terça-feira, julho 23, 2013

Terrorismo chique - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 23/07

Não é o moralismo de velhos progressistas que me incomoda. É a ausência de moralismo nos novos


Assisti a "The Newsroom", série da HBO sobre uma TV americana de notícias. Gostei. Estranhei.

A série tinha tudo para rebentar com a minha úlcera conservadora: o endeusamento de Obama; os ataques indiscriminados ao Tea Party (uma salada variada onde há tudo e o seu contrário); e aquele tom moralista que os "liberais" (no sentido americano da palavra) gostam de exibir com vaidade.

Mas depois, episódio atrás de episódio, fui mergulhando na vaidade de Aaron Sorkin, o criador e roteirista da série. A estética sempre foi o calcanhar de Aquiles da minha ética.

Sorkin escreve bem. Os seus diálogos, disparados à queima-roupa, são exemplos perfeitos de "timing" e humor, como nas melhores penas do cinema clássico de Hollywood.

A juntar ao texto, há atores que estão à altura dele: Jeff Daniels, que já não via desde "A Lula e a Baleia" (grande papel, espantoso filme de Noah Baumbach), é o âncora Will McAvoy --e nunca a palavra "âncora" foi usada com tanta ironia, sobretudo para descrever alguém que está literalmente à deriva. E à deriva por quê?

Pergunta absurda: quando um homem está sem rumo, "cherchez la femme". E a "femme" é MacKenzie McHale (divina Emily Mortimer), a ex-namorada e a atual produtora do bicho, que o atraiçoou no passado e que tenciona agora resgatá-lo no presente para um jornalismo digno desse nome.

Posso discordar, ideologicamente falando, da "agenda" de Aaron Sorkin. Mas reconheço essa "agenda" porque Sorkin é um dinossauro. Ou um apaixonado por dinossauros: ele presta homenagem ao melhor do jornalismo progressista americano.

O jornalismo que, nas emissões de Edward Murrow, destroçou o anticomunismo persecutório do senador McCarthy na década de 1950. O jornalismo que, nas matérias de Bob Woodward e Carl Bernstein, levou à queda de Richard Nixon na década de 1970. Um jornalismo que procurava ainda alguma verdade --e um certo sentido de decência.

Infelizmente, alguém devia comunicar a Aaron Sorkin que os dinossauros estão extintos. Basta olhar para a última capa da revista "Rolling Stone": vemos uma figura masculina, jovem, cabelo comprido, pose de estrela do rock. Quem será esse Jim Morrison?

Resposta: não é Jim Morrison. O nome é Dzhokhar Tsarnaev. Ou, para os íntimos, um dos carniceiros de Boston que matou e estropiou centenas de inocentes na maratona da cidade em abril passado.

A intenção da revista era fazer um perfil do criminoso. Na prática, a revista concedeu-lhe um tratamento visual icônico que é um insulto para as vítimas --e, sobretudo, um insulto para o jornalismo.

Aliás, não seria de espantar que Dzhokhar Tsarnaev, depois de ser capa da "Rolling Stone", se convertesse no novo Che Guevara das camisetas dos adolescentes retardados. E por que não? Psicopata por psicopata, pelo menos Dzhokhar Tsarnaev matou bem menos que o argentino.

Suspiros. E algumas memórias. A última vez que me confrontei com uma aberração visual e ética desse tipo foi em Israel, ao visitar o museu do terrorismo. Ali encontrei, em poster ou figurinhas, incontáveis bombistas suicidas em poses idênticas.

Parece que é uma indústria em Gaza e na Cisjordânia: antes do crime, o candidato a mártir tem direito a sessão fotográfica completa para imortalizar o nome e a imagem. Depois, quando a explosão acontece, as ruas e as escolas palestinas são inundadas pelo merchandising do herói.

Não vou discutir quem tem razão no conflito israelense-palestino. Ambos têm. Ninguém tem. Que interessa? Essa não é a questão.

A questão é que glorificar visualmente o terrorismo pertence a um outro planeta. Que, erradamente, eu julgava apenas encontrar no Oriente Médio.

Comecei por escrever contra o tom "moralista" dos progressistas americanos. Mas, pensando bem, não é o moralismo dos velhos progressistas que me incomoda. É a ausência de qualquer moralismo nos novos. É o relativismo imbecil de quem confunde um terrorista com uma estrela musical; e um atentado terrorista com um concerto de rock.

Talvez eu também seja um dinossauro. Mas, antes da extinção, confesso que prefiro o idealismo antiquado de Aaron Sorkin ao niilismo moderninho do pessoal da "Rolling Stone".

Evangelho social - TEREZA CRUVINEL

CORREIO BRAZILIENSE - 23/07

No Brasil, sob os olhos do mundo, o papa Francisco poderá lançar o seu "evangelho social", ao falar
para mais de um milhão de jovens católicos e seis mil jornalistas credenciados



A imprensa européia vem prevendo que, em sua passagem pelo Brasil, o papa Francisco lançará seu
“evangelho social”, uma espécie de programa de governo para o seu pontificado, iniciado em março. 
Seu conciso discurso de chegada, entretanto, foi muito focado na importância do resgate da juventude para a fé, embora tenha referido-se à pobreza e à desigualdade, temas da saudação da presidente Dilma Rousseff. Mas a semana do papa no Brasil está apenas começando, com toda a carga de expectativas que desperta em relação ao futuro da Igreja. Lateralmente, virão os reflexos sobre a nossa política interna.

Francisco não escolheu o Brasil como plataforma para esta esperada apresentação de diretrizes, como
ele mesmo destacou. Veio para participar da Jornada Mundial da Juventude, o que nem sempre seus antecessores fizeram. A decisão de comparecer pessoalmente ao evento, em sua edição em um país de seu continente de origem, marcado ainda pela pobreza e a exclusão, foi um sinal que ele emitiu logo depois da posse, dizem os vaticanistas. No Brasil, ele falará a seis mil jornalistas credenciados para cobrir a viagem, e a mais de um milhão de jovens, de diversos países, que participarão da Jornada. “A partir do Brasil, ele falará a todas as periferias abandonadas e humilhadas do planeta”, registrou o periódico espanhol El País. Proliferam, mundo afora, as comparações de viagem de Francisco ao Brasil com a de Carol Wojtyla/João Paulo II à sua Polônia natal, quando o regime comunista mal começava a dar sinais de exaustão, e sua presença foi um empurrão a mais na derrocada.

As expectativas aqui não são muito diferentes, chegando o teólogo Leonard Boff a prever que a
passagem de Francisco pelo Brasil demarcará mais claramente a “ruptura” que ele representará para a Igreja. É razoável esperar isso de quem se apresenta como sendo apenas “o bispo de Roma”, condenando “a tirania do dinheiro” e a “globalização da indiferença”. 

Ontem, afora os improvisos no trajeto pelo centro do Rio, tudo transcorreu dentro da normalidade e do
esperado. Até mesmo seu destemor, ao manter o vidro aberto quando cercado por fiéis ansiosos para tocá-lo. E o forte toque pastoral do discurso, no qual se destaca a tirada simpática: “Cristo bota fé nos jovens”. Agora, começa a semana que pode ser histórica para a Igreja.

Dilma e Francisco

Em março, quando Jorge Mario Bergoglio, cardeal de Buenos Aires, foi eleito para suceder a
Ratzinger/Bento XVI, a presidente Dilma Rousseff foi uma das primeiras governantes do mundo a confirmar presença na missa solene da posse, em Roma. Para isso, cancelou viagens domésticas e adiou mudanças no ministério. Levou-lhe azulejos de Athos Bulcão, com o símbolo do Divino Espírito Santo, e ganhou um não protocolar beijo na face. Como ontem.

Naquela época, registramos aqui a sua disposição de buscar um novo relacionamento com a Igreja. Ela
já decidira oferecer todo o apoio logístico do governo para a realização da Jornada Mundial da Juventude. Queria deixar para trás os atritos ocorridos em 2010. Naquelas eleições, Dilma tinha o apoio de progressistas como Dom Tomás Balduino e Dom Demétrio, mas os conservadores, liderados pelo paulista Nelson Westrupp, chegaram a lançar um manifesto enumerando atos do PT a favor do aborto e condenando sua candidatura. Alguns padres pregaram contra ela nas missas, por conta das antigas declarações relacionadas ao aborto, questão levada ao próprio Bento XVI por bispos do Maranhão. Isso contribuiu muito para que ela não fosse vitoriosa no primeiro turno.

Agora, porém, os problemas de Dilma são de outra natureza. O que ela enfrenta é a corrosão da
popularidade, depois das manifestações de rua criticando os políticos e cobrando qualidade nos serviços públicos. Ela não deixou de se referir a eles, na saudação de ontem ao papa, destacando os justos anseios da juventude por uma vida melhor. Seu discurso foi uma proposta de aliança, entre o governo e a Igreja, para ampliar as ações de combate à pobreza e à desigualdade. Destacou as mudanças sociais inclusivas, sintonizadas com o evangelho, ocorridas a partir do governo Lula, reconhecendo porém que “ainda há muito a ser feito”. Especulou sobre o poder da Igreja para conferir prioridade planetária às políticas contra a pobreza. Um discurso de dois endereços, voltado para a própria Igreja e também para a juventude insatisfeita e rebelde que puxou os protestos e fez a popularidade dela despencar.

Ueba! O papa e o bicho-papão! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 23/07

E a foto dos peregrinos no Rio? Indo pregar na praia com um monte de gente pelada! Vão cair na gandaia


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta: "Aqui não tem ninguém picareta, não, diz presidente da Câmara". Rarará! Sem comentários!

E o papa? Começou o Papa Week! Chegou o papa pobre! O papa já fez seu primeiro milagre: o mundo gostar de um argentino!

E eu acho que o papa deveria ter descido no Brasil com aquela máscara do Anonymous! Aí o Cabral ia ter um chilique!

E o chargista Bruno diz que a visita do papa vai ser uma mistura de água benta com spray de pimenta!

Aí o povo grita: "Papa Francisco, nós te amamos". Água benta! "A fé move montanhas". Água benta!

Aí o povo grita: "Saúde, educação e chega de corrupção". SPRAY DE PIMENTA! Rarará!

