quarta-feira, setembro 10, 2014

Os fazedores de besteiras - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 10/09


Sei que o assunto Patricia Moreira já cansou, mas não dá pra perder a oportunidade de olhar para o próprio umbigo e perguntar se somos tão nobres a ponto de nos darmos o direito de atirar pedras no telhado dos outros. Fazendo uma viagenzinha no tempo, você não consegue lembrar de nenhuma besteira já cometida? Nunca foi idiota por um dia?

Eu até que não fui das mais torpes, desde cedo desenvolvi um senso de justiça que me fazia ir contra o rebanho se preciso fosse. Mas isso não me isenta de também já ter ido a favor do rebanho, com mugido e tudo. Simplesmente porque fazer coisas sem sentido é típico de quem ainda não reconheceu seu papel no mundo.

Fecho os olhos e me vejo na estrada, num carro lotado de adolescentes empunhando latinhas de cerveja. Eu era alguma espécie de delinquente? Nem perto disso. A mais correta e ajuizada das criaturas, mas não mandava parar o carro para descer. Eu queria seguir com eles, que hoje são respeitados advogados, administradores, biólogos. Éramos jovens desbundados em busca de uma identidade comum.

A garota Patricia, símbolo do caso Aranha x Grêmio, entrou na onda furada de xingar o goleiro do time adversário porque se sentiu segura para extravasar e fazer bobagem sob a proteção de um grupo. Quem não? Certa vez, fui assistir a um jogo do Grêmio contra o Corinthians, quando o craque do time paulista era Ronaldo, o Fenômeno. Dias antes da partida, o travesti que Ronaldo levara a um motel havia falecido. Pois bastava o atacante tocar na bola para o Olímpico inteiro berrar: vi-ú-vo, vi-ú-vo! Eu não segui o coro, mas se houvesse uma câmera me focalizando, me flagraria rindo. Era uma chacota.

Chamar alguém de macaco não é chacota, e sim ofensa racista, e racismo é crime. Patricia será penalizada juntamente com seus companheiros de imbecilidade e nunca mais repetirá o gesto, tenho certeza, e nós, de fora, também não. Para isso servem as penalizações: para educar, alertar, servir de exemplo. A guria, ironicamente, agiu como macaca de auditório, termo que caiu em desuso por motivos óbvios, e deu-se mal. Assim é. Sempre há um mártir por trás das mudanças de comportamento.

Que agora a Justiça tome conta do caso e basta de perseguições pessoais. A garota não é diferente de nenhum adolescente que já dirigiu sem carteira, que fez brincadeiras de mau gosto com gays, que praticou bullying na escola, que passou trotes por telefone, que fez uma prova chapado, que falsificou carteirinha de estudante, que arranhou o carro de um desafeto, que roubou a namorada do irmão. Tudo errado, mas dentro da previsível tacanheza juvenil.

Sou a favor de penalizar. O Brasil é este caldeirão de escândalos por causa da impunidade. Mas pegar para Cristo é hipocrisia.

Contadora é ameaçada - REVISTA VEJA


Testemunha-chave da polícia, Meire Poza foi procurada por um homem que se apresentou como advogado das empreiteiras envolvidas com Alberto Youssef. A conversa foi gravada.

ROBSON BONIN

As máfias são sociedades secretas que crescem à sombra do Estado, nutrem-se do crime, espalham tentáculos pelas instituições oficiais e se protegem empregando a violência. À medida que avançam as investigações da Polícia Federal sobre os negócios criminosos do doleiro Alberto Youssef, tornam-se mais evidentes os sinais de que uma organização ilegal se instalou no coração da maior estatal brasileira, a Petrobras. Um esquema que envolve políticos, partidos e algumas das maiores empresas do país. Há dois meses, a contadora Meire Poza colocou-se na linha de fogo entre os criminosos e a polícia. Ela, que comandou a engenharia financeira da quadrilha por quase quatro anos, que sabe quem pagou, quem recebeu, quem é corrupto, quem é corruptor, decidiu mudar de lado e colaborar com as investigações. A máfia, porém, não costuma perdoar traição.

Há duas semanas, Meire entregou à Polícia Federal uma gravação que pode criar sérios problemas a quatro grandes empreiteiras do país. Nela, um homem identificado como Edson tenta convencer a contadora a aceitar os serviços de um escritório de advocacia contratado pelas empreiteiras envolvidas no escândalo de desvio de dinheiro de obras da Petrobras. O encontro aconteceu na noite de 22 de julho deste ano, em um shopping de São Paulo. A gravação não deixa dúvidas sobre as más intenções do grupo, claramente incomodado com o avanço das investigações da polícia, e muito preocupado com a colaboração de Meire. A intenção é intimidá-la.

Edson, um suposto advogado, se diz representante das empreiteiras Camargo Corrêa, OAS, UTC e Constran. A conversa, gravada pela contadora, começa descontraída, amigável, e vai evoluindo para a ameaça. Prestativo, ele se põe à disposição para ajudar, dar apoio jurídico, mas a oferta é recusada. Em um tom de voz linear, o emissário passa a revelar os verdadeiros propósitos do encontro: "Sabemos que tem uma filha, que são somente vocês duas", diz. No mesmo tom linear, lembra que Meire pertence a um "grupo fechado" e que, como pessoa de confiança de Alberto Youssef, não pode sair desse grupo ou recusar a ajuda de seus clientes. E vai ao ponto central do problema: "Dona Meire, o importante é não falar demais! De repente, uma palavra mal colocada pode ser perigoso, pode ser prejudicial".

Meire tenta se esquivar das ameaças, diz que está começando a não gostar do rumo da conversa, mas o advogado é ainda mais direto: "A senhora pode, sem querer, ir contra grandes empresas, políticos, construtoras. As maiores do país, a senhora entendeu?". Percebendo um sinal de nervosismo na contadora, ele avança, pergunta se Meire acha que ainda tem alguma coisa a acrescentar para a polícia e que tipo de acordo ela pretende fazer. Ela diz que não sabe como procederá. E o advogado vai direto ao ponto mais uma vez: "A gente não pode deixar que a senhora não aceite essa ajuda". Diante da pressão. Meire finalmente reage. Afirma que se sente ameaçada, que não quer ajuda das empreiteiras e encerra a conversa com um recado: "O senhor provavelmente vai estar lá com os seus clientes, com a Camargo (Corrêa), com a UTC, com a Constran, com a OAS... Manda todo mundo ir tomar..."

A polícia ainda tenta descobrir a verdadeira identidade de Edson. Meire Poza contou que conheceu o porta-voz das ameaças no escritório do advogado Carlos Alberto da Costa Silva, segundo ela o responsável por coordenar uma equipe de advogados contratados pelas empreiteiras. Procurado, ele confirma ter recebido Meire Poza em seu escritório para tratar da Operação Lava-Jato. "Essa moça me procurou para pedir ajuda. Ia prestar depoimento à polícia e queria aconselhamento jurídico. A única coisa que fiz foi indicar um colega para acompanhá-la." Costa Silva foi preso na Operação Anaconda, em 2003, acusado de participar de um esquema de venda de sentenças judiciais em São Paulo. E o tal Edson? "Não conheço, nunca ouvi falar." A memória, ao que parece, não é o ponto forte do advogado.

Meire Poza contou que foi apresentada a Costa Silva depois de procurar as empreiteiras para cobrar uma dívida de 500 000 reais que elas tinham com Alberto Youssef antes da prisão do doleiro. As empreiteiras prometeram saldá-la, mas queriam que a contadora se comprometesse a manter silêncio sobre as relações com o grupo — e indicaram Costa Silva para cuidar do acordo. "Adoraria atuar por esses grandes clientes, mas infelizmente não atuo." Em nota encaminhada a VEJA, a UTC, que também controla a Constran, confirmou que o escritório de Costa Silva, ao contrário do que ele disse, presta, sim, serviços jurídicos ao grupo. Se houve a ameaça, a empresa desconhece e garante que nada teve a ver com isso. A Camargo Corrêa negou qualquer envolvimento com o advogado ou com a contadora. A OAS não se manifestou.

O cerco não se restringiu à ameaça. Meire tomou a decisão de entregar a gravação à polícia depois de descobrir que um de seus e-mails fora invadido duas semanas atrás. "Quem acessou meus dados pessoais tomou o cuidado de modificar o número de celular da conta. Acho que fizeram isso para que eu soubesse da invasão. Foi um recado de que eles têm meus dados pessoais e sabem onde eu moro. Fiquei muito assustada", disse a contadora. Desde que virou testemunha da Polícia Federal nas investigações sobre a quadrilha de Youssef, Meire Poza tornou-se um perigo real para os envolvidos, principalmente os  corruptores. Ciente disso, ela avisa que já buscou proteção policial.

Dilma, Padilha ou Haddad – a “guerra dos postes” de Lula - REVISTA ÉPOCA

No PT em crise com a ascensão de Marina, Haddad culpa Dilma, Padilha culpa Haddad e Dilma culpa Padilha e Haddad. Na "guerra dos postes", é possível que todos acabem no chão
ALBERTO BOMBIG


Na semana passada, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), externou para mais de um interlocutor urna dúvida que não lhe sai da cabeça: se Marina Silva vencer a eleição presidencial, como será o tratamento dela para com a prefeitura da capital paulista? A pergunta, formulada por um dos quadros mais importantes do PT no Brasil, revela o estado de apreensão e angústias que tomou conta do partido em relação ao futuro. Pela primeira vez em 12 anos, o projeto petista de poder está eleitoralmente ameaçado por um fenômeno chamado Marina Silva (PSB), a ex-petista que lidera as pesquisas de intenção de voto empatada com a presidente Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição - e aparece à frente cie Dilma em todas as simulações de segundo turno.

O desempenho de Marina mudou o roteiro de um filme de final previsível - a permanência do PT no poder. À possibilidade de perder a caneta no plano federal fez com que aflorassem ódios há muito reprimidos. Por causa disso, em vez da superprodução com cara de reprise, entra em cena uma série de TV cheia de emoções fortes. Seu título, parafraseando A Guerra dos Tronos, poderia ser "A Guerra dos Postes".

Em São Paulo, onde Dilma vai mal nas pesquisas, o candidato do PT ao governo do Estado, Alexandre Padilha, acusa reservadamente Haddad de boicotá-lo de olho em eleições futuras. Haddad culpa Dilma nos bastidores pela péssima avaliação de sua gestão e já ensaia uma aproximação com o grupo de Marina. O time de Dilma, preocupado com a reeleição, culpa Padilha, que tem apenas 7% das intenções de voto, e também Haddad pelo fraco desempenho dela em solo paulista. Dilma que acusa Padilha que acusa Haddad que acusa Dilma: eis o argumento de "A Guerra dos Postes"

Em comum entre os postes que brigam, apenas uma certeza: o fenômeno Marina avança com uma motosserra na mão para cima deles. No roteiro prévio escrito pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma, Haddad e Padilha - os "postes" sem experiência política ungidos por ele para vencer eleições importantes - representariam a permanência do PT no poder. Tudo caminhava conforme o previsto até junho de 2013, quando multidões tomaram as ruas em protestos contra os políticos -entre eles, Dilma e Haddad. Á avaliação positiva dos governos de ambos despencou. O desgaste encontrou em Marina Silva uma porta-voz do que ela própria "nova política".

