segunda-feira, abril 22, 2019

HOSPÍCIO: Ataque a militares em canal de “Mito” é tentação autogolpista - REINALDO AZEVEDO

UOL - 22/04
No sábado, o canal oficial do presidente Jair Bolsonaro no Youtube replicou um vídeo em que o autoproclamado "filósofo e professor" Olavo de Carvalho desce o sarrafo nos militares. A crítica não é leve, não. Foi deletado no começo da noite deste domingo. Carlos Bolsonaro, o 02, que também replicou o vídeo, ainda tem acesso às páginas do pai, mas este já afirmou, em entrevista, que tem controle total sobre o que se publica por lá… Qual é a natureza do jogo? Bem, meus caros, é preciso entender o que quer o populismo de extrema-direita. Resposta: o poder sem freios e amarras. Nesse caso, teóricos da ruptura com as forças tradicionais da política, como o dito pensador, veem nos militares um elemento de contenção, que impediria Bolsonaro de esticar a corda e fazer o apelo direto às massas, passando por cima, inclusive, do Congresso e do Judiciário. Já publiquei uma série de cinco posts com a rubrica "O QUE QUER OLAVO". Numa deles, explico:
Parece inequívoco, a esta altura — e é certo que generais da reserva e da ativa já o perceberam — quer certas postulações flertam mais do que abertamente com a desordem nos quarteis. Método? Bem, se as agressões mais torpes aos militares são disparadas sem nenhum pudor e se estas não merecem o devido repúdio, não me parece haver alternativa que não a estupidez de se pregar um "by pass" naqueles que estariam, então, impedindo o líder de fazer a sua verdadeira revolução. Fiquem certos: há doidos em número suficiente para achar que Bolsonaro consegue fazer com a soldadesca o que eventualmente não pode fazer com os generais. Não! Não consegue. Mas o que já se tem até aqui já corresponde a regar a semente da desordem militar, que nunca deu em boa coisa.]

Trata-se, em suma, de tentação autogolpista.

Bolsonaro dá assentimento a ataque a Mourão e já fala em 2022
Os próprios militares fingem não ver o que está na cara. O jornalista Lauro Jardim publica em sua coluna no Globo que Jair Bolsonaro deu assentimento pessoal a críticas que interlocutor seu fez nas redes sociais a Hamilton Mourão, vice-presidente da República. Referindo-se a 2022 — e, pois, à disputa presidencial, quando, então, concorreria à reeleição —, o presidente assim se referiu ao vice: "Ele vai ter uma surpresinha". As críticas ao general foram respondidas com palavras de estímulo: "É isso aí" e "Valeu aí". E, bem…, Mourão não é o único alvo. Os militares, de maneira mais ampla, estão na mira do, digamos assim, "bolsonarismo de raiz". Tudo indica que o projeto tresloucado da extrema-direita que cerca o presidente, e isso inclui seus filhos, quer se ver livre também, se me permitem a expressão, do "Partido Militar".

O que Carvalho diz não faz sentido, mas engorda conta bancária
No vídeo, Olavo de Carvalho desce o porrete nos militares. Sem distinção. Ele se refere à cúpula das Forças Armadas brasileiras, que teriam cometido erros sistemáticos desde 1964 e que, agora, estariam criando embaraços ao governo Bolsonaro. Qualquer um com um pouco de apreço pela história brasileira registra o amontado de bobagens do tal Carvalho. Não fosse ele hoje um contínuo de si mesmo, uma personagem que já confessou ganhar um dinheirão com suas "aulas" virtuais, seria o caso de questionar a sua sanidade mental. Creio, no entanto, que está na plena posse do seu, vá lá, juízo… O que diz não faz sentido. Mas engorda sua conta bancária.

Para Carvalho, militares são “cabelo tingido e voz empostada”
O vídeo abre com o notável pensador empunhando um rifle e dando uns tiros. Depois confessa já ter adquirido e vendido algumas dezenas deles, e hoje seria dono de 12. Num dado momento, o homem evoca a "lei de Cristo". Claro, claro… Na conversa com uma pessoa que não aparece no vídeo, decreta que o Brasil não tem saída e, ora vejam, responsabiliza os militares brasileiros pelos desacertos que vive o país. Segundo disse, o golpe de 1964 — que, claro, golpe não teria sido — foi obra de civis, depois eliminados pelos militares, que, então, teriam feito um acordo com as esquerdas. Num dos momentos notáveis do vídeo, indaga e responde:
"Qual foi a última grande contribuição das escolas militares à alta cultura nacional? As obras do Euclides da Cunha. Depois de então, foi só cabelo pintado e voz empostada. Ah, porra! Cagada, cagada! Esse pessoal subiu ao poder em 1964, destruiu os políticos de direita, sobrou o quê? Os comunistas! Daí os comunistas tomaram o poder. E eles vêm dizer: 'Nós livramos o país do comunismo' Não! Nós entregamos o país ao comunismo. Se tivessem vergonha na cara, confessariam o seu erro. Mas é só vaidade. Vaidade pessoal, vaidade grupal e vaidade exotérica".

Ataque a militares explica a bagunça que é o governo Bolsonaro
Os militares tentam fazer de conta que a coisa não tem importância. Sabem que mentem para si mesmos. Olavo de Carvalho nomeou dois ministros — Abraham Weintraub na Educação e Ernesto Araújo no Itamaraty — e outros, digamos, discípulos em escalões inferiores. Pode ainda emplacar Nestor Foster Junior na embaixada do Brasil nos EUA. Isso, por si, fala de sua influência no governo. Mas a coisa é ainda mais: ao permitir que alguém tão influente ataque tão frontal e duramente os militares, fica evidente que também o presidente considera que o, como se dizia antigamente, estamento militar é um entrave às suas ambições disruptivas, de rompimento coma ordem. E isso explica a bagunça que é seu governo até agora.

