terça-feira, fevereiro 16, 2010

AUGUSTO NUNES

VEJA ON-LINE

Agora que o Carnaval passou, é hora de esclarecer um grande negócio muito mal explicado

16 de fevereiro de 2010

Nos quatro primeiros parágrafos do discurso de posse, Nelson Jobim tratou de justificar a fama de gaúcho sabido com a evocação de episódios protagonizados por Dom Pedro II, Zacharias de Goes e Vasconcellos, Benjamin Constant e outras placas de ruas, praças ou avenidas. No quinto, o novo ministro da Defesa encerrou a aula de História com uma frase de Benjamin Disraeli, duas vezes primeiro-ministro do império britânico no fim do século 19. “Never complain, never explain, never apologise”, falou bonito o novo ministro da Defesa.

Caridoso com os muitos monoglotas presentes, traduziu a citação: “Nunca se queixe, nunca se explique, nunca se desculpe”. Fez então uma pausa, armou a carranca no rosto de glutão sem remorso e rugiu: “Aja ou saia, faça ou vá embora!”. Como quem age faz alguma coisa, como quem sai vai embora, uma das duas frases já estaria de bom tamanho. Jobim deve ter embarcado na redundância para mostrar que não estava para brincadeiras. Estava lá para liquidar o apagão aéreo que acabara de festejar o primeiro aniversário. Os culpados que se cuidassem.

A ameaça causaria forte impressão mesmo se gaguejada por um vereador de grotão. Produzida pela figura com mais de 100 quilos esparramados por quase 2 metros, a trovoada no coração do poder ultrapassou os limites do Palácio do Planalto. Andorinhas voaram de costas, urubus ficaram brancos de medo, aviões de carreira enveredaram por loopings involuntários, helicópteros flutuaram na estratosfera. Não demoraram a descobrir que o ultimato não passaria do falatório.

Jobim não agiu, mas não saiu. Não fez, mas não foi embora. Fez que conta que esqueceu o grande momento do discurso de posse. Até que o apagão morreu de morte natural e o ministro resolveu começar a agir. Acabou demonstrando que a lição de Disraeli nem sempre dá certo. Por ter feito tudo errado, o que fez causou mais estragos que o que deixou de fazer. A última do Jobim foi convencer o presidente Lula de que a compra dos 36 caças franceses Rafale é um grande negócio para o Brasil.

Antes do Aerolula, a milhagem aérea do Primeiro Passageiro era inferior à de uma abelha. Jobim só aprendeu, em viagens internacionais, que não cabe na poltrona. Pois os dois se acharam qualificados para decidir qual fábrica seria contemplada com uma fabulosa bolada extraída dos bolsos dos pagadores de impostos. Acabaram por desmoralizar os chefes da Aeronáutica e os técnicos incumbidos de produzir o relatório que classificou os três concorrentes.

O documento recomendou a escolha dos caças suecos Gripen, que custariam US$ 4,5 bilhões. A segunda opção foi o americano F-18, fabricado pela Boeing (US$ 5,7 bilhões). Para desconforto dos especialistas, e para alegria dos acionistas da Dassault, Lula e Jobim preferiram o lanterninha Rafale. Os brasileiros vão desembolsar US$ 6,2 bilhões (ou R$ 11,4 bilhões) para que os pilotos da FAB voem nos caças que não desejaram. A justificativa para o injustificável foi uma misteriosa “parceria estratégica” com a França.

Agora que o Carnaval passou, os responsáveis pela escolha precisam deixar de conversa fiada e buscarem explicações mais convincentes para a transação bilionária. O país que presta está exausto de eufemismos espertos. A novilíngua da Era Lula já transformou ladroagem em “recursos não-contabilizados” e fez dinheiro sujo virar “caixa 2″. Os dois truques tentaram camuflar negociações suspeitíssimas entre os partidos que hoje compõem a base parlamentar do Planalto. Para quem enxerga, é uma base alugada. Para o governo, é uma parceria estratégica.

CELSO MING

Decreto não muda o juro


O ESTADO DE SÃO PAULO - 16/02/2010



Quando afirma com a firmeza habitual que "não se muda juro e câmbio por decreto", o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, está mirando o governador José Serra, crítico de quase 15 anos do modelo macroeconômico vigente no País.

Meirelles provavelmente restringe sua afirmação apenas à política econômica que, mal ou bem, é um sucesso não só no atual governo, mas, também, no anterior. E conclui que ninguém seria tão temerário a ponto de mudar tudo no câmbio, nos juros e no sistema de metas, como o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, defendeu em entrevista à revista Veja de 13 de janeiro, e, assim, correr o risco de um monumental desarranjo.

Do ponto de vista estritamente técnico é possível "mudar tudo" sem desarrumar a economia, desde que se imponha um drástico ajuste fiscal. Se o próximo governo, qualquer que viesse a ser, se comprometesse com a obtenção de um déficit nominal zero (incluídas no cálculo as despesas com juros) num prazo relativamente curto (de três anos, por exemplo), os juros despencariam naturalmente.

Primeiro o conceito e, em seguida, o efeito. Déficit nominal zero é um passo além do superávit primário. Este é a sobra de arrecadação para amortização da dívida sem levar em conta as despesas com juros que normalmente são incorporadas ao principal. O déficit nominal zero inclui no cálculo das despesas públicas o pagamento de juros que são rolados pelo Tesouro. Assim, o déficit nominal zero reduziria a dívida pública e, nessas condições, o Tesouro deixaria de competir no mercado pela poupança formada no País. E, se o dinheiro passasse a "sobrar" no mercado, seu preço, que são os juros, cairia e, finalmente, no Brasil iriam viger juros de primeiro mundo.

Outro efeito da obtenção de um déficit nominal zero seria a forte redução das operações de arbitragem com juros, aquelas que, resumidamente, implicam tomada de empréstimos no exterior a juros baixos para aplicação dos recursos no Brasil com o objetivo de ganhar com os juros mais altos. E o estancamento dessas operações, por sua vez, contribuiria para reduzir a valorização do real (alta do dólar no câmbio interno), em consequência da redução do afluxo de capitais especulativos.

O problema para obter um déficit nominal zero seria a necessidade de um drástico arrocho fiscal, que implicaria redução das despesas públicas combinada com aumento da arrecadação.

Um arranjo desses exigiria uma poderosa coalizão política para sustentar uma temporada de dureza. E é aí que tudo fica bem mais difícil no Brasil.

Como aconteceu com Fernando Henrique e Lula, o próximo presidente não terá maioria no Congresso. Para governar, quase necessariamente, se não do apoio, precisará de que o PMDB não atrapalhe. E, como sempre acontece, esse jogo fica nas mãos da ala fisiológica, que cobra o que já se sabe. O diabo é que essa cobrança vai na contramão de um programa de austeridade.

E, quando o governo não consegue controlar seu orçamento no nível necessário para segurar a inflação e, ao mesmo tempo, garantir o crescimento econômico, sobra para o Banco Central a tarefa inglória de reequilibrar as coisas com a política monetária (política de juros). E é isso que fica muito difícil de mudar.

FISCO AUTUA PRESIDENTE DA CASA DA MOEDA

Fisco autua por fraude presidente da Casa da Moeda


LEONARDO SOUZA e ITALO NOGUEIRA
Folha de S. Paulo - 16/02/2010

Suspeita é de fraude no IR e de operação irregular de câmbio no valor de US$ 1 mi

Autuação da Receita é de R$ 3,5 mi; Denucci, que nega irregularidades, também é alvo de investigação da PF e do Ministério Público




O presidente da Casa da Moeda, Luiz Felipe Denucci, tem no seu encalço o fisco, o Ministério Público e a Polícia Federal. A Receita Federal o autuou em R$ 3,5 milhões sob a suspeita de fraude no Imposto de Renda e de operação irregular de câmbio no valor de US$ 1 milhão.