Haddad tem como principais conselheiros os secretários Marcos de Barros Cruz (Finanças), Leonardo Osvaldo Barchini Rosa (Relações internacionais), Luis Fernando Massonetto (Negócios Jurídicos), Nunzio Briguglio (Comunicação) e chefe de gabinete Paulo Dallari. Todos perfil parecido com Haddad. São mais afeitos aos gabinetes que às ruas, fascinados pelo mundo acadêmico e com pouca inserção partidária. São responsáveis pelo projeto de futuro de Haddad: a tentativa de recuperação nas pesquisas, a reeleição em 2016 e uma possível candidatura ao governo de São Paulo em 2018. Os que se opõem a Haddad dizem que cie só pensa nesse projeto, fica trancado em seu gabinete, não entra na luta política e faz corpo mole para ajudar Padilha.

Assim como Haddad, Padilha também foi ungido candidato pelas mãos de Lula. Ex-ministro da Saúde, médico, Padilha era a grande aposta dos petistas para destronar o PSDB do Palácio dos Bandeirantes, onde os tucanos reinam desde 1995. Para emplacar Padilha, Lula esmagou as esperanças da ex-prefeita Marta Suplicy (ministra da Cultura) e de Aloizio Mercadante (Casa Civil), os preferidos de Dilma para ajudá-la em São Paulo. Para Dilma, os dois seriam mais eficazes 11a hora de pedir votos, pois são conhecidos. Lula bancou Padilha, garantiu que ele sairia vitorioso e acenou-lhe com a liderança do PT no Estado. Isso bastou para que Haddad se sentisse ameaçado.

Numa reunião recente, um integrante da direção nacional do PT cobrou Haddad. Queria que ele conversasse com fornecedores da prefeitura, em busca de doações para a campanha de Padilha. Entre os candidatos ao governo, Padilha é o que mais gastou dinheiro até agora - mas, como patina nas pesquisas, as contribuições estão abaixo do esperado. Haddad ficou de ajudar, mas até agora pouco se mexeu. No entorno dele, sobram críticas a Padilha e a sua campanha, considerada errática, inconsistente e superficial.

De sua parte, Padilha avalia que seu mau desempenho eleitoral se deve exclusivamente à péssima avaliação da gestão Haddad, rejeitada por 47% dos paulistanos. O grupo de Padilha critica o projeto das ciclovias, lançado pela prefeitura em pleno período eleitoral. "Queríamos um programa mais amplo e de maior inserção na população, não uma ciclovia que atrapalha o eleitor" diz um dos aliados de Padilha.

Se Padilha tem mágoas de Haddad, Haddad é um pote cheio até a tampa com a presidente Dilma. Acha que sua avaliação ruim é, em larga medida, culpa de Dilma - que o pressionou a manter o congelamento da passagem do transporte coletivo e não socorreu as finanças paulistanas como ele esperava. Nos últimos dias, Haddad disse a interlocutores que seus projetos podem aproximá-lo de Marina, de quem ele foi colega de Esplanada. A amizade de ambos com a educadora Maria Alice Setúbal, a Neca, uma das coordenadoras do programa de governo de Marina, também é um fator de aproximação. Assim que venceu a eleição, Haddad consultou Neca em busca de um secretário de Educação.

Haddad se identifica com a pregação renovadora de Marina. Acha que, uma vez eleita, ela reconhecerá que a gestão Haddad em São Paulo tem vários projetos de cunho "marineiro" - como as ciclovias e o Polo Ecológico de Parelheiros. Quem acompanhou o debate entre os presidenciáveis na semana passada disse ser possível perceber a tensão de Haddad durante as falas de Marina. "Só não dava para saber se ele estava com medo ou com orgulho", afirmou a ÉPOCA um integrante da cúpula do PT. Os assessores de Haddad dizem que a estratégia inicial de Padilha era esconder a gestão municipal. Ainda assim, ambos terão agendas conjuntas na reta final do primeiro turno. Quanto a sua relação com Dilma, eles negam que ambos estejam afastados e afirmam que Haddad é vítima de "fogo amigo".

O resultado da guerra dos postes é que Dilma, segundo o Ibope, está muito atrás de Marina em São Paulo. Marina tem 39% das intenções de voto entre os paulistas, contra 23% de Dilma e 19% de Aécio Neves (PSDB). Um petista avalia que Dilma, Haddad e Padilha têm mais pontos em comum do que divergências e deveriam se unir para tentar mudar o momento negativo no Estado. "Eles têm um viés iluminista e tecnocrático, quase autoritário", diz.

As dificuldades do PT nestas eleições - dos cinco maiores colégios eleitorais estaduais, o partido só está bem em Minas Gerais - levaram a campanha da presidente Dilma a radicalizar o discurso. O PT não hesitou em usar o vasto tempo de sua candidata no horário eleitoral de rádio e televisão para atacar Marina. Esse tipo de estratégia serviu para frear a onda Marina, que não chegou a ultrapassar Dilma. Nos próximos dias, uma nova rodada de sondagens eleitorais deverá aferir com mais precisão os resultados dessa guinada do PT. Marina tem afirmado nos bastidores que não descambará para os ataques. Diz que procurará convencer o eleitor de que tem condições de montar um governo e uma base de apoio sem fazer aliança com o que chama reservadamente de "partidos e políticos podres"

Nas duas campanhas, de Dilma e Marina, cresce a cada dia a convicção de que Lula terá uma participação discreta: gravará programas, participará de eventos e carreatas, dará as declarações de praxe e só. Ele está desgostoso com os rumos da campanha de Dilma e seduzido pela proposta de Marina de, uma vez eleita, não concorrer a um novo mandato. Lula criou os postes - mas, se houver um desabamento coletivo, não quer cair abraçado a eles.


O delator entrega os nomes - REVISTA VEJA

O ex diretor Paulo Roberto Costa lista mais de trinta políticos envolvidos com a corrupção na Petrobras e põe o governo no centro de um escanda lo de proporções idênticas às do mensalão.

RODRIGO RANGEL



O engenheiro Paulo Roberto Costa já foi um dos homens mais poderosos da República. Indicado pelo mensaleiro José Janene (PP), ele ocupou a diretoria de Abastecimento e refino da Petrobras entre 2004 e 2012. Nesse período, passaram por seu gabinete decisões sobre aluguel de plataformas e navios, manutenção de gasodutos e construção de refinarias — e, junto com elas, interesses bilionários que despertavam a atenção de governos, parlamentares e empreiteiras. Paulinho, como era chamado pelo ex-presidente Lula, soube servir a tantos e tão variados senhores que, como de costume, logo passou a ser cortejado por eles. No Congresso, PT, PMDB e PP disputavam sua paternidade, tratavam-no como um afilhado dileto e elogiavam sua eficiência. Paulo Roberto era um exemplo a ser seguido, segundo seus padrinhos políticos. Foi assim até março deste ano, quando a Polícia Federal prendeu o ex-diretor sob a acusação de participar de um megaesquema de lavagem de dinheiro comandado pelo doleiro Alberto Youssef. Antes festejado, Paulo Roberto passou a assombrar os partidos, transformando-se num fantasma capaz de implodir candidaturas de relevo e jogar o governo no centro de um escândalo de corrupção de proporções semelhantes às do mensalão. E isso aconteceu.

As investigações já haviam revelado a existência de uma ampla rede de corrupção na Petrobras envolvendo funcionários da empresa, grandes empreiteiras, doleiros e políticos importantes. Funcionava assim: para terem acesso aos milionários contratos da estatal, as empreiteiras eram instadas a reverter parte de seus lucros aos cofres da organização. O dinheiro, depois de devidamente lavado por doleiros, era distribuído entre os políticos e os partidos da chamada base de sustentação do governo. Apesar das sólidas evidências que surgiram, faltava o elo mais importante da cadeia: a lista dos beneficiados, os corruptos, o nome de quem recebia ou se locupletava de alguma forma do esquema de arrecadação de propina. Não falta mais. Por medo de ser apontado como o único e principal responsável pelo esquema de corrupção que superfaturou e desviou recursos de projetos da Petrobras, Paulo Roberto topou negociar os termos de um acordo de delação premiada, instrumento legal pelo qual acusados têm direito à redução de pena ou até mesmo ao perdão judicial se colaborarem com as investigações, e identificou aqueles que seriam seus mais influentes parceiros.

Uma série de depoimentos do ex-diretor à Polícia Federal explica essa reviravolta e ajuda a esclarecer por que Paulo Roberto era tão admirado quando despachava na Petrobras e, agora, já atrás das grades, é tão temido na Praça dos Três Poderes. Colhidos desde o dia 29 de agosto, eles renderam mais de quarenta horas de conversas gravadas e, mais importante, deram aos delegados e procuradores um cardápio de políticos que, segundo o ex-diretor, se refestelaram nos poços bilionários da Petrobras. Aos investigadores, ele disse que três governadores, seis senadores, um ministro de Estado e pelo menos 25 deputados federais embolsaram ou tiraram proveito de parte do dinheiro roubado dos cofres da estatal. A alta octanagem das declarações provocou, de imediato, uma mudança na estratégia de investigação. Por envolver políticos detentores de foro privilegiado, que só podem ser processados nos tribunais superiores, o assunto passou a ser acompanhado pelo gabinete do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e pelo Supremo Tribunal Federal.

Nos últimos dias, VEJA obteve detalhes de uma parte significativa das declarações prestadas pelo ex-diretor. Paulo Roberto acusa uma verdadeira constelação de participar do esquema de corrupção. E o caso dos presidentes da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), além do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA). Entre os senadores estão Ciro Nogueira (PI), presidente nacional do PP, e Romero Jucá (PMDB-RR), o eterno líder de qualquer governo. Já no grupo de deputados figuram o petista Cândido Vaccarezza (SP) e João Pizzolatti (SC), um dos mais ativos integrantes da bancada do PP na Casa. O ex-ministro das Cidades e ex-deputado Mário Negromonte, também do PP, é outro citado por Paulo Roberto como destinatário da propina. Da lista de três governadores citados pelo ex-diretor, todos são de estados onde a Petrobras tem grandes projetos em curso: Sérgio Cabral (PMDB), ex-governador do Rio, Roseana Sarney (PMDB), atual governadora do Maranhão, e Eduardo Campos (PSB), ex-governador de Pernambuco e ex-candidato à Presidência da República, morto no mês passado em um acidente aéreo.

Pelo acordo, Paulo Roberto se comprometeu a detalhar o envolvimento de cada um dos políticos no esquema. Até por isso, estima-se que, para esgotar o que ele tem a dizer, pelo menos mais três semanas de depoimentos serão necessárias. Sobre o PT, ele afirmou que o operador encarregado de fazer a ponte com o esquema era o tesoureiro nacional do partido, João Vaccari Neto, cujo nome já havia aparecido nas investigações como personagem de negócios suspeitos do doleiro Alberto Youssef. Ao elaborar a lista de políticos e partidos envolvidos e empreiteiras que participavam do esquema (veja reportagem na pág. 70) e descrever a maneira como a propina era transposta de um lado para outro por vias clandestinas, Paulo Roberto Costa vem ajudando os investigadores a montar um quebra-cabeça cuja imagem, ao final, lembrará em muito outro grande escândalo recente da política: o esquema funcionou a pleno vapor nos últimos três governos do PT e tinha como objetivo manter intacta e fiel a base de sustentação no Congresso Nacional. Ao irrigar o caixa das siglas aliadas e o bolso de seus integrantes, a engrenagem ajudava a manter firme as alianças. Qualquer semelhança com o mensalão, portanto, não é mera coincidência — com a diferença de que, agora, as cifras giram na casa dos bilhões. Nas declarações que forneceu à polícia, Paulo Roberto não mede esforços para mostrar quanto era poderoso na estrutura criminosa. Já nas primeiras oitivas, ele fez questão de dizer que, na época em que era diretor da Petrobras, conversava frequentemente com o então presidente Lula — e costumava tratar com ele de assuntos da companhia. "Por várias vezes, tratei diretamente com o presidente Lula", declarou, numa das primeiras conversas com os investigadores. Da caixa de segredos de Paulo Roberto ainda há muito mais a sair. Ele se comprometeu a detalhar o conteúdo das conversas com o ex-presidente.

