O Globo - 07/10
Eficiência do gasto é prioridade. O orçamento da educação aumentou, de 2010 a 2014, 9% real ao ano e mesmo assim os indicadores educacionais pioraram. O Fies era um programa de R$ 1 bilhão em 2011, hoje tem um desembolso de R$ 20 bilhões e mais R$ 8 bilhões ao ano de subsídio à taxa de juros, mas ainda assim está em crise. O governo Dilma se enrolou nas contas públicas por gastar muito e escolher mal.
Aumentar gasto não necessariamente leva ao aumento da qualidade dos serviços públicos. Esse é um ponto pouco entendido no debate brasileiro, muito marcado pelo discurso populista de que o mérito é sempre elevar o gasto. Nos anos dos governos do PT, acentuou-se esse descuido com a eficiência do gasto. O ex-presidente Lula gosta de dizer que sua administração foi a que mais abriu universidades. É verdade. Mas elas foram deixadas à míngua sem recursos para os mais básicos dos serviços de manutenção. A criação de novas universidades públicas deveria ter seguido um planejamento que começasse com a pergunta: essa é a prioridade do Brasil?
Há, evidentemente, outras necessidades no país, como o ensino médio que, apesar de ser obrigação dos estados, precisa de reforço financeiro do governo federal. E essas despesas serão crescentes.
O programa de financiamento estudantil teve um crescimento descontrolado durante o governo Dilma. A soma dos desembolsos com o custo do subsídio dá R$ 28 bilhões, quase um Bolsa Família. E isso beneficiou principalmente as universidades particulares, que passaram a ter uma receita garantida. Os grandes grupos educacionais estimulavam seus alunos a pedir Fies para não ter o risco de inadimplência. E o Fies foi formatado com muitas inconsistências. Uma delas: estabeleceu-se que a taxa de inadimplência no programa seria de 10%. Com base em quê? Ninguém sabe. Nos países onde programa de financiamento estudantil funciona há muito tempo, como nos Estados Unidos, chega a 40%. A nossa taxa começará a ser observada agora com o retorno do crédito após a formatura do aluno financiado.
O governo Dilma aumentou vários itens de gasto e considerou que isso era mérito. Até hoje seus defensores dizem que ela aumentou a despesa para atender a programas sociais, sem explicar quais programas tiveram aumento do orçamento, por que eles foram escolhidos, e com que efeito prático na vida da população.
A segunda reprovação de suas contas, recomendada pelo relator das contas de 2015 no TCU, ocorre por inúmeros desacertos. A ex-presidente conseguiu transformar um superávit primário num déficit de mais de 2% do PIB e elevar a dívida de 52% do PIB para perto de 70%, quando ela deixou o governo. Além do déficit, o país começou 2016 com despesas não pagas, o chamado “restos a pagar”, de R$ 180 bilhões. As despesas federais em todas as áreas aumentaram muito sem que houvesse melhora na qualidade dos serviços prestados à população.
É natural que as demandas por gastos públicos aumentem em diversas áreas, mas o que o governo Temer terá que fazer é realocar despesas. Na educação, por exemplo, é importante escolher bem. A proposta de elevar o número de escolas de ensino médio com horário integral vai exigir que o governo federal aumente as transferências para os estados. O dinheiro terá que sair de algum lugar onde a despesa seja menos eficiente e menos necessária.
Não há outro lugar de onde saia dinheiro para sustentar o aumento dos gastos que não o nosso bolso. A população financia o governo com seus impostos e por isso precisa exigir que o dinheiro seja gasto com eficiência, transparência e respeitando o ordenamento jurídico do país. Essa foi a discussão que levou à saída da presidente Dilma e que continua presente na análise do TCU.
Mais brasileiros chegam à idade de aposentadoria a cada ano e ficam mais tempo recebendo o benefício, por isso é inevitável rever a idade de se aposentar. Com a população mais velha, aumentará a demanda por serviços de saúde, por isso será preciso que o gasto seja eficiente. A briga entre gastadores e austeros deveria chegar ao ponto racional de se concluir que muitas vezes será preciso gastar mais, mas sempre será obrigatório gastar melhor.
sexta-feira, outubro 07, 2016
Começar de novo - NELSON MOTTA
O Globo - 07/10
Exigir desempenho dos partidos não é uma barreira, é um avanço para a democracia
Implosão de grandes partidos pode ser recomeço. Se a delação da Odebrecht não deixar pedra sobre pedra no PT, PMDB, PP, DEM e PSDB, o país será premiado. Quando está tudo tão podre e desmoralizado, não dá mais para remendar: é melhor começar de novo, zerar. Uma grande reorganização partidária, com novas regras, é mais do que uma reforma política, é começar uma vida nova em 2018.
A implosão dos grandes partidos, que já deram o que tinham que dar, para o bem e para o mal, pode ser ótima para o Brasil e a democracia. O que sobrar deles, as melhores partes, espera-se, poderão se juntar em novos partidos, com novas pessoas, ideias e práticas.
Um exemplo, péssimo: o programa do Partido Socialista Brasileiro exige a estatização total do sistema financeiro, dos meios de produção e da mídia, dividir o agronegócio em cooperativas e outros delírios soviéticos. Claro que o PSB não acredita nisso nem é louco de se apresentar em eleições com esse programa. Então, por que manter a farsa? Partidos devem ter programas claros e coerentes, capazes de atrair votos e nortear os seus mandatos parlamentares e suas administrações públicas. Novos partidos, novos programas. Pra valer, não para enganar o povo. É um erro de marketing, que favorece os atingidos por ela, chamar de “barreira” a cláusula que exige dos partidos representação no Congresso e desempenho eleitoral mínimo para ter acesso aos fundos partidários e ao horário eleitoral: sugere uma regra repressiva, excludente e antidemocrática, mas é só o instrumento para acabar com os partidos de aluguel ou sem representatividade política. Exigir desempenho não é uma barreira, é um avanço para a democracia. Por que manter na lei esse conceito que não expressa o seu objetivo e dificulta sua assimilação? Vai saber.
Com menos partidos, haverá mais dinheiro dos fartos fundos partidários e mais tempo nos horários de rádio e TV. Com a internet e as doações pessoais, será o novo financiamento público de campanhas. Faltam novos critérios de distribuição de tempo e dinheiro: em vez de dar mais aos que já são mais fortes, quem sabe dividir metade entre todos, e metade entre os maiores?
Exigir desempenho dos partidos não é uma barreira, é um avanço para a democracia
Implosão de grandes partidos pode ser recomeço. Se a delação da Odebrecht não deixar pedra sobre pedra no PT, PMDB, PP, DEM e PSDB, o país será premiado. Quando está tudo tão podre e desmoralizado, não dá mais para remendar: é melhor começar de novo, zerar. Uma grande reorganização partidária, com novas regras, é mais do que uma reforma política, é começar uma vida nova em 2018.