Não bastassem as investigações dos três órgãos públicos, o responsável pela impressão de todo o dinheiro do país enfrenta agora também pressão do próprio partido que o apadrinhou, o PTB. Na terça-feira passada, os deputados Jovair Arantes (GO) e Nelson Marchezelli (SP) foram ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, pedir a cabeça de Denucci. Mantega afirmou que ele fica no cargo (leia texto abaixo).


Os fatos que deram origem à ação fiscal e à abertura de inquérito pela Polícia Federal são anteriores à chegada de Denucci à Casa da Moeda, porém ainda não houve um desfecho em nenhuma das duas esferas. No lado administrativo, ele entrou com um recurso na Receita Federal e perdeu. Apelou novamente, e o procedimento subiu para o Conselho de Contribuintes.


Em dezembro, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) negou habeas corpus para trancar a investigação policial.


O grupo de Denucci rebate todas as acusações (leia texto ao lado) e afirma que o seu cargo virou alvo de cobiça por ter contrariado interesses de integrantes do PTB. Ele assumiu a presidência da Casa da Moeda em 2008.

Conta em Miami
O caso de Denucci remonta a julho de 2000. Naquele mês, ele trouxe para o país R$ 1,79 milhão de uma conta em Miami (Estados Unidos). Na época, ele estava na iniciativa privada e acabara de abrir a empresa Horizonte Capitalização.


De acordo com a revista "IstoÉ", a Polícia Federal descobriu a transferência anos mais tarde, ao analisar movimentações financeiras de brasileiros no exterior por meio das extintas CC5 (contas de não residentes). O dinheiro seria um empréstimo obtido na instituição Paine Webber para injetar em sua empresa.


Mas a Polícia Federal afirma que Denucci não especificou a natureza da operação no contrato de câmbio e que não conseguiu comprovar a origem do dinheiro.


Essas informações foram repassadas à Receita Federal. Os auditores analisaram a transferência dos recursos e diversos outros aspectos financeiros de Denucci. No final de 2006, o fisco não só o autuou como fez uma representação fiscal para fins penais contra ele.


Isso ocorre quando a Receita Federal detecta indícios de crime tributário, como fraudes para sonegar imposto. Na mesma ocasião, o fisco mandou arrolar (listar) os bens de Denucci, medida tomada com o objetivo de evitar que o contribuinte possa dilapidar o seu patrimônio.


Quando tentou trancar o inquérito, tanto o Ministério Público como a Justiça foram categoricamente contra.


"Na espécie, os fatos são típicos e há fortes indícios de autoria e de materialidade [de sonegação fiscal e crimes contra a ordem tributária]", escreveu a Subprocuradoria da República.


A investigação policial continua em andamento. Denucci ainda não foi indiciado.

Aluguel
Além de dever ao fisco, Denucci tem títulos protestados na Justiça por não ter pago desde 2007 o aluguel de uma sala comercial no Rio de Janeiro.


Em 2008, o advogado Valmir de Araújo Costa Filho comprou o imóvel. Ele afirma ter se encontrado com Denucci antes de fechar o negócio e que a dívida soma hoje aproximadamente R$ 225 mil.


"Ele disse que pagaria em dia. Disse que ia vender a empresa e pagar a dívida", afirmou Costa Filho. De acordo com ele, o imóvel foi desocupado em novembro passado, sob ordem judicial de despejo.

ARI CUNHA

Cursos de medicina


Correio Braziliense - 16/02/2010

Autoridades da educação estão preocupadas com o crescimento dos cursos de medicina em São Paulo e no Centro-Oeste. Novos médicos, mesmo que queiram aprender, não absorvem nada. Os professores são contratados. Em nome de empresa no Brasil Central vão se registrando as faculdades de medicina. É venda de diplomas. Há os que compram e pagam adiantado. Outros comparecem uma vez por mês e recebem o registro de diploma sem faltas. A coisa chegou a tal ponto que os médicos com registro vão iniciar o que acontece com advogados. Fazer prova primária para só depois receber o diploma, assim os falsos médicos serão expulsos da profissão. É descalabro o que acontece no Brasil. O que a população precisa é de profissionais para ajudar pessoas sem saúde.


A frase que foi pronunciada

“É passageira a felicidade de todos esses que vês caminhar com arrogância.”
» Sêneca



Concursos

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Cidade sem chaminés, Brasília tem rendosas indústrias. Comecemos pelos concursos. O número é grande e a renda, superior. Dentre os concursados há vagas para poucos. O dinheiro sobra para muita coisa, inclusive premiar os organizadores, o que sempre acontece.

Eletrônico

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O Senado institui ponto eletrônico. Economia de horas extras. Dá ideia de aperto para que outros poderes adotem a mesma coisa. Há reticências. Outros poderes, inclusive o Executivo, não podem se dar a esse luxo. Há centenas de milhares de funcionários públicos com trabalho itinerante nos 5 mil municípios.

Camisa 10

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E-mail de petronioporto@gmail.com enviado à coluna carrega em acusações ao colunista. Mesmo com restrições, defendo o direito de dizer o que entende. Mesmo assim, vale lembrar os termos chulos da mensagem. Dá a entender que fala com o fígado, não com o raciocínio. Considere-se atendido e volte, querendo.

Apagão

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A Venezuela está no “apagão” administrativo. À falta de previdência, de cuidado e de zelo, o coronel Hugo Chávez coloca o país em dificuldades de toda ordem. Continua prepotente, ameaça o povo com prisão e condenação se não obedecer aos ditames do ditador. Sente-se o próprio cidadão planetário. A massa popular escapole e combate o chefe do governo. É guerrilha verdadeira.

Mundo é aldeia

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Chuvas, desastres, mortes, queda de barreiras, rios cheios. Essa é atualidade vivida pelo Brasil. Morros descascados no alto. Construções irregulares. A infraestrutura está superada. Não aparece plano para reconstrução dos serviços, de acordo com o crescimento de bairros e cidades. Esgotos sobrecarregados, ruas sem tráfego. Milhares de quilômetros dão a incerteza de quem dirige nas cidades impróprias. Em 10 anos seria possível executar projeto para salvar comunidades.

Atualização

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Cadastro que está sendo atualizado pelo governo federal está cheirando a movimento eleitoral. Pelo menos às vésperas da eleição presidencial. Eleitores estão vendo com ar de suspeita embora não haja comprovação.

Cédulas novas

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Despedida do presidente Lula da Silva está sendo marcada pela reedição da moeda brasileira. A impressão é exatamente igual à atual. Melhora quanto à qualidade e às dificuldades para falsificação. A produção é lenta. Pelos planos continuará até 2014 quando será impressa a última fornada.

Brincadeira

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Com a profissão de ser sempre bem-humorado, o macaco Simão lembrou que foi muito importante a decisão de tamanhos diferentes para as novas cédulas brasileiras. Assim, terá uma adaptação melhor para as cuecas e meias.

Mancada

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Os Correios não passariam na prova. No portal da empresa a chamada é a seguinte: “Correios volta (sic) a prorrogar as inscrições dos concursos”.