Os depoimentos têm sido colhidos por temas — e um deles, já programado, servirá para esclarecer um assunto que virou emblema da barafunda em que a Petrobras foi metida: a controversa compra da refinaria de Pasadena, no Estado americano do Texas. A estatal brasileira, como se sabe, gastou 1,2 bilhão de dólares num complexo que, pouco antes, havia sido arrematado por 42,5 milhões. Junto com Nestor Cerveró, seu colega de diretoria, Paulo Roberto foi um dos responsáveis por costurar o negócio. Em conversas preliminares, o agora delator admitiu aquilo de que já se desconfiava: segundo ele, a operação de aquisição de Pasadena também serviu para abastecer o caixa de partidos e para pagar propina a alguns dos envolvidos na transação. Nos próximos dias, Paulo Roberto prestará um depoimento específico sobre o assunto, em que deverá contar como o negócio foi engendrado e como o dinheiro pago a mais pela Petrobras foi parar em mãos erradas. O delegado encarregado do inquérito sobre Pasadena, que corre em Brasília, irá a Curitiba especialmente para ouvir o ex-diretor. Até meados da semana passada, ele não havia feito nenhuma acusação formal contra a presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff, mas, sempre que havia alguma menção a ela, demonstrava mágoa profunda, e lembrava que na base das operações estão os políticos que apoiam o governo.

Aos mais próximos, por mais de uma vez ele se queixou da postura da petista. O argumento sempre foi o mesmo: ela ataca publicamente ex-diretores da Petrobras sem considerar que, politicamente, era beneficiária das engrenagens clandestinas que funcionavam na companhia, uma vez que o dinheiro sujo proveniente de lá ajudava a bancar a base de sustentação do governo no Congresso. Por que o ex-diretor resolveu contar o que sabe? A pessoas próximas ele confidenciou que não gostaria de repetir a história de Marcos Valério, o operador do mensalão, condenado a quarenta anos de cadeia enquanto os cabeças do esquema já estão à beira de deixar a prisão. A saída, então, foi partir para a delação premiada. O primeiro depoimento foi prestado na sexta-feira 29 de agosto. Desde então, as sessões para ouvi-lo têm sido diárias.

No prédio da Polícia Federal em Curitiba, Paulo Roberto Costa vem sendo interrogado por delegados e procuradores. Os depoimentos são registrados em vídeo — na metade da semana passada, já havia pelo menos 42 horas de gravação. Ao final de cada sessão, todo o material é lacrado. Os arquivos são criptografados para evitar vazamentos. Tamanho cuidado não é por acaso: as revelações que emergem dos depoimentos de Paulo Roberto são explosivas e têm potencial para causar um terremoto político em Brasília. Já nos primeiros depoimentos, ele esmiuçou a lógica que predominava na assinatura dos contratos bilionários da Petrobras. Admitiu, pela primeira vez, que as empreiteiras contratadas pela companhia tinham, obrigatoriamente, de contribuir para um caixa paralelo cujo destino final eram partidos e políticos de diferentes legendas da base aliada do governo. Em outras palavras, Paulo Roberto confirmou a existência de um mega-esquema de cobrança de propina que funcionava no coração da maior companhia da América Latina — e confessou que a sua poderosa diretoria estava a serviço da engrenagem criminosa.

O esquema se estendia, segundo ele, a outras diretorias da Petrobras, e cada partido tinha seus encarregados de fazer a interligação entre os negócios e a política. O ex-diretor citou o PP, o PMDB e o PT como os principais beneficiários do propinoduto. Pouco antes de topar a delação premiada, Paulo Roberto fez chegar a seus velhos conhecidos uma declaração assustadora, especialmente para aqueles cujos nomes estarão nas urnas nas eleições de outubro. "Se eu falar, não vai ter eleição", disse. Perguntado pelos investigadores sobre o que queria dizer com a declaração, fez um pequeno reparo: "Pode até ter eleição, mas o estrago será grande". E começou a contar o que sabia.

Em busca dos inalcançáveis

O instrumento da delação premiada, se bem aplicado, pode demolir organizações e punir criminosos que se mantêm inalcançáveis pelos métodos convencionais de investigação. Mal usado, pode servir aos bandidos como arma para atingir inimigos ou destruir reputações. Na década de 80, a Itália era refém do crime organizado. As máfias controlavam empresas e tinham representantes infiltrados nos mais altos escalões da política. A oferta de perdão judicial aos delatores ajudou a desmontar a gigantesca estrutura que subjugava o Estado. Uma experiência semelhante será testada com Paulo Roberto Costa. 0 ex-diretor se ofereceu para fazer o acordo de delação premiada. Os termos precisam ser chancelados por um juiz. Os responsáveis pelo caso entenderam que o melhor caminho era levá-lo diretamente ao Supremo Tribunal Federal, dado o grande número de acusados com foro privilegiado.

A tarefa caberá ao ministro Teori Zavascki, que também deverá relatar eventuais processos decorrentes da investigação. Pelo acordo, Paulo Roberto se obriga a contar o que sabe, identificar seus parceiros de crime. Se as informações prestadas forem consideradas úteis, no fim do processo ele poderá ser beneficiado com uma redução de pena ou até mesmo o perdão judicial. Ao longo da delação, além de ouvirem o que o réu tem a dizer, os investigadores se encarregam de cruzar as informações com outras provas do processo. A ideia é que, no final, eles tenham elementos suficientes para levar todos os envolvidos a julgamento. Paulo Roberto também se comprometeu a abrir mão dos bens que acumulou com dinheiro desviado e a pagar uma multa. Enquanto durar a delação, ele ficará preso em uma cela isolada, mas pode ser libertado tão logo seja encerrada a fase de depoimentos.


Fica, Guido! - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 10/09


Para colunistas econômicos à busca de temas, presença de Mantega é uma garantia contra bloqueios criativos


Passei o fim de semana desnorteado. A presidente antecipou a demissão do ministro da Fazenda, que agora que desfruta da inédita condição de ex-ministro em atividade, com consequências funestas para a temperatura de seu cafezinho (pelo que me lembro, o café da Fazenda já era particularmente abominável; frio então...), assim como para qualquer iniciativa que ainda pretenda tomar no campo da política econômica.

Funestas serão também as implicações para minha vida de colunista. Desde que aceitei o convite para escrever uma vez por semana neste espaço, sempre me angustiei com o tema da coluna. Suores frios, insônia, o tique-taque implacável, o cursor piscando na tela em branco... Nestas horas, porém, sempre pude contar com a contribuição inestimável de Guido Mantega: quase toda semana ele me ofereceu, de forma mais que graciosa, ideias para meus artigos, ideias que, francamente, minha parca imaginação jamais atingiria.

O desmantelamento do tripé macroeconômico, por exemplo, rendeu dezenas de colunas. A possibilidade de avaliar a tal da "nova matriz macroeconômica", em particular prever seu fracasso com anos de antecedência (não estou me gabando: qualquer bom aluno de graduação chegaria às mesmas conclusões), foi imprescindível para o enorme sucesso desta coluna entre todos os meus 18 leitores.

Não foram poucas também as chances de detalhar as várias instâncias de contabilidade criativa: o fundo soberano, os empréstimos para o BNDES, a contabilização da venda de ações da Petrobras em troca de direitos de exploração de petróleo como receita da União e, mais recentemente, a "pedalada", entre tantos outros. Cada uma destas foi objeto de mais de um artigo e, para ser sincero, este veio ainda não se esgotou.

Isso sem contar as oportunidades únicas de comparação de declarações ministeriais prestadas em momentos distintos e geralmente contraditórias. No dia 30 de maio deste ano, por exemplo, ao comentar o pibículo do primeiro trimestre, o ministro disse que "a Copa do Mundo deve ajudar a melhorar a economia do país, e que o resultado do PIB no segundo trimestre provavelmente será melhor que no primeiro".

Confrontado, porém, com a queda do PIB no segundo trimestre e a revisão para baixo do desempenho no primeiro, "o ministro culpou o cenário internacional, a seca (...) e a redução de dias úteis em razão da Copa pelo resultado negativo da economia brasileira". Por outro lado, segundo ele, não devemos nos preocupar, pois "provavelmente vai chover muito em 2015"...

Desconfio ter me empolgado, mas, pelos exemplos acima deve ficar claro que a presença de Guido Mantega no Ministério da Fazenda é garantia contra bloqueios criativos, pelo menos no caso de colunistas econômicos à busca de temas. Não é outro o motivo da minha preocupação com a crônica da demissão anunciada.

Ao contrário da revista " The Economist", que tempos atrás pediu de forma irônica a permanência do ministro, apelando à psicologia reversa, eu sou franco em meu apelo, ainda mais porque se trata, como se viu, de matéria do meu mais profundo interesse.

Acredito, inclusive, que seria caso de mantê-lo como ministro qualquer que seja o resultado da eleição. Não é que eu deseje o mal do país, mas poderíamos deixá-lo na mesma posição que hoje ocupa, isto é, sem qualquer relevância para a formulação ou execução da política econômica; apenas para nosso entretenimento.

AGRADECIMENTO

Aproveito o espaço para agradecer às muitas expressões de apoio e solidariedade referentes à tentativa frustrada do Banco Central em abrir queixa-crime contra mim por críticas à política adotada pela instituição, refletida na taxa de inflação acima da meta bem como acima do intervalo de dois pontos percentuais ao seu redor.

Tivesse mais do que os cerca de 3.800 caracteres desta coluna, agradeceria a cada um pessoalmente; na impossibilidade, manifesto aqui minha gratidão a todos.

Energia - mais essa agora? - PAULO PEDROSA

O ESTADÃO - 10/09


As indústrias grandes consumidoras de energia enfrentam hoje uma situação paradoxal. De um lado, têm sua competitividade minada pelos preços elevados da energia; e, por outro, são acusadas de oportunistas quando a energia que sobra - justamente pela perda de competitividade - é liquidada no mercado de curto prazo. Esse processo, natural e automático do setor elétrico, ocorre em detrimento e não a favor da indústria, e tem contribuído para o equilíbrio do sistema.

Não é de hoje que a indústria do País tem sido penalizada por questões ligadas à energia. Os preços altos são, há tempos, fatores de desestímulo a investimentos na produção. Enquanto governantes e candidatos falam em política industrial, a percepção de muitos no chão da fábrica é de que teríamos até uma política anti-industrial energética, como se a energia para a produção fosse menos digna da atuação pública do que a que chega às pessoas.

Tal constatação foi evidenciada pela opção de não destinar às grandes indústrias cotas de energia das concessões antigas - apesar da demonstração de que essa era a alternativa mais justa e que traria mais benefícios ao País. Além disso, os custos seguem em alta, seja por causa da substituição de contratos antigos por outros muito mais caros, seja pelo aumento das tarifas de transmissão. E, ainda, os consumidores recebem contas absurdas decorrentes do atraso de obras.

