quinta-feira, junho 06, 2019

FLAMENGO - Entrevistão! Wallim abre os cofres do Flamengo e aponta caminho sem volta:"Dinheiro não vai faltar"


Entrevistão! Wallim abre os cofres do Flamengo e aponta caminho sem volta:"Dinheiro não vai faltar"

Vice de finanças garante que clube não gastou acima do orçamento com reforços, detalha planos financeiros e sonha alto para o futuro: "Um dia vamos chegar ao patamar de trazer o Neymar"


Por Marcelo Baltar e Thiago Lima — Rio de Janeiro

06/06/2019 06h00 Atualizado há 2 horas

Marcelo Cortes / Flamengo


Primeiro nome lançado pela "Chapa Azul" em 2012 (quando teve a candidatura impugnada); vice de futebol entre 2013 e 2014, vice de patrimônio e candidato da oposição em 2015, Wallim Vasconcellos esteve em evidência na política do Flamengo nos últimos anos. De volta ao poder nesta temporada, como um dos pares do presidente Rodolfo Landim, o ex-economista do BNDES hoje está afastado dos holofotes. Tem voz ativa, participa de decisões importantes, mas não está na linha de frente no futebol.

Atualmente, no dia a dia, cuida do dinheiro do clube. Ao contrário do mar agitado e turbulento que enfrentou na pasta do futebol em sua primeira passagem, na vice-presidência de finanças encontrou céu de brigadeiro, com cofres cheios para investir. E assim fez. O Flamengo saiu às compras em janeiro, agitou o mercado nacional e mostrou força. Foram mais de R$ 100 milhões gastos em aquisições de jogadores nos primeiros meses.

As contratações de nomes caros e badalados inflamaram os rubro-negros, mas levantaram questionamentos sobre as finanças do clube. Wallim, no entanto, garante que não houve gasto acima do previsto e que a saúde financeira vai de vento em popa. Além disso, disse que o Flamengo não vai parar por aí. Cada vez haverá mais recursos, o que faz o dirigente até mesmo sonhar com Neymar em um futuro próximo.

Durante quase uma hora e meia de bate-papo com o GloboEsporte.com na última quarta-feira, em seu gabinete na Gávea, o dirigente falou sobre a saúde financeira do Flamengo, mostrou a redução da dívida total rubro-negra, garantiu recursos à disposição do futebol para o segundo semestre, comentou os planos para o Maracanã, justificou o aumento nos preços do sócio-torcedor e assegurou que hoje o clube não precisa vender atletas para fechar o balanço no azul..


Confira a entrevista na íntegra:

GloboEsporte.com: O Flamengo vem há alguns anos arrumando a casa na parte financeira, mas à cada contratação de impacto surge a pergunta dos torcedores rivais: de onde o clube tira tanto dinheiro?


Wallim: – Isso é um processo que vem desde 2013, quando tivemos que resgatar a credibilidade perante a fornecedores, jogadores... Com credibilidade, você começa ter o interesse de patrocinadores, a torcida passou a acreditar. Tudo o que foi prometido foi cumprido. Nosso objetivo sempre foi o Flamengo liderar todos os processos, financeiro e no futebol. Eu vou ganhando, melhorando, todos querem se associar à marca do Flamengo. É um círculo virtuoso.


– Claro que foi um grande trabalho de quem renegociou toda dívida, trouxe patrocinadores, aumentou a receita, e trouxe nosso torcedor, que é o nosso maior ativo. Isso propiciou que o Flamengo crescesse, revelasse novos talentos, outros estão sendo revelados. Infelizmente hoje ainda temos essa dificuldade no Brasil de competir com a Europa, o mundo árabe, o mercado asiático. Mas a venda desses talentos contribuiu para a saúde financeira do Flamengo, que hoje é muito boa. Na área financeira, tivemos o Rodrigo Tostes, depois o Cláudio Pracownik, e agora eu estou aqui. Mas óbvio que todos no clube contribuíram.


Quando o clube começou a se reestruturar?


– Em 2013 tomamos a decisão. Não vamos gastar mais do que ganhamos e vamos pagar tudo. Seja o que Deus quiser. Corremos o risco de ter problemas no campeonato, rondamos a zona de rebaixamento, que tentamos evitar ao máximo e conseguimos. Esse foi o ponto positivo. Montamos um time que deu conta do recado naquela época, foi campeão da Copa do Brasil, do Carioca, trouxemos um pouquinho de alegria para a torcida. Foram altos e baixos e não tinha como ser diferente. Trouxemos jogadores que podíamos pagar naquela época, mas obviamente não era o que gostaríamos de ter.


– A torcida teve a maior paciência do mundo. Entendeu que era aquilo ou o caos total. Nos apoiou, melhoramos a situação, mas ainda não estamos onde queremos. Sempre podemos melhorar e temos que ganhar um título importante.


– É um processo natural. O Marcos Braz é um cara que tem estrela, o Landim é um presidente firme, que cobra, é duro, mas que dá todo apoio para o futebol ganhar.


Foi falado no fim do ano passado que o Flamengo teria R$ 100 milhões para reforços em 2019. Mas nas contratações de Arrascaeta, Bruno Henrique e Rodrigo Caio se gastou mais do que isso, não?


– Não gastamos mais do que estava previsto no orçamento. Esse é outro ponto fundamental, não dá para perder um jogo, contratar o Neymar e que se dane. Se não estiver no orçamento, o presidente e eu deverão responder por seus atos. Então não passa nada que não esteja no orçamento.


– Não ultrapassamos o valor do orçamento previsto para novas aquisições. Posso te garantir. Gastamos entre R$ 100 milhões a R$ 110 milhões nesse ano, que é o que estava previsto. Pode ter alguma outra parcela, como no caso do Arrascaeta, que será paga no próximo ano. Mas não estouramos o orçamento.


– Podemos até levar para o Conselho de Administração, alegar que precisamos de mais recursos e readequar o orçamento. Gastamos no início do ano porque achamos que tínhamos que começar a temporada com um time base, pelo menos. Se montarmos em julho, como foi nos últimos anos, até o jogador começar a jogar já era. Pode até ganhar uma Copa do Brasil, mas não o Brasileiro. Gastamos no início do ano e agora vamos fazer ajustes para essa reta final. Não basta ter um time, tem que ter um elenco.


Há recursos para novas aquisições de direitos federativos neste ano?


– Recursos há. Mas terei que mudar o orçamento, se for o caso. Teríamos que levar ao conselho e mostrar de onde vem o dinheiro. Se for só luvas e salários, tem que saber se cabe dentro das despesas. Se não couber, será necessário fazer uma readequação orçamentária, levar e aprovar no Conselho de Administração e, aí sim, fazer essa despesa.


Então é possível uma readequação orçamentária para novas aquisições ainda em 2019?


– Com certeza. Aqui, nesse assunto de futebol e outras coisas importantes, não tem situação e oposição no Conselho de Administração. Eu, várias vezes, votei a favor nos últimos três anos para conseguir dinheiro para contratar e reforçar o time. O que importante é gastar bem, acertar nos jogadores. Você nunca consegue ter essa certeza. Só se você trouxer Messi, Neymar e Cristiano Ronaldo. Aí terá 99% de chance de acertar.


– Nesse ano as contratações estão bem. Mas nem sempre é assim. Às vezes a camisa pesa. Cansamos de ver isso. Geralmente a aprovação é unânime. E já falei para o Marcos Braz: "Pereba eu não trago. Traga jogador bom. Para o bom a gente arruma dinheiro. Pereba não adianta que eu não vou assinar o cheque (risos)".


No próximo ano o Flamengo terá novamente um bom dinheiro para investir em reforços?


– Com certeza vamos ter. Não gosto de falar pelo futebol, mas eu converso com o Marcos Braz. Não gostaríamos de trazer quatro jogadores razoáveis. Preferimos gastar com um jogador muito bom. O cara que chegue para jogar e resolva o problema na posição. Hoje temos em elenco que permite isso. É muito mais fácil aproveitar os garotos da base e trazer grandes jogadores de acordo com as necessidades.


