domingo, abril 08, 2012

Jornalismo, ou quase isso - HUMBERTO WERNECK


O ESTADÃO - 08/04/12

E ali estava eu, caderninho na mão, com toda a fome de coberturas sensacionais que pode ter um jornalista em começo de carreira - mas cru, clamorosamente cru em matéria de reportagem. O assunto que haviam confiado ao impetuoso foca não era lá dos mais estimulantes: uma procissão de Corpus Christi no centro de São Paulo. Inexperiente, mas brioso, eu tinha decidido não recorrer às luzes de ninguém, nem mesmo ao veterano fotógrafo com o qual fazia dupla, até porque o camarada, em vez de Corpus Christi, dizia habeas corpus. Mas como não tinha ideia de que rumo dar à minha reportagem, botei de lado o orgulho e pedi ajuda ao japonês:

- Quê que eu faço, Wakamoto?

- Sei lá - disse ele sem sequer me olhar. - Se fosse eu, perguntava a essas velhas o que elas vieram fazer aqui.

Gênio, esse japa! - e caí como dissimulado abutre sobre aquelas senhoras que, véu na cabeça, vela na mão, olhinhos semicerrados de fervor, esganiçavam hinos no lerdo cortejo rumo à catedral da Sé. O que que a senhora veio fazer aqui? - lascava eu de supetão, após duas perguntinhas convencionais. Pasmas, tartamudas, nenhuma delas - e falei com meia dúzia - soube justificar presença. É a fé cega dos ignorantes, fui pensando, eufórico, me sentindo o máximo, de volta à redação, para escrever um texto que, nem preciso dizer, seguiu direto das mãos do editor para o cesto de lixo, onde por pouco não foi parar também o autor daquelas malfadadas linhas.

***

Tempos depois, cruzei com o Wakamoto na Praça da República, na tarde dramática em que a multidão via arder o Edifício Andraus. Dava para acompanhar o vaivém dos que se haviam refugiado no terraço, quando, jogadas de lá para cá pelo vento, línguas de fogo ameaçavam esturricá-los.

- Já perdi dois, já perdi dois! - rosnou o fotógrafo ao passar por mim, espuminha nos cantos da boca.

- Dois o quê, Wakamoto?

- Dois caras que pularam lá de cima - bufou ele. - Mas o próximo eu pego!

Pegou mesmo, e até ganhou prêmio com a imagem de um corpo despencando no vazio.

***

Àquela altura da carreira, eu já sabia que entrevistador esperto deixa para o fim as perguntas melindrosas - se o entrevistador encrespa, bem ou mal ele já tem nas mãos o que publicar. Assim eu não corria o risco de um desastre como o que provoquei numa das minhas primeiras entrevistas, logo com Clarice Lispector, no que para mim ficou sendo, já contei, um traumatismo ucraniano. Agora tinha à minha frente dom Helder Câmara, o célebre arcebispo de Recife e Olinda, e chegada era a hora da pergunta difícil, sobre a mania dele, tão criticada pelos adversários, de rodar mundo de avião. O santo homem pôs sobre mim seus olhinhos enrugados de papagaio, deixou pesar entre nós um infernal silêncio, e então, sorridente, com voz doce de quem fala com uma criança, propôs:

- Vamos embora?

Estando os dois sozinhos na casa paroquial onde ele morava, não cabia dúvida de que aquilo era comigo.

***

"Daniel é fresco". Embora rigorosamente verdadeira, segundo pude apurar, a informação não deveria ter saído no jornal, e muito menos onde saiu: em meio a um pedregoso despacho do senhor secretário estadual de alguma coisa, no não menos inóspito diário oficial do governo mineiro. O pessoal da gráfica que encaixou aquela linha solta por certo achava que ninguém, nem mesmo o Daniel, iria ler. Mas alguém o fez - e, numa velocidade inaudita no serviço público, armou-se um bafafá. Temendo por seus empregos, os autores da brincadeira se ofereceram, a sério, para remediar o malfeito, por meio de uma retificação - a qual, evidentemente, não chegou aos leitores: "Daniel não é fresco".

***

Como Norma, a secretária, jamais acertasse de primeira os números de telefone que ele oralmente lhe passava, um dia o redator-chefe, exasperado, não apenas berrou os oito algarismos, como acrescentou:

- Nesta ordem, por favor!

Ao que um dos comandados, o cantor e compositor Chico César, à época revisor de textos, de sua mesa mansamente observou:

- Chefe, temos que respeitar todas as normas, inclusive esta!

Posto, logo existo - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 08/04/12

Começam a pipocar alguns debates sobre as consequências de se passar tanto tempo conectado à internet. Já se fala em saturação social, inspirado pelo recente depoimento de um jornalista do The New York Times que afirmou que sua produtividade no trabalho estava caindo por causa do tempo consumido pelo Facebook, Twitter e agregados, e que hoje ele se vê diante da escolha entre cortar seus passeios de bicicleta ou alguns desses hábitos digitais que estão me comendo vivo.

Antropofagia virtual. O Brasil, pra variar, está atrasado (aqui, dois terços dos usuários ainda atualizam seus perfis semanalmente), pois no resto do mundo já começa a ser articulado um movimento de desaceleração dessa tara por conexão: hotéis europeus prometem quartos sem wi-fi como garantia de férias tranquilas, empresas americanas desenvolvem programas de software que restringem o acesso à web e na Ásia crescem os centros de recuperação de viciados em internet. Tudo isso por uma simples razão: existir é uma coisa, viver é outra.

Penso, logo existo. Descartes teria que reavaliar esse seu cogito, ergo sum, pois as pessoas trocaram o verbo pensar por postar. Posto, logo existo.