É importante refletir sobre a opção de política com foco na melhoria direta na renda da população. Também verificado no caso do custo da mão de obra e do câmbio, nesse processo a principal perdedora é a indústria. E, indiretamente, perde toda a sociedade, pois a expansão do consumo pelo crescimento da renda tende a se dar via importações, num ciclo que, no limite, acarreta queda de produção e retração econômica - ameaçando a sustentabilidade do que se pretendia promover: o aumento da renda da população.

Por trás dos números, situações como a contradição vivida pela indústria de alumínio. Enquanto o consumo doméstico de produtos à base do metal registrou nos últimos anos taxas de crescimento muito superiores às da economia, a produção nacional de alumínio primário não teve a mínima condição de participar desse processo de expansão. Ao contrário: justamente por causa da energia cara a produção nacional tem declinado. Só em 2013 vimos o desligamento de mais de 130 mil toneladas de produção primária.

É evidente que, antes de suspender linhas de produção, qualquer empresa faz todo o esforço possível para reduzir perdas. Mas é também fácil de entender que as indústrias intensivas em energia são, do mesmo modo, intensivas em capital. É simplista, pois, supor que abririam mão do foco na continuidade de seus negócios em nome de resultados momentâneos, como os proporcionados pela liquidação de energia no mercado spot.

Essa liquidação, ao mesmo tempo que contribui muito para evitar problemas ainda mais graves no setor elétrico, para a indústria não passa de um pequeno efeito colateral positivo num processo dramático. Quem a classifica como uma ação deliberada em busca de resultados de curto prazo o faz por desconhecimento ou má intenção.

Mais que merecer críticas pontuais dessa natureza, a situação nos desafia a trabalhar numa visão estratégica de longo prazo. A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) tem proposto esse debate com a sociedade, por meio de ações como o Projeto Visões do Setor Elétrico (www.visoesdosetoreletrico.com.br). Seu entendimento é de que é necessária a adoção de uma política que considere a energia sob a ótica dos melhores resultados que pode oferecer ao País, via investimento produtivo e recuperação da indústria. Isso será alcançado mais facilmente se essa política for aplicada numa base eficiente, com boa governança e um mercado competitivo.

De nada adianta tentar promover o bem-estar das pessoas no presente à custa de comprometê-lo pouco tempo depois.

Marina, Dilma e o poder dos bancos - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 10/09

Presidente bate pesado na independência do BC proposta por Marina e se põe numa saia justa


DILMA ROUSSEFF acusou Marina Silva de se render aos banqueiros, pois o programa da candidata do PSB propõe a "autonomia" do Banco Central. Tal crítica vale também para a atuação do BC sob Lula e cria uma saia justa para um eventual governo Dilma 2.

"Isso [autonomia' do BC] significaria entregar aos banqueiros um grande poder de decisão sobre sua vida e de sua família. Os juros que você paga, seu emprego, preços e até salário", diz um vídeo de propaganda petista publicado ontem.

Marina na verdade propõe mais: a independência do Banco Central. Sem explicar outros aspectos relevantes da definição de independência, o programa marinista diz que o mandato do presidente do BC será "fixo" (com duração determinada).

Embora não esteja explícito, isso significa que o presidente do BC não pode ser demitido pelo presidente da República. As regras para a eventual destituição da direção do BC seriam fixadas em lei; o "modelo será mais detalhado após as eleições".

Por que um BC independente "entregaria" poder aos banqueiros? Um vídeo caricatural de campanha não explica, mas a gente pode tentar entender.

A tarefa normal dos BCs ora é definir uma taxa de juros de modo a controlar o nível de inflação. Num sistema de metas, em tese em vigor no Brasil desde 1999, o BC define essa taxa de juros (a Selic) levando em conta a inflação esperada, a meta de inflação e se a economia anda num ritmo de crescimento tido como "sustentável" (que não causa alta de preços). Pode levar em conta variação do câmbio (do "preço do dólar") ou condições do mercado de crédito (empréstimos bancários), a depender de variantes da teoria econômica padrão, "ortodoxa".

Como expectativas de inflação são estimadas por economistas e/ou profissionais de instituições que cuidam das aplicações financeiras dos donos do dinheiro, pode entrar aí um "dedo dos bancos", assim como haveria um dedo deles na taxa de câmbio, no mercado de crédito ou no debate sobre como encarar as andanças da inflação e do PIB.

Livre da "pressão política" do governo, o BC estaria pois mais sujeito "aos banqueiros", devido ao modelo de reação dos BCs à inflação, à influência dos bancos na economia ou mesmo à pressão direta deles.

Na prática, a definição dos juros depende em certo grau também do arbítrio, da "arte", e de preferências de diretores do BC (se mais preocupados com recessão ou inflação, por exemplo). Depende também do nível da meta de inflação e de como ela é definida (se por autoridades eleitas ou pelo próprio BC).

Os adeptos da independência argumentam que quanto mais protegidas do governo eleito, mais técnicas e menos sujeitas a manipulações políticas seriam as decisões do BC.

Isto posto, qualquer BC sob regime de metas de inflação age de acordo com critérios descritos acima, de modo mais ou menos estrito. Nos anos Lula, mesmo sem independência, o BC foi na prática autônomo e "ortodoxo". Foi entreguista? O freguês que decida. Enfim, certa ou não na crítica à autonomia, Dilma acabou de criar mais dúvida sobre o controle da inflação num eventual segundo mandato: parece que enfim explicitou sua opção por mandar no BC.

Cartão amarelo - CELSO MING

O ESTADÃO - 10/09


Embora o governo Dilma sustente que não há nada de especialmente errado com a economia, uma das mais importantes agências de classificação de risco, a Moody’s, nesta terça-feira disse o contrário e advertiu o País com o cartão amarelo.

A Moody’s é uma das instituições globais cuja função é avaliar a qualidade dos títulos de dívida de um país, de uma instituição ou de uma empresa. Prestam um serviço ao credor que, a partir daí e de outras indicações, examina o grau de risco de calote.

Nesta terça-feira, essa agência avisou que todos os títulos de dívida do governo brasileiro estão mais perto do rebaixamento se não houver ajustes de peso na política econômica. Os principais indicadores que apontam para o aumento do risco do crédito do Brasil são a deterioração das contas públicas e a sequência de baixo crescimento econômico que, por sua vez, implica arrecadação insuficiente e menos recursos que poderiam reduzir o endividamento.

Em junho, o governo Dilma garantira aos diretores da Moody’s que tanto o crescimento mais forte do PIB como as metas fiscais seriam alcançadas. Agora que ficou claro que a promessa não será cumprida, a Moody’s não vacilou. Avisou que vai deixar cair o facão.

Por enquanto, não há perspectiva de rebaixamento da qualidade da dívida brasileira ao nível de especulação, ou seja, ao nível menos confiável. É que um grande número de bancos e fundos de investimento não pode acolher em sua carteira títulos sobre os quais pairem dúvidas sobre sua qualidade. Menos interesse por um título significa menor procura e, assim, remuneração (juro) mais alta.

Portanto, o rebaixamento de um título de dívida aumenta o custo financeiro para quem o emite. As consequências para o Brasil não parariam aí. Seria inevitável algum impacto sobre o câmbio (redução da entrada de moeda estrangeira), sobre os investimentos estrangeiros e sobre a capacidade dos bancos brasileiros e das empresas estatais (como Petrobrás, Eletrobrás e BNDES) de levantar empréstimos no exterior.

A Moody’s não foi a primeira agência a advertir o País. Em março, a Standard & Poor’s reduziu em um degrau a qualidade da dívida do Brasil, última posição antes do grau de especulação.

O governo brasileiro, este e o que for eleito, tem duas opções. A primeira é ignorar esses avisos, com as alegações de sempre, e não providenciar os ajustes, para não provocar desemprego e tal. Pode argumentar, ainda, que advertências como essa são mais uma tentativa de instituições estrangeiras interferirem no resultado das eleições. Nesse caso, aumentaria o risco de deterioração dos títulos e de toda a economia.

A outra opção é corrigir o rumo da economia, voltar aos manuais abandonados quando foi adotada pelo governo Dilma a Nova Matriz Macroeconômica e, assim, criar as bases para uma retomada sustentada da atividade econômica.

Os compromissos assumidos pelos candidatos da oposição, Marina Silva e Aécio Neves, são pela correção de rumos e pela volta à ortodoxia. A presidente Dilma fala em “mudanças para melhorar”, mas não disse quais fará nem tampouco qual será sua intensidade.

CONFIRA:

As estimativas de safra deste ano ficaram próximas uma da outra. A Conab aponta colheita de grãos de 195,47 milhões de toneladas (3,6% acima da anterior). O IBGE ficou com 193,6 milhões de toneladas (2,8% acima).

Caso Schwartsman
O Banco Central (BC) desistiu de processar o analista (e ex-diretor do BC) Alexandre Schwartsman pelas críticas à política monetária. Incompreensível a atitude anterior, de não aceitar críticas. Quer dizer que analista tem de ser como os do Santander, que só falam bem do governo e não têm compromisso de bem orientar o cliente?

Guido Mantega: entre ser e estar ministro - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 10/09

Agonia de Mantega começou quando Lula lhe retirou apoio



Guido Mantega chega ao fim de seu reinado com um recorde - o de permanência no cargo (oito anos e cinco meses) - e uma certeza: o de estar em vez de ser ministro. Uma ironia cruel do destino para quem sempre foi muito cioso da própria autoridade. Abandonado por Lula e por Dilma, o outrora ministro forte se aproxima do fim do governo fraco, como os resultados da política econômica que liderou nos últimos anos.

O destino pregou uma peça em Mantega. Se ele tivesse deixado o Ministério da Fazenda no fim do segundo mandato do presidente Lula, como desejava inclusive a então presidente eleita, teria saído de cena como Pelé: no auge. Em 2010, a economia brasileira, cheia de confiança e prestígio, crescera 7,5%, a maior taxa de expansão desde 1986.

Mantega não teria batido o recorde de Pedro Malan, que ficou oito anos no cargo, mas teria se livrado do desempenho econômico pífio do país desde 2011 e da humilhação por que passa neste momento. Nunca se viu antes, na história do país, um ministro da Fazenda demitido com quatro meses de antecedência. No Brasil e provavelmente em qualquer outro lugar, não existe ministro da Fazenda fraco.

Lula pediu a Dilma que mantivesse Mantega no posto por pelo menos mais um ano. A presidente não tinha propriamente um nome para colocar no lugar, até porque, economista, considera a si mesma ministra da Fazenda. De toda maneira, como sempre teve bom relacionamento com o ministro, cultivado a partir de convergências ideológicas, aceitou que ele permanecesse.

Com a queda de Antonio Palocci no sexto mês do atual governo, Mantega exercitou bem a arte brasiliense de ocupar espaços vazios. Tornou-se ministro forte de Dilma, na verdade, o único. Com direito a exigências, como não participar de certas solenidades - a parada cívica de 7 de setembro é uma delas - e exigir que reuniões com quaisquer ministros, mesmo os do Palácio do Planalto, fossem realizadas em seu gabinete.

Foi o rumo da política econômica que enfraqueceu Mantega. Não foi ele o autor intelectual dos experimentos que resultaram, nos últimos três anos, em baixo crescimento, inflação acima da meta, deterioração fiscal, déficit externo crescente e níveis deprimidos de confiança de empresários e consumidores. A construção do fracasso foi coletiva e teve sempre a inspiração da presidente, com sua obsessão por alterar preços (juros, câmbio, tarifas) por meio do triunfo da vontade e não da realização de reformas.