A implosão dos grandes partidos, que já deram o que tinham que dar, para o bem e para o mal, pode ser ótima para o Brasil e a democracia. O que sobrar deles, as melhores partes, espera-se, poderão se juntar em novos partidos, com novas pessoas, ideias e práticas.
Um exemplo, péssimo: o programa do Partido Socialista Brasileiro exige a estatização total do sistema financeiro, dos meios de produção e da mídia, dividir o agronegócio em cooperativas e outros delírios soviéticos. Claro que o PSB não acredita nisso nem é louco de se apresentar em eleições com esse programa. Então, por que manter a farsa? Partidos devem ter programas claros e coerentes, capazes de atrair votos e nortear os seus mandatos parlamentares e suas administrações públicas. Novos partidos, novos programas. Pra valer, não para enganar o povo. É um erro de marketing, que favorece os atingidos por ela, chamar de “barreira” a cláusula que exige dos partidos representação no Congresso e desempenho eleitoral mínimo para ter acesso aos fundos partidários e ao horário eleitoral: sugere uma regra repressiva, excludente e antidemocrática, mas é só o instrumento para acabar com os partidos de aluguel ou sem representatividade política. Exigir desempenho não é uma barreira, é um avanço para a democracia. Por que manter na lei esse conceito que não expressa o seu objetivo e dificulta sua assimilação? Vai saber.
Com menos partidos, haverá mais dinheiro dos fartos fundos partidários e mais tempo nos horários de rádio e TV. Com a internet e as doações pessoais, será o novo financiamento público de campanhas. Faltam novos critérios de distribuição de tempo e dinheiro: em vez de dar mais aos que já são mais fortes, quem sabe dividir metade entre todos, e metade entre os maiores?
De justiça e injustiça - ELIANE CANTANHÊDE
ESTADÃO - 07/10
O que esteve em discussão no Supremo Tribunal Federal na quarta-feira e continua em discussão na sociedade é o que torna a justiça mais justa: a presunção de inocência até a sentença tramitada em julgado, ou a prisão depois da condenação em segunda instância? É um embate eletrizante entre a “letra fria da lei” e uma realidade de profunda injustiça, que pode definir o futuro dos envolvidos na Lava Jato e até do ex-presidente Lula, que não tem foro privilegiado.
O tema é tão controverso que houve um empate de 5 a 5 entre os supostamente maiores conhecedores da Constituição do Brasil e foi decidido pelo voto de Minerva da presidente Cármen Lúcia a favor da prisão em segunda instância – ou seja, por um tribunal de Justiça ou um tribunal regional federal. Como deu 6 a 5, o debate continua, aliás, para cobrir as falhas do Processo do Código Penal, que permite um festival de recursos e impede que seja feita justiça quando o criminoso é endinheirado e de colarinho branco.
Os argumentos dos dois lados merecem reflexão. Os que se agarram ao princípio da “presunção de inocência” alegam que é um risco mandar prender um réu na segunda instância se, depois, ele pode ser declarado inocente por um tribunal superior. Seria, segundo eles, a injustiça prevalecendo sobre a justiça. E acrescentam que os réus, sobretudo fora dos grandes centros e dos holofotes, podem ficar nas mãos de tribunais contaminados por disputas paroquiais ou pelo Poder Executivo local.
No lado oposto, os que defendem a prisão já na condenação em segunda instância lembram a constrangedora lentidão da Justiça, o festival de recursos que prorrogam decisões e enriquecem advogados por décadas e o quanto os réus ricos se dão bem e os pobres se dão mal. Assim como não é possível falar que a reforma do ensino médio vai tornar o sistema mais injusto socialmente (?!), não se pode imaginar que o cumprimento de pena tempestivamente tornará o sistema mais injusto juridicamente. A realidade da Justiça no Brasil é estridente.
Procuradores, promotores, delegados e investigadores aplaudiram a decisão do STF, mas advogados e os mais puristas condenaram e alguns alardeiam que a luta continua para repor o velho processo que permite certos políticos atravessarem governos, mandatos, eleições e décadas driblando a Justiça. Acusado de um desvio de mais de R$ 1 bilhão (em valores atualizados) do TRT-SP, o empresário Luiz Estevão de Oliveira Filho – o “Leo green” das contas no exterior – passou de instância em instância por duas décadas, até ser preso neste ano graças à primeira decisão do Supremo a favor da prisão após a segunda instância. O Senado cassou o seu mandato em 2000, mas a Justiça garantiu sua impunidade nos 16 anos seguintes.
Nada é perfeito, mas faz-se justiça com processos justos, amplo direito a defesa, provas claras e punição dos culpados. Condenar inocentes é o cúmulo da injustiça, mas inocentar os culpados, inclusive por omissão, também é. Num voto curto, claro, sem firulas, a ministra Cármen Lúcia citou um crime comum, em que o réu matou, admitiu que matou e esgotaram-se todas as possibilidades de provar sua inocência já na segunda instância. Mas os principais defensores da nova regra não estão pensando só nos crimes comuns, mas principalmente na corrupção, porque nada mais injusto do que roubar o dinheiro público. Para refletir, todos os réus e advogados da Lava Jato, da Zelotes e da Acrônimo são contra a prisão após a decisão de segunda instância e a força-tarefa e os investigadores são a favor. De que lado será que a sociedade está?
‘Dr. Diretas’. Reverência eterna ao deputado Ulysses Guimarães, símbolo da política como a política deveria ser.
O que esteve em discussão no Supremo Tribunal Federal na quarta-feira e continua em discussão na sociedade é o que torna a justiça mais justa: a presunção de inocência até a sentença tramitada em julgado, ou a prisão depois da condenação em segunda instância? É um embate eletrizante entre a “letra fria da lei” e uma realidade de profunda injustiça, que pode definir o futuro dos envolvidos na Lava Jato e até do ex-presidente Lula, que não tem foro privilegiado.
O tema é tão controverso que houve um empate de 5 a 5 entre os supostamente maiores conhecedores da Constituição do Brasil e foi decidido pelo voto de Minerva da presidente Cármen Lúcia a favor da prisão em segunda instância – ou seja, por um tribunal de Justiça ou um tribunal regional federal. Como deu 6 a 5, o debate continua, aliás, para cobrir as falhas do Processo do Código Penal, que permite um festival de recursos e impede que seja feita justiça quando o criminoso é endinheirado e de colarinho branco.