Crusoé e os deuses - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 22/04

Com uma caneta ou um clique, o Judiciário pode destruir a sua vida

O Poder Judiciário é o poder mais poderoso da República. A repetição dos termos na frase anterior é proposital.

O Estado detém o monopólio legítimo da violência. A gestão da violência é o campo por excelência da política, a arte de organizar o uso da violência via instituições ou fora delas. Logo, o Poder Judiciário é político, apesar de não ser representativo, no sentido de que não recebe, via voto popular, o papel de representar as aspirações da soberania popular.

A capacidade de exercer a violência é a espinha dorsal de qualquer forma de poder institucional. Não se esqueça disso e não caia no marketing do “poder do bem”.

O Poder Judiciário é o poder mais poderoso da República. Com uma caneta ou um clique, um agente dele pode destruir sua vida. Em cinco segundos, pode criar uma situação em sua vida que, se equivocada, tomará 20 anos, no mínimo, para ser desfeita. E esse agente seguirá sua rotina dos deuses. E você paga a conta.

Um senador, um deputado, um vereador, um governador, um prefeito e um presidente não dispõem dessa rapidez para exercer nenhuma forma de violência (legítima ou não) sobre você nessa magnitude.

O Poder Judiciário é o poder mais poderoso da República. Daí o fato esperado de que ele seja o mais discreto, principalmente o STF (Supremo Tribunal Federal), na medida em que tal poder de violência (legítima ou não) tende a chamar atenção quando acompanhado da vaidade típica de quem tem tanto poder.

O resultado da magnitude do poder mais poderoso da República é que seus agentes se acostumam com uma rotina de deuses, que acaba por criar uma expectativa de tranquilidade quanto ao caráter institucional de sua existência.

A pompa e a circunstância que caracterizam as manifestações públicas profissionais do Poder Judiciário são em função desse caráter “divino”. Uma espécie de ritual religioso que cultua a própria existência. O advogado, nessa cadeia alimentar, é o elo menos “nobre” porque corre atrás das graças dos agentes oficiais do Judiciário. Mas ele ganha muito bem para tornar você devorável ou não pelos deuses.

E aí entra em cena o novo agente político que tende a criar a maior disrupção política na história, desde a invenção da democracia ateniense: as mídias sociais, tanto no seu viés amador (de emissores particulares de conteúdo) quanto no seu viés profissional (profissionais e marcas portadoras de credibilidade pública que geram conteúdo).

A revista Crusoé e o site O Antagonista são exemplos desse viés profissional das mídias sociais. Quando um ministro do STF censura um conteúdo da revista Crusoé, ele declara guerra às mídias sociais.

E elas têm, entre os vários traços da sua personalidade, um caráter de enxame que pressiona a dimensão institucional da República. Esse traço não precisa ser intencional, basta tê-lo numa quantidade pura.
Claro que esse efeito enxame de pressão sobre a dimensão institucional é, muitas vezes, nuvem passageira, mas, quando se torna recorrente, o resultado pode ser um tsunami.

O filósofo Blaise Pascal, no século 17, descrevia as cortes da França absolutista como um palco em que a cena era mais essencial do que o conteúdo. Sabemos que Pascal fazia parte de um movimento religioso conhecido como jansenismo (olhe no Google, se você não sabe o que é), que tinha uma forte vocação anti-institucional, muito bem captada pela monarquia na época.

Daí a perseguição sistemática sofrida pelos jansenistas. Pascal nutria um certo desprezo pela instituição do poder como um todo.

Essa descrição da cena como mais essencial do que o conteúdo significa que o poder do poder, no caso, o Judiciário, depende de uma certa pantomima pública (a pompa e a circunstância da qual falava acima).

Um dos efeitos das mídias sociais é desgastar o efeito dessa pantomina. Logo as pessoas começarão a rir da suposta seriedade com a qual os agentes do Poder Judiciário falam de si mesmos.

As mídias sociais são um ataque a qualquer Olimpo de bolso. Mas, não se esqueça: o Poder Judiciário é o poder mais poderoso da República. Qualquer passo em falso trará a ira de Hades sobre você.

Mantenha a cabeça baixa, só para garantir sua invisibilidade e sua irrelevância, duas características essenciais quando lidamos com o poder.

Imitar a pura e simples inexistência é parte da caixa de ferramentas que um mortal deve carregar consigo ao lidar com os deuses. Mas, hoje, eles veem o invisível.

Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

Por que as nações fracassam? - EDVALDO SANTANA

Valor Econômico - 22/04

A crise política mina a credibilidade das instituições, e isto precisa ser revertido. 


A reforma da Previdência, de indiscutível mérito, deveria servir de meio para mudar o jogo, a forma de fazer política, e não um fim a justificar a prática cujos resultados incluem o enfraquecimento das instituições.

Em 1932, com a economia americana em profunda crise, Franklin Roosevelt decidiu que seria essencial a aprovação de mudanças ambiciosas, conhecidas como New Deal. 25% da força de trabalho estavam sem emprego. Dentre as medidas estava, vejam só, a lei da previdência social. As reformas foram aprovadas no Congresso, mas a Suprema Corte as considerou inconstitucionais. Roosevelt, então, propôs acelerar a aposentadoria dos juízes. Quatro deles seriam substituídos, mas era necessário alterar a Constituição. Dessa vez ele esbarrou no Congresso, que achou temerário restringir o poder da Suprema Corte e o equilíbrio entre os poderes - checks and balances. É por essas e outras que os Estados Unidos possuem instituições políticas fortes.