E o tuiteiro Henrique Gomes: "Esse papa tem fé: vai desfilar em carro aberto no centro, onde nenhum carioca anda de vidro aberto".

E um outro disse que o papa não vai ser assaltado porque ele é o papa pobre! O papa pobre do Vaticano rico!

E a foto dos peregrinos no Rio? Indo pregar na praia com um monte de gente pelada! Vão cair na gandaia. Não vão resistir à tentação!

O Rio é a serpente! Funk, caipirosca e fio dental: o Rio é a serpente! Rarará!

A não ser que eles sigam a dieta do papa: ninguém come ninguém! Isso mesmo! Peregrinos no Rio, atenção! Dieta do papa: ninguém come ninguém. Sair invicto do Rio é um milagre! Rarará!

E adivinha quem vai cantar pro papa? A Fafá de Belém! A Bafafá de Belém. Já cantou pra três papas! Mamas and Papas! Vai ser o revival daquela banda americana, The Mamas and The Papas! E o papa se encontrou com a Dilma: o papa e o bicho-papão! Rarará!

E esse papa não sai do Twitter. Se eu der um block no papa, eu sou excomungado? Não! Porque eu sou católico apostólico baiano. Acredito em tudo! Até no Renan! Rarará.

É mole? É mole, mas sobe!

O Brasil é lúdico! Um amigo estava na marginal Tietê quando viu uma carroça de catar papel com o cartaz: "Vendo essa carroça! Ano 2008". Rarará. Tá até novinha. Melhor que um Chevette 94!

E cartaz num restaurante de Saquarema: "Hoje! Caldo de Quenga". Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Desconfiança mútua - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 23/07

Pesaram na decisão de Dilma Rousseff de não comparecer à reunião do Diretório Nacional do PT no último sábado as pressões escancaradas do partido por mudanças no governo, sobretudo na articulação política. A avaliação do Planalto é que, mesmo depois de a presidente ter feito gestos na direção do partido, como receber a bancada, não cessou o coro interno de "volta Lula''. O tom da resolução do PT com críticas ao governo confirmou a apreensão de auxiliares da presidente.

Trégua Para contrabalançar a ausência, Dilma irá à etapa de Salvador das comemorações dos dez anos do partido no poder, na quarta-feira. Estará ao lado de Lula.

Alvo... Além das críticas à economia, dirigentes petistas voltaram a atacar a gestão de Paulo Bernardo (Comunicações). O PT defende debate sobre a regulação do setor.

...móvel Na cúpula do partido, no entanto, a ordem é evitar críticas abertas a nomes específicos do governo e apenas sugerir mudanças gerais, justamente para não aumentar a tensão com Dilma.

Conjunto... Na falta de nomes para o lugar de Ideli Salvatti, o PT lista Ricardo Berzoini, um dos deputados mais incisivos nas críticas ao governo, e até o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.

... vazio Além de estar às voltas com o ambicioso e polêmico Mais Médicos e de ser cotado ao governo de São Paulo, Padilha dificilmente deixaria a pasta com maior orçamento da Esplanada para voltar a outra que já ocupou.

Vai... A assessoria técnica da presidência do TSE redigiu parecer em que declara que a fusão de dois partidos não configura a criação de nova sigla. Portanto, a legenda não teria direito a fundo partidário e tempo de TV dos deputados que se filiarem a ela.

...e vem O parecer desanima dirigentes do PPS, que tentam fusão com o PMN, mas não é definitivo. O ministro Dias Toffoli pode adotá-lo ou não ao responder à consulta sobre o tema.

Prévias A aliados, Geraldo Alckmin disse acreditar que José Serra deveria continuar no PSDB e disputar com Aécio Neves a indicação do partido para a Presidência.

Tensão... De olho no percurso do papa na chegada ao Rio, José Eduardo Cardozo (Justiça) demonstrava tensão cada vez que o papamóvel parava e Francisco colocava o corpo para fora para beijar crianças. "Ainda bem que ele não desceu", desabafou.

...máxima Desde anteontem no Rio, Cardozo e outros ministros acompanharam parte do cortejo pela TV no Palácio Guanabara. Todos estavam preocupados com a segurança do papa.

Tudo na... Quem acompanhou a solenidade de recepção ao papa classificou como "pura distração'' Joaquim Barbosa não ter apertado a mão de Dilma após cumprimentar o pontífice.

... santa paz O presidente do STF já havia falado com a petista antes, na presença de Sérgio Cabral, enquanto aguardavam Francisco chegar ao Palácio Guanabara.

Formação O ministro Guilherme Afif Domingos discute a elaboração de projeto que inclui as micro e pequenas empresas na lei que determina que companhias tenham em seus quadros de 5% a 15% de aprendizes.

Visita à Folha Claudio Yukio Miyake, presidente do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo, visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Marco Antônio Manfredini, secretário-geral do CRO-SP, Rubens Figueiredo, consultor, e Chico Damaso, assessor de imprensa.

tiroteio
"Lanço um desafio a quem me acusa: se existem milicianos ligados a mim nos protestos, que apresentem fotos e nomes."
DO DEPUTADO ANTHONY GAROTINHO (PR-RJ), sobre a acusação feita por adversários de que ex-policiais ligados a ele estão nas manifestações do Rio.

contraponto


#SaiDaRua
Há cerca de um mês, quando os protestos em todo o país estavam no auge, o prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet (PDT), recebeu pedido de audiência de um grupo de moradores de ruas. O pedetista convocou os secretários das áreas sociais para receber a comissão.

--E então, qual a reivindicação de vocês?

--Queríamos reclamar dos manifestantes --disse o representante do grupo de dez moradores de rua.

Diante da perplexidade dos políticos, que esperavam uma lista de pedidos, o porta-voz continuou:

--Estão fazendo muito barulho. Só queremos dormir...

Pingo nos is - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 23/07

A minoria, segundo o líder do PT, José Guimarães (CE), está vendendo uma versão: que a bancada não apoia Cândido Vaccarezza (SP), coordenador da reforma política. Explica que a nota do partido nunca foi contra o Vaccarezza. "O que fizemos pode ser comparado a dizer que o Arlindo Chinaglia é o líder do governo, mas quem fala pelo PT sou eu", afirma Guimarães.

A segurança do Papa Francisco
Foram carregadas de alguma tensão as reuniões prévias à chegada do Papa Francisco, ontem no Rio. O Vaticano e o Ministério da Justiça tiveram conversas duras sobre segurança. O governo insistiu no uso de veículos blindados. Mas os emissários do Vaticano rejeitaram, pois o desejo do Papa era ter contato com os fiéis, como ocorreu ontem. Vencido, o representante do ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) afirmou que as autoridades brasileiras não poderiam se responsabilizar por essa atitude. Os negociadores do Papa mataram no peito e garantiram que eles assumiriam os riscos. O mais importante era respeitar a vontade do Papa Francisco.

"Entendo o sofrimento do Nordeste e a religiosidade de sua população"
Papa Francisco 
Ao receber documento pela reabilitação do vaticano do padre Cícero, que lhe foi entregue pelo líder do PT, José Guimarães (CE)

O pacto
A despeito de estarem disputando quem vai enfrentar a presidente Dilma no segundo turno, os candidatos Aécio Neves (PSDB), Marina Silva (Rede) e Eduardo Campos (PSB) fizeram um pacto de não agressão.

Dá a volta por cima
O ex-senador tucano Tasso Jereissati voltaria ao Senado, em 2014, conforme pesquisa Ibope. Ele tem 43% das intenções de voto, contra 19% do senador Inácio Arruda (PCdoB) e do trabalhista Heitor Ferrer. Para o governo, o senador Eunício Oliveira (PMDB) chega a 50%. O secretário Mauro Filho (PSB) tem 16% e o ministro Leônidas Cristino (PSB), 10%.

Nas mãos de Kassab
O presidente do PSD, Gilberto Kassab, que foi prefeito de São Paulo graças a José Serra, está com o destino do tucano nas mãos. Serra só se viabiliza candidato à Presidência, no ano que vem, se tiver o apoio do partido de Kassab.

Duas táticas da social-democracia
A ala esquerda do PT critica a presidente Dilma por ela ter agregado setores além da base social do ex-presidente Lula. Criticam as gestões de Eleonora Menicucci (Mulheres) e Pepe Vargas (Desenvolvimento Agrário), alegando que o governo deixou de lado esses segmentos para ter o apoio de evangélicos e ruralistas. Cobram ainda que a presidente Dilma se reaproxime do partido.

Fogo amigo
A oposição não está só. Há gente no PT criticando os resultados práticos dos anúncios do governo Dilma logo após o início das manifestações. A avaliação é que foi feita "muita espuma", e nada ainda foi entregue de fato.

Batido o martelo
O novo secretário-executivo do Ministério do Turismo será Sérgio Brauner, atual chefe de gabinete do ministro Gastão Vieira. O primeiro cogitado, Fábio Motta, foi mantido numa das secretarias da pasta, a pedido do PMDB da Bahia.

O principal dirigente
do PCB no estado do Rio na ditadura, Antônio Ribeiro Granja, será homenageado pelos seus 100 anos sábado, em Vitória.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 23/07

Em 1º ano de produção na Zona Franca, empresas fabricam 1,2 milhão de tablets
Um ano após o início da produção de tablets na Zona Franca de Manaus, cerca de 1,2 milhão de itens já saíram do polo industrial instalado no Amazonas.

Seis empresas são responsáveis hoje pela fabricação no local, entre elas Samsung e Semp Toshiba, e outras cinco tiveram aprovação para atuar na área em até três anos, como a Positivo Informática.

Inicialmente tímida, com 1.278 aparelhos em junho de 2012, a produção chegou a 270 mil em maio, último mês com dados disponíveis.

O faturamento em 2013 foi de US$ 184 milhões (cerca de R$ 410 milhões), com venda apenas no mercado interno.

A Suframa (superintendência da Zona Franca) afirma que Manaus ficou sem muita diferenciação tributária depois que o governo federal desonerou, em 2011, a produção de tablets no país.

"Entretanto, a fabricação cresce de forma consistente, principalmente porque as fabricantes usam seus parques industriais já instalados e usufruem de uma segurança jurídica maior de incentivos", diz Gustavo Igrejas, superintendente-adjunto de projetos.