– Trazer um cara referência na posição não é gasto, sai barato. Atrai público, vende camisa, atrai patrocínio... Tudo isso é interligado. Dinheiro não vai faltar. Tudo depende. Temos que saber, por exemplo, se vamos comprar o Gabigol em janeiro...


O Flamengo terá dinheiro para comprar o Gabigol, se for uma opção do departamento de futebol?


– Cada vez mais vamos ter dinheiro. Mas tudo depende. Vai que o Gabigol recebe uma proposta da China para ganhar zilhões de dólares. Vou precisar contratar um novo centroavante, top de linha. Mas se a decisão for ele ficar, o Flamengo arruma dinheiro. Não tenho dúvida disso.


– Hoje a gente arruma o dinheiro que precisar. Não o que quiser, mas o necessário para montar um time top de linha nós arrumamos. O Flamengo tem crédito na praça.


– Temos cumprido tudo nos últimos seis anos. Entrei no Flamengo com seis meses de luvas atrasadas. No primeiro dia falamos que não atrasaríamos mais a partir daquele momento. O que ficou para traz negociaríamos. Não teve um compromisso que não foi cumprido e não terá compromisso que não será cumprido.

Se dinheiro não fosse problema, qual jogador você gostaria de ver no Flamengo?


– Neymar. Um dia vamos chegar ao patamar de trazer o Neymar. Até a Copa de 2022 (risos). Se ele não vier antes, na Copa de 2022 vou fazer questão de que ele venha jogar aqui.


– Se eu não estiver mais aqui, vou torcer muito. Falar para ele: "Neymar, já deu na Europa. Já ganhou muito dinheiro. Vem para o Flamengo ser feliz no Brasil (risos)". Se eu fosse ele vinha agora, depois da Copa América*. Também sou fã de carteirinha do Messi. Acho ele espetacular.



*Neymar não disputará mais a Copa América. O atacante sofreu uma lesão no ligamento do tornozelo direito na vitória sobre o Catar, nesta quarta, e foi cortado.



Boa parte do dinheiro para reforços vem da venda de revelações do clube, como Paquetá, Vinicius Jr, Vizeu, Jorge... O Flamengo ainda precisa vender esse ano? Casos de Reinier e Cuéllar, por exemplo?


– Mais do que o dinheiro, pesa o interesse do jogador. Nesse caso, paga a multa ou apresenta uma boa proposta. Se chegar no jogador e apresentar € 10 milhões não nos interessa. Não vou vender um cara diferenciado por esse valor, eu não preciso desse dinheiro. Agora se chegarem com € 30 milhões ou € 40 milhões (de euros), podemos sentar e avaliar. Essa é uma decisão do departamento de futebol. Se chegarem: "Olha, não queremos vender esse jogador, vamos valorizá-lo". Sentamos e fazemos junto com o departamento de marketing um projeto para ele.


– Eu diria hoje que o Flamengo não precisa vender jogador. O que não quer dizer que não vá. Até porque essa não é uma decisão minha, é uma decisão do futebol. Se precisasse vender eu avisaria o Marcos Braz. O que não é o caso. Longe disso.


Quando vocês eram oposição criticaram muito a venda do Paquetá para o Milan...


– A questão é que você não sabe alguns aspectos. Venderam o Paquetá por vender ou porque ele queria ir embora? Se ele queria ir embora, não adianta. Você pede tanto, o clube vem e paga tanto, ele vai. Tem outros aspectos que acabam influindo na negociação, não é somente o valor. Nós não sabíamos. Ele queria ir embora, contrato acabando, valor relevante, precisava de dinheiro para pagar o Vitinho... Ainda tem um dinheirão para pagar pelo passe do Vitinho.


O dinheiro da venda do Paquetá já está todo comprometido?


– O dinheiro entra no fluxo das contratações que fizemos. Arrascaeta, Bruno Henrique, Rodrigo Caio... Antecipamos uma parcela (em janeiro). Ainda tem uma no ano que vem (€ 5 milhões). Nesse ano ainda temos uma pequena parcela da venda do Vizeu a receber. Fazendo justiça à gestão passada, a área financeira estava muito bem organizada. Não tive problema nenhum.


Quantos sócios-torcedores atualmente? E qual impacto eles têm no orçamento do Flamengo?


– Estamos com cerca de 110 mil pagantes. Tem muito clube que espera dois, três, seis meses para dizer que parou de pagar. Contabiliza ainda o atrasado como sócio. Aqui não, parou de pagar sai da base na hora. 10% a 12% da receita recorrente, sem contar venda de jogador, dá uns R$ 50 a R$ 60 milhões.


Quase a contratação do Arrascaeta...


– Sim. Ou as luvas do Neymar (risos).


Houve reclamações por conta do aumento no valor do programa de sócio-torcedor. Por que decidiram reajustar o preço este ano?


– Isso é mais para o marketing falar, mas posso dizer o seguinte: primeiro que estava o preço fixo desde 2013, e segundo que estão sendo feitas modificações que serão apresentadas em breve. Mas é isso, para ter bons jogadores a gente tem que aumentar as receitas. O valor estava seis anos fixos, e nosso time melhorou bastante nesses seis anos. Temos os descontos para sócios, às vezes não só preço fixo, mas pacote de jogos, ou jogo que você pode levar acompanhante. E o estádio vive lotado, se vive lotado é porque o preço está adequado.

– Não sei se vão fazer ou não, mas se tirarem as cadeias atrás dos gols a gente vai conseguir também colocar mais gente e um preço mais barato, se é que é possível um preço de ingresso mais barato do que é hoje. Para ver um time qualificado e que a gente quer investir cada vez mais. Depois de seis anos acho que é justo reajustar um pouco, e não foi assim tão impactante. Saíram algumas pessoas, mas acho que vão voltar, porque o investimento vai continuar no time.


Já que você mencionou estádio lotado, como está sendo administrar o Maracanã?


– Não estou envolvido no Maracanã. A ideia nossa é fazer uma estrutura separada, e essa estrutura se pagar. Vai ter uma pessoa separada do Flamengo porque a gente não quer misturar as coisas. Dinheiro do Flamengo é do Flamengo, e do Maracanã é do Maracanã. (Redução de custos) Isso é um processo ainda. Primeiro prazo é outubro, segundo prazo é abril do ano que vem, quando a princípio terá a licitação. É um aprendizado, na realidade, que vai ser bastante importante na hora da decisão de participar da licitação definitiva.


Então não há essa decisão ainda?


– Olha, a gente quer muito, mas vai depender de como o Estado vai fazer. "Ah, vou colocar o preço mínimo de R$ 1 bilhão". Bom, só se o Flamengo entrar com alguém, porque R$ 1 bilhão não vamos pagar. A não ser que seja R$ 1 bilhão em 35 anos, aí já começa a pensar como é a conta. Então temos que ver como o Estado vai fazer, mas sinceramente não vejo o estádio sem o Flamengo. Qualquer um que ganhe essa licitação vai ter que bater aqui na porta, não tem outro jeito. O Flamengo hoje sustenta aquilo lá. Sem o Flamengo, não sei se fica em pé.


Mas o Maracanã é viável? Os últimos administradores do estádio alegaram prejuízo...


– Sim, eu acho que é completamente viável. Tem que ter ali um projeto abrangente. A gente vai poder usar o Célio de Barros e o Júlio Delamare, já no sentido de colocar outras coisas ali? E o Museu do Índio vai continuar ou não? Colocar o Maracanãzinho para fazer shows menores, o Maracanã com shows maiores. Tem que encher de eventos, se pudesse de segunda a segunda seria ótimo.


– Ontem mesmo (no jogo Flamengo x Corinthians) a gente estava comentando lá: "Pô, se tivesse um restaurante bom aqui, chegava mais cedo e jantava". Ou uma pizzaria. "Acabou o jogo, vamos comer um pizza aqui no Maracanã?". Fim de semana, pega o carro e vai almoçar no Maracanã. É um programa também para levar cliente. Isso tudo dá para fazer, mas tem que saber o que o Estado vai decidir do entorno.