É curiosa a trajetória de Mantega nos três mandatos petistas. Ele só se tornou ministro - primeiro, do Planejamento - porque Lula não fechou, a tempo, aliança com o PMDB de Renan Calheiros e José Sarney, que quis indicar a filha, Roseana, para o cargo. Palocci, então ministro da Fazenda, achou mais prudente ter Mantega na função. Aqueles eram dias terríveis de crise fiscal.

Palocci foi crucial também para que Lula transferisse Mantega, menos de dois anos depois, para a presidência do BNDES, em substituição a Carlos Lessa. Tanto no Planejamento quanto no banco, o economista de corte "desenvolvimentista" teve passagem discreta e alinhada com os principais objetivos da política econômica dita "neoliberal" de Palocci.

Mesmo quando assumiu o comando da Fazenda, no fim de março de 2006, Mantega procurou manter o status quo da gestão econômica petista até ali. Sua primeira equipe tinha nomes do mercado de peso, como Carlos Kawall, ex-economista-chefe do Citibank (hoje, do J. Safra), além de técnicos com ótima reputação como Bernard Appy (braço-direito de Palocci), o embaixador Marcos Galvão (hoje, representante do Brasil junto à OMC) e Jorge Rachid.

A rigor, Mantega mudou nomes da equipe de Palocci, mas não o rumo da política. É verdade que, já naquele período, começou a pressionar o Banco Central (BC), ainda que sem sucesso, a mudar a política cambial, com o objetivo de forçar uma desvalorização do real.

No segundo mandato de Lula, já sob forte inspiração de Dilma Rousseff, que sempre conviveu mal com a política econômica de Palocci, Mantega passou a operar mudanças com desenvoltura. Sua primeira vitória foi evitar que Lula reduzisse, em 2007, a meta de inflação fixada para 2009, uma triste contribuição à resistência inflacionária existente hoje. No ano seguinte, tentou de todas as formas convencer o presidente a demitir Henrique Meirelles do BC.

Lula resistiu às investidas de Mantega. Em seu mandato, manteve a autonomia operacional do BC, não criou qualquer obstáculo à entrada de capitais no país e não aceitou desvalorizar a moeda na marra para supostamente ajudar a indústria nacional. Lula também não tergiversou em relação à manutenção da inflação e de suas expectativas na meta, com exceção do ano eleitoral de 2010. O presidente fez concessões somente nas áreas fiscal e parafiscal, depois da crise de 2008, convencido de que a economia caminhava para a estagnação.

Não foi à toa que, apenas depois da saída de Palocci, Mantega e seus colegas de equipe econômica, avalizados por Dilma, passaram a fazer tudo o que sempre desejaram na gestão Lula e não tiveram autorização para tanto. É como se o PT tivesse chegado ao poder, na área econômica, apenas nove anos depois do primeiro triunfo eleitoral de Lula.

Mantega não se tornou demissível apenas depois de a presidente sinalizar ao mercado, na semana passada, que ele não permanecerá no cargo num possível segundo mandato. O ministro agoniza desde que, instado por empresários e banqueiros, Lula disse a Dilma, em abril do ano passado, que não avalizava mais a sua permanência. A presidente resistiu à pressão, temerosa de que a substituição fosse vista como uma interferência do antecessor em seu governo.

Meses depois, Dilma planejou trocar Mantega, mas, sem encontrar nomes de seu agrado, postergou a decisão. Adiante, concluiu que perdeu o timing da mudança, criando uma situação incômoda e insólita: a do ministro da Fazenda que não é, mas está.

A frágil situação de Mantega, bem como a tentativa frustrada do Banco Central de calar na Justiça um de seus críticos, é o retrato sem retoques do fim de festa em que se transformou o experimento econômico do governo Dilma Rousseff.

O petróleo é deles? - JOSÉ NÊUMANNE

O ESTADO DE S.PAULO - 10/09


Desde os anos 50 do século passado, quando a campanha "o petróleo é nosso" resultou na concessão do monopólio de extração e refino de óleo cru à Petrobrás, para isso criada, a esquerda brasileira passou a defendê-la com unhas e dentes. Como se a estatal fosse o mais valioso patrimônio do povo brasileiro. Será que ainda é?

Após a publicação neste jornal da entrevista que o ex-diretor de Gás e Energia da empresa Ildo Sauer deu ao Broadcast Político, serviço da Agência Estado, há, no mínimo, controvérsias a respeito de tal afirmação. Investigado pelo Tribunal de Contas da União, com os bens bloqueados por ter participado da diretoria da petroleira na época em que esta adquiriu metade do controle acionário da refinaria da belga Astra Oil em Pasadena, no Texas, o especialista reconheceu que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva "intensificou o uso político da Petrobrás". Sauer não pertence ao chamado Partido da Imprensa Golpista, o PIG, denominação pejorativa com que os petistas definem jornalistas abelhudos que revelam falcatruas cometidas pela "companheirada" no poder. Tampouco é da oposição "revanchista", que vive procurando pelo em ovo para destronar os populistas desse poder. Ao contrário, ele foi, isso sim, o principal assessor de Lula em petróleo e gás na primeira campanha presidencial vitoriosa deste, razão pela qual foi alçado à diretoria na empresa.

Sauer relatou que, com o advento do presidencialismo de coalizão no Brasil, "no governo Fernando Henrique", passaram a comandar a empresa "despachantes de interesses", a serviço de "contratistas, partidos e políticos". A versão do técnico padece de imprecisão, mas isso não importa tanto. Acontece que a troca de cargos no Executivo por apoio político no Legislativo teve início antes, desde a promulgação da Constituição de 1988, por culpa da qual a negociata passou a ser chamada de "governabilidade", o que tornou o Congresso um balcão de negócios e os cargos em ministérios, autarquias e estatais, moedas de troca.

Isso não tem relevância porque o técnico, que não é simpatizante do PSDB, não citou casos em que o mau uso por ele denunciado de bons empregos na cúpula da Petrobrás tenha sido flagrado e investigado nos governos Sarney, Collor, Itamar ou Fernando Henrique. Não se pode dizer o mesmo das três gestões federais do Partido dos Trabalhadores (PT) - duas sob a batuta de Lula, com Dilma Rousseff ministra de Minas e Energia, depois chefe da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da estatal, e o mandato dela mesma. Comparado com a roubalheira na Petrobrás nestes 12 anos, o "mar de lama" que levou Getúlio ao suicídio se reduz a uma reles pocinha.

Quem tiver alguma dúvida está convidado a ler o noticiário sobre a delação premiada que um ex-colega de Sauer na cúpula da petroleira, Paulo Roberto Costa, tenta obter da Justiça em troca de delatar todos os outros detentores de benefícios durante sua mais que temerária gestão na Diretoria de Abastecimento. Segundo testemunhos, o delator era carinhosamente chamado de Paulinho por Lula em pessoa. E ainda que este volte a exercitar sua recente e conveniente amnésia, desconhecendo pessoas de cuja intimidade notoriamente privou, é indesmentível que o indiciado e preso pela Polícia Federal operou sob a chefia de alguém de alta confiança do ex-presidente da República, José Sérgio Gabrielli, e ao lado da atual presidente da estatal, Graça Foster, que Dilma trata como Gracinha. Não é?

Os meios de comunicação já informaram que o preso, ora em alto destaque, dispõe da nada módica quantia de US$ 23 milhões em contas sigilosas na Suíça. Isso equivale a quase US$ 1 milhão por vez das 24 nas quais foi distinguido com a subida honra de substituir Gabrielli num dos mais acalentados sonhos de consumo de qualquer executivo que se preze no País: o maior poder na maior das empresas pátrias.

O secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse que a revelação feita pela Veja resulta do "desespero" da oposição ante a perspectiva de perder a eleição. Mas, conforme as pesquisas, Dilma é que está ameaçada por Marina Silva, que, se a eleição fosse hoje, a venceria. Essa bravata confirma que a lógica aristotélica não foi sua disciplina favorita no seminário. Ele já tentou desmentir João Daniel, irmão de Celso, de que teria levado malas de dinheiro de Santo André para a sede nacional do PT. Fez o diabo para apagar suas impressões digitais no escândalo do tráfico de influência de que foi acusada Rosemary Noronha, amiga de Lula. E recentemente, acusado pelo motorista Ferreirinha de tê-lo ameaçado para evitar que este contasse que carregava pacotes de dinheiro para o presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, jurou que apenas lhe aconselhou prudência.

Mas sua chefe o superou em desfaçatez ao dizer que, se houve desvio na Petrobrás, "a sangria estancou". Como fazê-lo, se ela nem sabe onde o sangue jorra? E não seria algo como: será proibido roubar se o furto anterior não tiver de ser punido? Ela distorce fatos por estar certa de que o eleitor crerá em tudo o que ela contar em troca da mais Bolsa Família. Como escreveu Ricardo Noblat, em sua coluna no Globo, ela foi, como Lula, surpreendida pelo escândalo do mensalão. Ignorou a suspeita de "malfeitos" atribuídos a Erenice Guerra, seu braço direito na Casa Civil. E se pediu desculpas a Fernando Henrique e à mulher, Ruth, sobre quem foi produzido um dos dossiês falsos chamados pelo delegado Romeu Tuma Jr. de "assassinatos de reputações", nunca puniu os autores.

Agora Dilma quer utilizar a delação do ex-enfant gaté do PT para tornar obrigatório o financiamento público de campanhas e forçar o plebiscito para reformar a política. Nada disso tem que ver com a roubalheira na Petrobrás. É apenas uma tentativa de deixar os gatunos impunes e, em vez de puni-los, lhes transferir a posse do petróleo que, em tese, seria nosso.


O anti-Marcos Valério - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 10/09

O petrocomissário Paulo Roberto Costa percebeu que arriscava ser condenado a 40 anos de prisão


Paulo Roberto Costa decidiu não ser o novo Marcos Valério. Decidiu também proteger a liberdade dos familiares que envolveu em seus negócios. Aos 53 anos, Valério, o publicitário mineiro celebrizado com o mensalão, foi condenado a 40 anos de cadeia. Desde o dia 29 de agosto, Costa depõe para o Ministério Público, com vídeo e áudio, em longas sessões diárias. Durante oito anos, ele dirigiu o setor de abastecimento e refino da Petrobras e a doutora Dilma disse ser "estarrecedor" que as denúncias e a confissão partam de um "quadro de carreira" da empresa. É verdade, pois ele entrou para a Petrobras em 1978. Contudo só ascendeu à diretoria porque foi indicado pelo deputado José Janene. Depois de uma militância no malufismo, Janene aliou-se ao PT do Paraná, tornando-se um dos pilares do mensalão. Isso a doutora sabia. Bastava ler jornal.

Os procuradores que ouvem Paulo Roberto acautelaram-se para impedir que entregue pão dormido fingindo colaborar com a investigação. O acervo de informações do doutor tem três vertentes. Numa, estão sua relações com políticos. Noutra, a banda das empresas, desde grandes multinacionais que operam no mercado de petróleo a fornecedores. A lista das empreiteiras, como a dos políticos, é a dos suspeitos de sempre. Já as companhias de comércio de petróleo formam uma lista nova, com cifras e nomes. Finalmente, Paulo Roberto Costa e seu cúmplice, o doleiro Alberto Youssef, deverão mostrar suas contas ao Ministério Público. Isso será facilitado porque ambos estão presos e Youssef é um veterano colaborador. Daí poderão surgir os caminhos do dinheiro. As provas, enfim.