Segundo ele, a participação do polo no mercado brasileiro, que era menor que 7% em 2012, será de quase 50% neste ano, caso se confirmem expectativas do mercado de que serão consumidos cerca de 5,8 milhões de tablets.

Um aparelho amazonense deve ter a montagem das partes elétricas e mecânicas feitas localmente, assim como 80% dos carregadores de baterias e 30% dos elementos que atuam com função de memória, por exemplo.

VELOCIDADE NA INTERNET
O Brasil perdeu quatro posições no ranking mundial de velocidade média de internet no primeiro trimestre deste ano, na comparação com os três meses anteriores.

No período, a taxa média cresceu 4,4% e atingiu 2,3 Mbps (megabits por segundo), mas o país caiu do 69º para o 73º lugar, segundo estudo que será divulgado hoje pela Akamai, dona de uma rede com 110 mil servidores.

"A internet de outros países se desenvolveu mais rápido do que a brasileira nesse período. Por isso, apesar do crescimento, o Brasil perdeu posições", diz Jonas Silva, diretor de programas da empresa na América Latina.

A taxa de conexão no Brasil também ficou abaixo da média global, que foi de 3,1 Mbps. A líder Coreia do Sul registrou 14,2 Mbps --foram pesquisados 177 países.

Software... A Open Mind, empresa alemã desenvolvedora de softwares utilizados pela indústria, abriu neste mês uma filial no Brasil, sua primeira unidade na América do Sul. O grupo se instalou em Barueri, na Grande São Paulo.

...alemão A empresa faz programas de computador que são usados por máquinas em linhas de produção variadas, como as das indústrias aeroespacial, automobilística e de equipamentos médicos.

Empresas acionam mais inadimplentes em 2013
A média mensal de contatos com inadimplentes feitos por empresas de cobrança registrou alta de 3,5% neste ano, de acordo com dados do Igeoc (que reúne companhias especializadas em recuperação de crédito).

"Há uma elevação na inadimplência, mas também estamos usando mais ferramentas, como o envio de SMS para celulares, que facilitam a comunicação", afirma o presidente do instituto, Egberto Blanco.

O envio de mensagens cresceu 4,58% em 2013.

Atualmente, são necessários cerca de quatro contatos com os consumidores para se ter um retorno.

O momento econômico do país, de crescimento baixo, não favorece as empresas de cobrança, segundo Blanco.

"Em épocas de crise, a inadimplência é maior, mas também é mais difícil conseguir receber dos devedores."

Compras na ponta do lápis
A propensão ao consumo do paulistano subiu 1,9% em junho ante o mês anterior, segundo índice da FercomercioSP. Essa foi a primeira alta após cinco retrações seguidas.

O indicador, que varia de 0 a 200, ficou em 130,6 pontos -- acima de 100 significa que a população está satisfeita.

Apesar da expansão, o cenário de inflação acelerada e pouco crescimento mantém o consumidor cauteloso, segundo Guilherme Dietze, assessor econômico da entidade.

"O aumento representa mais um ajuste de satisfação dos paulistanos do que uma recuperação econômica das famílias, pois ainda há uma tendência negativa", diz.

Em relação ao ano passado, junho apresentou uma queda de 6%. No geral, o segundo trimestre de 2013 teve uma média de 129 pontos, contra 134 do primeiro e 141 do mesmo período de 2012.

Todos os itens que compõem o indicador tiveram variações positivas em junho, exceto o de expectativa de crescimento profissional (-3,8%).

INVESTIMENTO PESSOAL
O mercado de seguros de pessoas movimentou R$ 10,3 bilhões em prêmios (valores pagos pelos segurados) entre janeiro e maio de 2013, segundo dados da FenaPrevi (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida).

O valor é 17,12% maior do que o arrecadado no mesmo período do ano passado.

"O PIB cresce pouco, mas o país tem quase pleno emprego, o que beneficia o setor", diz Osvaldo Nascimento, presidente da entidade.

A maior expansão foi de seguro-viagem (63,82%). Outro destaque foi o de prestamista (28,07%), relacionado ao pagamento de dívidas.

"A ascensão das classes D e E também favorece o mercado, pois isso se faz através da aquisição de bens por crédito", diz Nascimento.

O seguro-desemprego, porém, caiu 36,72%. "Esse ainda é um ramo de vendas pequeno no país, então oscila muito. Também tivemos menos contratações neste ano."

Para pequenos A Chicletaria, rede de lojas especializada no segmento infantil, vai abrir quatro novas unidades até 2014. A expansão inclui três franquias (Sorocaba, Botucatu e São Luís) e uma loja própria (Campo Grande).

Camisa histórica A Liga Retrô, grife esportiva de réplicas de uniformes de times que fizeram história, deve fechar o ano com 30 unidades. A meta é chegar a todas as cidade-sede da Copa até 2014. A rede fechou 2012 com 11 lojas.

Déficit de clareza - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 23/07

Em entrevista ao Estadão deste domingo, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, advertiu que a política fiscal (receitas e despesas do governo) "não é clara".

As decisões de ontem anunciadas pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior, e pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, mostram um esforço destinado a aumentar a transparência das contas públicas.

No entanto, o desempenho da política fiscal continua despertando dúvidas, mesmo depois de anunciada e reafirmada a resposta da presidente Dilma às manifestações, constituída de cinco pactos, o primeiro deles o compromisso com um pacto de responsabilidade fiscal.

O governo Dilma comprometera-se em lei, a observar neste ano um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 3,1% do PIB ou de R$ 155,9 bilhões, com redução prevista de R$ 65, 2 bilhões. Como os resultados apontavam grande distância de objetivo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, comprometeu-se, em junho, a cumprir meta de superávit primário equivalente a 2,3% do PIB.

Ontem, esse número foi formalmente mantido, mas pressupõe o crescimento econômico (PIB) para este ano de 3,0%, projeção irrealista diante do fraco desempenho da economia.

Essa variável é crucial. Um PIB mais raquítico implica arrecadação mais baixa. Assim, até mesmo os números revistos e atualizados não são integralmente confiáveis. O ministro Mantega alega que não pode rever para baixo as projeções do PIB "como se muda de roupa". No entanto, ele mesmo já não vinha sustentando essa projeção, admitindo que, em 2013, a economia apenas crescerá mais do que os 0,9% do ano passado.

Mas, se é assim, a revisão das contas públicas ontem divulgada continua apresentando déficit de clareza.

A arrecadação da União obtida em junho, ontem divulgada pela Receita Federal, foi decepcionante. Uma vez descontada a inflação do período, a evolução da receita do mês sobre junho do ano passado foi negativa (-0,99%) e em relação a maio, também (-2,73%). No primeiro semestre, a evolução foi positiva, mas pouco expressiva (+0,49%). Veja o Confira.

Diante da forte reação da opinião pública aos métodos heterodoxos aplicados sobre o resultado fiscal do ano passado, quando o secretário do Tesouro, Arno Augustin, submeteu os cálculos a critérios espúrios, o governo não parece disposto a repetir as mesmas arbitrariedades contábeis.

No entanto, já se sabe que boa parte dos resultados deste ano só será obtida com receitas atípicas e de qualidade discutível. Será constituída tanto de bônus de assinatura previstos com leilões de concessão agendados para este segundo semestre quanto de dividendos pagos por estatais à custa de injeções do Tesouro que, por sua vez, implicam aumento da dívida pública. Além disso, cortes de despesa de apenas R$ 10 bilhões parecem insuficientes para a obtenção do objetivo desejado. Enfim, a robustez das contas públicas apontada pela presidente Dilma - mas não confirmada pelo Banco Central - não apresenta a necessária firmeza.

Em vez de tentar resgatar a credibilidade para sua política, o governo está mais focado em ganhar tempo com o objetivo aparente de salvar a candidatura da presidente Dilma a um segundo mandato.

Menos imposto ou menos dívida? - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 23/07

Governo perde muito com 'desonerações', país não cresce e juros ainda são altos


O GOVERNO FEDERAL deixou de arrecadar R$ 35 bilhões no primeiro semestre devido a reduções de impostos, "desonerações", soube-se ontem.

Extrapolando para o ano, dá pouco mais do que o equivalente a 1,5% do PIB. Com esse dinheiro no caixa, o deficit federal cairia a 0,2%. Quase zero.

Claro, se o governo não tivesse baixado impostos, o crescimento do PIB talvez fosse ainda menor neste 2013; a receita seria, pois, talvez, ainda menor. Portanto, a conta talvez não fechasse. Talvez. A coisa toda é enrolada. Logo, e daí?

Daí que essa conta de guardanapo serve ao menos para indicar que o governo federal não tem estado longe do deficit zero. Isto é, gastar apenas o que arrecada, ter um Orçamento equilibrado, não é nada impossível.

Entre 2007 e 2010, com a economia e a receita de impostos crescendo em geral bem, o governo bem poderia ter chegado ao equilíbrio.

Gastar apenas o dinheiro disponível da receita de impostos não é um sinal de superioridade administrativa ou, menos ainda, moral. Dadas certas condições, fazer dívida é racional e desejável, como sabe qualquer pessoa com algumas letras e números, além de bom-senso: se a dívida financia um investimento que dá mais retorno que a conta de juros, vale a pena, óbvio.

Nosso problema é que a dívida pública custa muito: taxa de juros de uns 16% ao ano; despesa de juros em torno de 4,8% do PIB, por ano. Seu financiamento tira muito dinheiro do setor privado, dinhei- ro que o governo, em geral, não gasta bem. De resto, a dívida ajuda a piorar a desigualdade de renda (quem tem dinheiro para emprestar ao governo é, claro, mais rico que o restante).

O deficit zero, o Orçamento federal equilibrado, teria efeitos provavelmente impressionantes no Brasil.

Em primeiro lugar, de cara "sobrariam" na mão do setor privado uns R$ 80 bilhões a R$ 90 bilhões por ano (dinheiro que o governo deixaria de tomar emprestado a fim de fechar as contas). Seria uma batata quente na mão dos poupadores e da finança, pois o dinheiro teria de ser posto em uso no setor privado, em vez de receber mansamente os juros do governo. Mas também seria uma grande oportunidade de investir: os juros na praça cairiam.

