sábado, janeiro 26, 2013

A inveja no Facebook - CORA RÓNAI

O GLOBO - 26/01


Estudo sobre reações negativas na rede só ouviu usuários alemães. Em outros países, a cultura é diferente


Pesquisadores da Universidade Humboldt e da Universidade Técnica de Darmastadt, na Alemanha, fizeram um estudo com 600 pessoas e chegaram à conclusão de que o Facebook provoca sérios ressentimentos em cerca de um terço dos usuários. O que causaria toda essa amargura seriam sobretudo fotos de férias e a comparação com o nível de socialização dos amigos, ou seja, a contabilização de "likes" e de parabéns pelo aniversário, por exemplo; mas foram observadas muitas reações negativas em usuários na faixa dos 30 anos em relação à vida familiar dos outros.

Inveja, teu nome é Facebook.

Será mesmo? Segundo matéria publicada aqui no jornal, e amplamente divulgada na rede social, "os pesquisadores disseram que os entrevistados eram alemães, mas esperavam que os resultados fossem os mesmos internacionalmente, já que a inveja é um sentimento universal"

É aqui que eu me permito discordar dos doutores. A inveja é universal, com certeza, mas obedece às manhas e manias da cultura local. Não acredito que aqui no Brasil, onde temos feriados e conseguimos nos distrair mesmo durante a semana, férias causem tanta inveja. Por outro lado, ninguém na Alemanha deve ter inveja (ou seria raiva?) da aposentadoria de certos funcionários públicos privilegiados, ou das mordomias dos parlamentares.

Também não acredito que a vida familiar dos outros possa estressar de tal forma os usuários latinos, em geral, e os brasileiros, em particular, que freqüentemente têm até mais vida familiar do que gostariam de ter, mesmo quando moram sozinhos.

Os alemães, diz ainda a pesquisa, têm inveja das fotos dos carros postadas pelos amigos. Ora, onde se enquadram nisso os nova-iorquinos ou parisienses, por exemplo, que em sua vasta maioria usam transportes públicos?

Segundo o estudo, as piores reações partem de usuários que entram na rede passivamente, sem interagir com ninguém: "O acompanhamento passivo provoca emoções amargas, com os usuários invejando principalmente a felicidade dos outros, o modo como passam as férias e como socializam"

Não sei quais são as percentagens de usuários passivos de Facebook na Alemanha e no resto do mundo, mas arrisco o palpite de que, no Brasil, os índices devem ser diferentes. Nós adoramos redes sociais. Fomos os maiores usuários do Orkut e já estamos em segundo lugar no Facebook. Segundo o site socialbakers.com, 82,32% dos brasileiros que têm acesso à internet participam do Facebook, contra apenas 37,56% dos alemães: será, então, que o resultado de uma pesquisa feita na Alemanha pode mesmo se aplicar à nossa sociedade?

Sei que a inveja é uma constante. Seres humanos são seres humanos em qualquer ponto do planeta. Ainda assim, volto a insistir no peso dos fatores culturais. O que causa inveja num país, ou mesmo num bairro, não é o que causa inveja em outro. Além disso, cada cultura tem a sua própria maneira de se comportar na internet. Acho precipitado concluir que a humanidade inteira sofra do mesmo mal ao se conectar ao Facebook.

Pessoalmente, não gosto do Facebook, nem como empresa, nem como interface. Mas ando meio cansada de ver "estudos" e "pesquisas" que só atribuem qualidades negativas à internet. O mundo não é perfeito, o ser humano é a imperfeição em pessoa; já trazíamos todos os nossos defeitos conosco muito antes de a rede ser inventada.


Mais três anos, para nada - ARNALDO NISKIER


CORREIO BRAZILIENSE - 26/01

Estamos vivendo uma falsa guerra de notícias sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Mais, até, em Portugal do que propriamente no Brasil. Diversos escritores do outro lado do Atlântico criticam ferozmente a existência da proposta de unificação ortográfica, alguns utilizando uma virulência desrespeitosa em relação a nós.

Um deles, Graça Moura, em artigo no Diário de Notícias de 16 janeiro, entre outras bobagens, afirma que "o Acordo não serve para nada, a não ser para aumentar a confusão e lesar ainda mais a língua portuguesa". Não é exatamente o que pensam os filólogos brasileiros, empenhados nesse trabalho estratégico, realizado com todo o cuidado para não ferir suscetibilidades, nem mesmo a vaidade de certos ditos especialistas.

No total das palavras em uso na língua portuguesa, menos de 3% foram afetadas pela simplificação proposta pelo Acordo Ortográfico. Um número na verdade insignificante, se considerarmos a globalidade do mundo lusófono. Escrevendo de uma só forma, mas pronunciando cada um a seu modo, poderemos manter a organicidade do nosso rico idioma, hoje submetido a convulsões.

A história do Marechal Charles De Gaulle tornou-se clássica. Num dado momento, lançou a dúvida: "O Brasil é um país sério?". Muitos de nós ficamos chocados. Isso feriu o orgulho nacional. Agora, a frase voltou à tona, a propósito da decisão do governo de adiar para 2016 a entrada em vigor do decreto assinado em agosto de 2008, pelo presidente Lula, a propósito do Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa. Mais três anos, para nada.


Houve uma adesão quase unânime do lado brasileiro. Os nossos irmãos portugueses e algumas nações luso-africanas, como Angola e Moçambique, por interesses variados, resistiram à adoção, que tem por finalidade essencial a simplificação da escrita do nosso idioma. Nada mais do que isso. E com um claro objetivo estratégico: postular assim a oficialização do português como língua de trabalho da ONU, o que eleva o nosso status internacional.

Também aqui há os recalcitrantes, que só agora se manifestam. Silenciaram em 1990, quando o Acordo foi assinado, e em 2008, quando se estabeleceu o prazo fatal para a unificação pretendida. Somos obrigados a ler até alguns absurdos, como o comentário de que isso se fez de forma burocrática, sem audiências públicas, ou por "reformadores de plantão". Aqui uma clara agressão à memória de um dos grandes brasileiros que se debruçaram sobre o assunto, como é o caso do acadêmico Antonio Houaiss. Antes de ser cassado, por motivos políticos, dedicou parte ponderável da sua vida, como filólogo consagrado, à discussão interna e externa dessa problemática. Só colheu aplausos.

O Brasil aderiu com entusiasmo ao Acordo. Livros, jornais e revistas passaram a ser escritos com as novas normas. Centenas de concursos públicos, como é o caso do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) - 4 milhões de jovens -, foram realizados com essa marca, aparentemente irreversível. São quase 200 milhões de brasileiros que hoje escrevem de forma simplificada. Mudar esse quadro não foi desrespeitoso?

Numa prova eloquente da sua modernidade, o nosso país aceitou as recomendações da Academia Brasileira de Letras (ABL), no que tange às suas 200 mil escolas. Mesmo as do interior, como se atesta na Olimpíada de Língua Portuguesa, deixaram para trás os tempos de voo e enjoo com acento circunflexo. De mais a mais, o que muitos desconhecem, há um decreto presidencial em pleno vigor, datado de 1972, que dá à ABL as prerrogativas de ser a última palavra em matéria de grafia. Os mal informados ou mesmo os ignorantes desconhecem isso e aí só nos resta lamentar esse retrocesso.

Infelizes a sua maneira - CLÁUDIA LAITANO


ZERO HORA - 26/01

O que Tolstoi disse nas célebres primeiras linhas de Anna Karenina (que as famílias felizes se parecem e as infelizes sofrem cada uma a sua maneira) vale também para os países. Há infelicidades muito específicas no Haiti, no Irã, nos Estados Unidos, na Noruega, no Brasil.

Há pouco mais de um ano, participei de um congresso, em Joanesburgo, que reunia editores do Brasil, da África do Sul e da Índia. Lá estávamos nós, um pequeno grupo de seis ou sete jornalistas, aguardando a entrevista coletiva em que os presidentes dos três países falariam sobre acordos econômicos e projetos de conversar de igual para igual com as grandes potências, quando surgiu o assunto das "infelicidades específicas" das mulheres de cada uma daquelas nações tão envaidecidas da prosperidade recente e ao mesmo tempo tão comprometidas com a miséria e o atraso.

Lembro que as africanas falaram sobre a dificuldade de controlar a aids e sobre as ainda visíveis feridas do apartheid. Nós, as brasileiras, mencionamos os vergonhosos índices de violência doméstica e a singular cultura do abandono de prole que leva os homens brasileiros a saltarem de um ninho para o outro deixando um rastro de mulheres criando filhos sozinhas.

Não era exatamente um duelo de desgraças, mas por algum motivo que na hora eu não entendi a mais pessimista do grupo parecia a jornalista indiana. Minha colega de Nova Délhi contou como as mulheres eram tratadas como cidadãs de segunda categoria em algumas regiões do país, trabalhando duro fora e dentro de casa enquanto o senhor seu marido dava ordens, cobrava desempenho - e descansava. ("Como assim? Eles ficam em casa sem fazer nada?", eu quis saber. "Sim, ficam.")