Na Argentina, por duas vezes o equilíbrio entre poderes foi abalado. Por Juan Perón, em 1946, que estimulou, e conseguiu, o impeachment de membros da Suprema Corte. E depois por Carlos Menem, em 1990, que ampliou o número de juízes da Corte. O passo seguinte foi mudar a Constituição para que se reelegesse sem a resistência do Judiciário. Desnecessário detalhar a consequência disso também para a Venezuela, Bolívia e Equador.

No Brasil, com as tratativas para aprovar a Constituição de 1988, quando o toma-lá-dá-cá virou sinônimo de convencimento político, as crises ficaram mais frequentes, com o impeachment de dois presidentes, a prisão de dois outros e a falta de rumo da economia, com ciclos de recessão maiores que os de crescimento. As fronteiras entre poderes são muito permissivas. Não é claro até onde vai o poder do Supremo Tribunal Federal, que pode até censurar, como em caso recente de um site de notícias.

É sintomático, portanto, o potencial afastamento, pelo governo atual, de um dos seus marcos, e logo aquele que mais o diferenciava dos demais: a busca de uma alternativa de fazer política, que seria, do ponto de vista das instituições, sua principal entrega, que espero não seja abandonada.

É racional, e desejável, a harmonia entre aliados e opositores. E há uma compreensível justificativa

para a iminente guinada: aprovar a reforma da Previdência. Importantes atores pensam assim. Porém, não se preocupam em comparar os palpáveis efeitos do toma-lá-dá-cá para as instituições. Não há dúvida que o desequilíbrio das contas públicas, agravado pelos custos do sistema previdenciário, é o principal gargalo para a retomada do crescimento. Por isto, a reforma é primordial. Minha dúvida é se o fim justifica os meios, se os desgastes institucionais do modus operandi não acentuariam um problema tão importante quanto.

Nosso presidencialismo de coalizão tem resultados desabonadores. O loteamento de ministérios e de estatais é determinante da crise política que atormenta o desempenho da economia. Nem toda indicação ou loteamento de cargos deriva em corrupção, mas é impossível eliminar a baixa produtividade motivada pelo excesso de burocracia ou pelo que os economistas chamam de rent seeking — buscar benefícios para fins privados.

Em 2016, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento estimou em 5% o impacto da corrupção no Produto Interno Bruto mundial. No Brasil, isto representaria mais de R$ 300 bilhões. Como o Brasil não é o país mais corrupto do mundo, esses custos são reduzidos a 1/3, algo como R$ 100 bilhões. Assim, uma das consequências do toma-lá-dá-cá equivaleria, em 10 anos, ao que se economizaria com a reforma da Previdência (R$ 1 trilhão).

Mas há sim outras formas políticas de persuadir e ser persuadido. Até porque o parlamento é um espelho da sociedade, sendo formado também por pessoas de bem, mesmo que sem o altruísmo de Ulisses Guimarães e Petrônio Portela. E temos um bom exemplo. O que de melhor fizemos nos últimos 50 anos, o Plano Real, não precisou de acordos heterodoxos. O convencimento era essencialmente técnico, combinado com vigorosos argumentos políticos.

Na reforma da Previdência, as justificativas econômicas são igualmente sólidas (“gastamos 10 vezes mais com o passado do que com o futuro”, como diz o perspicaz Ministro da Economia), mas não suficientes para aprová-la. Precisa ser aditivada com o loteamento de cargos, fruto do fisiologismo, um dos símbolos do fracasso das nações. No campo político, o debate não pode limitar-se ao que é velho ou novo. O foco deve ser a criação de instituições fortes, que criam um ambiente propício à atração de investimentos.

D. Accemoglu e J. Robinson, no livro que dá título a este artigo, e de onde retirei os episódios descritos no início, mostram que as nações fracassam por não possuírem instituições políticas e econômicas fortes e inclusivas. Mas, no Brasil, parece que não há outro caminho, e, para quem teme os reflexos positivos da reforma, é mais importante o futuro pessoal do presidente do que o destino do país, o que é típico de regimes absolutistas, que não somos, e de instituições frágeis, que insistimos em ser.

A evolução adaptativa pode criar um formato virtuoso do toma-lá-dá-cá? Não é o esperado. Instituições fortes surgem de restrições de condutas que são impostas pela tradição, costumes e tabus, que são formalizadas na Constituição e em leis. Não é tarefa simples, sobretudo quando essas restrições são moldadas por práticas que reproduzem um ciclo vicioso. O ritual e a frequência de mudanças na Constituição são reveladores disso, como detalhado em O Globo de 8 de abril. Esse ímpeto por mudar a Constituição evidencia a insegurança jurídica, marca das nações com instituições frágeis. (Neste mesmo Valor, em novembro de 2015, abordei este tema).

O fim do toma-lá-dá-cá é caminho não trivial para o fortalecimento das instituições, por isso muitos o desprezam. E seus custos não afetam diretamente o caixa do Tesouro, impondo-o um segundo plano. Um novo approach com o Congresso, restringindo as discussões de apoio ao caso-a-caso, combinado com a escolha de indicados por meio de um “banco de talentos”, tende a reduzir os efeitos do toma-lá-dá-cá, mas é uma pulverização de convencimentos que aumentará os custos de transação.

Na prática, a falta de dinamismo para o crescimento econômico é explicada pela crise política que mina a credibilidade das instituições, e isto precisa ser revertido.