História de Brasília

O presidente Jânio Quadros não sabe, mas há um corre-corre tremendo no Ministério da Fazenda. O novo diretor-geral, sr. Alfonso Almiro, pediu ao antecessor para passar o cargo no Rio. E disse mais: “Depois eu vou dar uma olhadela em Brasília”.(Publicado em 24/2/1961)

BENJAMIN STEINBRUCH

Salvadores da pátria


FOLHA DE SÃO PAULO - 16/02/2010



O desafio dos candidatos à Presidência será mostrar como planejam a continuidade da boa fase do país


PASSADA esta semana de folia carnavalesca, o país vai entrar de corpo e alma no debate eleitoral. Ao que tudo indica outra vez a campanha presidencial estará centrada na discussão sobre quem é o salvador da pátria.
De um lado, o PT tende a apresentar os resultados dos oito anos do governo Lula sempre ligados à ideia do "nunca antes na história deste país". De outro, o PSDB tentará defender a velha tese tucana de que o sucesso do governo Lula se deve a herança, juízo e sorte. Herança porque Lula recebeu a economia arrumada do governo Fernando Henrique Cardoso, com privatizações realizadas, inflação baixa, setor público equilibrado e contas em dia.
Juízo porque Lula teve a inteligência de seguir a mesma política econômica neoliberal de FHC. E sorte porque ele pegou um período de franco crescimento da economia internacional, tanto no mundo desenvolvido quanto no dos emergentes.
O que ocorreu no mundo nos dois últimos anos enfraqueceu uma das pernas do discurso tucano. Não será mais possível incluir a sorte entre as razões do sucesso de Lula. A partir de 2008, a economia mundial viveu a sua maior crise desde os anos 1930. E, apesar disso, o país não enfrentou problemas sociais, continuou a criar empregos e tem, até por isso, um enorme prestígio internacional.
Por mais que esperneiem, tucanos e petistas precisam admitir que as duas administrações têm méritos. FHC dominou a inflação, promoveu equilíbrio fiscal e privatizou estatais, mas foi conservador demais. Falhou na promoção do crescimento econômico e na política social, talvez por medo de repetir desastradas experiências heterodoxas de períodos recentes. Quando acabou o governo tucano, as contas externas estavam complicadas, e o país apelou ao FMI.
Lula pagou o FMI, acumulou reservas em moeda estrangeira, foi muito agressivo na política social, mas também não teve coragem de fazer política monetária que reduzisse os custos internos e facilitasse o crescimento. Enfrenta hoje a valorização do real, que decorre, em parte, da política retrancada, que mantém os juros brasileiros entre os mais altos do mundo.
Curiosamente, as posições estarão invertidas na eleição deste ano em relação à de 2002. Quando José Serra enfrentou Lula oito anos atrás, o PSDB usou a estratégia de mostrar o risco que representaria para a economia a eleição de um presidente de oposição.
Agora, o PT vai tentar difundir a ideia do risco Serra, que nunca escondeu sua crença heterodoxa, sua aversão à independência do Banco Central e sua aprovação de uma política mais desenvolvimentista.
Talvez o PSDB precise mais hoje de uma Carta ao Povo Brasileiro, o documento no qual Lula prometeu, em 2002, não fazer mudanças drásticas na economia, do que o PT. Diferentemente de pleitos anteriores, o país entra na disputa eleitoral com excelentes perspectivas econômicas, inflação baixa, reservas de US$ 230 bilhões e crédito internacional, além da produção e do emprego em crescimento.
E o eleitor já está cansado da discussão sobre quem é o pai dessa criança. A criança já está aí e certamente terão mais crédito aqueles que apresentarem um plano para fazê-la crescer de forma sustentável. O desafio dos candidatos, portanto, será mostrar como planejam a continuidade da boa fase do país nas próximas décadas do século 21. Seja quem for o salvador da pátria, o que está feito, está feito. O eleitor precisa saber o que será feito.

BENJAMIN STEINBRUCH, 56, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

NAS ENTRELINHAS

Pecado original

Denise Rothenburg
Correio Braziliense - 16/02/2010

Hoje, a relação eleitor-candidato é mercantil. Pede-se de tudo ao político. De dinheiro para baile de formatura até um trocado e dentadura. É preciso inverter essa lógica



Numa roda de amigos, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, comentava dia desses que a campanha eleitoral está tão antecipada que já tem vereador querendo discutir boca de urna. Quem ouviu a frase, deu risada. Geddel, que é do tipo que não perde uma piada, falava de uma situação extrema e hipotética. Mas sempre é bom analisar seus reflexos. Primeiro, a boca-de-urna é proibida pela legislação eleitoral. Em segundo, discutir o quê com os vereadores? Mobilização, ir para a rua no dia da eleição?

O comentário do ministro, no entanto, nos leva a uma outra situação que parece não ter acabado na política brasileira: aquela em que políticos dão uma gratificação a vereadores e líderes comunitários em troca dos votos de determinados grupos de pessoas nos municípios. Quem acompanha o dia a dia dos parlamentares no Congresso não se cansa de ouvir as reclamações daqueles que desejam concorrer às eleições: no interior, alguns comentam que as pessoas costumam cobrar por um pacote de votos valores que podem chegar a R$ 10 por voto.

O problema é que essas conversas terminam ali mesmo, uma vez que nenhum político admite abertamente que paga por esses pacotes eleitorais. Os comentários sempre são na base do ouvi dizer, ou , então, que houve uma proposta assim, mas a excelência em questão recusou. E, até nesse caso, o deputado ou senador, quando comenta o assunto, sempre pede para que, se mencionar o milagre, por obséquio, preserve o nome do santo e a sua paróquia.

Uma das raras oportunidades em que uma compra de apoio de vereadores veio à tona foi no tempo dos anões do Orçamento. No município de Serra Dourada, no oeste baiano, o prefeito da cidade guardava numa gaveta recibos onde os vereadores diziam ter recebido uma quantia em dinheiro para fazer campanha para o deputado João Alves, no início dos anos 1990. Alves, na época da campanha, sequer pisou na cidade onde terminou como o mais votado.

Depois desse episódio, não foram poucas as vezes em que a Justiça Eleitoral flagrou comitês eleitorais, na véspera do pleito, com sacolas de dinheiro para distribuir no dia da eleição. E, dadas as reclamações dos políticos nas conversas reservadas neste início de ano eleitoral, tudo indica que a situação dos vereadores de Serra Dourada, flagrada há quase 20 anos, continua se repetindo em outros cantos do Brasil. Há políticos que citam essa “doação” em troca de voto como o item mais caro das campanhas hoje e o motivo de tanto caixa dois e de desvio de dinheiro e uma série de escândalos.

Para 2010, no entanto, o Brasil terá uma novidade na eleição que é vista como o primeiro passo para quebrar esse ciclo vicioso: a doação via internet, por cartão de crédito, que se popularizou nos Estados Unidos quando da eleição do presidente Barack Obama. O artigo 23 da Lei 11.904 de 1997, alterado no ano passado, permitiu essas doações via internet e a emissão de recibos eletrônicos. Se der certo, avaliam os políticos, as campanhas poderão ser custeadas com uma “vaquinha” feita via internet pelos simpatizantes de um determinado candidato.

A esperança é que essas doações sirvam de semente para uma mudança na relação eleitor-candidato, que hoje é mercantil. O eleitor pede de tudo ao político. De dinheiro para baile de formatura até um trocado e dentadura. É preciso inverter essa lógica. Hoje, muitos políticos reclamam de o eleitor perguntar “o que eu ganho votando no senhor ou na senhora?”. E a questão não se refere aos projetos que o deputado ou senador pode defender no Congresso. Invariavelmente, pelo país afora, esse “o que eu ganho?” está diretamente relacionado a um puxadinho na casa, um remédio, um dinheiro para a festa da cidade e por aí vai.