Um indiano que ouvia a conversa insistiu em lembrar que só nos lugares mais atrasados era assim e que isso tudo estava mudando. A colega não se deu ao trabalho de desmentir, mas o olhar dela disse tudo o que estava passando pela sua cabeça.

Ninguém, naquele dia, falou de estupros. Nem as africanas, para quem o problema é uma espécie de epidemia nacional (um em cada quatro homens sul-africanos admite ter estuprado uma menina ou uma mulher ao longo da vida, aponta pesquisa de uma instituição médica local), nem as brasileiras (que convivem com índices altos de violência sexual inclusive contra crianças) e muito menos a discreta e melancólica indiana do grupo.

estupro seguido de morte de uma jovem estudante indiana acabou revelando um calabouço de horrores para o resto do mundo. Na Índia, os estupros não apenas são comuns, mas é praticamente impossível denunciá-los e punir os envolvidos. A repercussão internacional do caso deu visibilidade a uma cultura violenta e misógina em que a vítima costuma ser culpada pela própria agressão - e ainda é muito cedo para saber o quanto essa morte terá servido para mudar alguma coisa.

Do outro lado do mundo, o Brasil pode olhar para a infelicidade indiana e suspirar aliviado porque aqui existem as Delegacias da Mulher, a Lei Maria da Penha e as casas de passagem para atender vítimas de violência doméstica. Mas o próprio fato de o Brasil precisar de uma lei para proteger as mulheres de maridos e namorados violentos já mostra que não estamos tão longe assim da Índia.

Somos como uma família que olha com superioridade para os vizinhos que não têm TV - sem se dar conta de que mora num bairro aonde a energia elétrica ainda não chegou.

Não é mal-entendido - ZUENIR VENTURA


O GLOBO - 26/01

Episódios como o das babás discriminadas em clubes sociais e o da criança negra que foi destratada e quase expulsa de uma concessionária da BMW no Rio demonstram que o racismo, apesar de resolvido legalmente, já que é crime, ainda constitui um problema no dia a dia das relações interpessoais, onde às vezes se manifesta explicitamente. O sociólogo Florestan Fernandes dizia que o brasileiro tem preconceito de ter preconceito. Em outras palavras, o Brasil seria um país com racismo, mas sem racistas, como revela uma pesquisa em que 87% das pessoas entrevistadas afirmaram haver racismo, mas só 4% se confessaram racistas. Muitos alegam que se trata de "racismo cordial" bem diferente do que existe nos EUA, por exemplo. Seria mesmo cordial ou, ao contrário, é velado, camuflado, que quando flagrado se disfarça, alegando engano ou má interpretação?

Na tal loja da Barra, o gerente de vendas viu o menino de 7 anos assistindo a televisão enquanto os pais adotivos, brancos, escolhiam um carro. Sem saber que pertenciam à mesma família, não teve dúvida. Na certa era um moleque de rua que ia pedir dinheiro, incomodar os clientes. "Aqui não é o lugar para você, saia" ordenou. Na nota em que tenta se justificar, a empresa diz que não foi bem assim, que houve por parte do casal "um mal-entendido" Porém, a mãe Priscilla garante que não, que foi um bem entendido gesto de racismo: "Se fosse uma criança branca, ele mandaria sair da loja?"

No facebook, para onde o casal levou seu protesto e lançou a campanha "preconceito racial não é mal-entendido" a reação foi imediata. Cerca de 16 mil internautas se manifestaram com mensagens de apoio. Tomara que a proporção seja essa: que para uma loja que pratica o racismo haja milhares de pessoas contra. Porém, pior ainda do que essas atitudes explícitas, que pelo menos despertam repulsa, é a situação social, econômica e cultural da população não branca no país. Tratadas com naturalidade, as desigualdades raciais no campo da saúde, da educação e do mercado de trabalho são tão iníquas que em alguns casos parecem saídas da novela "Lado a lado" um retrato fiel e competente da luta contra a intolerância racial e religiosa após a abolição da escravatura e no começo da República. Apenas um exemplo: o risco de morte por doenças infecciosas é hoje 43% maior entre as crianças negras com menos de um ano de idade do que entre as brancas. Isso eqüivale a expulsar da cidadania, senão da vida, toda uma geração de negros.

Muitos alegam que se trata de "racismo cordial". Seria mesmo cordial ou, ao contrário, é velado, camuflado, que quando flagrado se disfarça, alegando engano ou má interpretação?

Obituários - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 26/01


RIO DE JANEIRO - Todos os jornais do mundo já têm pronto o obituário do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, internado para tratamento de saúde em Cuba e dado como morto desde o fim do ano -mas, parece, ainda exuberantemente vivo, apenas fora do ar. É praxe dos jornais preparar obituários com antecedência sobre celebridades acima de certa idade ou já pela bola sete.

O problema é quando o morto em potencial se recusa a ir embora. Passei por isso em 1989, ao escrever

um artigo para uma revista de avião. Por algum motivo, eu precisava citar a morte do imperador japonês Hiroíto, que ainda não acontecera, mas que os médicos davam como certa por aqueles dias. Como a revista só sairia dali a três meses, sapequei

Hiroíto como morto. Mas as semanas se passaram e Hiroíto não morria. Àquela altura, a revista fora para a gráfica, e seu editor, desesperado, já considerava a ideia de fazer "harakiri". Por sorte, Hiroíto morreu no dia em que a revista rodou.

Pior foi em 1990, quando um jornal me pediu o obituário de Ella Fitzgerald, então com 73 anos e, tudo indicava, a próxima diva do jazz a morrer. Contra minha vontade, "matei" Ella e opinei que, a partir dali, seu manto iria para a grande Carmen McRae, muito mais jovem. Mas, antes de Ella, quem morreu foi Carmen, em 1994, e o obituário não foi corrigido. Quando a própria Ella morreu, em 1996, o obituário saiu e lá estava eu, coroando a falecida McRae.

Ou quando me pediram de São Paulo o obituário de Dercy Gonçalves, em 1996. Estranhei porque, naquela semana, Dercy, aos 91 anos, ia começar uma temporada no Canecão, aqui no Rio. Mas aceitei a tarefa, e Dercy "morria" lindamente no meu texto. Na vida real, só foi morrer 12 anos depois, em 2008, e, quando isso aconteceu, seu obituário tinha caducado por completo.

Na verdade, eu é que quase morri antes dela.

Esse mundo é um pandeiro - CACÁ DIEGUES

O GLOBO - 26/01


"O som ao redor", uma obra prima realizada pelo cineasta pernambucano Kleber Mendonça, talvez seja o melhor filme brasileiro dos últimos anos



Há quinze dias, saudei aqui nesse cantinho de O Globo a chegada do verão. Anunciei com entusiasmo que o sol brilhava imperial no céu azul e as moças ficavam mais bonitas, esses clichês da estação. No exato sábado em que o texto foi publicado, nuvens negras cobriram o horizonte, começou a chover intermitentemente. Desde então, nunca mais o sol voltou.

Agora, quando escrevo com antecedência o texto deste sábado, o sol brilha de novo e o verão parece ter voltado a abrir sua barraca na cidade. Mas, como não posso garantir sua permanência, não quero me sentir responsável pelo fracasso do sol. Acho melhor fingir que não o vejo e sugerir ao leitor programas que não necessitem do calor de sua presença. Como por exemplo ir ao cinema.

Nesse período do ano, a oferta de filmes é abrilhantada pelos candidatos ao Oscar, uma competição à qual nossos jornais e televisões dão enorme atenção e vasta publicidade. Em cartaz, estão filmes interessantes, belos ou relevantes, como "Aventuras de Pi", "Amor", "Django livre", "Lincoln", "O mestre" e sobretudo "O som ao redor", uma obra prima realizada pelo cineasta pernambucano Kleber Mendonça.

Este talvez seja o melhor filme brasileiro dos últimos anos, não sei bem desde quando. Com excelentes intérpretes locais, narrado de forma rigorosa e contundente, desenvolvendo uma surpreendente dramaturgia nada convencional, "O som ao redor" é um extraordinário retrato da classe média brasileira de hoje, sem discurso e sem demagogia, tendo a importância para a compreensão do país que tiveram "Central do Brasil", "Cidade de Deus" ou os dois "Tropa de Elite".

À disposição do público, estão também algumas comédias brasileiras de enorme sucesso popular e rejeição por parte de nossas elites intelectuais, como "Os penetras", "Assim que a sorte nos separe" ou "De pernas para o ar 2". São comédias modernas que sucedem aquelas sempre tratadas depreciativamente como "chanchadas".

Parece que a palavra vem do italiano, "cianciatta", que na linguagem popular romana significa qualquer coisa como papo furado, conversa fiada ou jogada fora. Era assim que os ítalo-paulistas da Vera Cruz e seus técnicos importados se referiam às comédias cariocas nos anos 1950. Moniz Vianna, lendário crítico do Correio da Manhã, foi quem a abrasileirou para chanchada.