O parlamento é um espelho da sociedade, sendo formado também por pessoas de bem, mesmo sem altruísmo

Falsos protagonistas - RONALDO CAIADO

Correio Braziliense - 22/04

A partir do fim dos anos 1980, houve um crescimento desordenado no Distrito Federal, que teve desdobramentos em muitas cidades de Goiás e em algumas de Minas Gerais. O crescimento populacional chegou a dobrar em menos de cinco anos e seguiu acelerado durante toda a década de 1990. O avanço populacional, sem qualquer planejamento e, em alguns casos, estimulado por finalidades eleitoreiras, levou a um enorme vazio dos serviços governamentais nessa região. Garantir condições dignas de vida a essa população passou a ser um desafio diário, tratado sem unidade e com respostas pontuais de grande fragilidade.

O problema ganhou tanto volume que foi entendido como nacional pelo Congresso. Em 1998, foi criada, por lei, a Rede Integrada do Desenvolvimento do Entorno (Ride), que organizou ações para 18 cidades de Goiás e quatro, de Minas Gerais, além do próprio Distrito Federal. A Ride foi uma resposta fundamental para que os problemas dos municípios que cresceram desordenadamente em torno da capital do país pudessem ser diagnosticados e resolvidos com supervisão e apoio direto do governo federal.

Entre 1998 e 2003, a Ride funcionou com eficácia, e é importante destacar que o primeiro plano nacional de segurança pública, bem como a rede de proteção social brasileira, tiveram início nesses municípios. Os governos de Goiás, Minas Gerais e do Distrito Federal tinham no governo federal o articulador e apoiador direto de soluções para os graves problemas decorrentes do crescimento acelerado na região. Nos últimos 15 anos, no entanto, nada mais se fez pela Ride, e o governo federal abandonou a responsabilidade que a lei havia definido.

Discutir o problema de tantos municípios isolando o governo federal é não querer resolver nada. O governo federal, através da integração de vários ministérios, atuando em sintonia com secretarias estaduais de Goiás, Minas Gerais e do Distrito Federal, pode promover no Entorno as ações de que a população realmente precisa.

Em Goiás, fazemos política pública com foco em resultados e objetivando a mobilidade social. O que não podemos e jamais abriremos mão é da responsabilidade de desenvolvimento da região do Entorno nos campos econômico, social e sustentável. Fazer política pública com seriedade requer integração, articulação e parceria. Política pública não pode ser invenção nem ter donos.

Nossa disposição é de, a partir de uma ação conjunta com o governo federal, recuperar integralmente os objetivos da Ride. Não tenho dúvidas de que, ao apresentarmos os nossos objetivos ao presidente Jair Bolsonaro, ganharemos um parceiro estratégico para dar respostas efetivas a uma população que vem sendo amplamente negligenciada. Em 2018, houve uma modificação na lei, agregando-se mais 11 municípios goianos à Ride. Hoje, 29 municípios de Goiás fazem parte dessa Rede esquecida, abandonada e, em alguns momentos, até marginalizada por Brasília, que criou todas as dificuldades para que a população do Entorno possa acessar seus serviços de saúde e educação.

É fundamental, portanto, que o governo federal retome a coordenação ativa desse território nacional. O governo de Goiás já definiu que essa região e seu desenvolvimento serão um de seus eixos estratégicos de atuação, e designará um gestor de articulação governamental com os municípios, com as secretarias estaduais, com os governos de Minas Gerais e do Distrito Federal. E vamos abrir diálogo imediato com o presidente Jair Bolsonaro para que a lei aprovada em 1998 saia do esquecimento e gere, de fato, recursos, ações, incentivos e desenvolvimento para toda a região.

O governo de Goiás não delega responsabilidades e não deixará de trabalhar pelo cidadão que vive na região do Entorno. Mas também defende a parceria e a plena participação do governo federal para que os avanços reais e tão urgentes para a população aconteçam de verdade e permanentemente. Novas ideias de falsos protagonistas representam apenas interesses de lobistas que nunca fizeram nada pelas pessoas, nem pelo social, e estão usando uma tese de metrópole como medida apenas aparentemente salvadora.

Informação versus fake news - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

O Estado de S.Paulo - 22/04
O jornalismo precisa recuperar a vibração da vida, o cara a cara, o coração e a alma. O consumidor precisa sentir que o jornal é um parceiro relevante na sua aventura cotidiana. Fake news se combatem com informação.


Proliferam notícias falsas nas redes sociais. Todos os dias. São compartilhadas acriticamente com a compulsão de um clique. Fazem muito estrago. Confundem. Enganam. Desinformam. A mentira, por óbvio, precisa ser enfrentada. O antídoto não é o Estado. É a poderosa força persuasiva do conteúdo qualificado. O valor da informação e o futuro do jornalismo estão intimamente relacionados. É preciso apostar na qualidade da informação.

As rápidas e crescentes mudanças no setor da comunicação puseram em xeque os antigos modelos de negócios. A dificuldade de encontrar um caminho seguro para a monetização dos conteúdos multimídia e as novas rotinas criadas a partir das plataformas digitais produzem um complexo cenário de incertezas. Vivemos um grande desafio e, ao mesmo tempo, uma baita oportunidade.

É preciso pensar, refletir duramente sobre a mudança de paradigmas, uma vez que a criatividade e a capacidade de inovação –rápida e de baixo custo – serão fundamentais para a sobrevivência das organizações tradicionais e para o sucesso financeiro das nativas digitais.