Muitos políticos invariavelmente recorrem ao caixa dois para sustentar esses pedidos— citados por uma maioria com um pecado original, ou causa-mãe de muitos escândalos como esse em que vimos muitos deputados distritais de Brasília colocando dinheiro na meia, na cueca e por aí vai. Como todos alegam que era dinheiro para a campanha, dá para supor que, implantada a doação individual, via internet, essas cenas não precisarão mais ocorrer e tudo ficará registrado. Pelo menos, é uma tentativa de recuperar a fé de que políticos e eleitores mudem o comportamento no futuro, quando essa forma de doação se popularizar. Para 2010, será apenas uma esperança que, como diz o ditado, é a última que morre.

NÓS NA FITA

JOSÉ PASTORE

Os chineses estão chegando... nas artes

O ESTADO DE SÃO PAULO - 16/02/10


O título acima carrega uma grande imprecisão, pois os chineses têm uma tradição artística que vem de 3 mil anos, tendo sido a fonte de inspiração para todo o mundo na pintura, na porcelana, na cerâmica, laca, jade, no bronze, no marfim, na música, no teatro e na ópera.

Mas é recente a incursão da China nas artes ocidentais, como é o caso da música clássica. A entrada tem sido meteórica. Na Orquestra Filarmônica de Nova York, 20% dos músicos titulares são de origem asiática, vários da China. Na orquestra jovem de Nova York, 35% têm a mesma origem, boa parte de chineses. Na orquestra de adolescentes da Juilliard School of Music (uma das melhores do mundo), esse porcentual sobe para 43%.

Trata-se de um feito impressionante para uma região do mundo que passou milhares de anos circunscrita a instrumentos de corda muito simples, flautas de bambu, pratos, gongos e tímpanos. Atualmente, a China produz e consome a música ocidental de modo alucinado. Conseguir um ingresso para assistir às grandes orquestras do mundo que se apresentam em Pequim e em Xangai é um feito dificílimo.

É isso mesmo. A China está dando uma grande virada também nas artes. John Naisbitt e Doris Naisbitt (China Megatrends, New York: Harper Business, 2010) contam que mais de 20 milhões de jovens chineses estão estudando piano e 10 milhões estudam violino! São números colossais e que mostram a enorme vontade dos chineses de desfrutar as belezas da música ocidental. O grande pianista Lang Lang costuma dizer que a crise na educação musical está nos Estados Unidos, mas não na China.

O mundo da música está se tornando um fabuloso campo de trabalho para professores, administradores, compositores, críticos e produtores de instrumentos. As novas gerações da China estarão repletas de músicos para atender às demandas interna e externa e até para deslocar os ocidentais nas suas pretensões de carreira. Sim, porque, no caso de escolas e orquestras com vagas limitadas, a entrada de um chinês significa a exclusão de um americano, alemão ou francês.

O principal foco dos analistas da China é o espetacular crescimento econômico daquele país. Mas o avanço no mundo das artes merece ser avaliado, inclusive no contexto da própria economia. Isso faz parte da grande guinada histórica que está em andamento. Há mais de 40 anos, Deng Xiaoping, o pragmático sucessor de Mao Tsé-tung, sentenciou: "Temos de construir duas civilizações, a civilização material e a civilização espiritual."

Isso vem se materializando. Longe de ter um foco único na produção industrial e nas exportações, a China entende que o cultivo da música, das artes plásticas e da dramaturgia, inclusive óperas, é fundamental para completar a formação dos jovens, dar boas oportunidades de trabalho e tornar a sociedade mais bela.

Por decisão do governo, todo prédio público tem de ser decorado com uma ou mais peças de artistas chineses. A pintura saiu na frente, quando Yuan Yunsheng pintou um gigantesco mural para o aeroporto de Pequim. Na última Olimpíada, houve shows magistrais de música, dança, figurino e painéis, fazendo as artes ornamentarem o atletismo. O sucesso daquele certame teve um impacto no mundo inteiro. Para muitos ocidentais, foi uma grande surpresa ver os jovens chineses cantando e dançando os ritmos internacionais, cercados por uma riquíssima coreografia.

Os chineses querem para si não apenas um país grande e forte, mas também bonito e alegre. E visível. A arte chinesa se está internacionalizando. Em 2008, 15 artistas plásticos chineses venderam suas peças por mais de US$ 1 milhão (cada uma!) em galerias do país e do exterior.

Para o governo de hoje, ao contrário das ordens impositivas de Mao Tsé-tung, a arte deve expressar os sentimentos individuais do artista. A se confirmar essa tendência, trata-se de uma importante mudança dentro do colossal processo de transformação social do gigante asiático.

O propósito desse movimento é fazer o avanço espiritual convergir para o avanço material, integrando elementos culturais aos produtos industriais. A pintura e a escultura, por exemplo, constituem as usinas de ideias para o desenho industrial. A convivência é harmoniosa, produtiva e de largo espectro. Existem na China mais de 500 faculdades de design. O "made in China" se está espalhando com base na convergência entre a revolução no consumo e as liberdades que vêm sendo concedidas aos artistas. Produtos modernos têm surgido com formas arrojadas, chamando a atenção dos compradores de automóveis, motocicletas, equipamentos de informática, mobiliário, luminárias, material de escritório, utensílios domésticos, calçados, tecidos, confecções, porcelana, cerâmica e outros bens, mostrando que os produtos que conquistam os consumidores não são feitos apenas de madeira, plástico, chapas e parafusos.

Os chineses voltaram aos livros que foram para a fogueira na década de 1960. Com isso, aprofundam a sua cultura e se familiarizam com outras. As bibliotecas foram reconstruídas não só nas grandes cidades, mas também no interior. Até o fim de 2015, serão 640 mil em todo o país. Todas elas equipadas com livros chineses e estrangeiros. Isso vai atender centenas de milhões de leitores famintos e que aumentam a cada dia.

Está aí a fórmula do sucesso. A China ganha mercados, mesclando cultura com beleza e com engenharia. É a globalização dos produtos, dos conhecimentos e dos sentimentos.

Conclusão: com a aparente volta da liberdade no campo da cultura e das artes, os chineses estão dando uma grandiosa resposta à desatinada Revolução Cultural que tentou sufocar os talentos e acabar com a criatividade. Dessa forma, a China se fortalece, marca a sua identidade, cria empregos de boa qualidade e conquista os corações - e os bolsos - dos consumidores de todo o planeta.

Sugiro aos meus alunos e jovens leitores que estudem a China, não para copiá-la, mas para inspirar entre nós a implantação das ferramentas da competição: cultura, ciência e instituições.

*José Pastore é professor de Relações do Trabalho da FEA-USP

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Dilma assiste à noite de Madonna

O ESTADO DE SÃO PAULO - 16/02/10


"Madonna, essa é a Dilma. Ela será a primeira mulher presidente do Brasil". Foi nestes termos que Sérgio Cabral apresentou a ministra, em inglês, à rainha do pop. Acabava de entrar na Sapucaí, no Rio, a segunda escola da noite, quando as duas se encontraram, no disputado camarote do governador.

A cantora sorri, mas desconversa - e Cabral, que domina o inglês melhor que a mãe do PAC, assume o controle da prosa. A diva quer entender tudo o que vê. "Qual a extensão da avenida? Quais os critérios de julgamento das escolas? Quantos integrantes tem cada uma?" Cabral responde a tudo sem pestanejar. Durante a sabatina, a filha de Madonna, Mercy, se reveza entre os colos de Dilma e de Jesus Luz.

Chega a esperada hora de Dilma testar a popularidade na avenida. Chega de mãos dadas com o governador e começa o ritual: beija bandeira da escola, samba com um gari, manda beijos para a plateia, toma uma dose do afrodisíaco "cravo escarlate", engasga e faz careta - e acaba atrapalhando a evolução da escola. O "cravo" foi a única bebida que consumiu, em noite regada a água gelada sem gás.