Circula a informação de que, das três vertentes, o Ministério Público concluiu a oitiva da primeira. Ele pode dizer o que quiser, mas só exercerá o benefício se produzir provas. Listas de nomes servem para nada. Paulo Roberto Costa é um homem organizado. Sabe-se desde abril que a Polícia Federal apreendeu em seu escritório transferências de dinheiro de duas das três maiores tradings de petróleo e minérios do mundo, a Glencore e a Trafigura. A primeira, uma empresa anglo-suíça, é maior que a Petrobras. A outra comprou o porto da MMX em Itaguaí. Nessa papelada, como ocorre há décadas, apareceram pagamentos suspeitos de eternos fregueses, como a Camargo Corrêa e a OAS. Paulo Roberto Costa guardava papéis desse tipo no escritório. Talvez tenha mantido um arquivo eletrônico em lugar seguro, sobretudo quando viu o que sucedeu a Marcos Valério.

Se as oitivas do doutor forem profícuas, o escândalo do pretrocomissariado será duradouro, o maior e melhor documentado da história nacional. Coisa para durar anos, estendendo-se à Justiça de outros países. É sempre bom lembrar que o cartel da Alstom, com suas propinas para tucanos, só andou porque teve a colaboração e o estímulo do Judiciário suíço. Marc Rich, o fundador da Glencore, encrencou-se no Estados Unidos e tomou sentenças que somaram 300 anos de cadeia. Foi perdoado pelos instintos jurídicos e comerciais do presidente Bill Clinton, no seu último dia de governo. Já a Trafigura foi condenada por exportar lixo tóxico para a África e encrencou-se numa história de propinas para o secretário-geral do partido do governo em Zâmbia.

Atos falhos - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 10/09


São tantos os vaivéns e tão grande a quantidade de dissimulações com as quais a presidente Dilma Rousseff precisa lidar ao mesmo tempo, que ela não está mais conseguindo manter as aparências. Os fatos não correspondem aos atos, as palavras não guardam relação com as evidências, as perguntas vão para um lado, as respostas caminham no sentido oposto – isso quando fazem algum sentido. Cai em contradição a ponto de desmentir a si mais de uma vez na mesma conversa.

Foi o que aconteceu na entrevista ao Estado, nesta segunda-feira, em que admitiu o que até então negava a respeito da Petrobras. “Se houve alguma coisa, e tudo indica que houve, posso garantir que as sangrias estão estancadas”, disse ela a propósito da existência (ou não) de um esquema de desvio de recursos para beneficiar empreiteiras, funcionários, partidos e políticos. Até então vinha tratando as revelações feitas na imprensa sobre os depoimentos no acordo de delação premiada do ex-diretor da empresa Paulo Roberto Costa como informações às quais não poderia dar crédito por não terem chancela oficial.

Diante da insistência dos jornalistas, recuou para o condicional “se” e em seguida fez duas afirmações em que se contradisse. A primeira: “tudo indica que houve”. A que “tudo” se referia a presidente? Ao que saiu publicado no fim de semana ou a informações de que dispunha sobre acontecimentos a respeito dos quais ela afirmara não ter tido a “menor ideia” de que ocorriam na companhia?

A segunda afirmação: “Posso garantir que as sangrias estão estancadas”. Ora, se a presidente Dilma Rousseff diz que nunca ouvira falar de que nada irregular acontecia na Petrobras, como pode assegurar que as tais sangraduras (depreende-se, de dinheiro público) estejam estancadas? Se houve o saneamento foi porque ela cumpriu a contento a sua obrigação de zelar pela probidade. Mas aí, para ter tomado essa providência, terá necessariamente de ter tido o conhecimento que nega. E sonegou esse dado à nação.

Mais adiante, quando os entrevistadores voltaram ao assunto para lembrar-lhe o que ela havia dito momentos antes, Dilma negou de maneira peremptória: “Eu não disse isso. Por favor, sou presidenta da República. Não posso fazer uma coisa dessas. Baseado em informações da imprensa não posso condenar ou perdoar ninguém”.

De fato. Mas não se trata de perdão nem de condenação. O que a presidente disse está gravado e registrado. Pode não ter tido a intenção de dizer. No entanto, disse.

O problema de certas narrativas é a necessidade de adaptá-las aos fatos quando eles começam a criar pernas, se desconectam das falas e os dois desobedientes saem por aí produzindo atos falhos.

Tem jeito. Caso o acordo de delação premiada de Paulo Roberto Costa venha a ser (se já não foi) homologado pelo Supremo Tribunal Federal, tenha consequência e resulte em processo, terá feito o caminho contrário ao do mensalão. Naquele, o esquema foi desvendado por uma comissão de inquérito do Congresso a partir da denúncia de Roberto Jefferson. O material da CPI sustentou os trabalhos da Polícia Federal e do Ministério Público.

Nesse aqui o Congresso não apenas não contribuiu como interditou as investigações, que se iniciaram com uma operação da PF e agora dependem das informações do delator para a polícia e os procuradores a fim de se descobrir como funcionava e quem se beneficiou do esquema. Só então poderá ser oferecida a denúncia ao STF. Isso para dizer o seguinte: o Congresso nem sempre se prestou a qualquer tipo de papel. Mesmo os mais baixos. Já foi melhor do que é. Portanto, a depender do padrão do Poder inegavelmente mais forte, pode voltar a ser.

Uma breve história da mentira na política - FERNANDO MARTINS

GAZETA DO POVO - PR - 10/09


A palavra em latim diabolus significa “caluniador”, aquele que faz acusações falsas. Deu origem ao termo “diabo” – também chamado, na tradição cristã, de pai da mentira. Faz tempo, porém, que mentir perdeu o peso moral da religião. A prática tem sido relativizada, sobretudo na política. E talvez não haja período mais profuso em manipulações e dissimulações que as campanhas eleitorais. Na busca por votos, muitos candidatos adotam sem pudores a inverdade como estratégia. Classificar essa conduta de diabólica pode soar antiquado, mas a história política da mentira permite tachá-la de maquiavélica e até mesmo de nazifascista.

Quem primeiro demonstrou que a mentira é útil na arte de conquistar e manter o poder foi o pensador italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527) – principalmente na obra clássica O Príncipe. Até hoje há controvérsia se ele defendia o que escreveu ou se apenas constatava um fato. Mas o fato é que “maquiavélico” virou sinônimo de ardiloso, oportunista. De qualquer modo, Maquiavel representou uma mudança na forma de encarar a política – antes vista como uma extensão pública da ética ou da religião (nada mais estranho ao mundo contemporâneo).

Foram necessários 500 anos para a mentira mudar de patamar como arma política. E isso foi obra do totalitarismo germânico. Todos costumam se lembrar da famosa máxima do ministro da Propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. A lógica é apostar que a população passará a duvidar da falsidade da mentira pela insistência e, numa segunda etapa, vai considerá-la verdadeira.

Menos conhecida, mas igualmente pérfida, é uma declaração de Adolf Hitler: “As massas acreditam muito mais facilmente numa grande mentira do que numa pequena”. Nesse caso, a estratégia é tornar a farsa tão inacreditável que, paradoxalmente, poucas pessoas poderiam supor que alguém seria capaz de expô-la em público sem constrangimentos. Como a mentira é apresentada como verdadeira pelas autoridades, é porque não pode ser falsa. Só um louco seria capaz de mentir de forma tão grandiloquente. Foi assim que o nazismo conseguiu se manter no poder.

Nenhum político em sã consciência defende hoje o totalitarismo. Mas não é difícil identificar traços do DNA de Goebbels no discurso político contemporâneo. Não se trata, portanto, de algo sem consequências. A mentira na política é a perigosa semente de uma erva daninha que pode enfraquecer a democracia. Afinal, mentir é ocultar, não dar transparência – algo incompatível com os princípios democráticos.

Dilma nas nuvens - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 10/09


A presidente Dilma Rousseff considera "estarrecedor" que um servidor de carreira da Petrobrás - o seu diretor de abastecimento e refino entre 2004 e 2012, Paulo Roberto Costa - tenha sido o mentor do megaescândalo de corrupção na estatal que começou a emergir em março último, com a prisão dele e de seu sócio Alberto Youssef, o doleiro suspeito de branquear R$ 10 bilhões. Costa, como se sabe, conseguiu ser solto, mas voltou para a cadeia em junho, quando se descobriu que mantinha US$ 23 milhões em contas na Suíça, o que poderia induzi-lo a fugir do País. Em fins de agosto, para não ser condenado às penas a que de outro modo estaria exposto e, ainda, obter perdão judicial, ele começou a contar ao Ministério Público e à Polícia Federal o que seria a versão integral da roubalheira.

No último sábado, a imprensa divulgou quantos - e, em um caso, quais - seriam os políticos e autoridades que ele teria acusado de receber propinas equivalentes a 3% do valor de contratos firmados com empresas participantes da tramoia. Na segunda-feira, na sua vez de ser ouvida por este jornal na série de entrevistas com os candidatos ao Planalto, a presidente fez a respeito do esquema afirmações, estas sim, de estarrecer. Pelo cinismo, em primeiro lugar. "Eu não tinha a menor ideia de que isso ocorria dentro da empresa", sustentou, de cara lavada. A ex-ministra de Minas e Energia e ex-titular da Casa Civil do governo Lula - e, nessa condição, presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, a sua mais alta instância decisória - não pode se passar por nefelibata, vivendo nas nuvens.

Não bastasse a massa de informações sobre a empresa a que tinha acesso por força dos cargos que ocupava no aparato estatal mesmo antes de vir a comandá-lo, as questões relacionadas a energia, em geral, e ao petróleo, em especial, sempre interessaram de perto a ex-mestranda em economia pela Unicamp. Depois, presidente da República, colocou no comando da Petrobrás uma servidora de carreira, cuja lealdade à amiga próxima decerto faria com que compartilhasse com ela histórias do cotidiano da companhia que talvez não comentasse nem sequer com os membros da diretoria executiva por ela nomeados. Por último, o serviço de inteligência do Executivo federal sempre poderia ser acionado para seguir de olhos bem abertos o que se passava na maior empresa brasileira.

É praticamente impossível escapar à conclusão de que Dilma, a detalhista, não quis saber do enraizado sistema de fraudes que, ao beneficiar políticos da base aliada do Planalto, contribuía objetivamente para consolidar a agigantada coligação eleitoral de nove partidos com a qual espera se reeleger. No limite, a presidente não teria querido que se soubesse. A sua outra afirmação estarrecedora foi a de "garantir (o termo é dela) que todas as sangrias que pudessem existir estão estancadas". Podem estar, mas, aí sim, pode-se dizer com absoluta certeza que ela não tem nada com isso. Suspeitas sobre "malfeitos" na Petrobrás se sucediam havia pelo menos três anos. Paulo Roberto Costa deixou a empresa em março de 2012, mas já em agosto tinha montado uma consultoria que funcionava como uma cópia da chave com a qual, anos a fio, abrira as portas dos gabinetes mais procurados da estatal.

Assim como o então diretor, o novo consultor continuou a manter desenvoltos negócios, por exemplo, com a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, tida pelos conhecedores como um poço sem fundo de maracutaias. Era para custar R$ 5,6 bilhões. Deverá custar R$ 41,5 bilhões. A estimativa inicial, desdenhou Costa numa entrevista, era uma "conta de padeiro". O fato é que Dilma, podendo fazê-lo, não moveu um dedo para suturar as veias abertas da Petrobrás. Elas continuavam a verter, com toda probabilidade, até a Polícia Federal desencadear a Operação Lava Jato que levou à prisão, entre outros, a empreendedora dupla Costa & Youssef e à decisão do primeiro de delatar o esquema que chefiava em benefício de empreiteiras e políticos governistas. Já a presidente da República, quando podia coibir o assalto aos cofres da Petrobrás, não o fez. Agora, pelo menos demonstre algum respeito pela inteligência do público.