Como terminou o imbróglio sobre a liberação do Maracanã para a Copa América? Houve um reajuste financeiro acima do R$ 1 milhão que ofereceram inicialmente?


– Foi tudo acordado. O Landim conversou diretamente com o presidente da CBF, que falou com a Conmebol. Eles estavam preocupados com o gramado, com toda razão, mas a gente garantiu que o gramado vai estar em perfeito estado para o primeiro jogo. (Financeiramente) Houve compreensão de parte a parte. Todas as duas partes estão dispostas a negociar de boa fé, cada um entende o problema situação do outro, se resolve. Tem que brigar por outras coisas, por isso sempre se chega a um acordo que é bom para todo mundo.


O Flamengo aprovou em janeiro a possibilidade de pegar empréstimos até R$ 125 milhões esse ano. Já precisaram pegaram parte desse valor?


– Não pegamos porque temos fluxo de caixa. O que estamos buscando agora é uma linha de crédito disponível, estamos negociando com três bancos. Se precisarmos, a gente pega. Estamos finalizando as negociações. Muito em breve vamos ter boas linhas de crédito que vão acabar com esse negócio de antecipar cota de TV, o que não fazemos há um ano e meio, antecipar o recebimento da venda de um jogador... Vamos ter tranquilidade. Por exemplo, se precisar de x milhões para trazer o Neymar, colocar na mão dele R$ 20 milhões, vamos ter... Isso vai nos dar agilidade e poder nas negociações. Será nosso próximo diferencial para concorrer por jogadores. Se estiver competindo com alguém, poderemos pegar e dizer: "Te dou o dinheiro segunda-feira".


Um gasto que não estava previsto foi com as indenizações da tragédia do Ninho. Comprometeu muito o orçamento?


– Não teve impacto relevante, não. As maiores indenizações foram dos meninos que faleceram. Tem algumas ainda em andamento, outras que a gente acha que vão para a Justiça. A maioria, contando todos que estavam lá, entrou em acordo. Algumas empresas que tinham me procurado interessadas em conversar colocaram o pé no freio, com toda razão, para ver como aquele episódio ia evoluir e depois voltaram a ter interesse. A "Vale" deve estar sofrendo, o Neymar agora, com os patrocinadores avaliando o que aconteceu. A associação da imagem a uma tragédia é um horror, por isso que é importante como o clube atuou naquele episódio.


Conseguiram resolver com o próprio fluxo de caixa?


Sim.


Quanto é a dívida do Flamengo hoje?



– A dívida grande é o Profut, que está em R$ 310 milhões. O Flamengo paga religiosamente em dia um milhão e pouco por mês, dá uns R$ 15 milhões por ano. De banco a gente não tem quase nada, são R$ 16 milhões. O total está em R$ 326 milhões.


A ideia é zerar?


– Então, essa é uma questão. Uma das perguntas que fiz em nossos grupos: vale a pena zerar a dívida, pegar dinheiro e deixar aqui? Pegar dinheiro e deixar aqui para comprar jogador eu não acho. Mas por exemplo: quero fazer uma ampliação do CT. Vale a pena eu pegar R$ 50, R$ 100 milhões para fazer um CT 2, ou um CT na Baixada? Como essa conta fecha? Vai depender do prazo, da taxa... Então essa é uma conta que a gente tem que fazer. Se eu não tiver nenhum investimento estrutural, zera a dívida e fica no capital de giro. Tem uma linha de crédito, pego R$ 50 milhões, em três meses eu pago e zero de novo. É só administração de fluxo de caixa.



Um dos criadores da "Chapa Azul", Wallim está envolvido na política do Flamengo desde 2013 — Foto: ANDRÉ DURÃO


O que levou o Flamengo a buscar a auditoria da "Ernst & Young"?


– É uma das quatro maiores empresas de auditoria do mundo, um fato inédito na história dos clubes da América Latina. Isso traz mais credibilidade, os bancos começam a nos procurar para oferecer linha de crédito... Coisa que ninguém acreditava há seis anos. Agora podemos optar pelo melhor crédito e não faço mais operação com garantia (bancária). A garantia é o Flamengo e as pessoas que estão no clube. Isso propicia que possamos investir no CT, na estrutura, trazer profissionais gabaritados, investir no time, no esporte olímpico... Foi uma forma também de valorizar o trabalho que foi feito pela diretoria anterior.

– A empresa que fazia auditoria antes fez um ótimo trabalho, mas já estava há seis anos. Geralmente uma empresa com ações em bolsa, que não é o caso do Flamengo, troca de auditoria a cada três ou cinco anos. É importante mudar para ter novos olhos, ver o que está certo e errado. Além disso, você ser auditado por uma das quatro maiores empresas de auditoria do mundo demonstra que você está em um nível de organização que faz com que ela aceite auditar suas contas. A "Ernst & Young" não aceita qualquer um. Tendo uma empresa desse porte auditando meu balanço, os bancos começam a nos procurar, patrocinadores...


Qual será o próximo passo financeiro do Flamengo?


– Cada área do clube tem seus projetos. Não toco no dia a dia, mas me envolvi diretamente em alguns que escolhi. O da "Ernst & Young" foi um deles, negociamos por três meses até convencê-los. O projeto de linha de crédito é outro importantíssimo para o Flamengo. Ainda tenho mais dois projetos: um é fazer um rating de crédito para o Flamengo. Vamos começar a conversar com agências de crédito. Por exemplo, se o Flamengo comprar um jogador a prazo, essa dívida de crédito do Flamengo vai valer um valor x. O clube que é credor do Flamengo vai poder vender isso com uma taxa melhor.


– O caso do Arrascaeta é um exemplo. Iríamos pagar uma parcela agora. O Cruzeiro pegou o título e vendeu para o "BMG". Não pediu qualquer garantia ao Flamengo. Ser credor do Flamengo é uma coisa boa hoje no mercado. Coisa que ninguém poderia imaginar há alguns anos.


– E o último projeto é conversar com seguradoras de crédito. São os quatro projetos que eu e o Landim elegemos para a área financeira neste ano.


Estruturalmente, o clube está do jeito que imaginavam em 2012, quando formaram a "Chapa Azul"?


– Eu imaginava que iria estar pior. Em 2015 o Flamengo já estava financeiramente equilibrado, coisa que a gente imaginava que ia levar uns cinco anos, pelo jeito que a gente encontrou. Óbvio que faltavam investimentos no CT, em sistemas e tudo, mas a questão de dívidas equacionadas foi em dois anos. Mas tem muita coisa para fazer ainda, coisas a serem aperfeiçoadas. Qualquer empresa nunca deve estar acomodada com o que se tem, sempre tem o que melhorar. Tem que perseguir o ótimo. O que a gente procurou para o Flamengo não é um "voo de galinha". A gente vai crescer, se estruturar, com fundamento, com base, não tem como voltar atrás.


É um caminho sem volta?


– Sem volta, porque o Estatuto proíbe de fazer besteira. A quantidade de sócios que entrou em 2013, quando a gente ganhou (eleição), que pensa primeiro no Flamengo... As votações aqui, quando são projetos para o bem do Flamengo, é quase unânime, independente de ser 200, 300 pessoas. Não tem mais cara que vai entrar aqui, fazer o que ele quer. Esquece, não vem mais. E diferente de alguns clubes, nossas receitas são estáveis, de parcerias de longo prazo, não é um patrocinador que vai entrar e daqui a dois, três anos dizer que não quer mais. A gente já viu que isso no passado não deu certo em vários clubes.

– Temos muita gente boa dentro do Flamengo, nos grupos políticos. Nos reunimos e passo um dever de casa. O que vocês querem para o Flamengo? É muito legal. Independentemente de ser situação ou oposição, são pessoas que têm o mesmo objetivo, ver o Flamengo maior. Essa interação é muito legal. São pessoas que não estão no dia a dia, cada um tem seu trabalho, mas é uma forma de ajudar. Temos essa força de trabalho qualificada que nos ajuda um pouco a pensar fora da caixa e engrandecer o Flamengo.