Os argumentos dos dois lados merecem reflexão. Os que se agarram ao princípio da “presunção de inocência” alegam que é um risco mandar prender um réu na segunda instância se, depois, ele pode ser declarado inocente por um tribunal superior. Seria, segundo eles, a injustiça prevalecendo sobre a justiça. E acrescentam que os réus, sobretudo fora dos grandes centros e dos holofotes, podem ficar nas mãos de tribunais contaminados por disputas paroquiais ou pelo Poder Executivo local.
No lado oposto, os que defendem a prisão já na condenação em segunda instância lembram a constrangedora lentidão da Justiça, o festival de recursos que prorrogam decisões e enriquecem advogados por décadas e o quanto os réus ricos se dão bem e os pobres se dão mal. Assim como não é possível falar que a reforma do ensino médio vai tornar o sistema mais injusto socialmente (?!), não se pode imaginar que o cumprimento de pena tempestivamente tornará o sistema mais injusto juridicamente. A realidade da Justiça no Brasil é estridente.
Procuradores, promotores, delegados e investigadores aplaudiram a decisão do STF, mas advogados e os mais puristas condenaram e alguns alardeiam que a luta continua para repor o velho processo que permite certos políticos atravessarem governos, mandatos, eleições e décadas driblando a Justiça. Acusado de um desvio de mais de R$ 1 bilhão (em valores atualizados) do TRT-SP, o empresário Luiz Estevão de Oliveira Filho – o “Leo green” das contas no exterior – passou de instância em instância por duas décadas, até ser preso neste ano graças à primeira decisão do Supremo a favor da prisão após a segunda instância. O Senado cassou o seu mandato em 2000, mas a Justiça garantiu sua impunidade nos 16 anos seguintes.
Nada é perfeito, mas faz-se justiça com processos justos, amplo direito a defesa, provas claras e punição dos culpados. Condenar inocentes é o cúmulo da injustiça, mas inocentar os culpados, inclusive por omissão, também é. Num voto curto, claro, sem firulas, a ministra Cármen Lúcia citou um crime comum, em que o réu matou, admitiu que matou e esgotaram-se todas as possibilidades de provar sua inocência já na segunda instância. Mas os principais defensores da nova regra não estão pensando só nos crimes comuns, mas principalmente na corrupção, porque nada mais injusto do que roubar o dinheiro público. Para refletir, todos os réus e advogados da Lava Jato, da Zelotes e da Acrônimo são contra a prisão após a decisão de segunda instância e a força-tarefa e os investigadores são a favor. De que lado será que a sociedade está?
‘Dr. Diretas’. Reverência eterna ao deputado Ulysses Guimarães, símbolo da política como a política deveria ser.
Esquerda e direita insistem na tolice de que Lava Jato decidiu cor da eleição - REINALDO AZEVEDO
FOLHA DE SP - 07/10
É evidente que o PT e as esquerdas não esperavam sofrer uma derrota na dimensão da que se viu no domingo. Noto que meus colegas "progressistas" do colunismo se mostram soturnos. Estavam preparados e treinados para apontar as conspirações do Michel Temer, da "mídia", do capital e das elites de sempre, que estão dando sucessivos golpes desde 1954, como se sabe...
Só não contavam com a conspiração do povo. Aí já é demais! Já há quem tangencie a crítica à velha "democracia burguesa", com seus múltiplos instrumentos de dominação ideológica para induzir o povo a fazer escolhas contrárias a seus interesses. Mais um pouco, será preciso resgatar dos escombros "As Veias Abertas da América Latina", "Para Ler O Pato Donald" e "O Capital: Conceitos Fundamentais".
Fico um tanto impressionado, para citar o que já é um clichê, que não tenham aprendido nada nem esquecido nada. É bem verdade que o moralismo tosco que volta e meia sopra lá de Curitiba – e o "moralismo" é o túmulo da moral –induz muita gente ao erro. À direita e à esquerda, há quem realmente considere que Dilma só caiu por causa da Lava Jato e que a sova eleitoral sofrida pelo PT deve ser creditada na conta de Sérgio Moro e de Deltan Dallagnol, os nossos candidatos, respectivamente, a Robespierre e Marat do terror das Luzes.
A esquerda gosta de acreditar nessa bobagem porque isso reforça a tese do complô e do golpe. Marilena Chaui, por exemplo, está convicta de que Moro foi treinado nos EUA com o fito de ser a ponta de lança de um projeto que busca destruir a soberania do Brasil nos séculos 21 e 22. Só isso. E certa direita abobada vibra com a possibilidade de a política ser exercida numa delegacia de polícia, onde, então, estaríamos mais seguros. Apoia as "Dez Medidas do MP" sem nem saber o que elas escondem de bom e de ruim.
Cadê os nossos marxistas? Cadê os nossos liberais?
Será assim tão difícil concluir que povo próspero vota na conservação do statu quo? Será assim tão complicado constatar que a mistura de crise econômica com eleição resulta em mudança – boa ou má? Ainda bem que é assim. É um sinal de que a população não se deixou capturar passivamente pelo sofrimento, o que se traduziria em conformismo e desesperança.
Infelizmente, isso a que as esquerdas chamam de "guinada à direita" ainda não revela a afirmação de valores que eu classifico de "conservadores" – conservadores, bem entendido, de instituições. Por enquanto, estamos na fase puramente reativa. Nestes dias, a população apenas acerta as suas contas com o PT, punindo-o pelo mal que fez a seu bolso, a seus sonhos de futuro, a seus anseios de ascensão social.
É preciso que o conservadorismo institucionalista entre para valer na guerra de valores para que o país, com efeito, saia do vermelho. E não só na propaganda.
Os partidos e forças que ajudaram a depor Dilma – em razão de seus crimes, de suas escolhas e de seus deméritos – precisam deixar clara a importância que teve o gigantismo estatal tanto na criação e consolidação da organização criminosa como no desastre econômico a que nos conduziu o PT.
Sair do vermelho é muito mais do que punir algumas dezenas de larápios que se apoderaram do Estado ou lhes aplicar uma derrota eleitoral avassaladora. O povo votou com o bolso. Já é hora de falar de um Evangelho.
É evidente que o PT e as esquerdas não esperavam sofrer uma derrota na dimensão da que se viu no domingo. Noto que meus colegas "progressistas" do colunismo se mostram soturnos. Estavam preparados e treinados para apontar as conspirações do Michel Temer, da "mídia", do capital e das elites de sempre, que estão dando sucessivos golpes desde 1954, como se sabe...
Só não contavam com a conspiração do povo. Aí já é demais! Já há quem tangencie a crítica à velha "democracia burguesa", com seus múltiplos instrumentos de dominação ideológica para induzir o povo a fazer escolhas contrárias a seus interesses. Mais um pouco, será preciso resgatar dos escombros "As Veias Abertas da América Latina", "Para Ler O Pato Donald" e "O Capital: Conceitos Fundamentais".