Desde então, a palavra tem servido a quem quer falar mal do cinema nacional, adaptando-a através do tempo para porno-chanchada, neo-chanchada ou globo-chanchada. A chanchada já ganhou também a internet e a dramaturgia alternativa da televisão paga, como em "Porta dos fundos" ou "Meu passado me condena", entre outros programas. Daqui a pouco, vai certamente aparecer a web-chanchada.

O cinema não foi inventado para ser instrumento de uma ideia única que se impõe às outras. Um filme pode fazer pensar, emocionar, divertir ou simplesmente encantar. Os melhores, quase sempre, misturam bem tudo isso. Mas nenhuma lei obriga a população a ir ver esse ou aquele filme, ela vai porque é aquele o tipo de filme que escolheu ver e deseja usufruir. Só se corrige isso trocando de povo, o que às vezes parece ser o desejo de nossa direita culta.

Todo mundo tem o direito (e às vezes o dever) de querer mudar o gosto popular. Mas ninguém tem o direito de censurar esse gosto, impedir que ele se realize e satisfaça quem o procura, difamá-lo.

Mas não é verdade que só as comédias fazem sucesso junto a nosso público. Consultem as cinco maiores bilheterias do cinema brasileiro, nestes últimos vinte anos: 1º - "Tropa de Elite 2" (relevante documento político contemporâneo); 2º - "Se eu fosse você 2" (comédia sofisticada que poderia ter sido dirigida por Billy Wilder, por exemplo); 3º - "Dois filhos de Francisco" (drama familiar e musical sertanejo); 4º - "Nosso lar" (filme de base religiosa e mística); 5º - "Carandiru" (sobre o trágico massacre na cadeia paulista). O público brasileiro compreende e adere à diversidade do nosso cinema, basta que o filme seja bom. E bem lançado.

No final dos anos 1980, durante um festival de Cannes, Ettore Scola, o grande cineasta que atravessou todas as tendências do cinema italiano desde o pós-guerra, deu conhecimento de um ensaio em que dizia que as comédias italianas serviam muito melhor à compreesão do que era a Itália da época do que as obras primas do neorealismo. Isso não queria dizer que as obras primas do neorealismo não deviam ter sido feitas, muito pelo contrário. Quer dizer apenas que o imaginário humano pode se manifestar de várias formas e fazer história sem que o contemporâneo perceba. O que aliás é uma característica da história.

O título desse texto é tomado do livro homônimo de Sergio Augusto, lançado em agosto de 1989, que por sua vez o tomou de uma comédia carioca de 1946, um dos primeiros sucesso da Atlantida. O livro de Sergio Augusto nos ensina o que nos havia escapado de importante nas chanchadas de Vargas a Kubistchek. Um toque de que é preciso levar tudo a sério, sem perder nunca a alegria. Como num verão permanente, digamos.

Espremido no avião - DRAUZIO VARELLA

FOLHA DE SP - 26/01


Em quantos voos o pobre homem não teria notado a rejeição na face de idiotas como este que vos escreve


Sofro para encaixar as pernas nos aviões atuais. Se as deixo juntas, meus joelhos ficam prensados contra as costas do banco da frente; quando tento abri-las, incomodo quem está ao meu lado.

Num voo para Manaus, o único lugar que consegui foi na fileira do meio. Na janela, estava um rapaz de camiseta e boné, com as pernas maiores do que as minhas.

Enquanto meus companheiros de infortúnio entravam em fila ordenada e arrumavam seus pertences nos bagageiros, só não rezei para que o banco à minha direita permanecesse vazio porque não compreendo como os crédulos podem imaginar a existência de um ser superior com discernimento, perspicácia e tempo livre para as pequenas desventuras de cada um dos 7 bilhões de seres humanos espalhados pelo planeta.

Quando vislumbrei na fila um passageiro com mais de cem quilos, tremi nas bases. Não sei se você, leitor, é menos azarado, mas a meu lado jamais senta uma mulher bonita e agradável. No embarque, quando vejo alguma com tais atributos, tenho certeza absoluta de que a meu lado não ficará.

Como estava no fundo do avião, a esperança de que meu viçoso companheiro de viagem encontrasse seu assento mais à frente só me abandonou quando ele parou sorridente:

- Lamento, mas você foi sorteado para sofrer esse aperto junto comigo, nas próximas três horas e quarenta e cinco minutos.

A simpatia foi uma punhalada em meu coração. Para chegar se desculpando daquele jeito, em quantos voos o pobre homem não teria notado a rejeição estampada na face de idiotas como este que vos escreve.

Apesar da culpa, reconheci que não seria fácil viajar entre o rapaz de boné, com uma das pernas invadindo o espaço microscópico teoricamente reservado para mim, e o passageiro de corpo avantajado, que me forçava a manter encolhidos o braço e o ombro.

Entre os dois, onde apoiar o computador para terminar o trabalho? Situação pior, só a do cidadão à minha direita, com o corpo que transbordava os limites da poltrona.

Com muita dificuldade, consegui acomodar o computador no colo, numa posição desajeitada que me permitia enxergar a tela e tocar no teclado, contanto que permanecesse imóvel.

Às tantas, meu vizinho transbordante me cutucou:

- Acabei de ler esse seu livro, "Carcereiros". Você devia escrever sobre os spas.

- Spa?

- Porque os spas são iguais às cadeias.

Ele havia ganhado mais de 30 quilos nas últimas décadas. Preocupados, a esposa e os filhos insistiram durante anos para que se internasse num spa. Diante da resistência do principal interessado, planejaram uma chantagem terrível: não levariam mais os netos para ver o avô.

- Quando me deixaram na porta do spa com a malinha, senti que nunca mais recuperaria a liberdade. Deu vontade de chorar.

A rotina diária confirmou suas piores expectativas:

- No almoço, cem gramas de frango grelhado, meia cenoura cozida e duas folhas de alface. No jantar, um caldo tão ralo que nem a sede matava. De manhã, um pedacinho de mamão, uma fatia de pão de forma com requeijão com gosto de isopor e uma xícara de chá.

Depois do café, caminhada ao ar livre e uma hora de hidroginástica. À tarde, exercícios na academia. No terceiro dia, sentiu o organismo fraquejar; no quarto, simulou um quadro gripal para passar o dia na cama. Em uma semana, perdeu três quilos, mas ficou revoltado.

Tinha vivido na pobreza extrema quando criança. Trabalhar até ficar bem de vida para passar fome novamente não fazia sentido para ele.

Nesse estado de espírito, perguntou para o guarda da noite quem vendia os melhores salgadinhos da cidade. O rapaz lhe disse que vinha gente de longe atrás das empadas de palmito e coxinhas de frango com catupiry que uma senhora fazia. Meu vizinho de poltrona não se fez de rogado:

- Subornei o guarda para me trazer meia dúzia de cada.

Nos dias seguintes cometeu uma imprudência, no entanto:

- Caí na besteira de oferecer para outro gordo que também passava mal de tanta fome.

Infelizmente, o companheiro não respeitou o sigilo combinado:

- Começou uma romaria noturna no meu quarto. Precisei comprar duas dúzias por dia. Vinha tanta gente que fui obrigado a pregar um aviso na porta: "Depois das 23 horas, não atendo mais ninguém".

Sem poder e sem pudor - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 26/01


A candidatura, que senadores descontentes chamam de "clandestina", mas na prática imbatível, do alagoano Renan Calheiros (PMDB) à sucessão de José Sarney na presidência do Senado põe em xeque o prestígio do Legislativo.

O desejo do senador de voltar ao lugar do qual saiu para não ser cassado está prestes a se realizar sem que sequer ele precise confessá-lo publicamente. Isso poderá ocorrer, apesar dos fatos relevantes que não o recomendam para o posto, cujo ocupante também preside o Congresso e entra em terceiro lugar na linha sucessória da Presidência da República. Os óbices contra sua pretensão são óbvios, mas nenhum é suficiente para impedi-lo de alcançar o objetivo.

O primeiro deles é que na vez anterior em que lá esteve teve de renunciar ao posto depois de ter sido alvo de seis meses de denúncias. Acusado de receber ajuda financeira de lobistas ligados à construtora Gautama para pagar o aluguel de um apartamento e pensão alimentícia para uma filha que teve fora do casamento com a jornalista Mônica Veloso, ele protagonizou um escândalo apelidado de Renangate, junção de seu sobrenome com a segunda metade da palavra inglesa Watergate, que batizou o caso que terminou com a renúncia do presidente dos Estados Unidos Richard Nixon. Substituído na presidência pelo petista Tião Viana (AC), o alagoano foi absolvido a portas fechadas pelo voto secreto de 40 colegas a favor, 35 contra e 6 abstenções.