Mas é preciso, previamente, fazer uma autocrítica corajosa sobre o modo como nós, jornalistas e formadores de opinião, vemos o mundo e a maneira como dialogamos com ele.

Antes da era digital, em quase todas as famílias existia um álbum de fotos. Lembram disso? Lá estavam as nossas lembranças, os nossos registros afetivos, a nossa saudade. Muitas vezes abríamos o álbum e a imaginação voava. Era bem legal.

Agora fotografamos tudo e arquivamos compulsivamente. Nosso antigo álbum foi substituído pelas galerias de fotos de nossos dispositivos móveis. Temos overdose de fotos, mas falta o mais importante: a memória afetiva, a curtição daqueles momentos. Fica para depois. E continuamos fotografando e arquivando. Pensamos, equivocadamente, que o registro do momento reforça sua lembrança, mas não é assim. Milhares de fotos são incapazes de superar a vivência de um instante. É importante guardar imagens. Mas é muito mais importante viver cada momento com intensidade. As relações afetivas estão sucumbindo à coletiva solidão digital.

Algo análogo, muito parecido mesmo, se dá com o consumo da informação. Navegamos freneticamente no espaço virtual. Uma enxurrada de estímulos dispersa a inteligência. Ficamos reféns da superficialidade. Perdemos contexto e sensibilidade crítica. A fragmentação dos conteúdos pode transmitir certa sensação de liberdade. Não dependemos, aparentemente, de ninguém. Somos os editores do nosso diário personalizado.

Será? Não creio, sinceramente. Penso que há uma crescente nostalgia de conteúdos editados com rigor, critério e qualidade técnica e ética. Há uma demanda reprimida de reportagem. É preciso reinventar o jornalismo e recuperar, num contexto muito mais transparente e interativo, as competências e a magia do jornalismo de sempre.

Jornalismo sem alma e sem rigor é o diagnóstico de uma perigosa doença que contamina redações, afasta consumidores e escancara as portas para os traficantes da mentira. O leitor não sente o pulsar da vida. As reportagens não têm cheiro do asfalto. Sobra jornalismo declaratório e falta apuração objetiva dos fatos.

É preciso contar boas histórias. Com transparência e sem filtros ideológicos. O bom jornalista ilumina a cena, o repórter manipulador constrói a história. Na verdade, a batalha da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, da preguiça profissional e da incompetência arrogante. Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. Mas alguns procedimentos, próprios de opções ideológicas invencíveis, transformam um princípio irretocável num jogo de aparência.

A apuração de mentira representa uma das mais graves agressões à ética e à qualidade informativa. Matérias previamente decididas em guetos sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é honesta, não se apoia na busca da verdade, mas num artifício que transmite um simulacro de isenção, uma ficção de imparcialidade. O assalto à verdade culmina com uma estratégia exemplar: repercussão seletiva. O pluralismo de fachada, hermético e dogmático, convoca pretensos especialistas para declararem o que o repórter quer ouvir. Mata-se a notícia. Cria-se a versão.

Sucumbe-se, frequentemente, ao politicamente correto. Certas matérias, algemadas por chavões inconsistentes que há muito deveriam ter sido banidos das redações, mostram o flagrante descompasso entre essas interpretações e a força eloquente dos números e dos fatos. Resultado: a credibilidade, verdadeiro capital de um veículo, se esvai pelo ralo dos preconceitos.

Politização da informação, distanciamento da realidade e falta de reportagem. Eis o tripé que corrói a credibilidade dos veículos. A informação não pode ser processada em um laboratório sem vida. Falta olhar nos olhos das pessoas, captar suas demandas legítimas. Gostemos ou não delas. A velha e boa reportagem não pode ser substituída por torcida.

A crise do jornalismo – e a proliferação de fake news – está intimamente relacionada com a pobreza e o vazio das nossas pautas, com a perda de qualidade do conteúdo, com o perigoso abandono da nossa vocação pública e com a equivocada transformação de jornais em produto mais próprio para consumo privado. É preciso recuperar o entusiasmo do “velho ofício”. É urgente investir fortemente na formação e qualificação dos profissionais. O jornalismo não é máquina, embora a tecnologia ofereça um suporte importantíssimo. O valor dele se chama informação de alta qualidade, talento, critério, ética.

O peso dos inativos nos Estados - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - Opinião - 22/04/2019

O excesso de despesas é particularmente preocupante no caso dos aposentados.


Ao estabelecer que todas as novas regras para o regime de aposentadoria dos servidores federais serão estendidas para os funcionários públicos dos Estados, dos municípios e do Distrito Federal, a proposta de reforma da Previdência enviada pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional procura criar condições para equilibrar também as finanças de outros entes da Federação e poupa governadores e prefeitos de uma tarefa politicamente desgastante. Continua expressiva, porém, a resistência no Congresso à extensão aos Estados e municípios das mudanças a serem feitas no regime previdenciário próprio dos funcionários federais. As consequências desse tipo de resistência podem ser graves.

Dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), instituição vinculada ao Ministério da Economia, mostram que os gastos dos Estados com pessoal inativo crescem a um ritmo muitas vezes superior ao dos despendidos com os servidores em atividade, processo que, se não for interrompido ou contido com urgência, poderá inviabilizar programas de investimentos e até a continuidade da prestação de serviços públicos.

Os gastos com a folha de pessoal dos Estados continuam a crescer mais do que a inflação. De acordo com a nota técnica Indicadores Ipea de Gastos com Pessoal nos Estados, publicada na mais recente Carta de Conjuntura do Ipea, os gastos totais em 23 Estados cujas contas já estão disponíveis cresceram 2,9% em valores reais (isto é, descontada a inflação) no ano passado, quase o triplo do aumento do Produto Interno Bruto (PIB), de 1,1%.