Fico um tanto impressionado, para citar o que já é um clichê, que não tenham aprendido nada nem esquecido nada. É bem verdade que o moralismo tosco que volta e meia sopra lá de Curitiba – e o "moralismo" é o túmulo da moral –induz muita gente ao erro. À direita e à esquerda, há quem realmente considere que Dilma só caiu por causa da Lava Jato e que a sova eleitoral sofrida pelo PT deve ser creditada na conta de Sérgio Moro e de Deltan Dallagnol, os nossos candidatos, respectivamente, a Robespierre e Marat do terror das Luzes.
A esquerda gosta de acreditar nessa bobagem porque isso reforça a tese do complô e do golpe. Marilena Chaui, por exemplo, está convicta de que Moro foi treinado nos EUA com o fito de ser a ponta de lança de um projeto que busca destruir a soberania do Brasil nos séculos 21 e 22. Só isso. E certa direita abobada vibra com a possibilidade de a política ser exercida numa delegacia de polícia, onde, então, estaríamos mais seguros. Apoia as "Dez Medidas do MP" sem nem saber o que elas escondem de bom e de ruim.
Cadê os nossos marxistas? Cadê os nossos liberais?
Será assim tão difícil concluir que povo próspero vota na conservação do statu quo? Será assim tão complicado constatar que a mistura de crise econômica com eleição resulta em mudança – boa ou má? Ainda bem que é assim. É um sinal de que a população não se deixou capturar passivamente pelo sofrimento, o que se traduziria em conformismo e desesperança.
Infelizmente, isso a que as esquerdas chamam de "guinada à direita" ainda não revela a afirmação de valores que eu classifico de "conservadores" – conservadores, bem entendido, de instituições. Por enquanto, estamos na fase puramente reativa. Nestes dias, a população apenas acerta as suas contas com o PT, punindo-o pelo mal que fez a seu bolso, a seus sonhos de futuro, a seus anseios de ascensão social.
É preciso que o conservadorismo institucionalista entre para valer na guerra de valores para que o país, com efeito, saia do vermelho. E não só na propaganda.
Os partidos e forças que ajudaram a depor Dilma – em razão de seus crimes, de suas escolhas e de seus deméritos – precisam deixar clara a importância que teve o gigantismo estatal tanto na criação e consolidação da organização criminosa como no desastre econômico a que nos conduziu o PT.
Sair do vermelho é muito mais do que punir algumas dezenas de larápios que se apoderaram do Estado ou lhes aplicar uma derrota eleitoral avassaladora. O povo votou com o bolso. Já é hora de falar de um Evangelho.
A abertura do pré-sal - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 07/10
A aprovação, pelo Congresso Nacional, do fim da obrigatoriedade da participação da Petrobrás, como sócia e operadora única, de todos os blocos de exploração do petróleo do pré-sal no regime de partilha traz racionalidade à atividade petrolífera no País, abre espaço para a indispensável participação do capital privado no setor e, do ponto de vista político, vai reduzir o ônus que a estatolatria dominante na era petista impôs à empresa e lhe custou a perda da eficiência e da capacidade de investir. A Câmara dos Deputados aprovou o texto básico do projeto, que já havia passado no Senado, mas adiou a votação de cinco destaques apresentados ao texto. Se rejeitados os destaques, que devem ser votados separadamente nas próximas semanas, o projeto será encaminhado à sanção presidencial. Se aceitos, implicará o reexame do assunto pelo Senado.
Como era previsível, parlamentares do PT e de partidos que ainda são seus aliados montaram uma grande encenação no plenário da Câmara na sessão em que foi votado o projeto, de autoria do senador licenciado e atual ministro das Relações Exteriores, José Serra. Vestidos com macacões de funcionários da Petrobrás, esses deputados tentavam apresentar-se como defensores da estatal. Diante do que a Operação Lava Jato já revelou sobre o bilionário esquema de corrupção que o lulopetismo instalou na empresa para encher os cofres de partidos políticos e de empresas beneficiárias da tramoia, além de bolsos de políticos e funcionários – e ainda há outros fatos delituosos sob investigação –, a atitude desses parlamentares, mais do que ridícula, foi patética.
Ao contrário do que tentaram mostrar deputados da oposição, o projeto aprovado não exclui a Petrobrás da exploração do pré-sal nem “entrega” o setor petrolífero ao capital estrangeiro. A estatal continuará tendo papel importante, mas adequado às circunstâncias.
O modelo petista para o pré-sal tornou a Petrobrás sócia compulsória do consórcio escolhido para operar determinada área, com pelo menos 30% de seu capital, e operadora única do bloco. Mas a forma como as administrações petistas utilizaram a estatal, não apenas como instrumento de política industrial – obrigando-a a encomendar no País boa parte dos equipamentos de que necessita –, mas como fonte de financiamento de projetos políticos escusos, resultou em séria crise que destruiu seu equilíbrio financeiro e reduziu drasticamente sua capacidade financeira e operacional. Só ela podia explorar o pré-sal, mas ela não tinha mais condições de fazê-lo no ritmo exigido pelo País.
O projeto aprovado estabelece que caberá ao Ministério de Minas e Energia propor ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) a indicação da Petrobrás como operadora do bloco do pré-sal a ser licitado, com participação mínima de 30% no consórcio vencedor. O CNPE poderá oferecer à estatal a condição de exploradora no regime de partilha. A Petrobrás poderá participar da licitação de blocos mesmo não sendo operadora obrigatória, mas poderá ampliar sua participação no consórcio vencedor caso seja indicada operadora.
Como disse há dias o presidente da estatal, Pedro Parente, a empresa poderá escolher o campo em que vai atuar e, se atuar, se será operadora ou não, sempre de acordo com seus interesses.
A mudança é vital para a própria Petrobrás, pois lhe permite decidir sobre seu programa de investimentos – adequando-o às suas condições financeiras –, mas interessa também às empresas petroleiras interessadas em operar no País. As novas regras lhes abrem mais espaço para atuar no setor e lhes dão maior segurança para investir. Para a economia brasileira, novos investimentos significam mais empregos e crescimento mais rápido.
É preciso que, afastados os obstáculos criados pela ideologização do pré-sal na era lulopetista, o governo elabore um calendário de leilões para atrair os investimentos privados. Será necessário também rever a política de conteúdo local, que continua a tolher a liberdade da Petrobrás de escolher os melhores fornecedores.