Segundo, o governo teria condições de obter juros menores e prazos maiores na rolagem da sua dívida. Apesar do deficit zero, o governo ainda teria, a princípio, de rolar anualmente uns 24% de sua dívida mobiliária (média por ano, o equivalente a quase 10% do PIB, uma enormidade). Mas poderia fazê-lo numa posição mais vantajosa.

Taxas menores implicariam, claro, despesas menores com juros. O governo poderia, assim, reduzir ainda mais sua dívida, ou baixar impostos de modo responsável e/ou investir mais. Além do mais, transferiria menos dinheiro para ricos (os que investem em dívida do governo, quase todo mundo da classe média alta para cima).

Seria um choque financeiro positivo, seria um choque produtivo (juros mais baixos para negócios), um choque de eficiência (pagamos impostos a fim de pagar juros para nós mesmos!) e um choque cultural (na nossa cultura rentista de gente acostumada a receber juros indecentes do governo).

Filme antigo - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 23/07

Nos últimos dois anos, o governo fez o mesmo que ontem: anunciou corte de gastos contando que as despesas não aumentariam como o previsto. E elas aumentaram. No passado, foram anunciados cortes em seguro-desemprego e na folha de salários, através do combate às fraudes. Os dois itens subiram. Agora, anunciam reduções de despesas do INSS e na lista dos gastos cotidianos.

Os ministros de Planejamento e Fazenda anunciaram cortes em viagens, contas de luz, fabricação de notas e moedas, alguns concursos, que serão postergados, locação de imóveis, material de limpeza. Ou seja, todo o ano, a lista é a mesma.

O que há de novo é a desistência de fazer o truque de transformar em receita imediata os recebíveis de Itaipu. Eles fariam assim: lançariam títulos para ter agora o dinheiro que receberiam da usina até 2023. Esse dinheiro capitalizaria uma conta chamada CDE, que cobre o aumento do custo da energia quando se usa térmicas em época de seca. Antes, isso era pago pelo consumidor. Com a decisão de reduzir o preço da energia, abriu-se um rombo nessa conta, até porque o baixo nível dos reservatórios exigiu muito uso de térmicas. Agora será feito de forma mais simples: o Tesouro vai transferir dinheiro na medida da necessidade. A próxima parcela será de R$ 400 milhões.

O economista Gil Castelo Branco, do site Contas Abertas, conta que vários dos objetivos dos anos anteriores não foram alcançados. Em termos reais, descontando a inflação do período, as despesas aumentaram.

- Os gastos com pessoal e encargos da União no primeiro semestre de 2012 foram de R$ 107,6 bilhões e em 2013 foram de R$ 108 bi. O pagamento do seguro-desemprego subiu de R$ 13,6 bilhões para R$ 14,4 bilhões. Os gastos com passagens aéreas e diárias, também no primeiro semestre, saíram de R$ 615 milhões, em 2011, para R$ 882,5 milhões, no ano passado, e R$ 942 milhões, este ano - explica.

O governo fez o de sempre: anunciou intenção. Isso não se cumpriu nos últimos anos. E em 2011 o governo chegou a garantir que conseguiria essas reduções no gasto da folha, porque havia contratado uma consultoria para avaliar as despesas e verificar fraudes.

Uma diferença forte é que em 2011 o anúncio do corte foi de R$ 50 bilhões; no ano passado, de R$ 55 bilhões; e este ano, de R$ 10 bilhões. Mas ele se soma a outros R$ 28 bilhões já contingenciados.

Por causa da inflação alta, o corte este ano deveria ser maior para ajudar no combate à alta dos preços. O problema é que a arrecadação está decepcionando e já não há mais folga na receita. Segundo a Receita Federal, a arrecadação cresceu apenas 0,49% no primeiro semestre. Chega-se a esse número baixo percebendo o que aconteceu com as desonerações - recursos que o governo abre mão - que dispararam 75%, de R$ 19,9 bilhões, no mesmo período de 2012, para R$ 35,1 bi, este ano.

Os ministros anunciaram outros cortes que não se sabe se conseguirão cumprir. Um deles é o dos R$ 4,4 bilhões do INSS, de recálculo de despesas que eles tinham feito antes com as desonerações da folha salarial das empresas. Aliás, 79% dos cortes em gastos obrigatórios, que apresentaram, saíram de cálculos refeitos das contas que eles mesmos tinham feito, segundo Gil Castelo Branco.

Para o economista Felipe Salto, o corte foi tímido diante da necessidade do governo de economizar para cumprir o superávit primário. Alertou que o gasto que vai cobrir a CDE não entrou nas contas ainda, nem foi detalhado o corte de R$ 2,5 bilhões com subsídios, e fica uma enorme dúvida de onde virá.

O anúncio de ontem não trouxe a confiança esperada. Apenas deixou a sensação de filme antigo e muito visto.

No alvo do Paraguai - RUBENS BARBOSA

O GLOBO - 23/07

O Centro de Estudos Vale, da Columbia University, dirigido por Jeffrey Sachs, contratado pelo Paraguai, produziu um trabalho, “Alavancando a hidroenergia do Paraguai para o desenvolvimento econômico sustentável”, no qual incluiu capitulo sobre Itaipu.

Deixando de lado os aspectos técnicos e jurídicos pactados no Tratado de Itaipu, Sachs apela para a demagogia pouco acadêmica e decreta que o Paraguai já pagou sua parte da divida de Itaipu por três motivos:

* as taxas de juro foram demasiadamente altas desde o inicio;

* o preço pago pela eletricidade exportada ao Brasil foi inferior a US$ 52,7/MWh

* os custos de capital estão acima dos investimentos diretos por razões que não são transparentes.

O estudo recomenda que o Paraguai receba pagamento justo pela exportação, possa vender a energia de Itaipu para terceiros países, que os pagamentos deveriam basear-se no consumo real em lugar da potencia contratada e que as negociações sobre esses pontos não deveriam esperar até 2023.

As premissas assumidas por Sachs são equivocadas. Suas recomendações ignoram que as condições da amortização da dívida e da fixação do preço da potência gerada estão reguladas pelo tratado e só podem ser revistas em 2023 quando o tratado completar 50 anos e a usina estiver amortizada.

Se Sachs tivesse lido o tratado, teria verificado que no Anexo C, que trata das bases econômicas, ficou definido que o custo de “venda” seria determinado pelos custos de produção (construção e manutenção) divididos pela potência disponível das máquinas, chamada de Potência Garantida.

Traduzindo, as taxa de juros da época da contratação e em 1996, quando a divida foi renegociada, foram as vigentes no mercado; quanto à insinuação de superfaturamento pela diferença entre o imobilizado e o investimento, nunca houve qualquer questionamento e, se aconteceu, o maior prejudicado foi o consumidor brasileiro; o preço foi livremente definido e revisado de forma favorável ao Paraguai.

Além disso, o Paraguai tem se beneficiado de Itaipu pela transferência de recursos de três modos:

* “Fundos sociais”, que beneficiam os municípios do lado paraguaio próximos de Itaipu, com transferências de U$ 200 milhões em 2002 e de mais de U$ 600 milhões previstos para 2013;

* royalties, que são maiores do que os pagos em hidrelétricas brasileiras, e

* “Compensação pela cessão de energia”, que é dinheiro transferido do governo brasileiro ao paraguaio, sem passar pela Itaipu Binacional, pela venda ao Brasil de uma energia que não consegue consumir. Esse custo, cerca de US$ 1 bilhão a cada três anos, não é o preço da energia, como os paraguaios afirmam, mas um sobrepreço pago pelo Brasil. Quem paga a dívida de Itaipu é o consumidor brasileiro, que compra cerca de 90% da energia.

Em 2023, o Paraguai, sem ter feito nenhum investimento, ficará com 50% da usina de Itaipu, cujo valor então será maior do que o PIB do pais.

Agricultura: boa perspectiva - ANTÔNIO DELFIM NETO

VALOR ECONÔMICO - 23/07

Diante de tanta confusão e pessimismo produzidos por uma radical desconfiança entre o setor privado (que acha que o governo "ignora a realidade") e o governo (que acha o setor privado "excessivamente egoísta"), mesmo alguns progressos da política econômica e social são ignorados.
É o caso, por exemplo, do avanço representado pelo excelente Plano Agrícola e Pecuário para 2013/2014, que ataca alguns dos pontos críticos do agronegócio. Esse não se restringe apenas ao processo de produção e distribuição do setor agropecuário. Envolve toda a cadeia de serviços (pesquisa, transporte, armazenamento, produção de sementes, de insumos etc.), que hoje adiciona valor da ordem de 20% a 25% do PIB e emprega cerca de 30 milhões de pessoas, num espectro que vai do mais humilde trabalhador ao mais extraordinário cientista.
A safra 2012/2013 de cereais, leguminosas e oleaginosas deverá atingir 186 milhões de toneladas. Para efeito de comparação, a safra 2002/2003 foi de 123 milhões, o que significa aumento de 51% nos últimos dez anos (uma taxa formidável de 4,2% ao ano) que nos mantém na liderança do aumento da produtividade total dos fatores de produção na agricultura mundial no período.
O gráfico vale mais do que mil palavras: enquanto a produção cresceu entre 1975 e 2011 quase quatro vezes, o indicador ponderado dos insumos usados cresceu menos do que 10%. Esse aumento liberou mão de obra no período (18%), manteve estável a área plantada (mais 3%), com um aumento da relação capital/homem da ordem de 57% (1,3% ao ano). O progresso se deu, basicamente, pelo aumento da produtividade física da mão de obra da ordem de 4,7% ao ano, o que se refletiu nos salários.
Isso é explicado pelo Índice de Desenvolvimento Rural (IDR) produzido pela FGV-CNA, uma sofisticada tentativa de medir os impactos econômicos, sociais, demográficos e ambientais que acompanham o desenvolvimento da agricultura no nível dos 5.489 municípios do país..
O ranking foi dividido em quatro grupos, contendo cada um 25% dos municípios (1.372) da seguinte forma: 1) IDR baixo - menor ou igual a 0,339; 2) IDR regular - maior que 0,339 e menor ou igual a 0,538; 3) IDR médio - maior do que 0,538 e menor ou igual a 0,655; e 4) IDR alto - maior do que 0,655.
A tabela abaixo traz resultados interessantes. No primeiro quartil temos os municípios menos urbanizados (12,4 milhões de habitantes com 41,6% de população rural), com taxa média de alfabetização (dez anos ou mais) de 74,2% e 35,3% da população rural em extrema pobreza (rendimento abaixo de R$ 70). No último, temos municípios mais urbanizados (4 milhões, com 13,4% de população rural), com taxa de alfabetização de 93,1% e com 1,8% de pessoas de extrema pobreza rural.
A diferença é gigantesca: no primeiro quartil, para cada 100 pessoas residentes na zona rural, mais de 35 estavam em extrema pobreza; no último, menos de 2! São claros os efeitos da urbanização e da educação. Como em todos trabalhos estatísticos, as "conclusões sobre as causalidades" precisam ser discutidas com maior cuidado.
O Plano Agrícola de 2013/2014, o melhor em muitos anos, está atento à necessidade de acelerar o desenvolvimento do setor com um substancial aumento dos limites do crédito de investimento e custeio: aumento de prazos e redução da taxa de juros real; ataque ao trágico problema da capacidade estática de armazenamento da safra, que não permite ao produtor aproveitar as melhores "janelas" para a venda de sua produção; suporte à inovação e tecnologia; aumento da atenção à irrigação; aumento do seguro da safra, que um dia amenizará os riscos climáticos e das pragas sobre a renda da agricultura; apoio à formação de estoques, que reduzem os efeitos dos "choques de oferta" que tanto comprometem a taxa de inflação; ampliação da assistência técnica e a recuperação da extensão rural e, por fim, o apoio à ação cooperativista na agricultura.
A resposta da agroindústria será um estímulo importante para a disseminação do aumento da sua participação no crescimento do PIB.