A recepção do público é fria, mas sem vaias. "E no camarote foi um desânimo contagiante", resume um ministro presente. Pouco depois de Dilma, é a vez de Madonna e Jesus testarem a popularidade. Agora sim, a plateia vai ao delírio.

"Assim é covardia", brinca um assessor. No meio do tumulto provocado pela presença do casal, um assessor das escolas faz um apelo à cantora. "Madonna, você precisa sair daqui imediatamente. Se não, vai atrapalhar a passagem da escola."

Por fim, as duas voltam ao camarote do governador. A ministra não consegue disfarçar: está exausta. Sai à francesa antes das duas da madrugada, sem esperar a Beija-Flor, que homenageava Brasília, mas sem citar Arruda. PEDRO VENCESLAU

Desde criancinha

Indagada sobre a escola de seu coração, Dilma disparou na lata: "Mangueira!"

Há quem diga que a escolha foi feita em cima da hora.

Criancinha 2

Bem mais pensada foi a conversa com Cabral, sobre o palanque eleitoral no Rio.

A dúvida? Se vão de Lindberg Farias ou Benedita da Silva para o Senado.

Wagner loves zeca

Wagner Love, que sambou e bebeu com Ronaldo, desdenhou da presença de Madonna. "Com todo respeito, prefiro o Zeca Pagodinho."

Calma, gente

A truculência dos seguranças de Madonna foi o "momento Iraque" da noite. Até Sérgio Cabral teve de intervir para proteger o pessoal.

Ele, o salvador

Rodrigo Santoro, bom de inglês, salvou Paola Oliveira de constrangimento no camarote da Brahma.

Foi chamado de improviso para apresentar, no palco, Madonna e Gerard Butler.

Lunch time


Sergio Valente, da DM9DDB e Lara Iglesias escolheram o forte São Marcelo, em Salvador.

Onde o casal ofereceu a feijoada do domingo a um grupo de artistas e empresários.

Cercadinho is back

Ele voltou. E por culpa de Madonna. O cercadinho VIP, que separa os importantes dos muito importantes, marcou presença - de novo - no espaço da Brahma, domingo, na Sapucaí. "Já abolimos essa coisa de privê dentro do privê. Mas desta vez era Madonna, não teve jeito", defendeu-se uma produtora.

E a disputa foi pesada. "Gente, se a Paola Oliveira entrar e a Susana não, ela vai ficar muito chateada", diz uma amiga da atriz. Mas ela consegue abrir caminho e vai tietar a cantora, como já havia feito na véspera com Paris Hilton.

"Entrei porque o público gosta de ver essa interação entre um ídolo internacional e um nacional", arriscou Susana. Não atraiu sequer um olhar da cantora. Como, de resto, praticamente todos os demais. Tanta briga para entrar e depois, lá dentro... empolgação zero. "Fica todo mundo querendo respirar o mesmo ar da Madonna", resumiu, do lado de fora, Christian Prior, do Pânico na TV.

Jesus Luz foi quem selecionou os sortudos que podiam entrar. Botou para dentro Preta Gil, Wanessa Camargo e Marcus Buaiz - este, um dos poucos a receber um "oi" da cantora. "Fui apenas conhecer a namorada de um amigo meu", diz Buaiz.

Rodrigo Santoro também ajudou a povoar o espaço vip. Conseguiu colocar o amigo inseparável Gerard Butler, astro de 300, e depois até Marcelo Serrado.DÉBORA BERGAMASCO

VINICIUS TORRES FREIRE

O caixa automático e o especulador


folha de são paulo - 16/02/2010


Xerife do mercado britânico critica livre fluxo de dinheiro, a finança e elogia taxa sobre entrada de capitais no Brasil


O LORDE que fiscaliza o mercado financeiro britânico, um dos dois maiores, mais complexos e mais liberais do mundo, disse ontem algo parecido a um grande cardeal da Igreja Católica anunciar que acha adequado o uso de preservativos em relações casuais.
Lord Adair Turner, presidente da Financial Services Authority, afirmou ontem o seguinte, em discurso no banco central da Índia: 1) Especulação internacional com moedas pode ser algo muito nocivo;
2) É no mínimo duvidoso que a liberdade de capitais da finança seja de algum modo positiva para o crescimento econômico;
3) Impor controle do fluxo de capitais pode ser bom, tal como o Brasil faz desde outubro de 2009;
4) O sistema financeiro é grande demais para o tamanho das economias, sendo em parte inútil;
5) Parte das inovações financeiras das últimas três décadas e da teoria que a sustentava era apenas ideologia interessada. Turner cita estudos recentes para dizer que os efeitos positivos dos fluxos de capitais de curto prazo podem ser muito pequenos mesmo quando não ocorrem choques econômicos ou financeiros. Os choques, de resto, quase anulam tais benefícios.
Um tipo de operação financeira criticada por Turner é "carry trade". Isto é, tomar empréstimos na moeda de um país onde o juro é muito baixo (iene, por exemplo) e investir numa moeda onde o juro é mais alto (como, em anos recentes, o Brasil), a fim de ganhar com a diferença. Turner diz que "não consegue discernir nenhum valor econômico" nisso.
Tais negócios foram responsáveis, em parte, por valorizar demais o real; um real forte "demais" (o demais é controverso) encarece as exportações e barateia importados. Pode prejudicar, assim, o comércio e empresas brasileiras. Uma saída rápida de capitais "especulativos" pode desorganizar a atividade econômica dita "real". Turner então elogia a taxação da entrada de capitais (para desestimular excessos especulativos) implementada pelo Brasil.
Em suma, a defesa da livre movimentação de dinheiro e a inovação financeira se baseia no seguinte: 1) Quanto mais diversos instrumentos financeiros houver, mais bem atendidas estarão as necessidades de realização de negócios e cobertura de risco dos agentes econômicos (como instrumentos negociados em mercados futuros, seguros de crédito e derivativos do gênero); 2) Quanto mais líquido e livre um mercado, menos distorção haverá: a ação dos agentes econômicos refletiria "fundamentos" econômicos.
Isto é, a moeda de um país se valoriza porque um país é capaz de pagar suas contas, seus credores. Se investidores, "especuladores" ou não, compram em massa essa moeda, mesmo sem que precisem realizar operações "reais", comerciais, isso seria reflexo de "fundamentos".
Mas sabe-se que "comportamentos de manada", irracionais, provocam excesso, superinvestimento num ativo financeiro (ações etc.) e seu contrário; causam bolhas. Paul Volcker, lendário presidente do Fed, ora assessor de Barack Obama, costuma comentar com sarcasmo sofisticações excessivas das finanças. Diz que, nas últimas décadas, a invenção mais útil do setor financeiro foi o caixa automático.

AYDEMIR ERMAN

Turquia pode ajudar Obama


O ESTADO DE SÃO PAULO - 16/02/2010



Na recente Conferência sobre o Afeganistão em Londres, os Estados Unidos, seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e vizinhos regionais do Afeganistão concordaram em alinhar mais estreitamente esforços civis e militares para estabilizar essa nação para que as forças estrangeiras possam se retirar e forças afegãs locais possam assumir a segurança. No lado civil, uma nova ênfase foi colocada na importância-chave de construir instituições afegãs que possam atrair a lealdade dos que hoje se alinham ao Taleban.

Como uma amiga historicamente confiável do povo afegão, somente a Turquia, de todos os membros da Otan, tem um ingrediente de "poder brando" em seu arsenal que é decisivo para ganhar os corações e mentes da população.

No Afeganistão se diz que "nenhum afegão jamais foi morto por uma bala turca" e "nenhum afegão treinado por turcos jamais traiu seu país".