A aprovação, pelo Congresso Nacional, do fim da obrigatoriedade da participação da Petrobrás, como sócia e operadora única, de todos os blocos de exploração do petróleo do pré-sal no regime de partilha traz racionalidade à atividade petrolífera no País, abre espaço para a indispensável participação do capital privado no setor e, do ponto de vista político, vai reduzir o ônus que a estatolatria dominante na era petista impôs à empresa e lhe custou a perda da eficiência e da capacidade de investir. A Câmara dos Deputados aprovou o texto básico do projeto, que já havia passado no Senado, mas adiou a votação de cinco destaques apresentados ao texto. Se rejeitados os destaques, que devem ser votados separadamente nas próximas semanas, o projeto será encaminhado à sanção presidencial. Se aceitos, implicará o reexame do assunto pelo Senado.
Como era previsível, parlamentares do PT e de partidos que ainda são seus aliados montaram uma grande encenação no plenário da Câmara na sessão em que foi votado o projeto, de autoria do senador licenciado e atual ministro das Relações Exteriores, José Serra. Vestidos com macacões de funcionários da Petrobrás, esses deputados tentavam apresentar-se como defensores da estatal. Diante do que a Operação Lava Jato já revelou sobre o bilionário esquema de corrupção que o lulopetismo instalou na empresa para encher os cofres de partidos políticos e de empresas beneficiárias da tramoia, além de bolsos de políticos e funcionários – e ainda há outros fatos delituosos sob investigação –, a atitude desses parlamentares, mais do que ridícula, foi patética.
Ao contrário do que tentaram mostrar deputados da oposição, o projeto aprovado não exclui a Petrobrás da exploração do pré-sal nem “entrega” o setor petrolífero ao capital estrangeiro. A estatal continuará tendo papel importante, mas adequado às circunstâncias.
O modelo petista para o pré-sal tornou a Petrobrás sócia compulsória do consórcio escolhido para operar determinada área, com pelo menos 30% de seu capital, e operadora única do bloco. Mas a forma como as administrações petistas utilizaram a estatal, não apenas como instrumento de política industrial – obrigando-a a encomendar no País boa parte dos equipamentos de que necessita –, mas como fonte de financiamento de projetos políticos escusos, resultou em séria crise que destruiu seu equilíbrio financeiro e reduziu drasticamente sua capacidade financeira e operacional. Só ela podia explorar o pré-sal, mas ela não tinha mais condições de fazê-lo no ritmo exigido pelo País.
O projeto aprovado estabelece que caberá ao Ministério de Minas e Energia propor ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) a indicação da Petrobrás como operadora do bloco do pré-sal a ser licitado, com participação mínima de 30% no consórcio vencedor. O CNPE poderá oferecer à estatal a condição de exploradora no regime de partilha. A Petrobrás poderá participar da licitação de blocos mesmo não sendo operadora obrigatória, mas poderá ampliar sua participação no consórcio vencedor caso seja indicada operadora.
Como disse há dias o presidente da estatal, Pedro Parente, a empresa poderá escolher o campo em que vai atuar e, se atuar, se será operadora ou não, sempre de acordo com seus interesses.
A mudança é vital para a própria Petrobrás, pois lhe permite decidir sobre seu programa de investimentos – adequando-o às suas condições financeiras –, mas interessa também às empresas petroleiras interessadas em operar no País. As novas regras lhes abrem mais espaço para atuar no setor e lhes dão maior segurança para investir. Para a economia brasileira, novos investimentos significam mais empregos e crescimento mais rápido.
É preciso que, afastados os obstáculos criados pela ideologização do pré-sal na era lulopetista, o governo elabore um calendário de leilões para atrair os investimentos privados. Será necessário também rever a política de conteúdo local, que continua a tolher a liberdade da Petrobrás de escolher os melhores fornecedores.
Vale para todos - MERVAL PEREIRA
O Globo - 07/10
A decisão de anteontem do Supremo Tribunal Federal (STF), permitindo que seja preso o réu condenado em 2ª instância, é definitiva no entendimento da maioria dos ministros, de acordo com jurisprudência já firmada no Supremo em casos semelhantes.
Embora ainda seja necessária uma outra sessão de julgamento para tratar do mérito da questão, a rejeição das medidas cautelares foi uma decisão que tratou da lei “em tese”, o que quer dizer que tem efeito geral e deve ser cumprida a partir de agora.
O juiz que der uma liminar alegando que não houve uma decisão final sobre o mérito será contestado pelo Ministério Público, que fará uma reclamação ao Supremo Tribunal Federal.
A questão surgiu porque o ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, recusou-se a aceitar a sugestão do ministro Gilmar Mendes, que pediu à presidente que substituísse (convolasse em jurisdiquês) a decisão em julgamento de mérito das duas ações, e desse os processos por encerrados.
Esse é um procedimento quase automático no STF quando os ministros consideram que “o caso está maduro”, e até mesmo ministros que votaram pelo trânsito em julgado em última instância pareciam dispostos a acatar o encerramento, como costuma acontecer em casos semelhantes. O ministro Marco Aurélio, no entanto, negou que o caso estivesse encerrado e alegou que preparara voto para decidir apenas liminares.
Por isso o processo deveria prosseguir sua tramitação normal, o que importa afirmar que haverá nova sessão plenária, aí sim para decidir o mérito. Os advogados contrários à medida consideram que a decisão de ontem não tem efeito “erga omnes” (vale para todos os casos), o que só aconteceria depois da votação do mérito.
Alegam que, quando esta nova sessão ocorrer, todos os ministros votarão novamente e pode haver mudança de voto, como já aconteceu com o ministro Dias Toffoli, que ontem flexibilizou sua posição anterior a favor da prisão em segunda instância. Ontem ele colocou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) como etapa final do processo de recursos especiais, uma das propostas alternativas do ministro Marco Aurélio Mello.
Essa posição de Toffoli, no entanto, não é tão flexível assim, porque na prática casos pessoais como condenações penais não chegam ao Supremo, pois não têm repercussão geral. O que é geral é a lei em tese, que foi tratada ontem nesse novo julgamento.
A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, ressaltou bem em seu voto que em 2010 estava do lado perdedor, quando o STF mudou o entendimento que vigorava até então e considerou o final do processo apenas no trânsito em julgado, com os recursos especiais possíveis.
Anteontem, pela segunda vez este ano, ela e mais cinco ministros reafirmaram a tese de que a prisão é possível a partir de uma decisão colegiada de segunda instância. Na primeira ocasião, um caso específico foi tratado em habeas corpus, o que permitiu que juízes não prendessem réus condenados em segunda instância ou que, mesmo derrotados, ministros como Marco Aurélio e Celso de Mello dessem liminares impedindo prisões em segunda instância.