A nota em risco - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 10/09


Agência norte-americana emite sinal de alerta sobre fundamentos econômicos do Brasil; rebaixamento seria inegável retrocesso


A Moody's, agência norte-americana de classificação de risco, emitiu ontem mais um sinal de alerta a respeito dos fundamentos econômicos do Brasil.

No ano passado, havia diminuído a perspectiva da nota do crédito brasileiro de "positiva" para "neutra"; agora, passou-a para "negativa". Se for dado um próximo passo nessa mesma direção, o país terá seu crédito rebaixado de acordo com os critérios da agência.

O Brasil, hoje, está na categoria Baa2, que indica um grau de investimento com risco moderado. Esse patamar é o segundo acima do "especulativo", que implica menor segurança para investidores.

Ainda que estejam desacreditadas desde 2008, quando papéis imobiliários com a nota máxima viraram pó nos EUA, e mesmo considerando conflitos de interesses, já que seus financiadores compram títulos, as agências balizam inúmeros investidores. Alguns, como os fundos de pensão internacionais, por vezes nem podem aplicar em países considerados especulativos.

Não é só por isso, contudo, que o alerta da Moody's deve ser levado em consideração. A agência reuniu três fortes argumentos para justificar sua decisão. O primeiro diz respeito à perda de vigor da economia nacional, que deve permanecer até pelo menos 2015.

Há, além disso, o colapso da confiança empresarial e a retração dos investimentos --estes caíram em nove dos últimos 12 trimestres e estão no mesmo patamar de 2010. Tal comportamento resulta, para a agência, do intervencionismo do governo Dilma Rousseff (PT).

Sem investimento, a capacidade de produção da economia não aumenta, com o que uma expansão do PIB provocará mais inflação.

A falta de crescimento, por sua vez, é um problema para a nota de crédito por comprometer a geração de renda e reduzir a arrecadação. Levando-se em conta os crescentes gastos federais, tem-se um processo de aumento da dívida pública --que, como proporção do PIB, já é cerca de 50% maior que a da média de países de risco similar.

Esse é o terceiro motivo de preocupação da agência. Diante dessa combinação de fatores, os desafios não serão pequenos para o próximo governo, qualquer que seja ele.

Por fim, a Moodys não deixa de destacar pontos fortes da nossa economia: reservas internacionais elevadas, diversificação produtiva e sistema bancário sólido, entre outros. Se não houver alteração no horizonte próximo, entretanto, o corte da nota será inevitável.

A receita para não haver esse retrocesso é conhecida e tem sido repetida por incontáveis analistas brasileiros: restaurar a credibilidade das contas públicas e estabelecer uma gestão competente.

O BC e o direito de crítica - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 10/09

Um dia depois de ter anunciado que impetraria no Tribunal Regional Federal um recurso contra a decisão da primeira instância da Justiça Federal que negou seguimento à queixa-crime oferecida contra o economista Alexandre Schwartsman por entrevistas concedidas aos jornais Correio Braziliense e Brasil Econômico, entre abril e maio, quando chamou os gestores da política monetária de "incompetentes" e "subservientes", o procurador-geral do Banco Central (BC), Isaac Sidney Menezes Ferreira, voltou atrás. Em nota, limitou-se a afirmar que o Banco Central deu o litígio como encerrado sem, contudo, explicitar os motivos do recuo.

Antigo diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, ex-executivo de importantes instituições financeiras privadas, diretor de uma empresa de consultoria econômica, colunista de dois jornais e com doutorado na Universidade da Califórnia, em Berkeley, Schwartsman há muito tempo vinha classificando como "temerária"a política monetária do governo da presidente Dilma Rousseff e cobrando "mais independência" e "menos subserviência" da atual diretoria do Banco Central com relação ao Palácio do Planalto.

Os argumentos de Schwartsman vão na mesma linha das críticas que têm sido disparadas à política monetária do governo por economistas das mais variadas orientações. Por isso, causou surpresa quando o procurador-geral do Banco Central, autorizado pela diretoria do órgão, impetrou uma queixa-crime contra ele, sob a justificativa de que teria passado do campo da "mera opinião" ou da "crítica técnica" para o campo do insulto. Houve "inequívoco desejo de insultar, denegrir, enxovalhar e ultrajar a honra e a imagem do Banco Central e de seu corpo funcional", afirmou o procurador-geral.

Os argumentos invocados pelo procurador causaram perplexidade entre os economistas que atuam no universo acadêmico e bancário. Eles viram na queixa-crime não apenas uma tentativa de intimidação contra um colega conhecido e respeitado que tem exercido o direito de opinião, mas também uma ameaça velada do Palácio do Planalto a todos os analistas do mercado financeiro, para que suspendessem toda e qualquer crítica ao governo num momento em que a campanha eleitoral estava começando. Pela imprensa, alguns diretores do Banco Central alegaram que já haviam avisado a Schwartsman que o processariam, se não moderasse suas críticas à política monetária. E, numa das atas do órgão, assinada pelo secretário do Conselho Monetário Nacional, Henrique Machado, a diretoria registrou que considerou "ofensivas" e "abusivas" as críticas recebidas.

Pelas redes sociais, professores de economia e analistas do mercado financeiro manifestaram solidariedade a Schwartsman, pondo às claras o equívoco da atitude do Banco Central.

Com a queixa-crime, alguns diretores do órgão esperavam calá-lo. Mas, como a iniciativa não passa de uma insensata afronta à liberdade de expressão, o amplo apoio recebido pelo economista, pela internet, acabou dando ainda mais visibilidade às suas críticas. O caso ganhou repercussão nacional e internacional quando a primeira instância da Justiça Federal rejeitou a queixa-crime, reafirmando que o direito de opinião, além de assegurado pela Constituição, é uma garantia fundamental do regime democrático.

Reincidindo em erro, o Banco Central anunciou, por meio de seu procurador-geral, que recorreria dessa decisão. E foi aí que entraram em cena os mais importantes economistas do País, assinando um contundente abaixo-assinado. Para muitos membros da cúpula do órgão, a situação não poderia ser mais patética, uma vez que muitos dos signatários, além de terem sido seus professores, já foram seus superiores hierárquicos na administração pública e até no Banco Central.

Da cúpula do Banco Central espera-se que saiba conviver com a liberdade de expressão e o direito de crítica, não que ameace, intimide e processe quem não reza por sua cartilha.

Corrupção abala financiamento público da política - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 10/09


É uma falácia procurar relacionar o escândalo de desvio de dinheiro da Petrobras a uma pretensa reforma que estatize de vez as finanças das eleições


É do jogo político aproveitar oportunidades para a defesa de propostas programáticas, embora, nessas circunstâncias, costumem ocorrer exageros. Nas jornadas das manifestações de meados do ano passado, o governo, entrincheirado em Brasília, procurou sair daquela situação com algumas propostas de “pactos”, entre eles o da reforma política.

A fração hegemônica no partido tentou emplacar, por meio do Planalto, o projeto golpista da “Constituinte exclusiva”, derivado da cepa bolivariana chavista que contamina parte da América Latina.

Alertado por juristas, políticos da própria base e até ministros do Supremo sobre a ilegalidade da ideia — convoca-se Constituinte apenas em rupturas institucionais —, o governo recuou. Mas o golpe se mantém no programa do PT. E a presidente Dilma reciclou o “pacto” para um “plebiscito” sobre essa reforma. Algo de difícil execução, mas a ver.

O crescimento da história de corrupção na Petrobras patrocinada pelo ex-diretor Paulo Roberto Costa, preso em Curitiba, e cujos primeiros depoimentos num acordo de delação premiada identificam políticos do PMDB, PT e PP como beneficiários de dinheiro desviado da estatal, começou a ser manipulado por petistas, como as manifestações do ano passado. Mais um exagero.

A esperteza, agora, é usar mais este saque a uma estatal, como tudo leva a crer, para financiar os subterrâneas da política— o anterior ocorreu no Banco do Brasil, no mensalão —, com o objetivo de justificar o afastamento das empresas do financiamento de campanha, e criticar o sistema eleitoral. É o que fez, rápido no gatilho, o secretário-geral da Presidência, ministro Gilberto Carvalho, liderança do PT próxima ao ex-presidente Lula.

O afastamento das pessoas jurídicas do caixa um da política está decidido por maioria de votos em julgamento no Supremo. Falta apenas um último voto, para ser declarado o veredicto.

Petistas, diante de mais esse escândalo, de contornos semelhantes ao mensalão e talvez maior que este, tentam afastar do partido a radioatividade do caso, jogando a culpa no “sistema eleitoral” e em corruptores privados. A tática é conhecida.

Procura-se reforçar a campanha pelo financiamento público integral da política, antessala da pretendida conversão do regime eleitoral para o voto em lista fechada, em que o poder do eleitor é cassado e transferido para caciques dos partidos. Aqueles que montarão as listas. O verdadeiro objetivo desta reforma está escondido atrás do biombo do “fortalecimento dos partidos”.

Ora, a tecnologia de lavagem de dinheiro usada no esquema do ex-diretor Paulo Roberto e de Alberto Youssef, doleiro do esquema, comprova que a decisão do STF e a estatização total das finanças eleitorais apenas incentivarão empresas de volta ao caixa dois da política. Do qual, nem todos os financiadores pessoas jurídicas se afastaram.

É uma falácia procurar relacionar este novo mensalão a uma pretensa reforma política.

Lama na Petrobras - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 10/09


Se o caso da Petrobras é realmente um “mensalão 2”, a presidente segue o roteiro do original: repete o mantra do “eu não sabia”


Um acusado de crimes pelos quais pode pegar meio século de prisão se dispõe a falar tudo o que sabe e, sobretudo, provar o que diz, em troca de redução da pena ou mesmo do perdão judicial. Caso minta ou não consiga fazer prova das informações que presta, enterra as possibilidades de obter o benefício. É assim que funciona a delação premiada, instituto implantado na legislação brasileira após o êxito histórico que obteve quando usado pela primeira vez, nos anos 70, na Itália, para desestruturar a até então poderosa e imbatível máfia. Dito isto, é de se imaginar que as declarações que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa teria feito até agora perante as autoridades policiais e judiciárias sejam merecedoras de crédito. O que faltam são as confirmações (ou desmentidos) oficiais, bem como as provas dos ilícitos.

No entanto, por mais que a prudência aconselhe que vejamos os vazamentos de informações com a cautela devida, é inegável que, quando o assunto é a Petrobras, quando mais se perfura, mais lama jorra, como se percebeu nos casos de Pasadena e Abreu e Lima. É essa enxurrada inesgotável de notícias que faz crer na verossimilhança das confissões de Paulo Roberto Costa, tornadas públicas por meio de reportagens publicadas no último fim de semana. Nelas, o ex-diretor da estatal confirma a existência de grosso esquema de negociatas em contratos (verdadeiros ou fictícios) com empreiteiras e prestadores de serviços, que alimentavam um propinoduto destinado a abastecer partidos e altos figurantes da cena política e da administração pública do país, envolvendo a alta cúpula dos poderes Executivo e Legislativo. As listas divulgadas incluem um ministro e um ex-ministro (Edison Lobão, de Minas e Energia; e Mario Negromonte, ex-titular da pasta de Cidades), três governadores e ex-governadores (o carioca Sérgio Cabral, a maranhense Roseana Sarney e o falecido pernambucano Eduardo Campos), e os presidentes da Câmara e do Senado, Henrique Alves e Renan Calheiros. O centro operador deste conluio criminoso era ocupado pelo doleiro Alberto Youssef, vizinho de cela do ex-diretor numa dependência da Polícia Federal.