Eles estão de brincadeira - MARCO ANTONIO VILLA

O GLOBO -23/07

Dois poderes acabaram concentrando a indignação popular: o Executivo e o Legislativo. Contudo, o Judiciário deve ser acrescido às vinhas da ira


No já histórico junho de 2013, as ruas foram ocupadas pelos cidadãos. Foi um grito contra tudo que está aí. Contra os corruptos, contra os gastos abusivos da Copa do Mundo, contra a impunidade, contra a péssima gestão dos serviços públicos, contra a violência, contra os partidos políticos.

Dois poderes acabaram concentrando a indignação popular: o Executivo e o Legislativo. Contudo, o Judiciário deve ser acrescido às vinhas da ira.

Neste mesmo espaço, em 13 de dezembro de 2011, escrevi um artigo (“Triste Judiciário”) tratando do Superior Tribunal de Justiça, o autointitulado tribunal da cidadania.

Um ano e meio depois resolvi consultar o site do tribunal (www.stj.jus.br) para ver se tinha ocorrido alguma modificação nas mazelas que apontei. Para minha surpresa, tudo continua absolutamente igual ou, em alguns casos, pior.

Busquei inicialmente o número de cargos. Vi uma boa notícia. Eram 2.741 em 2012 e em 2013 tinha diminuído para…. 2.740. Um funcionário a menos pode não ser nada, mas já é um avanço para os padrões brasileiros. Porém, ao consultar as funções de confiança, observei que nos mesmos anos tinham saltado de 1.448 para 1.517.

Fui pesquisar a folha dos funcionários terceirizados. São 98 páginas. Mais de 1.550 funcionários! E tem de tudo um pouco. São 33 garçons e 56 copeiras. Afinal, suas excelências têm um trabalho desgastante e precisam repor as energias. No STJ ninguém gosta de escadas. É a mais pura verdade. São 34 ascensoristas: haja elevadores! Só de vigilantes — terceirizados, registre-se — são 264. Por ironia, a empresa contratada chama-se Esparta. E se somarmos os terceirizados mais os efetivos, teremos muito mais dos que os 300 espartanos que acompanharam Leônidas até as Termópilas, longe, evidentemente, de comparar suas excelências com o heroísmo dos lacedemônios.

Resolvi consultar a folha de pagamentos de junho. Fiquei só na letra A. Não por preguiça. É que preciso trabalhar para pagar os impostos que sustentam os salários das suas excelências.

Será que o tribunal foi isento da aplicação do teto constitucional? Dos cinco ministros que abrem a lista, todos recebem salários acima do que é permitido legalmente.

Vamos aos números: Antonio Carlos Ferreira recebeu R$ 59.006,92; Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin, R$ 36.251,77; Ari Pargendler, R$ 39.251,77; Arnaldo Esteves Lima, R$ 39.183,96; e Assusete Dumont Reis Magalhães, R$ 39.183,96. Da lista completa dos ministros, a bem da verdade, o recordista em junho é José de Castro Meira com o módico salário de R$ 63.520,10. Os ministros aposentados também recebem acima do teto. Paulo Medina, que foi aposentado em meio a acusações gravíssimas, recebeu R$ 29.472,49.

O STJ revogou o artigo 5º da Constituição? Ou alterou a redação para: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, exceto os ministros do STJ”?

O tribunal é pródigo, com o nosso dinheiro, claro. Através do que chama de aviso de desfazimento, faz doações. Só em 2013 foram doados dezenas de veículos supostamente em estado “antieconômico.” Assim como refrigeradores, mobiliário, televisores e material de informática. É o STJ da felicidade. Também, numerário não falta. Para 2013 o orçamento é de 1 bilhão de reais. E estamos falando apenas de um tribunal. Só para pagamento de pessoal e de encargos sociais estão alocados 700 milhões. Sempre pródiga, a direção do STJ reservou para a contribuição patronal da seguridade social dos seus servidores a módica quantia de 100 milhões (mais que necessário, pois há servidores inativos recebendo R$ 28.000,00, e pensionistas com R$ 35.000,00).

O tribunal tem 166 veículos (dos quais 20 são ônibus). Por que tantos veículos? São necessários para o trabalho dos ministros? Os gastos nababescos são uma triste característica do STJ. Só de auxílio-alimentação serão destinados R$ 24.360.000,00; para assistência médica aos ministros e servidores foram previstos R$ 75.797.360,00; e à assistência pré-escolar foram alocados R$ 4.604.688,00. À simples implantação de um sistema de informação jurisdicional foi destinada a fabulosa quantia de R$ 22.054.920,00. E, suprema ironia, para comunicação e divulgação institucional, o STJ vai destinar este ano R$ 14.540.000,00.

A máquina do tribunal tem de funcionar. E comprar. Em um edital (e só consultei os meses de junho e julho) foram adquiridos 1.224 copos. Noutro, por R$ 11.489,00, foi contratada uma empresa de eventos musicais. Estranhamente foram adquiridos 180 blocos para receituário médico, 50 blocos para ficha odontológica e 60 pacotes — cada um com 100 unidades — de papel grau cirúrgico (é um tribunal ou um hospital?).

É difícil entender a aquisição de 115 luminárias de uma só vez, a menos que o prédio do tribunal estivesse às escuras. Pensando na limpeza dos veículos foram adquiridas em julho 70 latas de cera para polimento. Tapetes personalizados (o que é um tapete personalizado?) custaram R$ 10.715,00 e de uma vez compraram 31 estiletes.

Não entendi, sinceramente, a razão de adquirir 3.360 frascos de 1.000 ml cada de álcool. E o cronômetro digital a R$ 1.690,00? Mas, como ninguém é de ferro, foi contratada para prestar serviço ao STJ a International Stress Manegement Association.

Mas, leitor, fique tranquilo. O STJ tem “gestão estratégica”. De acordo com o site, o tribunal “concentra esforços na otimização dos processos de trabalho e na gestão da qualidade, como práticas voltadas à melhoria da performance institucional e consequentemente satisfação da sociedade”. Satisfação da sociedade? Estão de brincadeira.

Meta fiscal ficha limpa - JOSÉ PAULO KUPFER

ESTADÃO - 23/07

Nada que diga respeito à ação do governo, na administração das contas públicas, tem, hoje, credibilidade. Este é, no momento, o maior problema da política fiscal - e um dos maiores da política econômica. A presidente Dilma e sua equipe econômica têm perdido cruciais batalhas das expectativas e as manobras fiscais - um extenso rol de ações exóticas para inflar receitas, que tipificam uma ampla "contabilidade criativa" -, com consequências deletérias para o desempenho da economia, estão entre as principais raízes dessas derrotas.
O forte encolhimento na arrecadação, consequência combinada do esfriamento da economia com desonerações descoordenadas, que deu mais impulso à criatividade contábil, ainda não registra indícios de reversão. Mas a tática de recorrer a manobras capazes de "produzir" receitas temporárias ou extraordinárias, sem afetar o endividamento público líquido, passou dos limites e se tornou tanto tecnicamente imprudente quanto politicamente inviável. Ficou, assim, muito mais exposta a necessidade de cortar gastos para manter um superávit primário dentro de algum parâmetro minimamente suficiente para assegurar bom comportamento à relação dívida pública/PIB.
Há pouco menos de dois meses, o governo abandonou a meta de superávit primário cheia de 3,1% do PIB e assumiu que entregaria um primário de 2,3% do PIB. Mas mesmo essa meta mais modesta está cercada de dúvidas.
Analistas avaliam que, diante das dificuldades em elevar a arrecadação corrente e do dilema entre aprofundar os cortes e incentivar a economia, o superávit primário, em 2013, tende a ficar abaixo de 2% do PIB. O governo reforçou essa especulação ao divulgar ontem, depois de intenso vaivém de números, um corte adicional de R$ 10 bilhões nas despesas orçamentárias deste ano. O valor é menos da metade dos primeiros exercícios de contenção de gastos na reprogramação do bimestre e, somado ao bloqueio anunciado anteriormente, não chega ao total contingenciado no ano passado.
Ao acentuar o recurso às manobras fiscais, o governo bagunçou a avaliação do comportamento das finanças públicas e atropelou a transparência na administração de suas contas. Embora só forçando a barra se possa falar em descontrole fiscal, a "sensação térmica" é de que, com os truques utilizados, uma crise da dívida pública estaria sendo contratada.
Quando o déficit nominal (incluindo as despesas com juros) não chega a 3% do PIB - um porcentual confortável em qualquer padrão internacional -é difícil sustentar que as contas públicas estejam por um fio. Ao mesmo tempo, se é certo que a dívida pública bruta tem avançado, incorporando os recorrentes truques fiscais que não se revelam na dívida líquida, a sua trajetória registra mais uma ideia de estabilidade do que de uma escalada ao precipício.
Sim, hoje a dívida pública bruta se encontra em 59,6% do PIB, no conceito do Banco Central, ou em 69% do PIB, no conceito do FMI, quando mal passava de 60%, em 2010. Mas, há pouco mais de dez anos, estava em 80% do PIB. Sim, a relação dívida bruta/PIB é agora a mais alta dos emergentes, mas, como sugerem técnicos independentes e do mercado, descontado o impacto da acumulação de reservas internacionais - um seguro contra crises cambiais, cujo volume ótimo é muito complicado de determinar -, acomoda-se pouco acima da linha de 40% do PIB, ponto médio e confortável do grupo.
O que parece claro é que, se existe uma distância entre a realidade fiscal e a sua percepção, atuar na reversão dessa percepção é uma providência indispensável. Se tinha esse objetivo, o pacto de responsabilidade fiscal proposto por Dilma, em meio ao tumulto das manifestações de junho, passou longe do alvo. É urgente, por todos os motivos, assumir um compromisso solene com uma meta fiscal realmente ficha limpa.