Mas anteontem, como as medidas cautelares tratavam de casos abstratos, a votação de 6 a 5 referiu-se à tese, e por isso a decisão tem efeito geral. Não é razoável que ministros do Supremo, derrotados nas suas posições, aceitem dar liminares para soltar réus condenados em segunda instância neste momento em que, pela segunda vez, a maioria do plenário se pronunciou.
O ministro Marco Aurélio não tem prazo para apresentar seu relatório, mas considera-se que agora não há mais pressa para uma nova votação, pois a posição majoritária do STF já está definida e não é plausível que algum juiz alegue que a decisão final ainda não está tomada.
Mas não é impossível que isso aconteça em algum lugar do país. Se acontecer no STF, então, teremos uma crise institucional gerada pela insegurança jurídica.
A decisão de anteontem do Supremo Tribunal Federal (STF), permitindo que seja preso o réu condenado em 2ª instância, é definitiva no entendimento da maioria dos ministros, de acordo com jurisprudência já firmada no Supremo em casos semelhantes.
Embora ainda seja necessária uma outra sessão de julgamento para tratar do mérito da questão, a rejeição das medidas cautelares foi uma decisão que tratou da lei “em tese”, o que quer dizer que tem efeito geral e deve ser cumprida a partir de agora.
O juiz que der uma liminar alegando que não houve uma decisão final sobre o mérito será contestado pelo Ministério Público, que fará uma reclamação ao Supremo Tribunal Federal.
A questão surgiu porque o ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, recusou-se a aceitar a sugestão do ministro Gilmar Mendes, que pediu à presidente que substituísse (convolasse em jurisdiquês) a decisão em julgamento de mérito das duas ações, e desse os processos por encerrados.
Esse é um procedimento quase automático no STF quando os ministros consideram que “o caso está maduro”, e até mesmo ministros que votaram pelo trânsito em julgado em última instância pareciam dispostos a acatar o encerramento, como costuma acontecer em casos semelhantes. O ministro Marco Aurélio, no entanto, negou que o caso estivesse encerrado e alegou que preparara voto para decidir apenas liminares.
Por isso o processo deveria prosseguir sua tramitação normal, o que importa afirmar que haverá nova sessão plenária, aí sim para decidir o mérito. Os advogados contrários à medida consideram que a decisão de ontem não tem efeito “erga omnes” (vale para todos os casos), o que só aconteceria depois da votação do mérito.
Alegam que, quando esta nova sessão ocorrer, todos os ministros votarão novamente e pode haver mudança de voto, como já aconteceu com o ministro Dias Toffoli, que ontem flexibilizou sua posição anterior a favor da prisão em segunda instância. Ontem ele colocou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) como etapa final do processo de recursos especiais, uma das propostas alternativas do ministro Marco Aurélio Mello.
Essa posição de Toffoli, no entanto, não é tão flexível assim, porque na prática casos pessoais como condenações penais não chegam ao Supremo, pois não têm repercussão geral. O que é geral é a lei em tese, que foi tratada ontem nesse novo julgamento.
A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, ressaltou bem em seu voto que em 2010 estava do lado perdedor, quando o STF mudou o entendimento que vigorava até então e considerou o final do processo apenas no trânsito em julgado, com os recursos especiais possíveis.
Anteontem, pela segunda vez este ano, ela e mais cinco ministros reafirmaram a tese de que a prisão é possível a partir de uma decisão colegiada de segunda instância. Na primeira ocasião, um caso específico foi tratado em habeas corpus, o que permitiu que juízes não prendessem réus condenados em segunda instância ou que, mesmo derrotados, ministros como Marco Aurélio e Celso de Mello dessem liminares impedindo prisões em segunda instância.
Mas anteontem, como as medidas cautelares tratavam de casos abstratos, a votação de 6 a 5 referiu-se à tese, e por isso a decisão tem efeito geral. Não é razoável que ministros do Supremo, derrotados nas suas posições, aceitem dar liminares para soltar réus condenados em segunda instância neste momento em que, pela segunda vez, a maioria do plenário se pronunciou.
O ministro Marco Aurélio não tem prazo para apresentar seu relatório, mas considera-se que agora não há mais pressa para uma nova votação, pois a posição majoritária do STF já está definida e não é plausível que algum juiz alegue que a decisão final ainda não está tomada.
Mas não é impossível que isso aconteça em algum lugar do país. Se acontecer no STF, então, teremos uma crise institucional gerada pela insegurança jurídica.
Desconfie de jabuticabas - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 07/10
SÃO PAULO - A maioria das democracias consolidadas dá início à execução de sentenças penais após a condenação em segunda instância. No Brasil, a regra formal vinha sendo a de esperar o trânsito em julgado, isto é, até que se esgotassem todas as possibilidades de recurso.
Em termos estritamente lógicos, é possível que o Brasil estivesse fazendo o certo, e o resto do mundo relevante, o errado. Mas tendo a desconfiar de jabuticabas. Numa análise probabilística, quando a maioria dos países que "deram certo" fazem de um jeito, e o Brasil, de outro, não é pequena a chance de que sejamos nós que estamos bobeando.
Vejo com bons olhos, portanto, a decisão do Supremo, agora com caráter vinculante, que admite a possibilidade de que réus comecem a cumprir a pena de prisão após a confirmação da condenação pela segunda instância. Como os ministros mostraram na sessão de quarta-feira (5), há um apaixonante debate jurídico acerca do alcance da presunção de inocência que pode, a meu ver, resolver-se para qualquer um dos lados. Tanto a posição mais garantista, que exige o trânsito em julgado, como a mais rigorosa, que admite a execução antecipada de pena, são racional e juridicamente defensáveis.
O que me faz pender para a segunda são considerações logísticas. O Brasil já é o país com uma das piores e mais caras Justiças do mundo. Em proporção do PIB, gastamos aqui com Judiciário/MPs/Defensorias cinco vezes mais do que a Alemanha e nove vezes mais do que a França, e é difícil sustentar que obtenhamos um produto de qualidade comparável.
Uma das muitas razões para essa discrepância é que nossas instâncias iniciais não são efetivas, tendo-se tornado pouco mais do que etapas burocráticas de processos que só se resolvem nas cortes superiores. Se queremos uma Justiça menos jabuticaba, precisamos fortalecer a primeira e a segunda instâncias. A decisão do STF caminha nesse sentido.
SÃO PAULO - A maioria das democracias consolidadas dá início à execução de sentenças penais após a condenação em segunda instância. No Brasil, a regra formal vinha sendo a de esperar o trânsito em julgado, isto é, até que se esgotassem todas as possibilidades de recurso.