– Essa é a filosofia desde o início. Independentemente se a gente não estiver mais aqui daqui a três anos, quem entrar vai ter que ter a mesma filosofia. Senão não vai ser eleito, ou se fizer uma fraude eleitoral de prometer e não cumprir vai tomar pau no Conselho, não vai conseguir governar. Os quadros tem que ser renovados com pessoas com mesmo ponto de vista. Nessa administração não vejo ninguém que não seja ousado, que não pense grande, que não arrisque. Para ser dirigente do Flamengo tem que ser assim, senão não serve para estar aqui. Se pegar minhas entrevistas em 2013, falava que seríamos um dos maiores.


Do mundo?


– Temos primeiro que voltar a ser o maior vencedor do Brasil. Depois, da América do Sul, ganhar a Libertadores. No mundo a gente vai chegar um dia, quanto tivermos poder para lutar com o financeiro de lá. A Libertadores tem que ser uma nova Champions, para os clubes ganharem dinheiro e competir com a Europa. Se eu fosse presidente da Conmebol, essa seria minha prioridade 1: voltar a disputar Mundial com os clubes europeus.

– Vamos organizar isso aqui. Como vai ser? Liga independente? Imagina fazer uma Liga das Américas com Estados Unidos, olha a potência que seria com dinheiro americano entrando. Senta com Concacaf, MLS... Como vai fazer para viajar daqui pra lá eu não sei. Faz regional depois play-offs com todo mundo misturado, mas vamos pensar em um produto grande. Para a gente ganhar da Europa, tem que ter uma liga forte aqui.


Você agora está em um cargo longe dos holofotes. Bem diferente de quando entrou na direção como vice de futebol, em 2013. Também anda sumido das redes sociais...


– Bem diferente. Nossa Senhora... Ser vice de futebol é uma loucura. Nunca mais. Aliás, eu prometi. Sou muito criticado nas redes sociais porque o pessoal me marca e eu não falo nada. Me encheram o saco para eu não me meter no futebol, que eu não entendia p* nenhuma. Agora estou dando o troco (risos). Pode me encher o saco sobre futebol que eu não respondo. Só falo de finanças (risos).

O novo socorro aos estados - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

Gazeta do Povo - PR - 06/06

Enquanto o relator da reforma da Previdência na Comissão Especial da Câmara, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), decide se mantém estados e municípios no projeto ou se os retira, o governo Jair Bolsonaro enviou ao Congresso Nacional na terça-feira, dia 4, um projeto de lei complementar que trata de uma ajuda a estados em apuro fiscal. O texto, formalmente denominado Plano de Equilíbrio Fiscal (PEF), já ficou conhecido como Plano Mansueto, em referência a Mansueto Almeida, secretário do Tesouro Nacional, e exigirá dos estados que realizem operações de ajuste para que possam ter acesso a novas operações de crédito garantidas pelo Tesouro.

O projeto estipula uma lista de oito medidas, das quais os estados interessados em aderir – e também os municípios, mas apenas a partir de 2021, quando começam novos mandatos de prefeitos – terão de realizar pelo menos três. Elas incluem programas de privatizações e concessões (por exemplo, na área de saneamento básico), redução de benefícios fiscais já existentes e proibição de adotar novas medidas similares, a implantação de um teto de gastos semelhante ao que vale para o governo federal, e reformas contábeis para melhorar a gestão financeira.


Os estados continuam sua farra fiscal contando que, mais cedo ou mais tarde, o governo federal virá em seu socorro

Planos como o PEF não são novidade; há um bom tempo o governo federal vem tentando encontrar meios de socorrer os estados, especialmente aqueles cujos governantes conseguiram a proeza de ser mais irresponsáveis que os criadores e executores da “nova matriz econômica” que levou o Brasil à pior recessão de sua história. Estados importantes, como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, promoveram o caos fiscal a ponto de causar o colapso da prestação de serviços básicos e adiar por vários meses o pagamento de seus servidores – que, é preciso dizer, muitas vezes partiram para a estratégia suicida de tentar bloquear no grito as mesmíssimas medidas que ajudariam a sanear as contas de seus empregadores.

Mas a percepção que levou o governo federal a montar o PEF, no entanto, pode antecipar o resultado deste novo socorro. Segundo a equipe econômica, os planos anteriores, que costumavam envolver renegociação de dívidas dos estados com a União, não ajudaram a resolver o problema dos estados. Não por falta de boa vontade do Planalto, mas por falta de iniciativa dos governos estaduais, que manifestavam interesse na prorrogação dos prazos, mas não colocavam em prática as medidas de ajuste fiscal exigidas como contrapartida.

O Rio de Janeiro, por exemplo, continua discutindo se privatizará a Cedae, sua empresa de água e saneamento básico. A medida era uma das exigências do governo federal para que o Rio aderisse ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), instituído em 2017. A venda chegou a ser aprovada pelo Legislativo estadual, que reverteu a decisão logo depois. O governador Wilson Witzel (PSC), antes contrário à privatização, agora promete se desfazer de todas as empresas estaduais. Não foi à toa que o Tesouro Nacional tenha sido extremamente parcimonioso ao contemplar novas adesões – apenas a do Rio Grande do Sul está em estudo, enquanto outros estados foram rejeitados.

Os estados também têm sido muito lenientes com um dos buracos sem fundo das contas públicas: os gastos com funcionalismo. Apesar da recessão, os governos estaduais continuaram a aumentar gastos com seus quadros de ativos e inativos, contratando e oferecendo reajustes incompatíveis com sua capacidade de pagamento. Um relatório do Tesouro Nacional, preparado em novembro de 2018, ainda no fim do governo de Michel Temer, mostra em detalhe como cada estado cavou seu fosso fiscal.

O mesmo relatório menciona a existência de um “risco moral” em que os estados continuam sua farra fiscal contando que, mais cedo ou mais tarde, o governo federal virá em seu socorro, e por isso sugere que a União adote e mantenha com firmeza uma política de “não salvamento” dos estados. O Plano Mansueto tem, a seu favor, a estratégia de exigir o cumprimento das medidas de ajuste fiscal antes que a União aprove o aumento da capacidade de crédito, ou seja: os governadores terão de mostrar serviço, em vez de fazer apenas compromissos que acabam não cumprindo. Que essa mudança ajude o PEF a conseguir sucesso onde seus antecessores falharam.

A Petrobras em suspenso - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 06/06

Está em jogo muito mais que a venda de uma rede de gasodutos. Se o STF disser não, o ajuste do país será mais penoso



O grupo que comprou a TAG queria fazer a assinatura da venda em Paris, mas a direção da Petrobras não quis. Como o brasileiro anda cansado dos fatos estranhos sobre a estatal de petróleo e lembra bem de uma festa em Paris, optou-se pela assinatura discreta no escritório da empresa. Decisão acertada, tanto que logo depois, quando parte dos US$ 8,6 bilhões estava internalizada pela Engie e pelo fundo canadense CDPQ, o ministro Edson Fachin suspendeu o negócio por liminar. Ontem o assunto foi discutido no Supremo, mas ficou inconcluso.

A direção da Petrobras dizia que ontem era o “Big Day", porque o que se decidir nesse julgamento definirá todo o programa para enfrentar a situação da empresa: muito endividada e com diversos ativos que não fazem parte do seu negócio central. A decisão mais lógica, claro, é vender ações, participações, negócios e abater a dívida. Mas o grande dia foi adiado. O julgamento terminou empatado, dois a dois, e continuará hoje. Os ministros Ricardo Lewandowski e Edson Fachin acham que para vender, mesmo subsidiárias, é preciso autorização do Congresso e tem, necessariamente, que ser por licitação. Os ministros Alexandre Moraes e Luís Roberto Barroso discordam. Moraes considerou que essa exigência só existe quando é a venda da “empresa-mãe” e não das suas subsidiárias. Lewandowski disse que o risco seria fatiar tanto a ponto de enfraquecer a “empresa-mãe”, mas Moraes afirmou que se tal situação acontecesse seria uma patologia, que certamente seria impedida.