Não com o meu dinheiro - DANIEL SOTTOMAIOR

GAZETA DO POVO - PR - 23/07

Simultaneamente à chegada do papa ao Palácio da Guanabara, ontem, manifestantes em seis cidades do país exigiram seu direito de não serem tratados como cidadãos de segunda classe do Estado brasileiro. No Brasil, alguns cidadãos podem ter seus eventos religiosos promovidos com dinheiro público; outros, não. Alguns cidadãos têm as viagens dos líderes de suas religiões promovidas com dinheiro público; outros, não.

Podemos até custear a segurança do papa, mas não é de interesse público torrar R$ 850 mil de impostos em sua recepção, ou usar aviões da FAB para trazer os veículos papais ao Brasil. Pelo mesmo motivo não se pode utilizar as Forças Armadas para transportar ícones religiosos, criar feriado municipal em quatro dias, nem transferir para o Estado os gastos em saúde que cabem aos organizadores de qualquer evento, segundo entendimento do próprio Ministério Público do Rio de Janeiro. E esses são apenas alguns exemplos. Os levantamentos da mídia apontam cerca de R$ 120 milhões em gastos públicos – e o Estado se recusa a dar transparência a esses números, divulgando as cifras exatas.

Desde a fundação da República as autoridades tratam a laicidade com descaso. E as violações ocorrem de maneira perversa, porque o Estado já não tem influência nenhuma sobre a religião, mas a religião continua se utilizando do Estado para ganhar dinheiro e influência. Isso precisa parar.

Apelidamos de “desbatismo” a forma encontrada para protestar contra o uso da coisa pública pela religião. Com o desbatismo, afirmamos que ninguém tem direito de nos impingir uma religião: nem a nós, pessoalmente, nem ao dinheiro dos nossos impostos, nem ao Estado brasileiro. Afinal de contas, o uso de dinheiro público em eventos católicos nos torna, todos, católicos à força. Essa influência é não apenas injusta como também é ilegal, pois contraria a laicidade constitucional do Estado brasileiro e nossa liberdade de consciência e crença, excluindo todos aqueles que não são católicos. E, segundo as últimas pesquisas, os eleitores não católicos são 43%.

Com o desbatismo, estamos dizendo: não somos menores, somos iguais. E não queremos que o Estado ceda seu poder ou seu dinheiro a qualquer crença ou descrença. O financiamento público de viagens de chefes de Estado só é justo quando elas se devem a assuntos de Estado, não a fins religiosos. Nenhuma norma ou prática pode contrariar princípio constitucional como a laicidade.

Convém lembrar que nem entre os católicos há muitas pessoas que levam a sério a mensagem da sua igreja. No Brasil, as pessoas se divorciam. Muito. E livremente. Elas usam pílula e camisinha, fazem sexo fora do casamento, fazem ou se beneficiam de pesquisas com células-tronco. Brasileiros dão direitos aos homossexuais, fazem aborto de anencéfalos e em caso de estupro. E todas essas coisas podem acontecer aqui, não graças a qualquer deus, mas apesar do catolicismo, apesar do papa, e graças à laicidade do Estado que teimam em violar.

Nenhuma crença ou descrença pode ser privilegiada pelo Estado. Sem exceções. São os fiéis de uma religião que devem sustentar as atividades dela e de seus líderes. Não importa quantos adeptos tenha, nenhuma crença pode ser tratada pelo Estado de maneira diferente das demais. A igualdade não está sujeita à maioria e não depende de voto: é um princípio inegociável de uma República democrática e justa.

Não me espione, eu entrego - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 23/07

O século 21 tem como uma de suas marcas a abolição da privacidade, com o consentimento quase geral


O escritor espanhol Rafael Argullol contou, domingo, em "El País", que deixou de comprar um carro porque o vendedor mostrou-se excessivamente bem informado a respeito do cliente. Sabia, por exemplo, a exata altura de Argullol.

O que interessa a altura de uma pessoa a um vendedor de carros? Simples: lhe permitia oferecer um modelo com a barra de direção ajustável, quesito importante para um comprador de 1,87 m como Argullol.

Não, o escritor não deve ter frequentado a lista de cidadãos espionados pelo esquema revelado por Edward Snowden. Ele, como 11 de cada 10 mortais comuns, forneceu seus dados para algum cadastro.

A partir desse pequeno e irrelevante incidente, Argullol chegou à conclusão de que mais inquietante do que o megaesquema de espionagem exposto por Snowden "é a cumplicidade com que os cidadãos se prestam gostosa e insensatamente" a saciar a sede de espionagem.

"Snowden --prossegue o escritor-- consciente ou inconscientemente, pôs o século 21 ante o espelho de suas próprias aberrações: abolição da intimidade, apatia, submissão".

Se fôssemos honestos conosco mesmos, diríamos que a espionagem nem é necessária, porque entregamos a mil e uma diferentes fontes, privadas ou públicas, tudo o que elas querem saber a nosso respeito.

Pior: isso facilita a nossa vida, como constata Timothy Garton Ash, catedrático de Oxford: "Me agrada que a Amazon me apresente sem parar sugestões de livros que podem me interessar, porque costumam ser sugestões bastante acertadas".

E a Amazon só pode fazer "sugestões bastante acertadas" se tiver um perfil completo de Ash, como o vendedor de autos tinha de Argullol.

Reclamar de invasão de privacidade pode até ser justo, se estivermos dispostos a viver sem as sugestões das Amazon da vida ou de fabricantes de automóveis que se ajustam à altura do freguês ou do cartão de crédito que conhece nossos hábitos de viagem e por aí vai.

Há invasões de privacidade, ademais, das quais não adianta reclamar, porque são compulsórias. A Receita Federal, por exemplo, dispõe anualmente de todos os dados da vida financeira dos contribuintes, para não mencionar outras repartições públicas às quais ou fornecemos informações ou ficamos sem acesso a seus serviços.

O esquema denunciado por Snowden apenas eleva à enésima potência a "abolição da intimidade" apontada por Argullol, a ponto de permitir a ele dizer que "a magnitude das cifras não oferece dúvidas: toda a humanidade é suspeita" [no caso, suspeita de terrorismo].

O problema nem é, aliás, a suspeição indiscriminada, mas o fato de a vigilância estar terceirizada (o próprio Snowden não era funcionário do governo, mas de uma empresa privada).

O que quer dizer que os seus dados, os meus dados, os nossos dados, podem ser usados para todo tipo de finalidades, desde "sugestões bastante acertadas" da Amazon até chantagens, extorsões e outras atividades nada acertadas.

Como somos cúmplices, a quem reclamar?

Fatofobia - RODRIGO CONSTANTINO

O GLOBO - 23/07

O governo não fez o dever de casa. Perdemos a incrível oportunidade que veio de fora. E bilhetes de loteria como este não aparecem o tempo todo


A presidente Dilma tem atacado a “postura pessimista” daqueles que criticam a situação econômica. Ela foi buscar até em Camões inspiração para acusar esses “profetas do Apocalipse”. Sinto-me, em um surto de megalomania narcisista, diretamente atingido. Afinal, tenho feito duras críticas ao modelo econômico nos últimos três anos, aqui nesse espaço, alertando que o modelo era insustentável e que teríamos sérios problemas.

Para os “desenvolvimentistas”, não há problema algum, ou, se há, eles vêm de fora. Tenho dificuldade de compreender por que as economias de Chile, Peru, Colômbia e México continuam crescendo bem mais que a nossa, e com bem menos inflação. Mas deve haver alguma explicação mirabolante que me escapa.

Ou, então, a equipe da presidente sofre do que podemos chamar de “fatofobia”. Não é “fotofobia”, ainda que possa ser medo da luz também; é “fatofobia” mesmo, ou seja, um verdadeiro pavor dos fatos. A realidade pode assustar. E o governo opta pela via fácil: negá-la.

Senão, vejamos: a presidente diz que tem “certeza” de que a inflação fechará o ano dentro da meta. A meta, não custa lembrar, é 4,5%, o que já é um patamar bastante elevado para padrões internacionais. Mas Dilma tem em mente outro valor: o topo da banda, existente para casos esporádicos.

Em seu governo, o topo virou a meta, e a presidente dorme tranquila com mais de 6% ao ano de perda do poder aquisitivo da moeda. Quem perde o sono é o povo, que precisa fazer compras no supermercado.

Outro fato que a presidente escolhe ignorar diz respeito aos crescentes gastos públicos. Eles sobem sem parar. Não tem crise na ilha da fantasia em Brasília. Não há nada de “anticíclico” neles, pois na época da bonança eles aumentam, e na época do arrefecimento também. Mas a presidente faz uma comparação em relação ao PIB e conclui que eles não subiram tanto.