Os turcos ajudam o governo afegão e seu povo desde os tempos do emir Abdur Rahman Khan, o "Emir de Ferro" que unificou o país durante seu reinado de 1880 a 1901. O Afeganistão foi o segundo país a reconhecer a Turquia moderna em 1921, após a União Soviética. A Turquia moderna foi decisiva na criação da academia militar, da escola de medicina, da Universidade de Cabul e do serviço de saúde pública do Afeganistão.

As boas relações entre turcos e afegãos se assentam em três fatores. Primeiro, não temos uma fronteira comum e por isso não temos disputas nesse âmbito. Segundo, como uma jovem república sucessora de um grande império, a Turquia jamais exprimiu alguma insinuação imperial. Terceiro, temos em comum a religião muçulmana.

Em meus contatos com o Taleban antes dos ataques de 11 de Setembro, nós não poupamos críticas. Eu disse explicitamente aos líderes do Taleban que não daríamos reconhecimento ao seu regime. A Turquia reconheceu o governo parcial do presidente Barhanuddin Rabbani, que controlava apenas uma parte do Afeganistão até ele ser substituído por Hamid Karzai, após o 11 de Setembro.

Nós criticamos abertamente a falta de capacidade de governar do Taleban, sua exploração do comércio de ópio, seu apoio a organizações terroristas como a Al-Qaeda, e o tratamento que dava a seu próprio povo. Apesar dessas críticas, o Taleban deu a meus colegas e a mim livre trânsito para percorrer o país.

O envolvimento da Turquia no país desde 2001 foi conscientemente uma questão de "projeção de poder brando". Como uma aliada da Otan fiel a seus deveres, a Turquia enviou tropas ao Afeganistão com a condição de que elas não tomariam parte em operações de combate. Apesar da pressão dos aliados, a Turquia se aferrou rigidamente a essa política.

Na província crítica de Wardak, a Turquia também está operando a única Equipe de Reconstrução Provincial chefiada por um civil. De 2006 para cá, o governo turco gastou US$ 20 milhões na província, financiando uma academia de treinamento da polícia, prédios escolares, restaurando um mesquita e criando uma clínica médica. Por causa desse êxito, o governo turco criará em breve uma nova unidade em outra província.

A lição turca no Afeganistão está clara: ganhar corações e mentes requer uma maior compreensão e o respeito pelos valores locais. Entregar latas de refrigerante com ares coloniais não dará resultados tangíveis.

Por muitas dessas mesmas razões, a Turquia talvez seja um dos poucos países, se não o único, capaz de reunir Afeganistão e Paquistão para resolverem suas diferenças. Na Conferência de Londres, o presidente Karzai fez questão de ressaltar o papel mediador da Turquia, depois da reunião "trilateral" Turquia-Afeganistão-Paquistão da qual ele havia participado, em janeiro, em Istambul, com o presidente paquistanês, Asif Zardari.

Infelizmente, a ausência da Índia até agora nesse processo enfraqueceu a iniciativa turca. É decisivo trazer os indianos para o processo porque o problema afegão não poderá ser resolvido a menos que Índia e Paquistão acertem os ponteiros sobre seus interesses no Afeganistão.

Portanto, a participação na Otan e a capacidade histórica de poder brando da Turquia podem fazer uma diferença crítica no Afeganistão. A Turquia o ajudou a se juntar ao mundo quando o Afeganistão era uma jovem nação. Ela pode fazê-lo novamente.

Aydemir Erman foi coordenador especial da Turquia para o Afeganistão de 1991 a 2003

NOURIEL ROUBINI

Como salvar os Piigs


FOLHA DE SÃO PAULO - 16/02/2010



Os problemas fiscais da Grécia são, como argumentei muitas vezes, apenas a ponta do iceberg mundial. Pois a próxima rodada da recente crise financeira global será o risco soberano ascendente, especialmente nas economias avançadas que operem com grandes deficit orçamentários e acumulem dívida pública ampla, ao socializar prejuízos financeiros privados a fim de reanimar o crescimento econômico.
De fato, a história sugere que uma severa recessão e socialização de prejuízos privados muitas vezes conduzem a um acúmulo insustentável de dívida pública. Além disso, crises financeiras provocadas por dívidas excessivas no setor privado costumam ser seguidas alguns anos mais tarde por moratórias nacionais e/ou alta inflação.
A Grécia também serve como indicador de alerta para a zona do euro, na qual todas as economias conhecidas como Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) sofrem o problema gêmeo da sustentabilidade de dívidas públicas e da sustentabilidade da dívida externa. A adesão ao euro e as "operações de convergência" conduzidas na alta das Bolsas levaram os rendimentos dos títulos desses países a se aproximar do oferecido pelos títulos da dívida pública alemã, e o boom de crédito resultante sustentou um crescimento excessivo do consumo.
A maioria dessas economias estava sofrendo de uma perda de mercados de exportação diante de concorrentes asiáticos cujos trabalhadores recebem salários mais baixos. Na Espanha e na Irlanda, um boom de habitação exacerbou os desequilíbrios externos ao reduzir a poupança nacional, estimulando o consumo e o investimento residencial. E a valorização do euro nos últimos anos serviu como golpe final contra a competitividade.
Assim, restaurar a competitividade, e não apenas um ajuste fiscal, é necessário para a retomada do crescimento sustentável. Existem apenas três maneiras de fazê-lo. Uma década de deflação seria uma resposta, mas isso seria acompanhado por estagnação econômica e, como aconteceu na Argentina no começo da década, resultaria em situação política insustentável, conduzindo a uma desvalorização (ou seja, ao abandono do euro) e a uma moratória.
Acelerar as reformas estruturais que estimulam a produtividade e manter sob controle o crescimento dos salários no setor privado e no setor público é a abordagem correta, mas igualmente difícil de implementar em termos políticos. Ou um euro mais fraco poderia ser adotado, se o BCE se dispusesse a afrouxar a política monetária ainda mais -o que não é provável. No entanto, um euro mais baixo não eliminaria a necessidade de reformas estruturais nesses países.

Alternativa FMI
Um programa informal de resgate ou um programa concreto do Fundo Monetário Internacional (FMI) poderia reforçar fortemente a credibilidade de uma política de reposicionamento fiscal e de reformas estruturais. Se o programa for informal, a Comissão Europeia imporia condições fiscais e estruturais à Grécia, enquanto a União Europeia e/ou o BCE ofereceria as verbas, que seriam necessárias.
Os mercados continuarão céticos, especialmente se a implementação resultar em manifestações de rua, tumultos, greves e manobras legislativas para postergar as medidas. Até que a credibilidade seja restabelecida, o risco de um ataque especulativo contra os títulos de dívida pública persistiria, dados os deficit orçamentários e a necessidade de rolar dívidas. Porque a União Europeia não tem histórico no que tange a impor condições e o financiamento pelo BCE seria percebido como uma forma de resgate, um programa formal do FMI seria a melhor abordagem. Os programas de mais sucesso empreendidos diante de um risco de crise de financiamento de dívida pública e/ou externa foram aqueles como no México, Turquia e Brasil.
Garantias de empréstimos pela Alemanha e/ou União Europeia são menos desejáveis do que um programa do FMI, porque é muito difícil desenvolver e implementar de maneira confiável a condicionalidade dessas garantias. O apoio do FMI, por outro lado, é desembolsado em parcelas e condicionado à realização de objetivos.
As autoridades gregas e a União Europeia vinham negando até recentemente que houvesse necessidade de um pacote de empréstimos, devido à preocupação de que isso pudesse ser visto como um sinal de fraqueza. Trata-se de um erro grave. Ajuste fiscal e reformas sem verbas de apoio são mais suscetíveis de fracasso.
Ao mesmo tempo, se a Grécia não ajustar plenamente suas políticas a fim de restaurar a sustentabilidade fiscal e a competitividade, um resgate parcial pela União Europeia e BCE continua provável, a fim de evitar o risco de contágio no restante da zona do euro. Uma moratória na Grécia, afinal, teria os mesmos efeitos mundiais que o colapso do Lehman Brothers teve em 2008.
A União Europeia e o BCE estão preocupados com o risco moral de qualquer "resgate". Mas é exatamente por isso que um programa confiável do FMI, vinculando apoio financeiro à realização gradual de reformas estruturais e fiscais, seria o caminho certo para salvar a Grécia e os demais Piigs.

