais aceitaram o resultado das eleições presidenciais que perderam, e provavelmente continuarão a não aceitar caso o vencedor do próximo pleito não seja Lula da Silva ou alguém da patota.
Com Michel Temer na Presidência, a estratégia antidemocrática consiste em infernizar a vida do presidente para que ele renuncie e, ato contínuo, sejam convocadas eleições diretas. Para tanto, apostam na aprovação de alguma das propostas que estão no Congresso com vista a alterar o artigo 81 da Constituição, que determina que, em caso de vacância da Presidência e da Vice-Presidência nos últimos dois anos do mandato, haverá eleição para ambos os cargos “trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei”. Na proposta que está no Senado, torna-se direta a eleição quando ocorrer a vacância nos três primeiros anos.
O casuísmo é tão evidente que custa acreditar que esse tipo de proposta esteja sendo levado a sério e eventualmente avance. Os parlamentares envolvidos nesse esforço usam o especioso argumento, expresso no projeto, de que é preciso “devolver à população brasileira o direito de escolher o presidente da República, por meio de eleições diretas”. Para eles, o atual Congresso, engolfado em escândalos de corrupção, não tem “legitimidade” para fazer essa escolha.
Ora, os atuais congressistas foram eleitos pelo voto direto, o mesmo voto direto que os defensores da antecipação da eleição presidencial direta consideram essencial para conferir legitimidade ao eleito. Michel Temer também foi escolhido em eleições diretas. Estava, como vice, na chapa de Dilma Rousseff à Presidência em 2010 e em 2014. Por quatro vezes – os dois turnos de cada eleição –, cada um de seus eleitores visualizou sua foto e seu nome na urna eletrônica e confirmou o voto. Hoje se encontra no exercício da Presidência em decorrência do estrito cumprimento dos preceitos constitucionais. E, se tiver de deixar o cargo, a Constituição diz claramente como substituí-lo.
Mas os inimigos da democracia só apreciam a Constituição quando esta lhes dá alguma vantagem. Se for um entrave para suas pretensões políticas, então que seja rasgada, sob a alegação aparentemente democrática de que a antecipação da eleição direta “atende aos anseios da sociedade brasileira, sob o eco do histórico grito das ruas a clamar ‘Diretas Já’, nos idos da década de 1980”, como diz o texto da PEC no Senado. A justificativa omite, marotamente, que aquele era um dos componentes do processo de restabelecimento da democracia, na saída do regime militar, ao passo que hoje a democracia está em pleno vigor.
Finalmente, não são apenas eleições diretas que definem um regime democrático, muito menos conferem legitimidade automática aos eleitos. A democracia, em primeiro lugar, se realiza pelo respeito à Constituição, expressão máxima do pacto entre os cidadãos. Aproveitar-se da convulsão política para promover alterações constitucionais com vista a favorecer um grupo político viola escandalosamente esse pacto e, portanto, a própria democracia.
ESSTADÃO - 27/05
Ao procurador Dallagnol, pouco importa o tamanho do crime, já que todos são criminosos
Convidado a comentar a recentes denúncias envolvendo o presidente Michel Temer e o senador tucano Aécio Neves, o procurador da República e coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, lamentou que, três anos depois do início da operação anticorrupção, “nós vemos que tudo parece igual”. Para Dallagnol, portanto, não há diferença significativa entre o período que vai da revelação do descomunal esquema de corrupção que assaltou a Petrobrás até a instauração da suspeita de que o presidente Temer e o senador Aécio, entre outros políticos, teriam se envolvido com um empresário corrupto.
Dallagnol, em sua reiterada imprudência, infelizmente comum a alguns de seus pares, dá tratamento isonômico a todos os políticos citados nas delações premiadas. Para ele, são todos corruptos, e na mesma medida. Os políticos que receberam doações eleitorais qualificadas pelos delatores como “propina” são colocados no mesmo nível dos meliantes que elaboraram um plano de assalto bilionário aos cofres da Petrobrás e de outras estatais e entidades públicas durante os governos lulopetistas.
Em entrevista à Rádio CBN, o procurador Dallagnol, depois de se dizer “estarrecido” com as informações envolvendo o presidente Temer e o senador Aécio, disse que o que veio a público nesse caso contém “indicativos apontando provas de crimes relacionados a mais de 1.800 políticos”. Foi uma referência ao depoimento de Ricardo Saud, diretor do frigorífico JBS, que contou aos procuradores que a empresa deu R$ 600 milhões a 1.829 candidatos de 28 partidos políticos. Segundo Saud, foram contemplados deputados estaduais e federais, senadores e governadores. “Se ele (o político) recebeu esse dinheiro, sabe, de um jeito ou de outro, (que) foi de propina”, declarou.
Ou seja, fiando-se no depoimento de alguém interessado em fazer prevalecer a versão de que qualquer doação eleitoral feita por empresas a políticos no fundo sempre é propina – isto é, que o mundo político é integralmente corrupto –, o procurador Dallagnol constrói sua tese de que o sistema político está “apodrecido”.
Não é por acaso que uma variante dessa mesma expressão – “estado de putrefação de nosso sistema de representação política” – foi usada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, como justificativa para o acordo de delação premiadíssima feito com os irmãos Joesley e Wesley Batista, controladores da JBS. É como se os procuradores não se importassem com os meios para atingir os fins. Vale tudo para “sanear” o sistema político.
Nem é preciso dizer que empresários com tino para bons negócios, como os irmãos Batista, farejaram aí uma oportunidade para safar-se da Justiça: bastava dizer aos procuradores o que eles queriam ouvir, isto é, que todos os políticos, a começar pelo presidente da República em pessoa, foram corrompidos. A veracidade de cada uma das acusações ainda precisa ser provada, mas o time de Janot já concluiu que as delações bastam para seus propósitos messiânicos.
Nesse cenário, em que não se distinguem os quadrilheiros que roubaram a Petrobrás dos políticos que receberam doações eleitorais chamadas agora, genericamente, de “propina”, quem sai no lucro são os verdadeiros bandidos – aqueles que julgaram poder governar o País na base da rapina e da farta distribuição de dinheiro público.
Afinal, num mundo “apodrecido”, conforme dizem Janot, Dallagnol e outros, pouco importa o tamanho do crime que se comete, já que todos são criminosos. E, se todos são criminosos, então estão todos absolvidos, já que a culpa objetiva só pode ser do “sistema”. Afinal de contas, não é o “sistema” que é corrupto? Não por acaso, essa é a abstrusa tese do PT, de onde saíram os líderes da quadrilha do mensalão e do petrolão. Sendo assim, nenhum dos procuradores haverá de se queixar do despudor do ex-presidente Lula da Silva, que se sentiu à vontade para dizer, no Twitter, que “o PT pode ensinar inclusive como combater a corrupção”. Os tais procuradores tiveram o melhor dos professores.