Ora, presidente, permita-me a sinceridade, mas isso é malandragem! Se o próprio PIB tem crescido de forma insustentável, estimulado justamente pelo gasto público e também por muito crédito sem o devido lastro na poupança, é claro que a proporção do gasto sobre o PIB pode ficar até estável, e ainda assim isso representar um grave problema. Foi o que aconteceu na Espanha, por exemplo. O crescimento artificial da economia, turbinado pelo crédito e o governo, mascarou a magnitude do problema.

Todos sabem que o governo vem apelando para “malabarismos contábeis” bastante rudimentares. Esses truques baratos jogam a sujeira para baixo do tapete, mas ela está lá. E um dia vem à tona. Não dá para enganar todo mundo o tempo todo.

O que me remete a um pensamento assustador: nossa crise nem começou! É verdade que o clima ruim já se instalou, mas os esqueletos ainda estão bem escondidos nos armários. Além disso, o custo do capital no mundo ainda está muito barato, e a economia chinesa cresce perto de 7% ao ano. O que vai acontecer quando a taxa americana de juros subir, ou a economia chinesa embicar?

Não vamos ignorar que a China plantou seus próprios problemas, com um modelo intervencionista, totalmente calcado em investimentos direcionados pelo estado. Há inúmeros “elefantes brancos” por lá, até “cidades fantasmas”. Administrar essa transição para uma economia mais voltada para o consumo não é nada trivial. Se o trem descarrilar no processo, sai de baixo! O Brasil será duramente afetado.

Portanto, eis a situação: vamos muito mal das pernas, com baixo crescimento, parcos investimentos, e alta inflação. Mas isso tudo em um cenário em que ainda há abundância de capital nos mercados e forte crescimento chinês. Como efeito disso, ainda temos um quadro de pleno emprego. Pergunta: o que acontece com a inadimplência dos bancos se o desemprego subir, lembrando que o governo vem aumentando em mais de 20% ao ano o crédito público? Pois é...

O prognóstico não é nada bom. E quanto mais o governo fugir dessa dura realidade, tal como uma menina foge desesperada da barata, pior será o ajuste necessário depois. O governo não fez o dever de casa. Perdemos a incrível oportunidade que veio de fora. E bilhetes de loteria como este não aparecem o tempo todo. O que fazer agora?

A primeira coisa deveria ser aceitar os fatos como eles são. Como lembrou Aldous Huxley, os fatos não deixam de existir porque são ignorados. Isso demanda coragem, uma postura de estadista, que assume os erros passados para poder mudar o curso. Como não vejo isso acontecendo no atual governo, vou seguir com minha maldição de Cassandra, espalhando alertas pessimistas por aí.

Mundo da Lua - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 23/07

O grande tema que emergiu da reunião do Diretório Nacional do PT realizado no fim de semana, em Brasília, não foi a "renovação profunda" proposta dias antes pelo comandante em chefe da tropa, Luiz Inácio da Silva.

O assunto foi uma briga da bancada na Câmara dos Deputados e a aprovação de um documento que repetia sugestão feita pelo PMDB sobre mudanças no Ministério e na política econômica.

Do ponto de vista do que vem acontecendo no Brasil, da virada do processo eleitoral de 2014 de cabeça para baixo, dos problemas que o partido no poder tem para resolver e os desafios que precisa enfrentar, uma reunião pífia, desconectada da realidade.

Neste aspecto, fez bem a presidente Dilma Rousseff de não comparecer ao encontro a pretexto de ter mais o que fazer em reunião de trabalho para tratar da visita do papa Francisco. Passou o recado de que o momento é de dar mais atenção ao País que ao partido, não se contaminou com divisões internas e evitou ser fotografada com José Dirceu, que lá estava.

O PT engalfinhou-se na irrelevante questão: a presença de Cândido Vaccarezza no comando da comissão que vai elaborar proposta de reforma política porque não "representa" a bancada devido à sua proximidade com o PMDB. No fim, foi indicado Ricardo Berzoini como o representante do pensamento do partido sobre a reforma.

Sim, Berzoini. O mesmo que presidia o PT na época em que petistas foram presos com dinheiro para comprar um dossiê contra o tucano José Serra e foi apontado pelo então presidente Lula como responsável pela contratação dos por ele chamados de "aloprados".

Para a bancada petista na Câmara esse deputado "representa" o partido que não vê nada demais em dizer isso no momento de intenso questionamento externo e nenhuma autocrítica interna. No lugar de "reformulação profunda", o que se tem é a renovação do visto de permanência dos petistas no mundo da Lua.

Gabeira. Os partidos o têm procurado, o mundo político muito tem especulado sobre a possibilidade de uma candidatura de Fernando Gabeira ao governo do Rio, mas ele manterá afastado de si esse cálice.

Cético quanto à hipótese de se realizarem mudanças de fundo nos meios e modos de governar, Gabeira prefere se manter no rumo da volta ao jornalismo a se comprometer com esse ou aquele partido, cujas estruturas estão "ancoradas no século passado".

Pretende, sim, ajudar a oposição tanto no plano estadual quanto local, mas acha que pode dar maior contribuição na retaguarda analítica escrevendo artigos, fazendo palestras e reportagens sobre a complicada cena brasileira.

Aprendiz. Quando apareceu na sexta-feira passada para falar brevemente sobre o quebra-quebra que se seguiu aos protestos nas cercanias do edifício onde mora no Leblon, o governador Sérgio Cabral referiu-se ao "aprendizado" do poder público no trato desse tipo de situação.

Incorreu numa inversão de valor: governantes não têm que usar o governo para "aprender"; candidatos é que precisam estar suficientemente preparados para, uma vez eleitos, enfrentar os problemas e oferecer soluções.

O uso abusivo do marketing nas campanhas esconde defeitos, ressalta qualidades inexistentes e dificulta a avaliação correta por parte do eleitor.

De outro lado, o deslumbramento com as facilidades do poder leva boas ações de governo a se perderem nos desvãos do mau comportamento de governantes.

Proselitismo religioso - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 23/07
Pelo menos no seu primeiro pronunciamento em solo brasileiro, o Papa Francisco não deu margem à politização de sua mensagem, como esperavam o governo brasileiro e os católicos ligados à Teologia da Libertação. Ao contrário da presidente Dilma, que aproveitou a ocasião para fazer um discurso de cunho eminentemente político, com autoelogios aos 10 anos de governo do PT, o Papa ateve-se à exaltação da força dos jovens, tema específico da Jornada Mundial da Juventude: "Cristo bota fé nos jovens e confia-lhes o futuro e sua própria casa. E também os jovens botam fé em Cristo", garantiu o Papa na cerimônia de boas-vindas no Palácio Guanabara.

Enquanto o Papa discursou por apenas 15 minutos, a presidente Dilma levou o dobro do tempo para dar um tom político claramente fora de hora. Como que esperando que o Papa fosse se referir aos recentes protestos ocorridos pelo país, Dilma tratou de se justificar, repetindo a tese de Lula, que atribuiu os protestos aos sucessos dos governos petistas: "Democracia gera desejo de mais democracia. E inclusão social provoca cobrança de mais inclusão social. Qualidade de vida desperta anseios por mais qualidade de vida. Para nós, todos os avanços que conquistamos são só um começo", disse a presidente.

Ela afirmou que a juventude brasileira clama por mais direitos sociais. "Mais Educação, melhor Saúde, mobilidade urbana, Segurança, qualidade de vida na cidade e no campo". Na parte mais diretamente partidarizada, a presidente Dilma afirmou ainda que o Brasil "se orgulha de ter alcançado extraordinários resultados nos últimos dez anos na redução da pobreza. Fizemos muito e sabemos que ainda há muito a ser feito."

O Papa Francisco, que em outras oportunidades tratou de temas como a desigualdade e a necessidade de haver melhor distribuição de renda, estava a fim de falar apenas do seu objetivo central, que é a arregimentação da juventude para o catolicismo: "Cristo abre espaço para eles, pois sabe que energia alguma pode ser mais potente que aquela que se desprende do coração dos jovens", afirmou em seu discurso.

Como já havia feito na sua chegada ao Rio, quando se arriscou, sem perder o bom humor, no contato físico com o povo que cercou seu automóvel, o Papa Francisco fez questão de reafirmar a busca do despojamento ao destacar que não trazia "nem ouro nem prata, mas apenas Jesus Cristo".

Como se quisesse acentuar sua preocupação com o aspecto religioso de sua visita, ele garantiu que depois de amanhã pedirá por todos os brasileiros a Nossa Senhora Aparecida, "invocando sua proteção materna sobre seus lares e famílias".

Num país em que a Igreja Católica já foi hegemônica e hoje é amplamente majoritária, mas onde o pluralismo religioso vem se consolidando, com o crescimento dos evangélicos, o Papa parece mais empenhado em aproximar os jovens da religião, num proselitismo mais religioso que político.

O professor Cesar Romero Jacob, diretor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, lançou recentemente o e-book "Religião e Território no Brasil: 1991/2010", da Editora da PUC, que mostra que a Igreja Católica perdeu 24 pontos percentuais em 30 anos, quando o número de católicos caiu de 89% da população para 65%.

Provavelmente, o Papa Francisco terá ocasião, em sua visita ao país, de abordar temas como transparência na Igreja Católica e na política, globalização, opção preferencial pelos pobres, diálogo com os não crentes e ateus, que o aproximam da Igreja da América Latina. Mas, assim como é muito crítico a uma "civilização consumista, hedonista, narcisista", com "pessoas descartáveis", ele também tem uma visão crítica da política atual: "Algo aconteceu com nossa política, ficou defasada em relação às ideias, às propostas... As ideias saíram das plataformas políticas para a estética. Hoje, importa mais a imagem que o que se propõe. (...) Saímos do essencial para o estético, endeusamos a estatística e o marketing".

O gol de Romário - LUIZ GARCIA

O GLOBO - 23/07

Provavelmente, é o maior escândalo na história da cartolagem do esporte profissional brasileiro. E também, vale a pena repetir, um gol de placa do nosso artilheiro


Na terça-feira passada, Romário entrou em campo. Usava, se me permitem a pobreza da imagem, não as sandálias da humildade e da timidez, mas as chuteiras do artilheiro. E fez um gol de placa.

Denunciou ao plenário da Câmara um fato que muitos de seus colegas certamente ignoravam. E uns tantos outros fingiam ignorar — o que não é raro no mundo político. Por interesse direto, ou por contar que seus colegas façam o mesmo, quando for do seu interesse.