Cinco anos depois, na escolha para a presidência para a próxima legislatura, a ser iniciada em 1.º de fevereiro, a volta tida como certa, embora ainda não anunciada oficialmente, do presidente que renunciou para não ter cassado o mandato de senador repete interesses e personagens do episódio que o afastou. A presidente Dilma Rousseff chegou a soltar balões de ensaio dando a entender que a solução não a agradava e que preferia alguém com um prontuário menos tisnado. Soluções alternativas com as quais ela simpatizava, casos do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e do ex-governador de Santa Catarina Luiz Henrique, contudo, naufragaram. O Palácio do Planalto, o governo federal e o PT não resistiram ao assédio do presidente da Casa, José Sarney, e do vice-presidente da República, Michel Temer, em favor do candidato que parece inevitável: a poucos dias da eleição, sem ter pedido um voto nem sequer reconhecido interesse no pleito, Renan não tem opositores. A não ser Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que dificilmente deixará de beneficiar o favorito com o argumento de que terá vencido uma disputa para valer.

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) encaminhou uma carta a 43 colegas, expondo ideias do grupo que não se conforma com essa situação, convocando-os para debater ideias capazes de livrar a Casa do opróbrio total. Nenhum senador petista aceitou participar do debate, nem aqueles que mais fazem questão de exibir independência e correção. Isso parece dar razão a críticos da vitória do candidato "que foi sem nunca ter sido", como a viúva Porcina da telenovela Roque Santeiro, de Dias Gomes, na Globo. Pois tudo indica que a escolha do mesmo Tião Vianna, que substituiu Renan na crise do Renangate e presidiu a sessão que lhe manteve o mandato, para vice na chapa secreta de agora denota a esperança do partido governista de ascender à presidência na eventual repetição de algum descalabro similar ao de 2007. A hipótese não é implausível: o outro óbice óbvio se configura nos escândalos protagonizados pelo pretendente. Este jornal acaba de publicar em primeira página a notícia de que a construtora Uchôa, de propriedade de um irmão de Tito Uchôa, apontado como "laranja" de Renan, faturou mais de R$ 70 milhões no programa Minha Casa, Minha Vida, da Caixa, área de influência do senador e de seu partido em Alagoas.

Na sua coluna no jornal Valor, Rosângela Bittar resumiu a adesão muda da maioria dos senadores e a omissão do governo e seu partido diante do fato consumado num trocadilho cruel e amargo feito por Cristovam Buarque: "Primeiro, nós fomos perdendo o poder e depois fomos perdendo o pudor". E a colunista comentou sem dó: "Um escárnio". Mais precisava ser dito?

Liberdade, igualdade... - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SP - 26/01


A sabedoria popular é pitoresca. Diz o povo que homem rico e mulher bonita nunca são julgados como os demais


As divisas da revolução francesa ("liberté, égalité, fraternité!"), nascidas nos fins do século 18, estiveram presentes, ao menos em parte, no discurso do presidente Barak Obama, na abertura de seu segundo mandato.

Insistiu em considerações sobre a liberdade e a igualdade, certamente inspirado em Thomas Jefferson, principal redator da constituição norte-americana, cujo conhecimento da vida e da história francesa mostra os efeitos de cinco anos passados em missões na Europa.

É fácil repetir a máxima revolucionária, mais de dois séculos depois de seu enunciado. Coisa diversa é aplicá-la hoje, tanto nas relações internas e externas de países existentes no século 19 (em várias latitudes das Américas, do norte ao sul), quanto os independentes na segunda metade do século 20 (asiáticos e africanos, em maioria).

Embora Obama estivesse voltado para o povo estadunidense, conforme se vê nos textos destacados, que a Folha divulgou, é possível tirar ilações para o futuro, úteis independente de seu brilho oratório.

Tomemos a bandeira da liberdade com a amplitude abarcada pelo termo. Cada indivíduo deve ter noção do que é liberdade e do que é ser livre. Liberdade absoluta, que assegure, a cada um o fazer o que melhor lhe pareça, desconsiderados os demais, é inaceitável.

A liberdade de um termina no começo da liberdade do próximo. É exercível nos termos da lei. Ou seja: no limite da norma votada democraticamente. Aplicável a todos. Reparadas ofensas ao direito individual, através do Poder Judiciário.

A compensação das desigualdades é garantida pela Carta Magna: todos são iguais perante a lei, sem distinção. O raciocínio é simples: a igualdade tem aplicação reforçada pelo enunciado no art. 5º, a garantir o tratamento nele definido, que a própria Carta define.

Sabe-se que a interpretação da norma constitucional vai além da simples literalidade das palavras, o que, com frequência, perturba sua compreensão. Ideal seria que todos alcançassem a plenitude da igualdade jurídica. Mas a igualdade integral, plena, nem sempre é viável.

Talvez por isso, a sabedoria popular é pitoresca. Não prejudica a avaliação e nem tira sua seriedade.

Diz o povo que homem rico e mulher bonita nunca são julgados como os demais. No referente às mulheres, é imperdível o poema de Olavo Bilac, dedicado ao julgamento de Frinéia.

O terceiro conceito, da fraternidade, nem é estritamente jurídico, nem foi evocado por Obama, sempre que ressalvou os interesses diretos de seu país. A fraternidade conceitual aceita aproximações daqueles que têm os mesmos gostos, iguais convicções e ideias próximas. Associam-se formal ou informalmente, por interesses ou benefícios, comuns ou assemelhadas, individuais ou coletivos.

A fraternidade, no sentido original, corresponde à união formal ou informal de pessoas, com a finalidade de dar harmonia aos seus objetivos, para o bem dos assemelhados. É espécie de irmanação voluntária, visando um fim bom.

No mundo em que vivemos, marcado pela transformação das relações interpessoais, a fraternidade pode ser o mecanismo mais útil para construir o futuro. Isso porque fraternidade é mais do que o exercício do direito. É antecipação da oferta de quem a pode e queira fazer.

Governar, construir, civilizar - MARCO AURÉLIO NOGUEIRA

O ESTADÃO - 26/01


Ano novo, vida nova. Se o dito vale para as pessoas, também vale para as cidades, especialmente quando elas entram em contato com novos prefeitos, eleitos na esteira de promessas e expectativas de mudança.

Por todo o País os prefeitos estão agora obrigados a traduzir suas diretrizes e seus planos de campanha em ações efetivas de governo. Não é diferente com São Paulo. Eleito de modo convincente em 2012, Fernando Haddad inicia sua gestão impulsionado pela adesão inicial de milhões de eleitores que o consagraram nas urnas. Há otimismo e boas razões para acreditar que algumas boas novidades virão. Mas governar uma metrópole como São Paulo requer mais que recursos técnicos e intelectuais, que Haddad seguramente possui. É como a travessia de um deserto desconhecido, em que a cada passo se faz necessário recompor as energias e projetar uma meta de chegada que não se sabe bem onde está nem quando se efetivará. A cidade é como um enigma que se repõe a cada instante.

O novo prefeito conta com uma equipe formada em sua própria prancheta e integrada, na maioria, por quadros técnicos e políticos majoritariamente qualificados, aos quais se agregaram algumas dívidas partidárias e de campanha. A questão agora é caminhar. Na mesa de Haddad há uma agenda espetacular de problemas. O "muro da vergonha" que separa ricos e pobres - tema central da campanha eleitoral - é inequivocamente o maior deles. Desmarginalizar, integrar e aproximar são verbos que se articulam tanto com governar de modo democrático e socialmente responsável quanto com a disseminação de novos valores e comportamentos. Ou seja, é tarefa do prefeito e de seus gestores, mas também dos que vivem em São Paulo. Passa pela reeducação dos moradores, pela eliminação da prepotência dos grandes interesses, pela superação do que há de privatização e mau uso do espaço público, coisas que somente frutificarão se forem induzidas pelo vértice do poder municipal, pelas escolas, pela mídia e impregnarem a consciência cívica da coletividade.

O governo da cidade opera mediante grandes e pequenos gestos, mostra-se no longo e no curto prazo, precisa incidir na estrutura urbana e no chão da vida cotidiana, tratar o que é aparentemente menor como coisa séria. Uma via esburacada ou mal iluminada, uma parada de ônibus mal localizada, um semáforo quebrado, uma árvore sem poda ou uma praça abandonada infernizam a vida de muita gente. Podem até "prejudicar os negócios", esse mantra que tem sido repetido sempre que se precisa justificar alguma decisão ou falta de decisão.

Há questões dilemáticas. Como seus antecessores, Haddad herdou uma dívida que tem sido considerada "impagável", por estar em patamares superiores às receitas anuais. A Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe a Prefeitura de obter novos empréstimos, impedindo-a de acompanhar o ritmo de expansão dos investimentos públicos dos últimos anos. A dívida soma R$ 58 bilhões, a maior parte dela com a União. Terá de ser renegociada, ao mesmo tempo que a Prefeitura terá de continuar gastando. Precisará encontrar meios de incrementar suas receitas, o que não é nada fácil.

Também são dilemáticos os temas associados ao plano político, ao social e ao da comunicação pública. Com que partidos, vereadores e organizações políticas contará o prefeito para auxiliá-lo? Qual o real poder de fogo de seus aliados e de sua base de sustentação? Terá de fato o apoio da população, especialmente daquela sua parcela a quem se pedirá algum sacrifício? Conseguirá quebrar a resistência dos interesses que se sentirem prejudicados ou que acharem que não estarão a ganhar tanto quanto julgam merecer? Como trazer o conjunto dos moradores para a ocupação cívica da cidade, ou seja, para a conversão dos espaços urbanos em ambientes civilizados (e, portanto, democráticos e compartilhados) de vida coletiva?