NOURIEL ROUBINI é presidente da RGE Monitor ( www.rgemonitor.com ) e professor da Escola Stern de Administração de Empresas, na Universidade de Nova York.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Década foi "perdida" para investidor global de ações

FOLHA DE SÃO PAULO - 16/02/10


Os primeiros anos do século 21 foram uma década perdida para investidores globais em ações. O índice mundial MSCI deu retorno próximo de zero.
Mercados emergentes, porém, brilharam com um retorno anualizado de 10%, de acordo com um relatório publicado pelo banco Credit Suisse.
Deveriam os investidores focarem em países com esperança de recuperação ou naqueles que experimentam alto crescimento? É "valor antigo versus dilema do crescimento, mas em escala global", diz o relatório.
A observação de 83 países ao longo de 110 anos não dá evidência de que investir em economias em crescimento produziu retorno superior.
"Consideramos, entretanto, que mercados de capitais incorporam expectativas de futuro crescimento econômico", afirma o estudo. "Quando os mercados se recuperam, as economias tendem a ir atrás."
Nas turbulências de 2008 e do começo de 2009, eles também sofreram e abalaram a fé de investidores na teoria do descolamento e na diversificação como caminho para resguardar valores das carteiras. Na recuperação, o panorama mudou.
A tabela mostra alguns dos países correntemente classificados como emergentes.
Entre 9 de março e 31 de dezembro de 2009, os maiores retornos foram de Hungria, Turquia, Indonésia, Índia e Brasil.
Na média, o índice MSCI de países emergentes registrou alta de 108% no período.
Os autores concluíram que a estratégia de investir em economias com altas taxas de crescimento falhou em dar melhores retornos no longo prazo. Isso não quer dizer que não se deva investir em emergentes.
"Investidores globais devem se assegurar de terem suas carteiras diversificadas com ações de economias de lento e rápido crescimento.

PASSOS 1
As 19 unidades fabris da Vulcabras/Azaleia na Bahia receberão investimento neste ano. A companhia destinará R$ 14,6 milhões, sendo R$ 9,6 milhões para a ampliação da capacidade produtiva. De acordo com a empresa, a decisão de investimento foi tomada em razão da tarifa antidumping provisória de US$ 12,44 por par de calçado importado da China, aplicada pela Camex.

PASSOS 2
Para este ano, a calçadista quer aumentar o quadro de pessoal. A meta é fechar 2010 com 18.513 empregados na Bahia -881 funcionários a mais que o número de colaboradores de dezembro de 2009. A produção de calçados acompanhará o plano de expansão da empresa, que espera fechar o ano com 114,5 mil pares diários.

ENERGIA RENOVÁVEL
O capim-elefante, mais conhecido no Brasil pelo uso em pastagem, vai se transformar em energia renovável na Califórnia. A empresa California Renewable Energies se prepara para iniciar as obras de uma usina termelétrica movida à capim-elefante, com capacidade de 50 MW. A empreitada é liderada pela americana Nathalie Hoffman.
Ela descobriu a planta em uma de suas viagens ao Brasil, depois que seu projeto de produzir etanol a partir da cana na Califórnia não vingou. "Tive dificuldade de conseguir contratos de longo prazo para o fornecimento de etanol e resolvi partir para a produção de energia renovável", diz ela. "O capim-elefante é uma biomassa mais eficiente que a cana e mais barata de plantar." Para reduzir custos, a usina ficará ao lado da plantação, no Imperial Valley -região desértica no sudeste da Califórnia que recebe sol o ano inteiro. A planta vem sendo estudada pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo há mais de uma década, mas o uso é pouco difundido. Hoffman contará com a ajuda de agrônomos e engenheiros brasileiros e já firmou quatro contratos de longo prazo com companhias municipais de energia. A queima do capim deve começar em setembro de 2013.

PAUL KRUGMAN

A criação de uma ''euroconfusão


O ESTADO DE SÃO PAULO - 16/02/2010



Nos últimos tempos, o noticiário financeiro está sendo dominado por reportagens sobre a Grécia e outras nações da periferia europeia. E com razão.

Mas tenho ficado perplexo com reportagens centradas quase exclusivamente em dívidas e déficits europeus, passando a impressão de que é tudo uma questão de gastança de governos - e alimentando o arrazoado de nossos próprios falcões do déficit que querem cortar os gastos mesmo em face de um desemprego em massa, e mostrar a Grécia como um exemplo do que acontecerá se não o fizermos.

Pois a verdade é que a falta de disciplina fiscal não é toda ou mesmo a principal fonte dos problemas da Europa - nem mesmo da Grécia, cujo governo foi de fato irresponsável (e ocultou sua irresponsabilidade com uma contabilidade criativa).

Não, a história real por trás da "euroconfusão" não está na prodigalidade de políticos, mas na arrogância das elites - especificamente, as elites políticas que impeliram a Europa a adotar uma moeda única bem antes de o continente estar pronto para essa experiência.

Considere-se o caso da Espanha, que às vésperas da crise parecia ser um cidadão fiscal modelo. Seu endividamento era baixo - 43% do PIB em 2007, comparado com 66% na Alemanha. Ela vinha apresentando superávits orçamentários. E tinha uma regulamentação bancária exemplar.

Mas, com seu clima quente e suas praias, a Espanha era também a Flórida da Europa - e, como a Flórida, experimentou um enorme boom imobiliário. Boa parte do financiamento desse boom veio de fora do país: houve entradas gigantescas de capital do resto da Europa, da Alemanha em particular.

O resultado foi crescimento rápido combinado com uma inflação significativa: entre 2000 e 2008, os preços de bens e serviços produzidos na Espanha cresceram 35%, comparados com um aumento de apenas 10% na Alemanha. Com a alta dos custos, as exportações espanholas se tornaram cada vez menos competitivas, mas o crescimento do emprego permaneceu graças ao boom imobiliário.

Aí a bolha estourou. O desemprego espanhol sofreu uma escalada e o orçamento mergulhou num déficit profundo. Mas a inundação de tinta vermelha - causada em parte pela maneira que a recessão deprimia a arrecadação e em parte pelos gastos emergenciais para limitar os custos humanos da recessão - foi um resultado, não uma causa, dos problemas da Espanha.

E não há muito que o governo espanhol possa fazer para melhorar as coisas. O problema econômico central do país é que custos e preços se desalinharam dos vigentes no resto da Europa. Se a Espanha ainda tivesse sua antiga moeda, a peseta, ela poderia remediar o problema com uma rápida desvalorização - por exemplo, baixando em 20% o valor da peseta ante outras moedas europeias. Mas a Espanha já não tem o seu dinheiro, o que significa que ela só pode recuperar a competitividade com um processo lento e desgastante de deflação.

Agora, se a Espanha fosse um Estado americano e não um país europeu, as coisas não estariam tão ruins. Por um lado, custos e preços não teriam ficado tão desalinhados: a Flórida, que entre outras coisas foi livremente capaz de atrair trabalhadores de outros Estados e manter baixo o custo da mão de obra, nunca experimentou algo como a inflação relativa da Espanha.