O ministro Barroso foi cristalino. A Constituição estabelece a obrigatoriedade de passar pelo Congresso quando se quer criar uma estatal, porque a intervenção do Estado no domínio econômico é a exceção. Portanto, não existe a mesma obrigação quando é o caso de alienar estes ativos, ressalvados os casos em que a Constituição estabelece, quando é necessário para a segurança nacional ou tem um relevante interesse coletivo.

— A Constituição não protege esse Estado agigantado. Ela quis a livre iniciativa e não o capitalismo de Estado. Não há lastro jurídico para a tese de que se é preciso passar pelo Congresso para criar, tem que passar também para vender — disse Barroso.

Esse paralelismo tinha sido defendido no voto do ministro Lewandowski, autor da liminar dada no ano passado. Com base nisso, o ministro Fachin decidiu suspender a venda da TAG. Pior é que depois de toda a sessão de ontem, e a decisão adiada para hoje, o ministro Dias Toffoli disse que o debate era apenas teórico, abstrato sobre como o governo pode se desfazer de seus ativos, e só depois será o julgamento do caso específico da TAG.

O grande problema no Brasil é a insegurança jurídica. A venda do gasoduto foi suspensa com o argumento de que não houve licitação. Na opinião da direção da Petrobras houve sim. Foram seguidos exatamente os trâmites negociados com o Tribunal de Contas da União no ano passado, de dar o máximo de transparência possível. O TCU havia criticado o processo de venda por carta-convite no governo Temer. A Petrobras então mudou o processo em conversa com os técnicos do TCU e chegou-se a um formato de venda. Primeiro é divulgado o que eles chamam de “teaser”, com comunicado ao mercado nas bolsas de valores, daqui e do exterior. Apareceram 87 interessados. Passou-se para a próxima fase, da oferta preliminar, em que ficaram 20 grupos. Por fim, três fizeram propostas definitivas e foi escolhida a de maior valor.

— É errado achar que há uma única forma de se fazer um certame competitivo. Há um procedimento sofisticado, com muitas etapas, que foi seguido no processo de alienação da TAG. O importante é que o processo de competição assegure um resultado vantajoso para o governo — disse o ministro Barroso.

O debate continua hoje. O que está em jogo é muito mais do que um gasoduto. A Petrobras foi atingida pela corrupção, pela má gestão, pelo inchaço dos custos, pelos investimentos errados e definidos politicamente, pelo endividamento excessivo. É uma excelente empresa, mas que precisa se ajustar. Tem para vender outros ativos, uma parte da BR Distribuidora, a Gaspetro, a Liquigás, que já está com o “teaser” na rua. Isso sem falar nas refinarias. Além de ajustar a Petrobras, é preciso ajustar o próprio país. Se o STF disser não, o processo será muito mais longo e penoso.


Um elefante em loja de louças - EVERARDO MACIEL

O Estado de S.Paulo - 06/06

A PEC n.º 45, de 2019, autodesignada 'reforma tributária', é um exemplo eloquente de diagnóstico mal formulado e tratamento inadequado


Reforma é, compreensivelmente, uma palavra mágica que mobiliza sentimentos de esperança ante o eterno desconforto do presente, ainda que, a rigor, não queira dizer absolutamente nada, porquanto implica enorme diversidade de perspectivas e arranjos.

Há, entretanto, quem condicione investimentos à consecução das “reformas”, mesmo que não saiba quais são elas. É uma espécie de sebastianismo redivivo, que cultua a redenção por práticas salvacionistas e prospera em contexto que encerra frustração, desinformação, interesses dissimulados e manipulação intelectual.

Esse quadro se ajusta bem à nossa crônica indisposição para refletir sobre problemas e, em seguida, eleger soluções jurídica e economicamente consistentes e menos custosas, inclusive na perspectiva política.

No âmbito tributário, temos sido vítimas frequentes de diagnósticos errados e tratamentos excessivos (overdiagnosis and overtreatment, na linguagem médica). Ensina o pensador italiano Michelangelo Bovero, em entrevista ao Valor de 12.9.2014: “O remédio pode ser pior que a doença. Medicina, em grego, é fármacon. E o primeiro significado de fármacon é veneno”.

A PEC n.º 45, de 2019, autodesignada “reforma tributária”, é um exemplo eloquente de diagnóstico mal formulado e tratamento inadequado.

É indiscutível que o sistema tributário brasileiro tem problemas, como de resto todos os sistemas tributários do mundo, em todo o tempo. Afinal, eles resultam de embates parlamentares, que envolvem conflitos de razão e de interesse. Derivam, portanto, da inevitável imperfeição dos atos humanos.

Essa constatação não autoriza, todavia, imobilismo e conformismo, mas racionalidade, prudência e pragmatismo.

No caso específico, cabe refletir se as soluções apontadas cuidam dos problemas prioritários, sem criar novos problemas. As dificuldades para pagar impostos, que qualificam o Brasil em aviltante condição nos relatórios Doing Business do Banco Mundial, não decorrem da natureza dos tributos, mas principalmente de sobrecarga burocrática, notadamente as obrigações acessórias. Pretextar essas dificuldades para propor reforma de tributos é exercício de lógica borrada.

Os litígios, que espantam os investidores estrangeiros e perfazem valores que ultrapassam a metade do PIB, tampouco têm a ver com a natureza dos tributos. Resultam das gritantes disfunções do processo tributário e da incúria na resolução de temas controversos ou de baixa densidade normativa, como planejamento tributário abusivo, substituição tributária, ágio, etc.

Os problemas do ICMS, PIS/Cofins e ISS têm solução, sem que se apele para construções disruptivas e sem perder de vista as questões tributárias contemporâneas decorrentes da revolução digital, globalização e práticas predatórias dos paraísos fiscais.

A PEC n.º 45 é um elefante em loja de louças. Dispõe sobre mais de 150 dispositivos na Constituição e no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), com prazo final de implantação de 50 anos e prazos de transição de 2 e 10 anos. Alguém, em sã consciência, pode afirmar que daqui a 50 anos existirão impostos tal como hoje conhecemos?

Ofensa ao pacto federativo, cláusula pétrea insusceptível de emenda constitucional, vem sendo suscitada por eminentes tributaristas, aos quais me associo, como Hamilton Dias de Souza, Heleno Torres, Humberto Ávila, Roque Carrazza, Ricardo Lodi Ribeiro, Roberto Quiroga, Roberto Wagner Nogueira, Tathiane Piscitelli. Já aí se avista um litígio de grandes proporções.

A esse litígio se juntariam inúmeros outros, em desfavor da combalida segurança jurídica, a exemplo dos que decorreriam de novos conceitos, como as pitorescas “alíquotas singulares”, que refazem vinculações que a própria proposta extingue, e os que se deduziriam da instituição de um “comitê gestor” do tributo, com competência para expedir normas que usurpam funções do Poder Legislativo e, quem sabe, almejando converter-se no quarto ente federativo.

Um consolo para os articulistas: a PEC reúne um enorme potencial de críticas que não se esgotam em um artigo.

Consultor tributário, foi secretário da Receita Federal (1995-2002)

Do regime de tutela à corresponsabilidade - FERNANDO SCHULER

Folha de S. Paulo - 06/06

O modelo a partir do qual aprendemos a pensar nosso sistema político envelheceu


Nas últimas semanas, o Congresso aprovou a MP das Companhias Aéreas, a nova lei geral das agências reguladoras e a MP do pente-fino no INSS. A reforma da Previdência, aprovada com 73% dos votos na CCJ da Câmara, avança com boas chances de sucesso.

Enquanto isso, boa parte da crônica política continua a demandar que o governo forme uma coalizão majoritária, no Congresso, na base do “ou isso, ou o caos”. Pois anotem: não teremos nenhum dos dois, nem a grande coalizão nem o caos.

Ocorre que vivemos o fim de um modelo. Ele poderá ser reconstruído, à frente, em novas bases, mas por ora vive sua época de destruição criadora, marcada por uma permanente sensação de instabilidade.

O modelo que se esgotou é o descrito por Sérgio Abranches, a partir da fórmula da coalizão majoritária, como mecânica do presidencialismo brasileiro. Tese não por acaso formulada no final dos anos 1980, na primavera da redemocratização.