Governar São Paulo não é construir estradas, vias expressas ou obras suntuosas. Algo disso com certeza haverá, porque a cidade continua a atrair pessoas, eventos, investimentos e precisa se ajustar fisicamente. O caso do centro histórico é emblemático. Abandonado há décadas, esvaziado, empobrecido e desqualificado em termos arquitetônicos e urbanísticos, o centro persiste "fora da cidade" mesmo após várias intervenções públicas. Não é um ponto de referência que ajude a organizar a cidade e a cidadania ou lhes forneça parâmetros de convivência. Precisa de obras e de muita regulação para se tornar uma área em que se possa viver, sentir e apreciar a história e o patrimônio da cidade. Todos perderão sem sua arrumação e sua integração cívica.

Cidades existem para serem usufruídas, contempladas e frequentadas. Não são locais somente para o trabalho. Precisam ser belas, limpas, amigáveis. Sujeira, barulho e má pavimentação, por exemplo, não combinam com elas. Parecem questões menores, mas não são. Pouquíssimos bairros paulistanos exibem calçadas adequadas. Há falhas, desníveis e bloqueios em excesso. Bancas de jornal, automóveis, camelôs e ciclistas dificultam a circulação segura dos pedestres e enfeiam a paisagem.

Calçadas e pavimentação são atribuições do poder público e requerem sua ação e sua regulação permanentes. Mas são também bens a serem cuidados pelos moradores. Não deveríamos necessitar de uma lei para que alguém preserve e respeite o que é comum. A cultura urbana e a civilidade deveriam bastar e na falta delas tudo fica muito mais difícil.

Está aí um dos mais complexos obstáculos para o sucesso de qualquer administração. Um governar que não se combine nem se preocupe com a construção de vida civilizada, que se concentre exclusivamente na gestão e na política miúda terá menos chances de fazer a diferença. Sem cidadãos ativos os governantes podem pouco.

Ueba! São Paulo é um vício! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 26/01


Toda rua de São Paulo é assim: padoca, igreja evangélica e agência do Bradesco!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Feriadão da Afundação de São Paulo! Paulista gosta tanto de São Paulo que olha esta notícia: "1,3 milhão de veículos deve deixar a cidade no feriadão do aniversário". Vão estressar os outros.

Paulista, quando viaja, em vez de desestressar, estressa os outros: "Rápido! Depressa com essa caipirosca. Ai, que saco, se fosse em São Paulo". E comer fora em São Paulo tá tão caro que os garçons deviam apresentar a conta de meia na cabeça e luvas pra não deixar impressão digital!

E sábado à noite só dá pra sair se for pra trabalhar de flanelinha. Flanelinha de balada! Rarará! E em São Paulo chove tanto que não tem malabarista de farol, tem aqualouco.

São Paulo alaga tanto que tem cruzeiro do Roberto Carlos na Marginal. "Hoje na Marginal Tietê! Cruzeiro do Roberto Carlos!" E paulista no trânsito só usa quatro marchas: parado, paralisado, ponto morto e puto da vida!

E São Paulo é a única capital que tem três prefeitos: Haddad, Lula e Dilma. Prefeito combo: pipoca, Coca-Cola e dor de barriga.

E uma instituição tipicamente paulistana: padaria. A padoca! Toda rua de São Paulo é assim: padoca, igreja evangélica e agência do Bradesco! Um amigo saiu apressado de casa, entrou na padaria e o padeiro tava de terno e gravata. A padaria tinha virado igreja evangélica. Rarará!

São Paulo é a capital da diversidade: tem até japonesa loira bunduda. E o Lula aprendeu português com os paulistas: "As mina vão pegar as bicicleta".

E São Paulo tem 762 peças, 498 shows e 354 filmes e aí você pode dizer: "Oba! Vou ficar em casa". Você fica em casa por opção e não por falta de opção!

São Paulo é a capital da gastronomia: todo mundo come todo mundo! É mole? É mole, mas sobe!

E São Paulo é tão workaholic que tem carteiro na segunda-feira de Carnaval. É verdade! Eu passei um Carnaval em São Paulo e aí segunda bem cedo um cara gritou: "Caaarteiro". E aí apareceu um outro e ligou a britadeira. Rarará! Britadeira de Carnaval!

Por tudo isso que eu amo São Paulo! Eu não quero morar em Seychelles, Maldivas e Bali. Quero morar em São Paulo! Cheirar gasolina e tomar penicilina! Rarará! São Paulo é um vício! Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Fator ar-condicionado - ANCELMO GOIS


O GLOBO - 26/01


De novembro a dezembro de 2012, o consumo de energia elétrica no âmbito da Light saltou, veja só, 29%, por causa do calorão carioca.
O vilão é o ar-condicionado.

Aliás...
Não faz muito tempo, o pico de energia no Rio era por volta das 19h, quando o cidadão chegava em casa e ligava o chuveiro elétrico.
Hoje, o pico do consumo é por volta das 22h, hora de ligar o ar-condicionado e dormir.

Segue...
Embora o consumo tenha aumentado 29%, o faturamento da Light cresceu apenas 8%. A diferença fica por conta do furto de energia.
Além disso, em casa com gato de energia, o ar-condicionado tende a ficar mais tempo ligado.

Os muitos Romários
A Copa São Paulo de Futebol Júnior, que acabou ontem, tinha nada menos que 17 jogadores com o nome de... Romário.
Esta turma nasceu logo após a Copa de 94, nos EUA, quando o Romário, hoje deputado, foi um dos melhores jogadores.

Enfim, magro
Jô Soares foi um dos entrevistados do programa “La grande librarie”, levado ao ar, quarta passada, pela televisão francesa.
O grande Jô revelou, então, qual seria o seu epitáfio: “Enfim, magro”.

Só perde para a Índia
O Ministério da Saúde promove, em março, uma campanha, nas redes públicas de ensino, para detectar casos de hanseníase. A ideia é examinar 9,3 milhões de estudantes.
Em números absolutos, o Brasil só fica atrás da Índia na lista de novos casos da doença.

Pé na folia
Em “Pé na cova”, o seriado da TV Globo, a morte virou sinônimo de... folia. É que a turma de Ruço (Miguel Falabella), batizou seu bloco de “Vem ni mim que eu tô mortinha”, inspirado numa agremiação carioca.
Preta Gil, a cantora que arrasta multidões no carnaval, será a musa do bloco da ficção.

Comissão da Verdade
Audálio Dantas presidirá a Comissão da Verdade dos Jornalistas, criada pela Fenaj para apurar crimes da ditadura contra os profissionais da imprensa.
Ele dirigiu o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo quando Vladimir Herzog foi assassinado.


Suplicy na Mangueira
Segunda passada, um dia após ver o secretário José Mariano Beltrame no programa “Esquenta”, de Regina Casé, na TV Globo, o senador Eduardo Suplicy ligou para o xerife do Rio.
Queria conhecer uma... UPP. Quinta, Beltrame levou o petista para visitar a UPP da Mangueira/Tuiuti.

Calma, gente
Parece “Zorra Total”, o humorístico da TV Globo, mas aconteceu às 8h40m de ontem, na estação São Cristóvão, do metrô do Rio.
Uns seguranças foram ao vagão feminino retirar dois travestis, que cismaram de viajar lá. E um deles:
— No vagão comum, a gente apanha dos bofes.

Píer em Y liberado
O desembargador Wagner Cinelli de Paula Freitas, da 17ª Câmara Cível do TJ do Rio, autorizou o prosseguimento da construção do polêmico píer em Y, que a Docas quer erguer entre os armazéns 2 e 3, na Zona Portuária do Rio.
O magistrado suspendeu a decisão da 15ª Vara de Fazenda Pública que paralisou o projeto, acatando uma ação popular proposta pela deputada Aspásia Camargo.
Como se sabe...
Muitos arquitetos e urbanistas se opõem ao plano de construção de um novo atracadouro no local.


Cena carioca
De uma cliente, antes de uma consulta em uma clínica de dermatologia, na Tijuca, Zona Norte do Rio, ao ser questionada pela atendente sobre seu estado civil:
— Vivendo em pecado.
Há testemunhas.


DIÁRIAS TURBINADAS - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 26/01


Os valores médios das diárias de hotéis em Brasília, Fortaleza, Belo Horizonte e Salvador são os que mais subiram com a aproximação da Copa das Confederações (de 15 a 30 de junho). No DF, as tarifas oferecidas passam de US$ 127,08, em março, para US$ 227,64, aumento de 79,1% durante o evento. A variação é de 77,5% na capital cearense, 60,7% na mineira e 59,6% na baiana.

DIÁRIAS TURBINADAS 2
Os dados da pesquisa nas seis capitais que vão sediar os jogos serão discutidos com empresários do setor. O presidente da Embratur, Flávio Dino, quer agendar o encontro após o Carnaval. Recife foi onde as diárias subiram menos: 9%. O monitoramento passou a ser feito diante dos preços abusivos praticados durante a Rio+20.