Em termos estritamente lógicos, é possível que o Brasil estivesse fazendo o certo, e o resto do mundo relevante, o errado. Mas tendo a desconfiar de jabuticabas. Numa análise probabilística, quando a maioria dos países que "deram certo" fazem de um jeito, e o Brasil, de outro, não é pequena a chance de que sejamos nós que estamos bobeando.
Vejo com bons olhos, portanto, a decisão do Supremo, agora com caráter vinculante, que admite a possibilidade de que réus comecem a cumprir a pena de prisão após a confirmação da condenação pela segunda instância. Como os ministros mostraram na sessão de quarta-feira (5), há um apaixonante debate jurídico acerca do alcance da presunção de inocência que pode, a meu ver, resolver-se para qualquer um dos lados. Tanto a posição mais garantista, que exige o trânsito em julgado, como a mais rigorosa, que admite a execução antecipada de pena, são racional e juridicamente defensáveis.
O que me faz pender para a segunda são considerações logísticas. O Brasil já é o país com uma das piores e mais caras Justiças do mundo. Em proporção do PIB, gastamos aqui com Judiciário/MPs/Defensorias cinco vezes mais do que a Alemanha e nove vezes mais do que a França, e é difícil sustentar que obtenhamos um produto de qualidade comparável.
Uma das muitas razões para essa discrepância é que nossas instâncias iniciais não são efetivas, tendo-se tornado pouco mais do que etapas burocráticas de processos que só se resolvem nas cortes superiores. Se queremos uma Justiça menos jabuticaba, precisamos fortalecer a primeira e a segunda instâncias. A decisão do STF caminha nesse sentido.
Supremo ajuda a reduzir a descrença na Justiça - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 07/10
Ao fixar que a execução penal se inicia mesmo na segunda instância, a Corte ajuda a consolidar a ideia de que no Brasil a lei começa a valer para todos
É atávica, na Justiça brasileira, a mazela da lentidão. Há incontáveis histórias de processos infindáveis, e cujo desfecho é a impunidade de réus, devido à prescrição da pena. Pois, na quarta-feira, esta deformação do Judiciário recebeu forte abalo com a decisão, por maioria de votos do Supremo, que permite o início do cumprimento da pena assim que ela for confirmada em segunda instância.
Era assim até 2009, quando veredicto da própria Corte mudou a jurisprudência, novamente abrindo espaço a ser explorado por indiciados de posses, que contratam caros advogados para que explorem os incontáveis desvãos do cipoal de leis dos códigos brasileiros e levem os processos a caducar nos prazos de prescrição. Não à toa foi construída para a Justiça a imagem de patrocinadora da impunidade dos ricos e poderosos — ideia felizmente em processo de esvaziamento desde a condenação dos mensaleiros.
Há esforços relevantes no Congresso e no próprio Judiciário para, por exemplo, eliminar as chances de chicanas pelo uso de inúmeros recursos com objetivos protelatórios. E a vitória por 6 a 5 da tese de que o cumprimento da pena a partir da derrota do primeiro recurso — como na França e outros países desenvolvidos — não colide com o princípio constitucional da presunção da inocência serve de forte impulso para que a sociedade aumente a crença na efetividade do Judiciário. Algo essencial para a estabilidade do sistema jurídico e político.
O veredicto de quarta-feira repetiu, não no placar, o desfecho do julgamento de um habeas corpus em fevereiro, no qual, por 7 a 4, venceu o voto do relator Teori Zavascki de que a segunda instância deve ser o gatilho que deflagra o início da execução penal. Mas ali o resultado se resumiu àquela ação. Juízes passaram a adotá-lo, mas por decisão própria.
Como a OAB e o partido PEN acionaram o Supremo para contestar a constitucionalidade do veredicto de fevereiro, a Corte pôde voltar ao assunto e decidir com força de súmula. Ou seja, a norma vale agora para todos os tribunais.
Aos quatro votos divergentes de fevereiro — Marco Aurélio, Lewandowski, Rosa Weber e Celso de Mello — juntou-se agora o de Dias Toffoli, este também com a proposta alternativa de ser a terceira instância, o STJ, a definidora do cumprimento da pena. Mas, empatado o julgamento em cinco votos, a nova presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, definiu o placar final. Melhor assim.
Houve muitas referências aos presos comuns, mas o que estava mesmo no pano de fundo era o histórico trabalho de desbaratamento do esquema lulopetista que assaltou a Petrobras e outras empresas públicas para financiar o projeto de poder do PT. O temor dos envolvidos naquele esquema está na Lava-Jato e no juiz Sérgio Moro, cujas condenações têm sido, quase sempre, confirmadas na segunda instância, o Tribunal de Justiça de Porto Alegre, em cuja jurisdição estão as Varas de Curitiba, sede da operação.
Como Lula já é réu em um processo sob a responsabilidade de Moro, entende-se a razão pela qual advogados de figurões enredados na Lava-Jato acompanharam atentos este julgamento.
Importa é que o Supremo aplainou o terreno à frente do Poder Judiciário, e não apenas da Lava-Jato, para ser comprovado que no Brasil a lei começa mesmo a valer para todos.
Ao fixar que a execução penal se inicia mesmo na segunda instância, a Corte ajuda a consolidar a ideia de que no Brasil a lei começa a valer para todos
É atávica, na Justiça brasileira, a mazela da lentidão. Há incontáveis histórias de processos infindáveis, e cujo desfecho é a impunidade de réus, devido à prescrição da pena. Pois, na quarta-feira, esta deformação do Judiciário recebeu forte abalo com a decisão, por maioria de votos do Supremo, que permite o início do cumprimento da pena assim que ela for confirmada em segunda instância.
Era assim até 2009, quando veredicto da própria Corte mudou a jurisprudência, novamente abrindo espaço a ser explorado por indiciados de posses, que contratam caros advogados para que explorem os incontáveis desvãos do cipoal de leis dos códigos brasileiros e levem os processos a caducar nos prazos de prescrição. Não à toa foi construída para a Justiça a imagem de patrocinadora da impunidade dos ricos e poderosos — ideia felizmente em processo de esvaziamento desde a condenação dos mensaleiros.
Há esforços relevantes no Congresso e no próprio Judiciário para, por exemplo, eliminar as chances de chicanas pelo uso de inúmeros recursos com objetivos protelatórios. E a vitória por 6 a 5 da tese de que o cumprimento da pena a partir da derrota do primeiro recurso — como na França e outros países desenvolvidos — não colide com o princípio constitucional da presunção da inocência serve de forte impulso para que a sociedade aumente a crença na efetividade do Judiciário. Algo essencial para a estabilidade do sistema jurídico e político.