O ponto é que a experiência histórica se mostrou cruel com a teoria. O custo do sistema de coalizão majoritária se revelou alto, nestas três décadas, e recentemente tornou-se ética e politicamente insustentável.

O modelo sempre esteve ao gosto de nossa tradição centralizadora, que só concebe a dinâmica política a partir da iniciativa ou do mando presidencial. E de nosso vezo patrimonial, que normalizou a prática de formar maioria distribuindo ministérios e posições em estatais, para não falar em moedas de troca menos republicanas.

Modelo que, nas últimas duas décadas, procrastinou reformas estruturais, levou ao colapso fiscal e a um quadro agudo de fragmentação e clientelismo partidário.

É evidente que é preciso repensar essas coisas. De certo modo, a inteligência difusa na sociedade correu à frente da elite pensante. O modelo a partir do qual aprendemos a ler e pensar nosso sistema político simplesmente envelheceu, tendo sido amplamente rejeitado nas últimas eleições.

Emerge em seu lugar, ainda desajeitado, um sistema de corresponsabilidade. O governo permanece como propulsor mais relevante da agenda política, mas abre mão da tutela e cede espaço a novos atores. Forma maiorias, mas o processo deixa de ser automático. É assim que caminha a reforma da Previdência.

O modelo não é uma criação do governo. Ele surge como consequência não intencional do processo político, do cansaço do sistema, do vácuo, da ruptura eleitoral, de um misto de ação e inação do governo.

O novo modelo se afasta de duas visões comuns em nosso debate. Uma delas, comum no governismo, aposta no chamado "going public", na ideia algo mística de que o líder popular possa, com a pressão social, derrotar o sistema (seja isto o que for).

Outra, popular na oposição, profetiza o abismo a cada deslize do governo e sugere que estejamos sob o risco de um presidencialismo plebiscitário, autoritário e destinado ao fracasso.

O sistema de corresponsabilidade ocupa um hiato no tempo, entre o modelo que naufragou e um sistema cujos contornos ainda não conhecemos exatamente. O que ele faz, por ora, é abrir espaço ao protagonismo compartilhado, que por certo reforça a autonomia do Parlamento. Algo bem expresso na reiteração de Paulo Guedes, no Congresso: o poder é dos senhores, assumam a responsabilidade.

É evidente que tudo funcionaria melhor se tivéssemos um governo e uma oposição mais dispostos ao diálogo, um país menos polarizado e afeito à guerra cultural.

No mundo ideal, nosso presidente poderia combinar o pragmatismo de Angela Merkel com o charme intelectual de Obama. E a oposição, quem sabe, poderia ser liderada por Lord Anthony Giddens, direto da sala de chá do palácio de Westminster.

Não temos nada disso. O presidente é Bolsonaro e a oposição é o que sabemos que é. Não voltaremos ao passado e não veremos um rolo compressor governista no comando do Congresso. Se isso é ruim ou não, cada um pode julgar. Digo apenas que, para quem imaginou que nos tornaríamos uma autocracia, pode não ser má ideia que o país avance sob um sistema bem estabelecido de freios e contrapesos e compartilhamento de responsabilidades.

Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.

Distorções para todo lado - ZEINA LATIF

O Estado de S.Paulo - 06/06

A integralidade de aposentadorias não é justa e o custo tornou-se insuportável


O debate econômico amadurece e hoje há amplo entendimento que a aposentadoria dos servidores pesa muito nas contas públicas, apesar de beneficiar a poucos. Este reconhecimento não é pouca coisa. Com maior pressão social, temos uma oportunidade inédita de mudar as regras da Previdência dos servidores de forma contundente, ainda que não seja possível eliminar completamente as diferenças entre o regime geral do setor privado (RGPS) e o regime próprio dos servidores (RPPS).

Temos assistido às reações de corporações do funcionalismo, como a inclusão de 104 emendas ao projeto de reforma da Previdência, de um total de 277, segundo o Valor Econômico. Essa cifra dá uma dimensão da hiper representatividade dos servidores no Congresso.

Chamando ou não de privilégio, o fato é que as regras para aposentadoria dos servidores são generosas e injustas, não apenas pelo tratamento desigual entre empregados do setor privado e servidores públicos, mas também pela desigualdade dentro do próprio RPPS, com diferentes regras dependendo do ano de ingresso do indivíduo no setor público.

Os que ingressaram antes de 2003 contam com regras de integralidade (aposentadorias equivalentes ao último salário) - e paridade (reajustes em linha com os concedidos aos servidores na ativa) dos benefícios. Se for antes de 1998, há ainda a possibilidade de aposentar antes da idade mínima de 60/55 anos para homens/mulheres. Para 2003 em diante, não há mais as regras acima, mas ainda assim os servidores se beneficiam da regra de cálculo das aposentadorias, que é a média dos 80% maiores salários. Vale lembrar que o funcionário público atinge, via de regra, o topo da carreira rapidamente, inflando o valor das aposentadorias. Já os servidores que ingressaram na União após 2013 (quando foi criado o fundo de Previdência complementar, o Funpresp) estão sujeitos à regra de idade mínima e ao teto da remuneração do RGPS (R$5.646).* Para Estados e municípios, a data de corte depende do ano que se implementou a Previdência complementar, sendo que em muitos casos isso não ocorreu. Além disso, há os regimes especiais para professores e policiais, que representam 56% da folha dos estados.

Há, portanto, grande disparidade de tratamento dos servidores, que, na verdade, já vem dos rendimentos no período ativo, como apontado por Daniel da Silva Barros. Com base em dados da PNAD de 2013, o pesquisador calcula que a desigualdade no setor público é muito superior à do setor privado (índice de Gini de 0,744 e 0,439, respectivamente). Isso se reproduz nas aposentadorias e pensões. Esse quadro provavelmente piorou após a reforma de 2003 O sistema é também muito generoso. Segundo a OCDE, a taxa de reposição (razão entre o valor da aposentadoria e a média dos salários na ativa) está em 110% no Brasil, mesmo com a alíquota de contribuição previdenciária de 11% para inativos (exceto para os que ingressaram antes de 1993), algo pouco observado na experiência mundial. Na Coreia do Sul, Austrália e México, as taxas de reposição oscilam em torno de 64%.

Uma outra forma de apresentar este ponto é pelo cálculo do subsídio implícito da Previdência, que mede a expectativa de ganho dos inativos visà-vis a contribuição (incluindo a patronal) na fase ativa. Segundo o Ministério da Economia, o subsídio do setor público é muito superior à do setor privado, e os subsídios são mais elevados para os contribuintes de maior renda, em ambos os setores. Com a reforma, pretende-se reduzir essas distorções.

A integralidade de aposentadorias não é justa e o custo para sociedade tornou-se insuportável tendo em vista o quanto se compromete as demais políticas públicas. Cabe ao governo divulgar as informações à sociedade e fazer o devido enfrentamento das corporações. Isso é essencialmente papel do Executivo, e não do Congresso.

Será que Bolsonaro é “bom de briga”?

(*)Informações obtidas no livro “Reforma da Previdência: por que o Brasil não pode esperar”, de Pedro Fernando Nery e Paulo Tafner.

Queda do PIB é culpa da má política - ROBERTO MACEDO

O Estado de S.Paulo - 06/06

Ou se opta pela boa política ou a economia do País vai continuar no buraco em que está



A atividade econômica voltou a cair no primeiro trimestre deste ano, à taxa de 0,2%, após oito trimestres de variação positiva do Produto Interno Bruto (PIB), relativamente aos respectivos trimestres anteriores, no período 2017-2018. E permanece fragilizada pela depressão, ainda não revertida, em que se afundou nos oito trimestres dos anos 2015 e 2016.

Fragilizada porque nesses dois anos (2015 e 2016) seu PIB teve duas fortes quedas anuais, totalizando 6,7%, enquanto os oito trimestres de aumento, no biênio 2017-2018, somaram apenas 2,1%. Longe de suficientes, portanto, para superar a enorme perda de 6,7% no biênio anterior.