PARA VER O PAPA
A prévia revela que os hotéis cariocas turbinaram menos as diárias para a Copa das Confederações (18,1%), contra 39,3% de aumento para a Jornada Mundial da Juventude (de 23 a 28 de julho). Para ver o papa Bento 16, o valor médio de hotel no Rio chega a US$ 266,16.

LUZ NO FIM DO TÚNEL
O estilista Ricardo Almeida foi parar no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas) anteontem. Ele acompanhou funcionária que tem uma filha dependente de drogas.

A secretária da Justiça, Eloisa Arruda, recebeu-o no local e ouviu dele uma promessa: "Tenho vários tecidos antigos. Nem todos estão bons, mas para aprender a costurar dá", diz.

HORA DO RECREIO
O deputado estadual Rui Falcão (PT-SP), autor do projeto que veta publicidade infantil para alimentos e bebidas pobres em nutrientes, vai convidar o desenhista Mauricio de Sousa, que licencia a Turma da Mônica em doces e salgados, para uma conversa. "Tenho certeza de que um artista que fez tanto bem para as crianças vai mudar de opinião", diz.

MUNDO REAL
Ari Behn, escritor e marido da princesa Märtha Louise, da Dinamarca, esteve em SP na semana passada. Gravou programa que apresenta na Europa, foi a uma churrascaria e à boate Love Story.

ME O QUÊ?!
Sabrina Sato apresentou o baile de Carnaval da "Vogue", anteontem. Do palco, ela comentava as fantasias dos presentes. Apontou para uma mulher e disse: "Olha, ela veio de miss... Miss o que, gente? Me esqueci. Eu vim de miss Tupre [me estupre]", exibindo um decote até o umbigo.

A festa, no hotel Unique, foi embalada a hits de axé, como "A Dança da Bundinha", que lotaram a pista.

Ô, LÁ EM CASA
Gloria Pires, que fará a arquiteta Lota Macedo Soares no filme "Flores Raras", de Bruno Barreto, emprestou sua voz a um poema de Elizabeth Bishop, companheira da idealizadora do aterro do Flamengo, para o programa "Casa Brasileira" (GNT). A atração, que vai ao ar em 17 de fevereiro, mostrará a casa delas em Petrópolis (RJ).

ATABAQUES
A Casa do Saber vai oferecer curso sobre orixás. Marcelo Boffat coordenará as quatro aulas com trilha ao vivo. Em 2 de fevereiro, Dia de Iemanjá, terá banquete no restaurante de Bel Coelho.

TAMOS QUE TAMOS
Os músicos Adriano Cintra e Lucas Santtana foram ao Centro Cultural Rio Verde anteontem para a festa Tô Q Tô, que tem entre os DJs, Zé Pedro. O secretário municipal de Cultura, Juca Ferreira, estava na balada.

Curto-circuito
O coletivo Fora do Eixo lança às 16h, na marquise do parque Ibirapuera, a coletânea da trilha sonora do Projeto DJ Residente 2012, com músicos de todo o país.

O Paribar começa amanhã a servir brunch aos domingos, das 9h às 15h.

O grupo Grizzly Bear toca no Popload Gig em fevereiro.

LULA ARTICULA REELEIÇÃO DA DILMA - JORGE BASTOS MORENO - Nhenhenhém


O GLOBO - 26/01


Está deflagrada a sucessão presidencial. Numa conversa, ante-
ontem, no Rio, com o prefeito Eduardo Paes, Lula discutiu sincronização da campanha pela reeleição da Dilma com a eleição do sucessor de Sérgio Cabral.
Os dois principais partidos da base, o PT e o PMDB, não abrem mão dos seus respectivos candidatos, Lindbergh e Pezão.
Lula falou muito bem do Lindbergh, a quem chamou de “bem articulado e grande sedutor”. Paes contra-atacou, dizendo que Cabral e ele, juntos, não perderão eleição e criticou Lindinho por colocar a candidatura dele como fato consumado.
— Se Dilma não estiver olímpica nas eleições, palanque dividido no Rio não será bom para ela. É preciso saber o que é mais importante para o PT, se o projeto nacional ou o regional — ponderou.
Paes deixou claro, porém, que o apoio à candidatura da Dilma passa ao largo dessa disputa. Ou seja, Cabral e ele estarão com a Dilma aconteça o que acontecer.

Coragem
Antigamente, a geopolítica dividia o país apenas entre Norte e Sul. Os políticos nordestinos gostavam de provocar os sulistas, com o jargão “Há macho no Norte”.
Se o Brasil ainda estivesse dividido ao meio, e eu dissesse “Há macho também no Sul”, Eduardo Paes responderia solenemente:
— Esse cara sou eu!
Olho no olho com Lula, o prefeito exorcizou o fantasma Lindbergh. E, depois, foi se vangloriar, por telefone, com Cabral:
— Fui macho para caramba! Disse ao Lula tudo o que eu acho sobre a candidatura Lindbergh. E deixei claro que não há hipótese de abandonarmos o nosso “Bigfoot”.

Bandeira
Lula não faz um elogio pessoal ao Lindbergh. Mas destaca sua capacidade política. E se rasga em elogios pessoais a Pezão.


Meio século
Estranhei a ausência de Cabral nos encontros com Lula e perguntei a Paes se ele estava em Paris.
— O governador estava no 4º andar do Palácio Guanabara, trabalhando, como sempre. Aliás, domingo ele faz 50 anos — respondeu-me.
Pensei: vou pegar esse prefeito agora. E joguei a casca de banana:
— Mas ele voltará a tempo de comemorar o aniversário no Rio?
E o Paes, caindo feito um Jobim:
— Voltará sim. E vai comemorar comigo. Domingo cedo ele já estará aqui.

Família íntegra
Mirian Carvalho começou com uma lojinha, tendo o pai Gilberto como balconista, nas horas vagas. Agora abriu um restaurante, com suor e humildade.
Filha e pai nunca usaram o poder para obter vantagens.

Big Brother
Padilha implantou câmeras online nos principais hospitais do país.
Foi mostrar o feito a Dilma. Escolheram aleatoriamente, acredito, o hospital GHC, de Porto Alegre. E viram uma idosa com o rosto contraído por dores. Depois de 20 minutos, voltaram e viram a mesma cena.
— Padilha, liga para lá agora e diz que estou exigindo um tratamento digno para essa pobre senhora!
A velhinha foi internada na hora.

Prejuízo
Desafiei Eduardo Paes para um teste de popularidade. Levei-o para jantar no movimentado Terzetto da praça General Osório. Foi muito assediado e cumprimentado. Na saída, várias pessoas que estavam na praça o cumprimentaram.
Quem se deu mal fui eu. O jornal — que absurdo! — não reembolsa minhas despesas de restaurantes no Rio. 

“Sonho meu”
Manuela D’Ávila sonhou que Pedro Bial escreveu-lhe esta poesia:
“Gosto das sobras de Manuela /
Sobrou Verdade, /
Tinta no Cabelo, /
Crença na humanidade./ Gosto das sobras de Manuela.”
Comentou com o namorado Duca Leindecker que deveria ligar para o Bial para contar o sonho. E Duca, às gargalhadas:
— Se foi sonho, quem escreveu a poesia foi você, não o Bial.
Férias
O sucesso da cantina “Sanfelice” da Mirian deve-se à famosa campanha do boca a boca do papai. Nessa mídia, não existe ninguém melhor do que Gilbertinho, que, a partir de hoje, ficará livre de mim. Mas só por um mês.

Compreensão do futuro - MARCOS CARAMURU DE PAIVA

FOLHA DE SP - 26/01


Mesmo que o governo não tenha propensão a reformas corajosas, a China está sempre se transformando


No início desta semana, o chinês Jack Ma, 48 anos, dono dos famosíssimos "Alibaba" e "Taobao", sites de vendas na internet, anunciou que passará o comando de suas empresas à geração dos anos 70 e 80 porque "ela tem uma melhor compreensão do futuro".

Os asiáticos do leste, de uma maneira geral, estão sempre mais propensos a pensar no futuro do que a revisitar o passado.

Há exceções: os japoneses não se enquadram exatamente nesse perfil. Mianmar, até há pouco, valorizou deliberadamente o atraso. Mas a regra geral é olhar adiante e antecipar o que for possível.

Vale para os grandes temas e para o dia a dia. Os chineses, por exemplo, costumam chegar antes da hora aos compromissos. Estão sempre buscando negócios para fazer dinheiro rapidamente. Quando revelam a idade, acrescentam um ano ao tempo real de vida. A tradição é mudar de idade na virada do calendário lunar, não no aniversário.

A fixação no futuro explica os trens-bala, a ousadia arquitetônica, a falta de cerimônia ao derrubar construções ou mudá-las de lugar, levantando-as pelos alicerces e as movendo por inteiro, para encaixá-las no desenho urbano moderno.

Facilita também entender a lógica de certas políticas: a da previdência social, sobretudo. Na China, as mulheres aposentam-se aos 55 anos, os homens aos 60.