O veredicto de quarta-feira repetiu, não no placar, o desfecho do julgamento de um habeas corpus em fevereiro, no qual, por 7 a 4, venceu o voto do relator Teori Zavascki de que a segunda instância deve ser o gatilho que deflagra o início da execução penal. Mas ali o resultado se resumiu àquela ação. Juízes passaram a adotá-lo, mas por decisão própria.
Como a OAB e o partido PEN acionaram o Supremo para contestar a constitucionalidade do veredicto de fevereiro, a Corte pôde voltar ao assunto e decidir com força de súmula. Ou seja, a norma vale agora para todos os tribunais.
Aos quatro votos divergentes de fevereiro — Marco Aurélio, Lewandowski, Rosa Weber e Celso de Mello — juntou-se agora o de Dias Toffoli, este também com a proposta alternativa de ser a terceira instância, o STJ, a definidora do cumprimento da pena. Mas, empatado o julgamento em cinco votos, a nova presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, definiu o placar final. Melhor assim.
Houve muitas referências aos presos comuns, mas o que estava mesmo no pano de fundo era o histórico trabalho de desbaratamento do esquema lulopetista que assaltou a Petrobras e outras empresas públicas para financiar o projeto de poder do PT. O temor dos envolvidos naquele esquema está na Lava-Jato e no juiz Sérgio Moro, cujas condenações têm sido, quase sempre, confirmadas na segunda instância, o Tribunal de Justiça de Porto Alegre, em cuja jurisdição estão as Varas de Curitiba, sede da operação.
Como Lula já é réu em um processo sob a responsabilidade de Moro, entende-se a razão pela qual advogados de figurões enredados na Lava-Jato acompanharam atentos este julgamento.
Importa é que o Supremo aplainou o terreno à frente do Poder Judiciário, e não apenas da Lava-Jato, para ser comprovado que no Brasil a lei começa mesmo a valer para todos.
Carta aberta a Cora Rónai - MARCELO CRIVELLA
O GLOBO - 07/10
‘Não imaginei que sua intolerância lhe provocasse comportamento tão patológico’
Prezada Cora,
foi com pesar que li sua coluna “O bicho pega, o bispo come”, neste dia 6 de outubro, no jornal O Globo, na qual você diz que “não consegue olhar para a cara do Marcelo Crivella”. Em período eleitoral é claramente uma posição política. Entendo que todos temos preferências, mas não imaginei que sua intolerância lhe provocasse comportamento tão patológico.
Nunca deixei de olhar no rosto de ninguém por causa de suas convicções religiosas, políticas, ou escolhas de vida. Por isso me surpreendeu a forma preconceituosa como uma distinta jornalista, como você, se refere a um senador eleito duas vezes pela decisão democrática do povo do Rio de Janeiro. Nestes tempos em que, felizmente, o combate à intolerância religiosa entrou definitivamente na agenda de quem defende a democracia, eu gostaria de contar a você, e aos seus leitores e seguidores nas redes sociais, como a fé surgiu em minha vida. É uma história que poucos conhecem.
Nasci em Botafogo e morava na Gávea. Quando tinha sete anos, meus pais passaram por alguns desajustes. Sou filho único, não tinha irmãos com quem dividir minhas angústias; meu medo era de que meus pais se separassem. Uma vizinha, dona Beatriz, me ajudou nessa época. Era uma senhora paulista, a quem eu tratava como avó. Ela percebia meu desconforto e, aos domingos, enquanto os outros meninos seguiam para a praia, eu ia com ela para a Igreja Metodista do Jardim Botânico, aquela ao lado da ABBR. Ali, conheci a Bíblia e me tornei evangélico.
Foi na Escola Manoel Cícero, na Praça Santos Dumont, onde estudava, que me deparei, ainda um menino, com o preconceito: eu tinha que explicar aos professores e aos colegas por que não era católico, por que tinha escolhido a igreja Metodista. Mas não abri mão da minha fé, e continuei frequentando a mesma igreja. A Universal só seria fundada quase 20 anos depois.
O tempo passou, o preconceito hoje é bem menor, mas, em período eleitoral, por razões que cabem aos eleitores avaliar, ressurge no coração dos inconformados, contrariados pela decisão soberana do povo em colocar no segundo turno o objeto de sua repulsa. Mas respeito sua opinião e jamais deixaria de olhar em seu rosto.
Me despeço respeitosamente,
Marcelo Crivella.
‘Não imaginei que sua intolerância lhe provocasse comportamento tão patológico’
Prezada Cora,
foi com pesar que li sua coluna “O bicho pega, o bispo come”, neste dia 6 de outubro, no jornal O Globo, na qual você diz que “não consegue olhar para a cara do Marcelo Crivella”. Em período eleitoral é claramente uma posição política. Entendo que todos temos preferências, mas não imaginei que sua intolerância lhe provocasse comportamento tão patológico.
Nunca deixei de olhar no rosto de ninguém por causa de suas convicções religiosas, políticas, ou escolhas de vida. Por isso me surpreendeu a forma preconceituosa como uma distinta jornalista, como você, se refere a um senador eleito duas vezes pela decisão democrática do povo do Rio de Janeiro. Nestes tempos em que, felizmente, o combate à intolerância religiosa entrou definitivamente na agenda de quem defende a democracia, eu gostaria de contar a você, e aos seus leitores e seguidores nas redes sociais, como a fé surgiu em minha vida. É uma história que poucos conhecem.
Nasci em Botafogo e morava na Gávea. Quando tinha sete anos, meus pais passaram por alguns desajustes. Sou filho único, não tinha irmãos com quem dividir minhas angústias; meu medo era de que meus pais se separassem. Uma vizinha, dona Beatriz, me ajudou nessa época. Era uma senhora paulista, a quem eu tratava como avó. Ela percebia meu desconforto e, aos domingos, enquanto os outros meninos seguiam para a praia, eu ia com ela para a Igreja Metodista do Jardim Botânico, aquela ao lado da ABBR. Ali, conheci a Bíblia e me tornei evangélico.
Foi na Escola Manoel Cícero, na Praça Santos Dumont, onde estudava, que me deparei, ainda um menino, com o preconceito: eu tinha que explicar aos professores e aos colegas por que não era católico, por que tinha escolhido a igreja Metodista. Mas não abri mão da minha fé, e continuei frequentando a mesma igreja. A Universal só seria fundada quase 20 anos depois.
O tempo passou, o preconceito hoje é bem menor, mas, em período eleitoral, por razões que cabem aos eleitores avaliar, ressurge no coração dos inconformados, contrariados pela decisão soberana do povo em colocar no segundo turno o objeto de sua repulsa. Mas respeito sua opinião e jamais deixaria de olhar em seu rosto.
Me despeço respeitosamente,
Marcelo Crivella.
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