Romário simplesmente contou um episódio triste do mundo do futebol profissional. Aqui vai: no último dia 9, ocorreu em Brasília um jantar no qual o presidente da Confederação Brasileira de Futebol, José Maria Marin, foi recebido por um grupo de mais ou menos 25 deputados e senadores, para discutir um assunto que caridosamente podemos definir como cabeludo.

Ignoro, lamentavelmente, seus nomes e partidos. A opinião pública merecia conhecê-los.

Acontece, e a gente não sabia, que o Ministério do Esporte está preparando uma medida provisória que concederá anistia a dívidas de clubes de futebol do país inteiro, no valor de mais ou menos R$ 3 bilhões. É a soma do que devem ao INSS, ao Imposto de Renda e ao Fundo de Garantia — que eles simplesmente, ousadamente, não pagaram nos últimos 20 anos.

É um dinheirão, que se explica pela soma dos juros ao longo desse tempão. Provavelmente, é o maior escândalo na história da cartolagem do esporte profissional brasileiro.

A anistia, segundo o nosso craque — que agiu com coragem e sem nada ganhar com isso, a não ser o ódio dos mandachuvas do esporte que é a paixão do povo brasileiro — está sendo preparada pelo Ministério do Esporte.

Em seu discurso-denúncia, Romário não revelou o que ficou acertado no jantar que reuniu o presidente da CBF e parlamentares. Ninguém falou em pagamento: discutiu-se apenas o encaminhamento da anistia.

É uma vergonha, como poucas as que temos conhecido na vida pública brasileira. E também, vale a pena repetir, um gol de placa do nosso artilheiro.

Servidão voluntária - VLADIMIR SAFATLE

FOLHA DE SP - 23/07

"Eu não tenho nada para esconder. Por isso, pouco me importa que os EUA vejam meus e-mails, desde que isso nos permita vivermos em um mundo mais seguro."

Eu encontrei tal afirmação em um "post" no qual seu autor comentava uma notícia sobre o caso Edward Snowden. A primeira coisa que me veio à mente foi a lembrança de ter ouvido essa frase antes, mas em um contexto relativamente diferente.

Décadas atrás, um conhecido que estudava na antiga Alemanha Oriental, dissera: "Pouco me importa saber que a Stasi [polícia secreta da antiga Alemanha Oriental] me espione. Esse é o preço para defender o socialismo".

Ele só esquecera de per-guntar quanto valia um so- cialismo construído por meio da completa destruição da noção de espaço privado. Regime no qual os cidadãos alimentam a confiança infantil de que estão sendo escutados por alguém que perceberá quão bons e ordeiros eles são e que, por isso, merecem a proteção que os reis dedicavam aos bons súditos.

De fato, eu me perguntava se não havia algo de "amor ao agressor" e de necessidade neurótica de amparo nessa estranha tendência psicológica à servidão voluntária.

Hoje, quase 25 anos depois [da queda do Muro de Berlim], impressiona perceber quão parecidos são, em sua cegueira ideológica, essas duas pessoas que julgam defender mundos diferentes. É engraçado perceber como, no fundo, eles querem a mesma coisa: sacrificar, de uma vez por todas, a liberdade no altar de seus medos e obsessões.

Mesmo o filósofo Thomas Hobbes costumava dizer, à sua maneira: a soleira da minha porta é o limite do poder do Estado. O que pode significar que o Estado não entra, não legisla e nada diz sobre o que faço em meu espaço privado. Alguns dirão: "Salvo em situações excepcionais". O que explica por que governar, hoje, significa, em larga medida, perpetuar as ditas situações excepcionais a fim de o Estado poder legislar fora da lei.

Em um mundo onde até mesmo um louco assassinando alguém a machadinha transformou-se em um atentado terrorista, não é difícil imaginar como viveremos em um Estado de exceção permanente. O que me intriga é por que ainda chamar de "democracia" a uma situação assim.

Nesse sentido, devemos exigir do governo brasileiro, depois de descobrir que a privacidade de seus cidadãos foi violada sistematicamente por uma empresa que prestou serviços ao próprio governo brasileiro no período FHC, que forneça asilo a Snowden. Seu gesto foi eminentemente político. Talvez o gesto político por excelência em um momento como o nosso. Que pessoas como ele possam continuar a fazer gestos como o seu.

Um artigo otimista - ARNALDO JABOR

O Estado de S.Paulo - 23/07

"As ideias não correspondem mais aos fatos", cantou Cazuza, há 25 anos. Adoro essa frase. Os fatos de hoje são muito mais complexos do que as interpretações que eram disponíveis, entre progressistas e reacionários.

Os jovens do Movimento que começou em junho trazem para o País um novo estilo de contestação, típico do século 21 - uma contestação pontual, sem "projeto de nação ou de sociedade". É isso.

Não vivemos diante de "acontecimentos", mas só de incertezas, de "não acontecimentos". Na mídia, só vemos narrativas de fracassos, de impunidades, de "quase vitorias", de derrotas diante do Mal, do bruto e do escroto.

O mundo está pirado. Essa perplexidade provoca a busca de novos procedimentos, de novas ideologias, de uma análise mais cética diante de velhas certezas. O importante nessas novas manifestações é que elas (graças a Deus) não querem explicar a complexidade do mundo com umas poucas causas em que se trancam os fatos.

Na tradição do "ideologismo" brasileiro entranhado nas mentes, a ideia de complexidade é vista como "frescura" - macho mesmo seria simplista, radical, totalizante. Mas, no mundo atual, a inovação está justamente no parcial, no pensamento indutivo, em descobrir o Mal entranhado em aparências de Bem.

A ideia de uma solução "geral", "total" para o crescimento da economia brasileira é a herança dos velhos tempos da esquerda centralizadora. Para haver progresso, há que esquecer "planos" ou algo assim; temos de abandonar a ideia de uma política central, como nos planos quinquenais da URSS ou nos "saltos para a frente" da China de Mao. Somente uma política econômica indutiva, descentrada e pragmática, com mudança possíveis, pode ir formando um tecido de parcialidades que acabem por mudar o conjunto. É isso que os jovens propõem.

A chave é: "ações indutivas", conceito que é a fobia do pensamento filosófico de tradição europeia, continental. Bom mesmo sempre foi um doce silogismo aristotélico, com premissas e conclusão. Ou então uma boa causa universal que abranja tudo, o todo, o uno, do qual se deduz o particular. É uma herança da religião e do mito. Já o pensamento pragmático tem uma tradição mais anglo-saxônica (Hume, Locke, J.S. Mill), principalmente Francis Bacon e depois William James. Não é por acaso que o pensamento pragmático nas ciências e na filosofia aceleraram muito mais o progresso, saído de dentro do ventre da revolução comercial e conceitual inglesa. Esta, sim, foi a nascente do moderno pensamento filosófico e político. Suas ideias regeram o ritmo do capitalismo e dominaram o mundo.

O abstrato e ibérico vicio da "dedução" generalizante nos leva a uma paralisia, diminui a imaginação, a coragem de experimentar. Uma ideologia em bloco amarra uma coisa na outra, quer empacotar todas as particularidades num saco fechado, em uma "contradição fundamental" que explique tudo.

Essa é a razão pela qual, na historia brasileira, o acaso e a invasão de fatos inesperados do exterior tenham provocado mais avanços modernizadores do que políticas inúteis e utópicas de governos brasileiros - a crise de 29 e a revolução de 30, a queda do muro de Berlim, a grande revolução digital que bota as multidões na rua.

A chamada globalização da economia é um bonde carregado de problemas? Sim. Pode nos jogar num vazio de excluídos? Pode. Mas teve a vantagem de nos botar em contato com um pensamento mais livre. Isso foi a maior novidade: abandonar o simplismo totalizante e paranoico da tradição do marxismo vulgar que nossa esquerda adotou. A globalização rompeu as paredes da "taba" imaginária em que vivíamos. Eu tinha um orientador comunista que dizia que tudo era culpa do "imperialismo americano". Nós éramos vira-latas tupiniquins à mercê do temível mundo externo. Hoje sabemos que a causa de nossa miséria somos nós mesmos.

O apagamento de fronteiras culturais com o mundo nos tirou de um sonho de futuro e nos colocou mais no presente.

Não há mais futuro; só um enorme presente se processando. Um maior contato com métodos de gestão anglo-saxônicas trouxe dinamismo para empresas aqui, com uma nova ética administrativa.

Alias, a própria quebra do Estado brasileiro, nos anos 80, foi ruim e boa. Deu-nos uma orfandade dolorosa diante do gigante quebrado, mas criou mais autonomia para a sociedade civil e mais criatividade para empresas privadas. Deixou claro que o Estado tem de existir para a sociedade e não o contrario, como insistem os velhos comunas e alguns jornalistas que viraram "de esquerda" depois que a ditadura acabou, quando não havia mais perigo.

Essa orfandade nos despertou para a importância da competência contra o delírio utópico, apesar de filósofos desconfiarem que "competência técnica" pode ocultar "direitismo", tudo por causa de um velho artigo do Heidegger sobre a "técnica".

Muito mais importante que lamentar a pobreza é descobrir formas de combatê-la, muito além do Bolsa Família, a doce e inútil caridade (se a inflação voltar, haverá correção monetária para o Bolsa?). Há grande distância entre diagnóstico e solução. Muitos se contentam com o apontamento deprimido dos problemas, como se consequências fossem causas.

Melhoramos muito com a ideia do "possível", em vez da bravata das utopias. E isso não é covardia ou omissão; é sabedoria e prudência.

A tal "mão invisível" do mercado pode nos dar bananas, claro, mas "mercado" pode ser um termômetro dos perigos de gestões voluntaristas como temos hoje no Brasil e pode questionar certezas burras e relativizar um poder público que tende para o autoritarismo. Mudar o País tem de ser por dentro, e não uma intervenção mágica ou ditatorial.

A democracia brasileira, se for mantida, vai expelindo os micróbios que a atacam.

Por isso, neste artigo cabeça há esperança e otimismo. Muitas novidades que nos parecem detestáveis podem estar trazendo novos conceitos operadores que ajudarão a modernizar o País.