O Estado deve focar sua atenção nas novas gerações. Os idosos são principalmente responsabilidade dos jovens. A tal ponto que vários governos locais mantêm programas de auxílio financeiro regular para quem perdeu o seu filho único. Estima-se que haja dez milhões de famílias nessa situação.

Na administração pública, prefeitos aposentam-se aos 60 anos, líderes provinciais aos 65, sendo que vice-líderes não podem ascender se tiverem mais que 60.

O Partido Comunista, no entanto, no último Congresso, contornou a sua própria inclinação. Dos sete novos membros do Comitê Permanente, a mais alta instância decisória, se excluirmos os dois primeiros, Xi Jinping e Li Keqiang, que têm 60 e 58 anos respectivamente, a idade média é 66,6 anos.

Talvez muitos se indaguem: que compreensão do futuro terá o governo que se inicia em março?

Um fato é seguro: fora Xi e Li, os demais membros do Comitê permanecerão por, no máximo, cinco anos. Ou seja, o peso dos dois mais jovens, que ficarão por uma década, será mesmo grande.

Outro fato: mesmo que o Comitê não tenha propensão a promover reformas corajosas, a China está sempre se transformando.

Os dados de 2012, divulgados nos últimos cinco dias, parecem sinalizar novas tendências: crescimento menos vigoroso do PIB (7,8%), setor industrial crescendo menos do que em anos anteriores (8,1%), queda de 4% do investimento direto externo -reflexo de custos de produção mais elevados-, aumento expressivo dos investimentos chineses no exterior (28%), maior peso do consumo interno no PIB (51%), redução, pela primeira vez, da população em idade de trabalho.

Ou seja: é possível que o futuro também se tenha antecipado e, por si só, force a liderança a inovar.

Sob desconfiança - AGOSTINHO GUERREIRO


O GLOBO - 26/01

Após mais de uma década, o fantasma do apagão novamente amedronta os brasileiros. As últimas seqüências de queda no fornecimento de energia elétrica, nas regiões Norte e Nordeste do país, expõem um problema que parece estar muito longe de ser resolvido: a falta de investimentos maciços no setor energético.

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) divulgou um estudo, no fim do ano passado, prevendo que serão necessários R$ 1,097 trilhão em investimentos em energia para sustentar o nosso crescimento até 2021, em um panorama de crescimento de demanda de 4,7% ao ano. Desse valor, R$ 269 bilhões serão para a energia elétrica, sendo R$ 213 bilhões em geração e R$ 56 bilhões em transmissão. Em 2012, a demanda dos segmentos de comércio e serviços e as residências cresceram acima do ritmo do PIB, e esse descolamento deve continuar. Enquanto a estimativa para o PIB é de crescimento de até 1%, o país consumiu 3,6% mais energia até novembro, em relação aos mesmos meses de 2011.

Os apagões trazem um clima de desconfiança sobre como o governo lida com as questões de infraestrutura, o que pode espantar investidores. Ao mesmo tempo em que se fala em redução das tarifas, para não onerar ainda mais o setor econômico e o chamado Custo Brasil, é preciso ampliar a oferta, preferencialmente de fontes limpas. A expansão do consumo sem o adequado desenvolvimento destas fontes traz como conseqüência o aumento do uso de energia gerada por  termelétricas, mais caras e poluentes, o que deixa o país na contramão do que tem defendido em debates internacionais para o desenvolvimento sustentável.

É fato que a situação atual dos reservatórios de água, com níveis mais baixos dos últimos dez anos, é concreta e preocupante. Mas é preciso concentrar esforços para a modernização de todo o sistema de fornecimento de energia, desde a preservação de seu maquinário e das linhas de transmissão e distribuição, até medidas de segurança e proteção, que são cruciais para que falhas sejam reduzidas. O governo afirma que o sistema elétrico é um dos maiores de transmissão do mundo e trabalha com um bom nível de confiabilidade. É inadmissível que esse sistema falhe a ponto de deixar nove estados brasileiros e o Distrito Federal sob total escuridão durante horas, como ocorreu no fim do ano passado.

Superar esses entraves será crucial para que consigamos dar um salto na competitividade. 

Vestida de campanha - LEONARDO CAVALCANTI

CORREIO BRAZILIENSE - 26/01


A oposição tem toda a razão para chiar, afinal, o pronunciamento na TV tem cheiro de eleição. Mas há poucas coisas tão eficientes para um candidato governista como reduzir a conta de luz. Qualquer movimento da oposição, por mais legítimo, corre o risco de ser desprezado pelo eleitor

No início da semana, um assessor do Palácio do Planalto deu pequena e preciosa dica sobre o plano que seria colocado em prática 48 horas depois por Dilma Rousseff: “Temos de virar o jogo. Nas três últimas semanas, enfrentamos uma agenda negativa. E a única forma de mudar é pela comunicação”, disse ele, enquanto reclamava da maquiagem dos números federais sobre o cumprimento da meta de superavit, que, segundo o camarada, foi um erro e serviu de estopim para a saraivada de críticas à petista. Na noite de quarta-feira, o que era gestado interna e silenciosamente com a ajuda de marqueteiros apareceu sob a forma de pronunciamento em cadeia de rádio e televisão. O plano de redução da conta de luz foi anunciado com ataques diretos à oposição. Dilma se vestiu de campanha.

O discurso, antecipado pelos jornalistas Ivan Iunes e Helena Mader ainda na manhã de quarta-feira no site do Correio, foi um ato contra a oposição. Ou pelo menos partes do texto, lido para ser visto e ouvido na sala do eleitor. Em um dos pontos, a ofensiva é explícita: “Aqueles que são sempre do contra vão ficar para trás”. O relato, como se sabe, foi entremeado por palavras contra “pessimistas que falam em racionamento de energia”, os que “erraram previsões”. Aqui, temos mais do que o dedo de um marqueteiro. Temos João Santana — o homem responsável pela campanha do segundo mandato de Lula e do primeiro de Dilma — de corpo inteiro. Se, na semana passada, no Piauí, a presidente vestiu o gibão e o chapéu de cangaceiro, na televisão, preferiu a cor vermelha. A de campanha.

A oposição chia e deve chiar, afinal, tudo tem cheiro de campanha antecipada. Mas há poucas coisas tão eficientes para um candidato à reeleição como a ação de reduzir a conta de uma família. Qualquer movimento da oposição, por mais legítimo, corre o risco de ser desprezado pelo eleitor. Assim, o próprio DEM, mais escaldado do que nunca, preferiu um tom mais brando. O presidente do partido, José Agripino, lamentou o fato de o governo anunciar uma ação sem ter certeza de que conseguirá mantê-la no futuro. O PSDB foi mais enfático, pois. É fato: há um proselitismo de Dilma e um discurso que tenta dividir “os que são a favor da redução da conta” e “os que são contrários”. É reduzir o debate ao nada, mas uma campanha sempre esteve longe de discussões e próxima da pura marquetagem.

Coisa de Lula

Antes do anúncio da queda no preço da conta de luz, assessores palacianos estavam acuados com as críticas na condução da economia. A proporção dos ataques da oposição — e de analistas sérios, diga-se — aumentava a cada dia, algo quase incontrolável. Ao modelo de crescimento, aproveitou-se o risco distante de racionamento para estocar o governo federal. A questão era como se defender de tais coisas. Se o presidente fosse Lula, seria até mais fácil. Durante uma inauguração, o petista faria um discurso emocionando, criticando supostos especuladores insatisfeitos com o governo, e acusaria a oposição de querer atrapalhar a administração. Com Dilma, é impossível tal coisa, até por conta do próprio perfil, muito mais racional. Assim, nada melhor do que aproveitar o anúncio da conta de luz para atacar.

A partir de agora, a estratégia governista é aguentar o aguaceiro pelas ventas, um termo marinheiro para definir que o melhor a fazer quando não há nada a fazer é esperar a tempestade passar. A tempestade trata-se das críticas da oposição ao pronunciamento de Dilma. Ao conseguir manter o preço da luz até o fim do mandato, vai tentar faturar — agora, sim — no horário eleitoral. Enquanto isso, a presidente adapta-se aos figurinos de campanha. Se na sexta-feira da semana passada foi a roupa de vaqueira, na última quarta, ficou com uniforme vermelho de campanha. O tailleur, a partir de agora, deve ficar cada vez mais no guarda-roupa do Palácio da Alvorada.

Outra coisa
Hoje é dia do Suvaco da Asa, o bloco mais democrático de uma cidade sem carnaval. Pelo menos um sábado animado de prévia momesca a gente tem direito, né não? A festa, no Cruzeiro Velho, começa às 10h, com o Suvaquinho, para as crianças. Depois, é a vez dos suvaqueiros profissionais. A alegria é de graça. Torça para o Sol aparecer e brinque na paz, pois.


Um retrovisor trincado - IGOR GIELOW

FOLHA DE SP - 26/01


BRASÍLIA - Se a arquitetura e o urbanismo espelham o estado psíquico da nação, duas polêmicas em curso revelam um pouco da esquizofrenia da alma brasileira.