Sobre o PIB menor no primeiro trimestre de 2019, o IBGE, que elabora as contas nacionais trimestrais, calcula também as variações do PIB do lado da oferta por setor e ramo de atividade, no primeiro caso, a agropecuária, a indústria e os serviços. E a demanda: o consumo das famílias, do governo, os investimentos, as exportações e as importações.

Quanto às causas do retrocesso, soube que fatores isolados atuaram, como a menor mineração em razão do desastre de Brumadinho e a contínua queda da indústria, agravada pelas menores exportações para a Argentina.

Contudo, o fator que mais vem atuando no negativo ou fraco desempenho do PIB desde o governo Dilma é a forte desconfiança quanto à péssima situação fiscal dos governos federal, estaduais e municipais, com destaque para o federal, o maior ente da economia.

Ficando neste nível de governo, ele aumenta rápida e continuamente sua dívida, o que gera o temor de dificuldades futuras na rolagem dela com credores, com eventual recurso à expansão monetária como saída para o serviço da dívida, um cenário com sérias implicações inflacionárias e cambiais, entre outras.

O que mais agrava as contas federais é o enorme déficit da Previdência Social, cujo papel foi realçado após a aprovação, em 2016, de teto anual para a expansão dos gastos federais. Em razão deste teto, os crescentes gastos previdenciários comprimiram outras despesas, como as de educação, saúde e investimentos públicos.

Os vários índices de confiança – sigo seis mensais da Fundação Getúlio Vargas, cobrindo a de empresários de vários setores e a dos consumidores – têm perfil comum e se deterioraram muito no governo Dilma. Ainda que não voltando a seus picos anteriores, mostraram boa recuperação em seguida, mas sofreram novo abalo, ainda que pequeno, na sequência da greve dos caminhoneiros em 2018. No fim desse ano, eleito Bolsonaro, estes índices recuperam essa perda e até subiram um pouco mais, por causa da esperança de que ele encararia decisivamente a questão fiscal e o mau estado geral da economia.

Já na campanha, Bolsonaro afirmou que nada entendia dela e delegou o assunto ao ministro Paulo Guedes, inclusive a reforma da Previdência Social (RPS). Mas esta necessita do exercício da boa política pelo presidente, no sentido de mostrar as virtudes da iniciativa e granjear apoio político de muitos parlamentares do Congresso Nacional, do qual depende a aprovação. Bolsonaro, com sua ojeriza ao que chama de velha política, vendo-a como um nefasto toma lá dá cá, não demonstra talento quanto à boa, que sem cair neste esquema exige muita conversa e dar aos apoiadores algum protagonismo no governo. Avesso a isso, o presidente opta por má política, gastando tempo e energia em questões não prioritárias, e comanda equipe em que grupos disputam espaço, como os militares, os olavistas e o grupo mais próximo do presidente, como seus filhos.

No Congresso, o governo não consegue coordenar nem os parlamentares de seu partido, o PSL, que tem posições às vezes conflitantes com as do Executivo. Aliás, este pessoal não percebeu que muitos foram eleitos pela onda bolsonarista e antipetista e, se o presidente fracassar, correm o risco de ter apenas um primeiro e único mandato.

No Congresso, a má política é prática institucionalizada e as exceções, cada vez mais excepcionais. Má, neste caso, porque aética, não centrada no bem comum, o do País e seu povo, com parlamentares mais voltados para interesses de grupos e temerosos da reação de eleitores se votarem a favor da RPS. Deveriam pensar, também, no futuro de seus filhos e parentes. Mantido o cenário fiscal atual, esse futuro será comprometido, pois tal quadro agravará ainda mais a escassez das oportunidades de trabalho e as menores remunerações nas oportunidades encontradas. Muitos não querem aprovar também a extensão desta reforma aos Estados e municípios, o que complicaria a já também gravíssima situação fiscal de muitos deles, levando ainda a sérios embates nos seus Legislativos sobre suas próprias reformas previdenciárias, repetindo batalhas similares à que hoje ocorre em Brasília, agravadas por pressões contrárias locais e, assim, bem mais próximas.

Também a frustração com os rumos do governo Bolsonaro, já demonstrada por pesquisas, levou a uma nova queda dos índices de confiança no início deste ano. E o que isso tem que ver com o PIB? Ora, a economia tem muito de Psicologia. Investimentos privados dependem muito do estado de ânimo dos empresários, que aqui se revela abalado pelas incertezas que cercam a gestão do governo e sua dívida. Já os consumidores, mesmo sem entender o significado disso, têm algo mais próximo a assustá-los: o próprio desemprego ou o observado no seu entorno, com o risco de passarem para este grupo.

Isso leva à contenção das despesas de consumo, junto com os investimentos prejudicados pelo mau humor dos empresários. Não sem razão, os investimentos sofreram forte queda no trimestre passado, à taxa de 1,7%.

Ou se opta pela boa política no Executivo e no Congresso ou a economia do País vai continuar no buraco em que está.

A arrancada de Bolsonaro - WILLIAM WAACK

O Estado de S.Paulo - 06/06

A falência do sistema político coloca o presidente num dilema fundamental



O mundo político preocupado em encontrar uma ampla saída para a crise desistiu de imaginar que a relação entre os Poderes possa ser fundamentalmente distinta da atual. O presidente Jair Bolsonaro oscila entre tapas e beijos no trato com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, postura difícil de se chamar de “conduta tática” (se é que existe um objetivo estratégico). É simplesmente ao sabor dos acasos quase diários da política cotidiana. Portanto, de baixa previsibilidade.

Ocorre que é o nó político que precisa ser desatado quando se pensa em qualquer questão fundamental: gastos públicos, reforma tributária, insegurança jurídica. Goste-se ou não das escolhas consolidadas nas urnas em outubro, é obrigatório reconhecer que a onda disruptiva tornou ainda mais precário o funcionamento de um sistema de governo que opõe um chefe do Executivo muito forte a um Legislativo cheio de prerrogativas, mas fracionado e com partidos políticos que, em sua maioria, nem merecem esse nome. Receita para um desgaste permanente, de parte a parte.

Em outras palavras, a transformação empurrada em boa parte pelo lavajatismo, e seu esforço em estabelecer um controle externo ao sistema político, agravou o fator de crise “estrutural” das instâncias que se mostram há muito tempo incapazes de lidar com questões como a fiscal – para falar apenas do problema mais agudo de curtíssimo prazo. O fenômeno é de amplo alcance e transcende os nomes de Jair e Rodrigo (e de Toffoli também). Daí a forte desconfiança (total descrédito talvez fosse a melhor expressão) com que foi recebido o tal “pacto entre Poderes”. Fatores de longo e curto prazos combinaram-se para a atual tempestade perfeita.

Essa tempestade se caracteriza pela imensa dificuldade percebida em “arrancar” em alguma direção – e não é por falta de diagnóstico ou de palavras. O ministro da Economia, Paulo Guedes, foi apenas o último a dizer, na Câmara, na terça-feira, que a economia está estagnada há muito tempo, que, sem reformas (além da Previdência), o País não cresce, que a jovem força de trabalho precisa de emprego e aumento de produtividade. E que ele preferia um novo pacto federativo, descentralizador.

O problema é a percepção de que pouco acontece nessa direção. Talvez voluntariamente Guedes expresse uma noção que se amplia nas elites. O de que o nó político é muito mais do que o “toma lá, dá cá” nas relações entre Executivo e Legislativo, nas quais se concentra o já monótono noticiário político de cada dez minutos. Que a corrupção é um problema importante, mas nem sequer o pior. Que a insegurança jurídica, além dos problemas velhos do Judiciário, vem também de decisões políticas do Supremo. E que no público em geral, descrente das instituições (inclusive imprensa), cresce uma raivosa impaciência em relação a “tudo”.

Jair Bolsonaro pode achar que essa raiva lhe favorece no ímpeto declarado de romper o nó político. Por ele entendido até aqui na acepção mais reduzida, a do “toma lá, da cá”. Conscientemente ou não, é formidável o dilema no qual o presidente se colocou: respeitar e ao mesmo tempo desprezar as regras do “sistema” político – que está falido na sua acepção mais ampla. Se ele acha que o dilema tem saída, ainda não deixou exatamente claro com quais meios, além dos apelos à sua base fiel. Nesta semana, quando atravessou a Esplanada e foi ao Congresso, foi falar de pontos na carteira de motorista.