Só isso já deveria servir de alerta para a necessidade de controle rigoroso das despesas com pessoal. O exame da evolução das despesas com pessoal ativo e pessoal inativo, no entanto, mostra que, grave nos dois casos, o excesso de despesas é particularmente preocupante no caso dos aposentados. Esses gastos apresentam “dinâmicas distintas”, segundo os autores da nota. Há, de fato, distinção notável entre a evolução de uma e outra despesa. No ano passado, nos Estados cujas finanças foram avaliadas, os gastos com pessoal inativo cresceram em média 7,6% em termos reais, mais de 10 vezes o aumento dos gastos com os servidores em atividade, que foi de 0,7% em valores reais. Assim, o custo do regime previdenciário dos funcionários estaduais foi o grande responsável pelo aumento expressivo dos gastos totais com pessoal.

É intenso, nos últimos anos, o ritmo de crescimento dos gastos com os servidores estaduais aposentados. Esse ritmo, segundo o estudo do Ipea, decorre do fato de que, entre 1980 e meados da década de 1990, os Estados contrataram servidores em grande número.

A renegociação da dívida dos Estados em 1997, que impôs pesados ônus financeiros para a União, implicou a adoção de medidas de austeridade pelos governo estaduais, entre as quais o controle mais efetivo das despesas com pessoal. A Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000, impôs limites para o gasto com o funcionalismo como proporção da receita corrente líquida, o que também limitou as contratações de servidores.

É possível, por isso, que, em algum momento, a evolução dos gastos com pessoal inativo dos Estados se desacelere em relação ao aumento dos últimos anos, mas nada indica sua estabilização. Eles continuarão a crescer, ainda que a velocidades mais baixas, e continuarão a produzir desequilíbrios nas contas estaduais. Nos últimos anos, o número de inativos nas folhas de pessoal cresceu tanto que o impacto financeiro desse aumento se manterá por longo tempo. Entre 2014 e 2018, por exemplo, a taxa de crescimento médio anual do número de inativos em cerca de 20 Estados foi de 5,2%, enquanto o número de servidores ativos diminuiu à média de 2,4% por ano.

Nenhum desses números torna menos grave o problema. Mas nem o bilionário alívio fiscal que a reforma da Previdência poderá trazer para Estados e municípios parece suficiente para convencer a parcela dos congressistas que não enxergam mais que seus interesses imediatos.

A responsabilidade do centrão - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 22/04


Na mesma semana em que o mercado reduziu mais uma vez a previsão de crescimento da economia brasileira para este ano, começa a ficar claro que parte considerável da responsabilidade pelos atrasos na tramitação da reforma da Previdência, medida essencial para reverter a estagnação econômica, está recaindo sobre o bloco majoritário na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Sem desconsiderar que ainda há percalços na articulação do governo, o adiamento da votação do projeto CCJ, que deveria ser a etapa mais simples da análise, mostra que parte do “centrão” fisiológico está trabalhando com a oposição, liderada pelas mesmas figuras que jogaram a economia brasileira no abismo, para emparedar o governo.

A fim de evitar uma derrota na CCJ, o relator do projeto, deputado delegado Marcelo Freitas (PSL-MG), o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, e o presidente da Comissão, deputado Felipe Francischini (PSL-PR), acharam por bem adiar a votação, com a perspectiva de Freitas apresente um novo relatório. Marinho já sinalizou que pode conceder “ajustes finos” nas demandas do centrão, que quer retirar desde já do texto as mudanças no FGTS em caso de demissão de aposentados; a proposta de competência exclusiva da Justiça do Distrito Federal para julgar ações contra a reforma; o dispositivo que garante que só o Executivo terá competência de propor mudanças na Previdência; e a proposta de mudança da idade máxima de aposentadoria de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ser determinada por lei complementar.


Não cabem desculpas para que a oposição continue apostando no “quanto pior melhor”

Não se nega que podem haver dúvidas legítimas sobre essas questões e que a CCJ seria o espaço mais adequado para discuti-las, mas nada na atitude dos parlamentares indica que estejam dispostos ao convencimento nesses pontos. Antes, parece que detectaram neles o flanco mais vulnerável do governo para lhe impingir uma derrota. Tanto é assim que, a depender de como andar a conversa com a equipe econômica, a princípio marcada para esta segunda-feira (22), podem cair também o efeito automático da reforma para estados e municípios; a restrição do pagamento de abono salarial; e a retirada das regras previdenciárias da Constituição.

O bloco da maioria, que reúne MDB, PTB, SD, PRB, PP e PR – e estes dois últimos partidos têm liderado a revolta do “centrão” contra Bolsonaro –, defende-se dizendo que as mudanças não teriam impacto na economia prevista de R$ 1,1 trilhão em dez anos, calculada pela equipe econômica. Seria uma forma de derrotar o governo sem fustigar a equipe econômica e o impacto da reforma. Mesmo agora, não é bem assim: a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal já calculou que a economia com a regra da mudança do abono salarial seria de R$ 150,2 bilhões em dez anos, mais de 10% de toda a economia projetada. Do mesmo modo, a TV Globo teve acesso a um estudo do ministério da Economia que prevê uma economia de R$ 329 bilhões aos cofres dos estados se a reforma passar a valer para o funcionalismo estadual automaticamente. Nos municípios, de acordo com estimativa da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), a economia será de R$ 300 bilhões em 20 anos.