Na antiga capital, o Rio que tanto sofre por seu passado luminoso hoje travestido em esperança de mascates, Estado e município querem derrubar um prédio do século 19. A defesa da antiga sede do Museu do Índio, contudo, está fora de ordem.

Não é o caso apoiar a invasão da edificação por indígenas sem-teto; eles têm de sair, aquilo não é a pretensa "aldeia". Mas qualquer projeto urbano relativo à Copa na área do Maracanã, onde fica o prédio, deveria integrá-lo de alguma forma.

Repetem assim o paradigma paulistano de destruição em nome do progresso. Prédios antigos são as rugas que dão gravidade à face de uma cidade e, como qualquer projeto de revitalização europeu demonstra, podem e devem ser parte do futuro.

Em Brasília, a grita vai na direção contrária. O governo local contratou sem licitação e de forma milionária um escritório de Cingapura para pensar soluções aplicáveis ao entorno da cidade nos próximos 50 anos.

Em vez de achar suspeitos os meandros da contratação ou avaliar a qualidade do escritório, a guilda dos arquitetos levantou sua voz com um argumento xenofóbico tosco: deveriam ser brasileiros, esses gênios únicos da raça, a cuidar do futuro de sua capital erguida no meio do nada.

Volte à Europa e veja a contribuição de estrangeiros, a começar pelo próprio Oscar Niemeyer, ao contexto urbano de diversas cidades. Frank Gehry? Renzo Piano? Seriam vistos como intrusos aqui, e esse é talvez o mais nefasto legado do mestre brasileiro dos prédios bonitos e disfuncionais -para não falar da falência urbanística de Brasília, mas aí a conta fica mais com Lucio Costa.

Ambos os casos demonstram, com sinais trocados, a dificuldade do "país do futuro" em usar o retrovisor, cada vez mais trincado.

Fala, Gilberto Carvalho - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 26/01


O secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, diz que não há surpresa no
Planalto com a reação ao anúncio da redução da tarifa de energia. Ele diz: “A Dilma está fazendo coisas que o Lula não fez. A presidente está botando a mão no bolso dos caras. Primeiro foi a redução das taxas de juros e agora a da tarifa de energia. Não dava para imaginar que não haveria reação”.

O PSDB no divã
Tucanos de alta plumagem têm conversado sobre as eleições de 2014. Avaliam que o cenário é preocupante. Para eles, não há dúvida que a única alternativa para o Planalto é o senador Aécio Neves (PSDB-MG). Mas causa apreensão o fato dele não assumir a candidatura desde já, para encurtar o campo de ação de Marina Silva (sem partido) e Eduardo Campos (PSB). Temem pelo futuro do PSDB em São Paulo, pois avaliam que o governo Geraldo Alckmin ainda não convenceu.
E consideram que o ex-governador José Serra é uma fonte permanente de constrangimento.


“A pulverização do ajuizamento de medidas judiciais possui efeito contrário ao de proteção estimulando-se a perpetuação de conflito social”
Arthur Pinheiro Chaves
Juiz da 9ª Vara da Seção Judiciária do Pará, sobre as 15 ações contra a construção da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu

A palavra de ordem é objetividade
A presidente Dilma proibiu o uso de PowerPoint pelos ministros no encontro dos prefeitos. Ela também não quer saber de balanços e longos discursos. Os ministros devem se concentrar nos programas e ações para atender aos municípios.

Contra a anistia
A procuradora da República Sandra Cureau recebe, segunda-feira, apoio do PV à liminar que pede a declaração de inconstitucionalidade dos artigos do Código Florestal que reduzem as áreas de preservação e dão anistia aos desmatadores.

Os socialistas contra o PMDB
O PSB trabalha para convencer o PT e a presidente Dilma que o PMDB não tem peso político, no Parlamento e na sociedade, para ter o vice-presidente da República e as presidências da Câmara e do Senado. Dizem que o PMDB não tem mais governos estaduais importantes e estaria, portanto, vivendo das glórias do passado.

Afago
Reunida com auxiliares, na quinta-feira, para tratar dos anúncios para os prefeitos, a presidente Dilma fez elogios ao sistema de monitoramento de ações e obras on-line implantados na gestão do ministro Gastão Vieira (Turismo).

A versão do futuro ministro
O vice-governador Afif Domingos (PSD-SP) ligou para dizer que na audiência no Planalto tratou de PPPs. A Casa Civil informa que a reunião tratou só de PPPs e, oficialmente, desconhece “parecer jurídico” sobre acumulação de função e cargo.

COORDENADOR da tendência Movimento PT, Romênio Pereira informa que a corrente terá chapa e candidato próprio à presidência do partido.

Estetoscópio do voto - FÁBIO ZAMBELI - PAINEL


FOLHA DE SP - 26/01


Em gestação, o projeto que autoriza a atuação temporária de médicos formados em outros países no Brasil já é visto pelo Planalto como potencial marca da gestão de Dilma Rousseff na Saúde. De quebra, o pacote, que tem como objetivo reduzir filas para consultas, beneficiará Alexandre Padilha, pré-candidato em São Paulo. O ministro receberá 2.000 secretários municipais cobrando a medida na próxima semana. Antes de decidir, ouvirá também entidades contrárias à proposta.

Importação Ainda embrionária, a medida já despertou interesse de profissionais da medicina em Cuba. Interlocutores do Planalto trabalham com a possibilidade de abertura de vagas para 2.000 médicos temporários, caso a proposta vingue.

Dobradinha A equipe do Ministério da Saúde fará hoje "brainstorm" com técnicos de Fernando Haddad. O objetivo é tirar do papel a parceria do governo federal com a prefeitura para a rede "Hora Certa", promessa de campanha do petista.

Cativa Em evento ontem com Dilma, o cerimonial do Palácio dos Bandeirantes reservou a primeira fila de cadeiras para ministros. Acomodaram-se Aloizio Mercadante (Educação), Marta Suplicy (Cultura) e Padilha. Ao lado, sentou o deputado Gabriel Chalita (PMDB), cotado para assumir a Ciência e Tecnologia em fevereiro.

Todos... Ungido candidato a novo mandato no PT ontem pela majoritária CNB, Rui Falcão pretende consultar correntes minoritárias em busca do que chama de "unidade eleitoral". O presidente petista esteve ontem com Lula e Dilma em São Paulo.

...contra um A ala Mensagem ao Partido, liderada pelo governador Tarso Genro (RS) e que ocupa posições de destaque no governo de Haddad, estuda lançar o deputado federal Paulo Teixeira (SP) à disputa interna prevista para novembro.

Pegou Jorge Hage (CGU) vê "efeito multiplicador" da Lei de Acesso à Informação. Para ele, ministérios tornaram dados púbicos por conta própria. Cita novos documentos da ditadura liberados pelo Arquivo Nacional e a lista de empresas autuadas por biopirataria pelo Ibama.

Rastreamento O ministro deseja aperfeiçoar o cadastro para traçar o perfil dos que recorrem à lei. Hoje, para evitar constrangimentos, são poucos os dados obrigatórios no preenchimento dos formulários de pedidos.

Fantasia Depois da semana de tensas tratativas envolvendo a partilha do Fundo de Participação dos Estados e a eleição para a Mesa da Câmara, Eduardo Campos (PSB-PE) reservou a agenda de hoje para o Baile Municipal de Recife, que abre o Carnaval na capital pernambucana.

Horizontal Em seu congresso, que começa segunda-feira, o PSDB-SP pretende ampliar o colégio eleitoral nas disputas por cargos executivos. Pelo projeto em discussão, delegados escolherão o novo presidente da sigla. "A ideia é radicalizar a democracia interna", diz César Gontijo, secretário-geral.

Multiuso O governo paulista acertou ontem com a Fifa a cessão de áreas da escola técnica do Estado em construção ao lado do Itaquerão para abrigar centros de credenciamento e treinamento de voluntários para a Copa.

Visita à Folha José Manuel Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Ana Paula Zacarias, chefe da Delegação da União Europeia no Brasil, Hugo Sobral, membro do gabinete do presidente, e Leonor Ribeiro da Silva, porta-voz do presidente.

tiroteio
O Brasil se tornou um país macrocéfalo. Tem hoje uma cabeça grande e um corpo muito pequeno. Tudo é para a União.
DO SECRETÁRIO DA CASA CIVIL DE GOIÁS, VILMAR ROCHA (PSD), sobre a possível mudança nas regras de partilha do Fundo de Participação dos Estados.

Contraponto


Junto e misturado


Assim que Geraldo Alckmin se levantou para discursar, ontem, em evento de lançamento do Centro Paraolímpico Brasileiro, no Bandeirantes, Dilma Rousseff chamou Guilherme Afif (PSD), favorito para o Ministério da Micro e Pequena Empresa, e disse:

-Está tudo combinado, né?

O vice-governador acenou com a cabeça. A presidente seguiu a conversa, desta vez, ao pé do ouvido.

Afif, em seguida, tratou de explicar que se tratava de uma discussão de propostas para PPPs.

-Estamos num trabalho conjunto para desatar nós!