Enquanto a “arrancada” da estagnação política e econômica sugerida pelos eventos de 2018 está se fazendo esperar.

A casa está caindo, Bolsonaro - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S. Paulo - 06/06

Desânimo aumenta no setor da construção civil, um dos mais devastados na depressão


Depois da eleição até março, nenhuma empresa fabricante de material de construção era "pessimista sobre as ações do governo", segundo o Termômetro da Abramat, associação do setor.

Em maio, o pessimismo era a opinião de 38% das empresas. O otimismo, que havia chegado a 56% em janeiro, nível mais alto no último ano, agora é de 8%, soube-se nesta quarta-feira (5). Bom dia, Jair Bolsonaro. Hora de acordar.

Também nesta quarta, a Caixa Econômica Federal anunciou o corte de taxa de juros de suas linhas de financiamento de imóveis com dinheiro da poupança. A mais em conta caiu de 8,5% para 8,25%; a mais alta, de 11% para 9,75%.

É claro que o banco não tem condições de fazer mágicas e milagres a fim de levantar o descontruído setor de construção civil. A notícia em tese boa não faz coceira no desânimo.

Obviamente, o problema não está aí. O problema é medo, falta de investimento público, falta de concessões de obras de infraestrutura para a iniciativa privada.

É o fracasso recente da tentativa de abertura do setor de saneamento para empresas privadas, projeto de lei que ainda deve ser corrigido, mas é inevitável, crucial, urgente e, em última ou primeira análise, humanitário.

Poucos consumidores extras irão aos gerentes da Caixa à procura de crédito por causa do financiamento algo mais barato.

Faz algum tempo, as taxas de juros médias já estão nos níveis mais baixos da história de que se tem registro. O movimento melhorou um tico, mas o povo está com medo do futuro, tanto quanto os empresários do setor. O medo está crescendo. Boa tarde, Jair Bolsonaro. Hora de acordar.

A confiança da construção civil medida pela FGV (Fundação Getulio Vargas) caiu em maio, voltando ao menor nível desde setembro do ano passado. No início do ano, o Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo previa que o setor contrataria 100 mil trabalhadores extras em 2019 (no país inteiro). Agora, cortou a previsão para um quarto disso.

O número de empregados com carteira assinada na construção civil do Brasil crescia ao ritmo de 3.400 por ano, em abril. Desde o início da recessão, em 2014, o setor perdeu um terço de seus trabalhadores formais, baixa de 1 milhão.

O investimento público federal em obras caiu um terço em relação ao que era em 2013 (em relação a 2014, caiu ainda mais, mas esse ano foi um caso terminal de exageros no gasto público, não dá para levar muito em consideração). É uma perda de R$ 34 bilhões. Cerca de 42% dessa redução deveu-se ao corte da despesa no Minha Casa Minha Vida (MCMV), que impulsionava diretamente ainda mais investimento privado.

O MCMV tinha e tem um monte de problemas, dos urbanísticos ao do financiamento, decerto. O que se aponta aqui é o tamanho do talho, que aumentou o buraco de um setor devastado.

Outras obras públicas pararam, federais, estaduais e municipais. O ciclo de investimentos anterior minguou, o que incluía desperdícios, ineficiências e bandalheiras como as obras associadas à Copa do Mundo, à Olimpíada e aos elefantes de branco sujo das refinarias e petroquímicas dos anos petistas. A corrupção causou desordem no mercado das grandes empreiteiras. Etc. É um desastre multidimensional.

Concessões de infraestrutura, paradas no governo, e a abertura do saneamento, parada no Congresso, poderiam dar um alívio. Com sorte e competência, também em falta, fariam alguma diferença no ano que vem. Mas nem isso está à vista.

Parlamento toma as rédeas - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 06/06

Falta de articulação dos governistas está sendo aproveitada pela oposição, inclusive na Previdência


As dificuldades que o governo vem enfrentando para aprovar seus projetos na Câmara devem-se à inexperiência de seus líderes, e à falta de uma base parlamentar firme. Mas, sobretudo, da decisão dos parlamentares de tomar as rédeas das votações.

Por isso a tendência de limitar as medidas provisórias, e a aprovação em segundo turno, ontem, da emenda constitucional do Orçamento Impositivo para as emendas de bancadas. Essa também é a explicação para as dificuldades que o governo está tendo para aprovar o crédito suplementar e, sobretudo, a reforma da Previdência.

Muitos líderes partidários não acreditam que o projeto de crédito suplementar vá a votação na próxima semana, devido às muitas matérias que precisam ser votadas para limpar a pauta, inclusive 23 vetos.

Um crédito suplementar de R$ 248,9 bilhões, a serem obtidos com a emissão de títulos do Tesouro, tem como objetivo evitar o descumprimento da chamada "regra de ouro" que, incluída na Constituição, impede que o governo contraia dívidas para pagar despesas correntes, como salários e benefícios sociais.

A líder do governo, deputada Joyce Hasselman, garante que já há acordo com os partidos de oposição para limpar a pauta, o que é incoerente com a posição dos oposicionistas, que anunciaram obstrução para impedir a aprovação. Tudo indica que o governo terá que fazer um acordo com a oposição para conseguir esse crédito, mesmo que ela seja minoritária.

A falta de articulação dos governistas no Congresso está sendo aproveitada pela oposição, inclusive na reforma da Previdência. A extensão da reforma aos Estados e municípios, por exemplo, é uma reivindicação oposicionista que tem lógica.

Mas essa insistência parece a líderes governistas uma manobra para retirar votos da aprovação, pois muitos deputados federais querem que essa extensão seja feita pelas Assembleias Legislativas.

O mais provável é que essa exigência seja transferida mesmo para Estados e Municípios. Não afeta o resultado final da economia, mas tira organicidade da reforma, e deixa incompleta uma parte importante da reestruturação financeira do sistema previdenciário.

A relação do presidente Jair Bolsonaro com o Congresso, que parecia ser promissora quando se analisava a tendência conservadora da maioria, na prática nunca foi harmoniosa.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, no Twitter, comemorou a aprovação da PEC do Orçamento Impositivo para emendas de bancada. “Aprovamos em segundo turno o orçamento impositivo. Essa proposta otimiza e democratiza o gasto público. Nós vamos ter o poder de aprovar o próximo orçamento, as políticas públicas do governo, os investimentos. O Parlamento recompõe a sua prerrogativa.”

Essa recomposição das prerrogativas é tão almejada que a Câmara fez uma alteração na PEC, o que obrigará que as alterações sejam novamente votadas, em dois turnos, no Senado.

Foi aprovado um destaque que retirou da proposta a exclusividade de iniciativa do presidente da República na apresentação de projeto de lei para definição dos detalhes para a repartição com Estados e municípios, de receitas obtidas a partir de leilões do excedente da cessão onerosa do petróleo do pré-sal.

Em movimentos sucessivos para se reaproximar do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, Bolsonaro chamou-o de “meu irmão”. Mudou também de tom em relação ao Congresso, admitindo que precisa de sua ajuda para “mudar o destino do Brasil”.

Segundo o presidente, o povo e a “nova classe política” que saiu das urnas e “tomou a Câmara dos Deputados e o Senado Federal” podem permitir essa mudança, pois o Congresso hoje tem um “espírito diferente, se voltando realmente para o interesse popular.”

Ao que tudo indica, ele está entendendo que, sem o Congresso, não governará, como já dizia o ex-deputado Ulysses Guimarães: “Presidente da República sem o Congresso não governa. Não governa no Brasil nem em nenhuma democracia do mundo. Governo solidário, integrado, condominial, é o que ordena a Constituição. Ela repudia a ingovernabilidade do governo solitário, em que o destino de milhões de seres humanos depende de apenas uma cabeça. O que o presidente da República faz, o Congresso pode desfazer”.