Parece que já vimos esse filme antes, quando do episódio do mensalão. O método era o mesmo: contratos suspeitos triangulavam operações financeiras, que beneficiavam parlamentares para comprar-lhes o bom comportamento requerido pelo governo do então presidente Lula em suas relações com o Congresso. Lula dizia nada saber a respeito do que acontecia sob seu nariz, assim como agiu, depois, para tentar livrar os mensaleiros do julgamento e da condenação.

E Dilma? Se o caso da Petrobras é realmente um “mensalão 2”, a presidente segue o roteiro do original: repete o mantra do “eu não sabia”, mesmo tendo ocupado, antes da Presidência, os cargos de ministra de Minas e Energia e da Casa Civil, sem falar na presidência do Conselho de Administração da Petrobras. Essa postura contradiz a fama que quis cultivar de “gerentona” – alguém capaz de administrar com eficiência os setores que lhe foram confiados.

Agora, o Planalto quer tomar conhecimento “oficial” das confissões de Paulo Roberto Costa. O que a presidente fará com os dados? Em sua entrevista ao Jornal Nacional, em agosto, Dilma deixou implícito que, quando a corrupção envolve seu partido, ela prefere não comentar. Se continuar a seguir o script criado por Lula, é de se perguntar quanto tempo levará até que a presidente passe do “eu não sabia” para o “fui traída”.

Palpos de aranha - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 10/09
As duas candidatas que disputam a liderança da corrida presidencial estão em palpos de aranha com os problemas internos de suas campanhas. Marina não tem como explicar a contabilidade do PSB anterior à sua assunção como candidata, mas também não pode lavar as mãos como se nada tivesse com isso.
O avião fantasma que não tem dono e a contabilidade paralela da usina Abreu e Lima em Pernambuco, pela qual o falecido ex-governador Eduardo Campos está incluído na lista dos beneficiários do esquema de corrupção da Petrobras, são temas delicados que ela tenta driblar com alguns constrangimentos óbvios.

Também a presidente Dilma e obrigada a dizer que nunca notou nada de anormal nas contas da Petrobras, passando recibo de má gestora, sem poder assumir as ações que tomou para tentar estancar a sangria na estatal Ela garantiu recentemente que "as sangrias foram contidas",' embora oficialmente não saiba de nada.

A disputa entre o grupo da presidente Graça Foster, nomeada por Dilma para justamente tentar controlar o esquema que dominava a Petrobras, e o do ex-presidente José Gabrielli, responsável pela atuação do ex-diretor Paulo Roberto Costa, é conhecida de todos, mas Dilma não pode admitir que seu padrinho Lula, que chamava de Paulinho o ex-diretor hoje preso, dava apoio político ao velho esquema da Petrobras. Paulinho disse ao juiz Sérgio Moro que teve várias conversas com Lula.

Das duas, porém, Dilma tem culpa formal pela demora das providências, apesar dos constrangimentos partidários que a tolhiam. Ficou com Paulo Roberto Costa como diretor da Petrobras durante um bom tempo, e só protestou contra a compra da refinaria de Pasadena nos EUA depois de anos da negociata feita, tendo inclusive preservado o diretor responsável, Nestor Cerveró. Marina não tem nada a ver com eventuais malfeitos anteriores à sua chegada no PSB.

O 2º turno mais longo dos últimos anos, como definiu o ex-presidente Lula, já está em curso, com a disputa polarizada entre Dilma e Marina, e as novas pesquisas que estão saindo confirmam uma reação da presidente, ao mesmo tempo em que Marina se mantém competitiva, apesar do bombardeio a que está sendo submetida.

A agressão verbal de que foi vítima ontem, com Dilma insinuando que Marina é sustentada por banqueiros, numa referência a Neca Setúbal, herdeira do Itau, e exemplo dessa estratégia petista, confirmando que Dilma é capaz de "fazer o diabo" para se reeleger.

Não se sabe a essa altura como o 2º turno se desenrolará, mas Marina mantém uma vantagem numérica que tende a se reduzir à medida que a saraivada de golpes, alguns abaixo da linha da cintura, sucede-se. Tudo indica que será uma disputa acirrada, com Dilma mobilizando toda a máquina partidária, e a máquina do governo também, para combater Marina, a adversária presumida no 2° turno.

Sua campanha já descartou a possibilidade de Aécio Neves do PSDB recuperar sua posição na corrida presidencial, e tudo que não querem é que ele apoie Marina ainda no 1º turno. Temem que essa ação possa criar um ambiente favorável ao voto útil em Marina, levando-a a uma vitória já no primeiro turno Não parece ser um movimento estratégico inteligente por parte de Aécio, que tem atrás de si um partido que pode ganhar diversos governos estaduais e precisa fazer uma bancada no Congresso que o coloque no jogo partidário. Além do mais, o senador Aécio precisa necessariamente vencer a eleição para o governo de Minas, elegendo seu candidato Pimenta da Veiga, e passando a frente de Dilma e Marina na disputa presidencial.

A campanha de Dilma pretende, com o ataque a Marina sendo a sua tônica, debilitar a adversária para que chegue ao 2º turno enfraquecida. Em parte estão tendo sucesso, pois Marina, atacada sem dó nem piedade tanto por Dilma quanto por Aécio, parou de crescer.

Para Marina, o que importa é chegar ao 2º turno, para reagrupar suas forças numa nova campanha que a colocará em igualdade de condições na propaganda eleitoral com Dilma. Se o voto útil ainda lhe der folego de sobra para aumentar sua votação no primeiro turno, tirando votos do candidato Aécio Neves, melhor ainda.

O PSDB ainda mantém esperanças de alterar o quadro que parece cristalizado, com as revelações dos escândalos da Petrobras e a situação da economia, que a cada dia se deteriora mais, a ponto de a agencia de classificação Moodys ter sinalizado com a redução da nota brasileira. Não é um tema de apelo popular, mas demonstra que a economia brasileira não vai bem. 

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

‘Nunca os banqueiros ganharam tanto quanto no seu governo’
Marina Silva (PSB) sobre os lucros siderais dos bancos durante o governo Dilma



MPF QUER ANULAR DELAÇÃO PREMIADA DE YOUSSEF

O Ministério Público Federal requereu à Justiça do Paraná a anulação do acordo de delação premiada que beneficiou o megadoleiro Alberto Youssef em 2004, no caso Banestado. Condenado pelo envolvimento no escândalo, ele admitiu ter movimentado ao exterior mais de US$ 5 bilhões ilegalmente. No acordo, que o livrou da cadeia, Youssef se comprometeu a não cometer mais crimes e a entregar comparsas.

YOUSSEF 2.0

Ao sustentar a anulação do acordo, o MPF lembrou que a Operação Lava Jato constatou que Youssef até expandiu seus “negócios”.

PERPÉTUA?

Os processos suspensos em razão do acordo de delação premiada devem ser retomados. E Youssef terá anos adicionais de cadeia.

DE ONDE PAROU

Em sua petição à Justiça Federal, a procuradora Mônica Dorotea Bora mostrou que não há extinção de punibilidade em razão de prescrição.

CONTAS CC5

O caso do Banestado, em 2002, foi investigado pela Polícia Federal por remessas ilegais de US$30 bilhões ao exterior, por meio de contas CC5.

DELAÇÃO: PMDB JÁ ADMITE A DEMISSÃO DE LOBÃO

Assim como Guido Mantega (Fazenda), que já teve sua demissão confirmada em eventual segundo governo de Dilma, o ministro Edison Lobão (Minas e Energia) também entrou na lista negra da presidenta. No PMDB, lideranças admitem que será difícil o partido brigar para manter Lobão no cargo, caso venham a ser confirmados os rumores de sua participação no esquema bilionário de corrupção na Petrobras.

DELAÇÃO PREMIADA

Lobão é um dos graúdos do PMDB citados pelo ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, em depoimento à Polícia Federal.

TÔ FORA

O ministro Edison Lobão está de férias desde terça (2). O secretário-executivo, Márcio Zimmermann, assumiu interinamente o cargo.

MANTRA

Políticos citados por Paulo Roberto Costa adotaram discurso padrão: “Mais importante do que a acusação são as provas”. Humm...

NITROGLICERINA PURA

Se fizer delação premiada, Carlos Alberto Pereira da Costa, “laranja” oficial do megadoleiro Alberto Youssef, provocaria estragos. Ele é quem assinava a documentação apreendida pela PF com Youssef.

QUEM PAGA A CONTA

Citado na delação premiada do ex-diretor da Petrobras, Paulo Costa, o ex-governador Sérgio Cabral tem dito a aliados que o escândalo “colará muito mais na campanha do PT que na campanha do PMDB no Rio”.

FOME DE CARGOS

A coluna parou de contar em 1.763, mas com quase três mil servidores, em atividades superpostas e desnecessárias, a Embrapa deveria ser o celeiro do mundo: só o setor de arroz e feijão empregam 348 pessoas.

REFORÇO

O ministro Ricardo Berzoini (Relações Institucionais) foi escalado para fazer a ponte com o movimento sindical e cuidar da campanha de Dilma em São Paulo, onde Alexandre Padilha não decola.

CONVERSA MOLE

Candidato ao governo, Armando Monteiro (PTB-PE) virou alvo de piada ontem nas redes sociais após convocar coletiva para revelar informação bombástica sobre o Cessna. Era só conversa mole.

TIRANDO ATRASO

Atrás de Marina Silva nas pesquisas, Aécio Neves (PSDB) intensificará a campanha no Rio, onde já tem três atos programados nas próximas duas semanas em São Gonçalo, Zona Oeste e Baixada Fluminense.

CONSULTAS

Relator da cassação de Luiz Argôlo (SD-BA), Marcos Rogério (PDT-RO) consulta membros do Conselho de Ética para concluir seu parecer pela cassação do deputado, que deve ser entregue na segunda (15).

NO DIVÃ DO ANALISTA

Tem petista no divã tentando entender a dificuldade para Dilma se reeleger. Em cinco anos, o Programa Minha Casa, Minha Vida contratou a construção de 3,4 milhões e entregou 1,7 milhão moradias. São mais de 6,4 milhões de beneficiados. Quase população do Rio de Janeiro.

CONGRESSO CHAPADO

Os médicos do Congresso prescreveram doses industriais de tranquilizantes desde a delação premiada do ex-diretor da Petrobras.



PODER SEM PUDOR

CHEIRO DE POVO

Ao chegar a Belo Horizonte (MG) na campanha presidencial de 1960, Jânio Quadro recusou as ofertas de hospedagem, inclusive a do aliado Magalhães Pinto. Preferiu um hotel, "para evitar ciúmes e intimidades".

Para garantir a privacidade do candidato, Magalhães conseguiu que a Polícia Militar isolasse o hotel, mas ao deixar o prédio para ir ao comício, Jânio ficou revoltado com o aparato. Desabafou com Magalhães:

- É por isso que a UDN de vocês não ganha eleição. Eu quero meu povo!

Seguiu para o comício nos braços dos eleitores. Magalhães foi a pé.