Seja como for, a estratégia do centrão está inegavelmente atrasando a tramitação do texto, o que tem impacto na formação de expectativas, essenciais para a retomada econômica, e reduzindo a margem de manobras para futuras negociações do governo. A briga mais difícil ainda está por vir e será travada na Comissão Especial em torno de temas como idade mínima, alíquota progressiva e aposentadoria rural, que, juntos, poderão ter um impacto fiscal ainda mais relevante. Se os caciques desses partidos continuarem investindo na estratégia de pressionar o governo, principalmente por cargos, PT e PSOL não terão muita dificuldade, aliados aos lobbies corporativos, de dificultar e atrasar ainda mais uma reforma tão necessária. No cenário que vive o Brasil, isso é uma irresponsabilidade política sem tamanho.

Não se nega que Bolsonaro ainda patine no diálogo e que algumas lideranças governistas no Congresso ainda deixem a desejar em matéria de experiência, mas não é possível fechar os olhos para avanços importantes: deputados novatos estão se adequando ao ambiente parlamentar e às suas regras formais e informais, há um time mais robusto defendendo a reforma da Previdência, a articulação interna entre os grupos do governo está mais azeitada, e o Planalto tem feito um esforço em receber lideranças políticas – o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, já entrou no corpo a corpo com deputados e com a sociedade civil. Diante disso, não cabem desculpas para que a oposição continue apostando no “quanto pior melhor” e para que o centrão não assuma suas responsabilidades, não para com o governo, mas para com o Brasil. Que nesta terça-feira (23) o país possa assistir a uma sessão mais produtiva na CCJ.

A renda dos ricos - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 22/04

Equipe econômica de Bolsonaro acerta ao propor a taxação de dividendos


Sem dúvida ambiciosos, os planos da equipe econômica de Jair Bolsonaro (PSL) para uma reforma tributária incluem medidas sensatas e há muito estudadas, como simplificar a taxação do consumo, e invencionices controversas, caso de um imposto eletrônico sobre pagamentos —uma espécie de CPMF ampliada.

De mais imediato, planeja-se alteração importante na tributação das pessoas jurídicas, que precisaria ser aprovada pelo Congresso neste ano para vigorar em 2020.

Pretende-se reduzir a carga de impostos sobre o lucro das empresas de 34% para cerca de 20%. A perda de arrecadação seria compensada com a volta do Imposto de Renda sobre os dividendos distribuídos aos acionistas.

A troca, em tese ao menos, produziria efeitos favoráveis —a começar por um melhor alinhamento do Brasil às práticas globais, reduzindo a desvantagem das empresas nacionais na competição por novos investimentos.

Não se pode desconsiderar o contexto mundial de queda da tributação sobre o lucro nas últimas décadas, sobretudo nos países ricos.

Nos EUA, a reforma aprovada no final de 2017 cortou a cobrança federal de 35% para 21%. Os membros da OCDE, que reúne os países mais desenvolvidos, cobram 25%, em média. Em contrapartida, a maioria taxa as parcelas dos lucros recebidas por pessoas físicas.

Alíquotas menores no Brasil podem ser atraentes por incentivar a retenção e reinvestimento de lucros, o que estimularia o crescimento da economia.

A taxação dos dividendos, por fim, tende a elevar a progressividade do sistema tributário, com aumento da carga sobre contribuintes mais abonados, entre os quais os dividendos compõem fatia expressiva da renda.

A mudança demanda cuidados, porém. A sistemática atual, que concentra o gravame nos lucros de algumas centenas de grandes companhias, facilita a arrecadação. Distribuir a incidência do imposto entre os dividendos recebidos por pessoas físicas pode, no limite, facilitar a sonegação.

Cabe considerar ainda que a esmagadora maioria das pessoas jurídicas brasileiras opera em regime de tributação favorecido —o chamado lucro presumido. É o caso, por exemplo, de profissionais liberais que se tornam empresas, remunerados por meio de dividendos atualmente isentos.

Tal configuração com frequência resulta numa taxação inferior à que recai sobre assalariados. Não está claro como o governo pretende lidar com essas situações.

Fundamental é que se caminhe na direção de um sistema mais progressivo e justo, em particular no caso do IR. Trata-se de um imposto subaproveitado num país de carga total muito elevada, mas concentrada na tributação exorbitante do consumo de ricos e pobres.

A proteção da liberdade econômica - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 22/04

É urgente uma profunda reforma da burocracia brasileira. O Estado deve ser estímulo, e não entrave, à atividade econômica.


A Constituição de 1988 consagrou a livre-iniciativa e assegurou “a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”, diz o art. 170, § único da Carta Magna. A regra é, portanto, a liberdade, e a necessidade de autorização, a exceção. No Brasil, no entanto, parece ocorrer o oposto. Há tantas regulações, que antes de iniciar uma atividade econômica, quase sempre o cidadão precisar ir atrás de um sem-número de autorizações e licenças do poder público.

Além de limitar a liberdade econômica, esse complexo sistema de regulações é absolutamente disfuncional. Raras são as vezes que esses atos reguladores alcançam as finalidades esperadas. Basta pensar, por exemplo, nas cidades que crescem desordenadamente, a despeito dos muitos planos diretores. Tem-se, assim, um Estado que regula muito e regula mal.

Diante desse panorama, um grupo de juristas, sob a coordenação do professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Carlos Ari Sundfeld, formulou proposta acadêmica de projeto de uma Lei Nacional da Liberdade Econômica, com a finalidade de definir parâmetros para a regulação realizada pela União, Estados e municípios. Apresentado em evento acadêmico na Faculdade de Direito da USP, o anteprojeto oferece um marco jurídico para a atividade reguladora do Estado, tanto para proteger a liberdade econômica como para assegurar critérios mínimos de racionalidade na regulação.