Por outro, a Espanha estaria recebendo uma grande ajuda automática na crise: o boom imobiliário na Flórida estourou, mas Washington continua enviando os cheques da Previdência Social e do Medicare.

Mas a Espanha não é um Estado americano e por isso enfrenta dificuldades profundas. A Grécia, é claro, está em dificuldades ainda maiores, porque os gregos, diferentemente dos espanhóis, eram de fato fiscalmente irresponsáveis.

Mas a Grécia tem uma economia pequena, cujos problemas pesam sobretudo porque estão respingando em economias muito maiores, como a da Espanha. Portanto, é a inflexibilidade do euro e não os gastos deficitários que está no coração da crise.

Nada disso é novo. Muito antes de o euro ganhar vida, economistas advertiram que a União Europeia não estava pronta para uma moeda única. Mas essas advertências foram ignoradas e a crise veio.

Agora, o quê? Uma ruptura do euro é quase impensável, por uma pura questão de viabilidade. Como Barry Eichengreen, de Berkeley, coloca a questão, uma tentativa de reintroduzir uma moeda nacional desencadearia "a mãe de todas as crises financeiras".

Assim, a única maneira de sair do sufoco é a seguinte: para fazer o euro funcionar, a Europa precisa avançar ainda mais na direção de uma união política para que as nações europeias comecem a funcionar mais como os Estados americanos.

Mas isso não vai ocorrer tão cedo. O que provavelmente veremos nos próximos anos é um doloroso processo de progressão aos trancos e barrancos: salvamentos acompanhados de exigências de austeridade radical, tudo contra um pano de fundo de altíssimo desemprego perpetuado pela deflação desgastante que já mencionei.

O quadro é feio, mas é importante compreender a natureza do erro fatal da Europa. Sim, alguns governos foram irresponsáveis, mas o problema fundamental foi a arrogância, a crença arrogante de que a Europa poderia fazer uma moeda única funcionar, a despeito das fortes razões para se acreditar que ela não estava pronta.

TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

*Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia

JOSÉ RENATO NALINI

Justiça existe para julgar

O ESTADO DE SÃO PAULO - 16/02/10


O julgamento que a sociedade faz de seu Judiciário não é ufanista. Ao contrário, reflete a disfuncionalidade de um serviço público preordenado a solucionar problemas, convertido muita vez em outro problema. E o pior: aparentemente insolúvel. Acostumada a um ritmo de prestações estatais e privadas impulsionado pelas modernas tecnologias, a coletividade repudia a invencível morosidade da Justiça.

O tema é objeto de preocupação do CNJ, que estipulou metas a serem atendidas pelos juízes, causa de não poucas polêmicas. Mas também constitui foco de atenção de estudiosos que aprenderam a se preocupar com a Justiça, conscientes de que todas as questões contemporâneas, cedo ou tarde, chegam aos tribunais.

A resposta clássica de grande parte do Judiciário para os reclamos de maior celeridade começa com a menção ao excesso de demanda. Efetivamente, os números da Justiça brasileira são inimagináveis para qualquer outro país. São milhões de processos que atravancam os fóruns e impedem a prestação jurisdicional com a celeridade desejável.

Em seguida, vem o costumeiro argumento em defesa do sistema judicial. Decidir é função muito peculiar, exercitada por um profissional técnico de elevada especialização. Julgar reclama reflexão, profunda análise e ponderação. Serenidade não combina com rapidez. Como corolário, a opção pela presteza contaminaria o conteúdo decisório, de maneira a comprometer o ideal da segurança jurídica.

Tudo isso é verdade e pode continuar a ser ofertado como resposta às críticas. Mas não resolve o problema de uma comunidade sequiosa de respostas oportunas às suas aflições. A regra é só recorrer ao Judiciário quando um direito é vulnerado. O demandante pretende ver restaurado o seu patrimônio jurídico. Depende do juiz para isso. Houvera outra opção e não se submeteria às vicissitudes de uma Justiça humana cada vez mais relativizada por inúmeros fatores.

É tamanho o inconformismo brasileiro com a anomalia de funcionamento do Judiciário que o constituinte derivado incluiu no já exaustivo rol dos direitos fundamentais a duração razoável do processo. A Emenda Constitucional 45/2004 inseriu um inciso 78 ao enunciado do artigo 5º da Carta republicana. Evidência de que o tempo da Justiça não se tem revestido de razoabilidade.

Será que não existem outras vertentes a serem exploradas?

Um exercício estimulante seria examinar se o Judiciário, atolado em papel, se limita ao que lhe é inerente ou não continuaria a responder por incumbências que, a rigor, são de outros Poderes.

A maior parte dos processos em curso diz respeito a cobrança de dívida fiscal. Representam milhões as execuções movidas pelo poder público, em suas várias exteriorizações, contra contribuintes inadimplentes. A cobrança de dívida não é atribuição jurisdicional. Poderia ser devolvida à administração pública, sem prejuízo da preservação do direito dos que se considerarem prejudicados, que recorrerão ao Judiciário se isso for imprescindível. Tal providência reduziria de imediato as falaciosas estatísticas de toda a Justiça brasileira. Muitos milhões de demandas delas desapareceriam se houvesse a subtração das cobranças desacompanhadas de embargos.

Seria racional essa providência, porque mera cobrança, ausente o inconformismo do devedor, não é lide. Não há pretensão resistida. É burocracia da qual, liberado o Judiciário, poderia melhor atender ao que é sua função: decidir litígios.

De igual forma, há milhões de processos em todo o Brasil da chamada Justiça da Infância e da Juventude, cujos problemas não são todos jurídicos. Ao inverso, quase todos são sociais, econômicos e culturais. Ressalvada a nobreza dos propósitos que inspiraram a chamada Justiça Menorística, é demasia colocar sobre os ombros do Judiciário a gravíssima problemática da infância brasileira, decorrente do declínio dos valores, da falência da família e da escola.

Outro encargo confiado à Justiça e causador de desgaste é a missão das execuções penais. Um olhar isento concluiria, sem sobressaltos, que administrar presídios não é tarefa do Judiciário. Este encerra a sua função ao aplicar a pena. Fiscalizar o seu cumprimento é obrigação da administração pública. Tanto que a Secretaria da Administração Penitenciária integra a estrutura do Poder Executivo.

É o governo que tem condições de adotar projetos mais eficientes de informatização e de controlar as fases da progressão, cuja inobservância, por despreparo burocrático da Justiça, gera tanta celeuma e não poucas rebeliões. Se a informática permite exação nos estoques de mercadorias, se qualquer grande estabelecimento comercial sabe verificar em seus depósitos a existência ou não de determinado produto e sua quantidade, qual a invencível dificuldade de se controlar o estoque de gente que é o sistema penitenciário?

Outra sugestão seria devolver os serviços estritamente judiciais a esse tão ignorado segmento formado pelas delegações extrajudiciais. No tempo em que os escreventes estavam subordinados aos tabeliães e registradores, havia maior eficiência no trabalho. O ambiente propiciado pelos antigos "cartórios" - hoje delegações - era favorável ao aprendizado, à disciplina, às noções de hierarquia e ao respeito devotado à missão de "fazer justiça".

Ao ampliar o quadro funcional, desprovido de uma política de carreira e sem escolas de formação dos servidores, o Judiciário criou um cenário praticamente inadministrável. A devolução desse controle a quem detém experiência multicentenária implicaria eficiência hoje intangível e liberaria o juiz para se devotar à única atribuição para a qual o povo o remunera: julgar dissídios.

Tudo é perfeitamente factível desde que haja ousadia e vontade. O produto será mais adequada observância da vontade constituinte: uma Justiça rápida e eficiente. Assim como o povo reclama e merece.

José Renato Nalini, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, é presidente da Academia Paulista de Letras