O professor Carlos Ari Sundfeld lembrou que a legislação, ao dispor sobre a atividade reguladora do Estado, em geral concede novos poderes aos órgãos estatais. Raramente ela fixa limites ou define procedimentos para a regulação. Há, assim, um estímulo à criação desordenada e disfuncional de atos reguladores, num claro círculo vicioso.

O resultado é um ambiente de insegurança jurídica e de elevada discricionariedade. “Hoje ninguém sabe quais são exatamente os limites da regulação estatal. Não há conteúdos mínimos parametrizados sobre o que é a liberdade econômica”, afirmou o professor da UERJ Gustavo Binenbojm, que defendeu a necessidade de diminuir a discricionariedade legislativa, administrativa e judicial. Regulamentando o que dispõe a Constituição, o anteprojeto prevê que a liberdade econômica só pode ser limitada por lei ou por “regulamento expressamente autorizado pela lei”.

A proposta da Lei Nacional da Liberdade Econômica envolve também uma mudança de perspectiva sobre os atos reguladores. “Toda regulação deve ser experimental e provisória”, disse a professora da FGV Vera Monteiro. Não é porque foi editada que a regulação deve seguir vigente indefinidamente – é preciso avaliar periodicamente seus efeitos. Entre outros deveres, o anteprojeto estabelece que as autoridades deverão revisar constantemente as normas de ordenação pública a fim de reduzir sua quantidade e os custos para os agentes econômicos e para a sociedade, além de avaliar ao menos a cada cinco anos a eficácia e o impacto dessas normas.

Atualmente, um grande problema é a confusão na distribuição de competências, lembrou o professor Marçal Justen Filho. Há uma superposição de atribuições entre os vários entes federativos. Aproveitando a competência constitucional da União para legislar sobre Direito Econômico, o anteprojeto tem a finalidade de oferecer uma norma geral sobre a matéria, que vincule todos os entes federativos. Existem hoje, por exemplo, muitas regulações locais, absolutamente heterogêneas, que interferem em âmbito regional e nacional.

A proposta trata também dos tempos de atuação do poder público, fixando prazo, por exemplo, para a concessão de uma licença. Transcorrido o prazo, o silêncio da autoridade pública tem efeitos de autorização. A experiência indica que não impor limites temporais ao poder público é porta para a ineficiência, afirmou o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques.

É urgente uma profunda reforma da burocracia brasileira. O Estado deve ser estímulo, e não entrave, à atividade econômica. Nesse sentido, a proposta de Lei Nacional da Liberdade Econômica é uma importante contribuição para o País. Que o Congresso lhe dê a devida atenção.

Fundos de pensão de estatais precisam ser repensados - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 22/04

Nenhuma lei terá plena eficácia se responsáveis pelo aparato de fiscalização não forem responsabilizados

O Tribunal de Contas da União obrigou o fundo de pensão dos empregados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social a devolver cerca de R$ 1,2 bilhão ao banco estatal e a suas subsidiárias BNDESPAR e Finame. Esse dinheiro corresponde à restituição de aportes irregulares realizados pelo grupo entre 2009 e 2010 no fundo de previdência de seus funcionários.

Na época, a direção do grupo BNDES decidiu socorrer a Fundação de Assistência e Previdência Social (Fapes), cujo déficit ascende a R$ 2,3 bilhões, segundo o TCU. Fez isso de forma unilateral e irregular. O fundo de pensão recebeu o dinheiro, mas não cobrou contrapartida dos empregados-beneficiários.

É novo capítulo de uma antiga novela, a dos privilégios na relação de empresas e bancos públicos com fundos de pensão dos empregados.

A tática do socorro do patrocinador sem contrapartida é costumeira quando ocorrem déficits relevantes, em geral decorrentes de manipulações políticas do governo, com a cumplicidade da burocracia.

Desde as privatizações dos anos 90, quando essas entidades paraestatais cresceram e se tornaram os maiores investidores do país, são constantes os episódios como o do BNDES-Fapes, e também de corrupção em obscuros negócios com empresas privadas, sempre intermediados por agentes políticos.

Na última década e meia se multiplicou o repertório de prejuízos causados por investimentos mal explicados, ou que, simplesmente, não têm explicação racional nos fundos de pensão de Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Correios e BNDES, entre outros.

Foi uma característica dos governos Lula e Dilma. As razões da dimensão dos naufrágios têm mais a ver com perspectivas de poder e “maracutaias” —expressão cultuada pelo ex-presidente que está preso —, do que propriamente com ideologias.

Lula se empenhou no uso dos fundos de pensão de estatais como canal de influência e de controle na economia, multiplicando a presença deles, assim como a do BNDES, no quadro societário de grandes empresas privadas. Recrutou no ativismo sindical times de gestores e dirigentes. Hoje, muitos desses se encontram enredados em investigações da Lava-Jato sobre a corrupção pluripartidária, outra peculiaridade desse período.

É notória a leniência com que atuou a burocracia encarregada da fiscalização dos fundos de pensão estatais. Normas ainda mais rígidas que as existentes talvez sejam necessárias. Porém, como mostra a decisão do TCU no caso BNDES-Fapes, nenhuma lei, decreto ou portaria terá plena eficácia se os gestores do aparato de fiscalização das empresas públicas e de seus fundos de previdência não forem responsabilizados. O modelo de administração e controle das fundações de previdência precisa ser repensado.