Tão preocupadas em existir para os outros, as pessoas estão perdendo um tempo valioso em que poderiam estar vivendo, ou seja, namorando, indo à praia, trabalhando, viajando, lendo, estudando, cercadas não por milhares de seguidores, mas por umas poucas dezenas de amigos. Isso não pode ter se tornado tão obsoleto.

Claro que muitos usam as redes sociais como uma forma de aproximação, de resgate e de compartilhamento – numa boa. Se a pessoa está no controle do seu tempo e não troca o real pelo virtual, está fazendo bom uso da ferramenta. Mas não tem sido a regra. Adolescentes deixam de ir a um parque para ficarem trancafiados em seus quartos, numa solidão disfarçada de socialização.

Isso acontece dentro da minha casa também, com minhas filhas, e não adianta me descabelar, elas são frutos da sua época, sua turma de amigos se comunica assim, e nem batendo com um gato morto na cabeça delas para fazê-las entender que a vida está lá fora. Lá fora!!

O grau de envolvimento delas com a internet ainda é mediano e controlado, mas tem sido agudo entre muitos jovens sem noção, que se deixam fotografar portanto armas, fazendo sexo, mostrando o resultado de suas pichações, num exibicionismo triste, pobre, desvirtuado. São garotos e garotas que não se sentem com a existência comprovada, e para isso se valem de bizarrices na esperança de deixarem de ser “ninguém” para se tornarem “alguém”, mesmo que alguém medíocre.

Casos avulsos, extremos, mas estão aí, ao nosso redor. Gente que não percebe a diferença entre existir e viver. Não entendem que é preferível viver, mesmo que discretamente, do que existir de mentirinha para 17.870 que não estão nem aí.

Contículos 2 - LUIZ FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 08/04/12


Dois homens tramam um assalto.

– Valeu, mermão? Tu traz o berro que nóis vamo rendê o caixa bonitinho. Engrossou, enche o cara de chumbo. Pra arejá.

– Podes crê. Servicinho manero. É só entrá e pegá.

– Tá com o berro aí?

– Tá na mão.

Aparece um guarda.

– Ih, sujou. Disfarça, disfarça...

O guarda passa pelos dois, que fingem estar discutindo.

– Discordo terminantemente. O imperativo categórico de Hegel chega a Marx diluído pela fenomenologia de Feurbach.

– Pelo amor de Deus! Isso é o mesmo que dizer que Kierkegaard não passa de um Kant com algumas sílabas a mais. Ou que os iluministas do século 18...

O guarda se afasta.

– O berro tá recheado?

– Tá.

– Então vamlá!

Desejável

– Meu bem...Você está deslumbrante!

– Tudo para você, querido.

– Esse penteado...

– Fui ao cabelereiro e pedi um corte novo para o meu maridinho me achar desejável. Fui ao maquiador e pedi que me deixasse bem bonita e sexy para atrair meu maridinho. Comprei esta camisola provocante para enlouquecer você.

– E conseguiu, meu amor. Você está...

– Não me toca senão estraga tudo!

O encontro

Um homem livra-se de todos os seus bens materiais, abandona a família e vai viver no deserto. Leva o suficiente para sobreviver no deserto durante um ano. Não fazendo nada, só olhando o sol de dia e as estrelas à noite. Quer se encontrar com Deus e não quer nada à sua volta. Nada que distraia sua atenção, nada que confunda sua visão no caso de Deus aparecer. E o deserto é nada para todos os lados. Nada de horizonte a horizonte.

Mas de tanto olhar o sol e examinar os horizontes esperando ver Deus, o homem fica cego. É socorrido e levado para um hospital numa cidade grande, e, incapaz de ver o que o cerca e distinguir o sono da escuridão da cegueira, mergulha em si mesmo – e encontra Deus, que o recebe com um “alô” amistoso.

– Eu queria muito encontrá-lo – diz o homem.

– Eu sei, eu sei.

– Fui procurá-lo no deserto, despojado de tudo, livre da civilização...

– Pois é, foi no lugar errado. Acontece muito. Eu estava aqui todo este tempo.

– Esperei você em vão.

– Para dizer a verdade, não gosto muito de lugares ermos. A gente começa a pensar demais, a se auto-questionar... E a solidão? Prefiro lugares onde há gente e movimento. Bom é civilização.

– Mas ninguém se lembra de procurar você dentro de si.

– Pois é. Querem espetáculo. Visões no deserto. Epifanias. Conversões cinematográficas. Não é o meu estilo.

– Mas...

– Vê se dorme um pouco. Amanhã a gente conversa. Agora você sabe onde me encontrar.

Felicidades enganosas - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 08/04/12


Viagens dão uma impressão de felicidade, mas não é delas que vamos lembrar fazendo o balanço da vida


Quantas vezes pensamos que éramos felizes, e era apenas um engano? E quantas vezes fomos felizes, e estávamos tão distraídos que nem percebemos?

Claro, algumas vezes sim, mas precisa ser uma coisa muito forte para que isso aconteça; quando se compra o primeiro carro, o primeiro apartamento e a melhor de todas: quando nasce um filho.

Viagens nos dão uma vaga impressão de felicidade, mas não é delas que vamos nos lembrar, um dia, fazendo o balanço da vida. Só o tempo é capaz de dar a dimensão exata de nossos sentimentos -mas só depois.

Mas é bom achar que se foi feliz; eu achei que era no primeiro dia da primeira viagem a Nova York. A vida era bela, não tinha um só problema, achava que viver assim era normal, e eu, imortal. Mas seria aquilo tão maravilhoso assim?

Claro que um certo charme envolvia aquela viagem; só o fato de poder sair de botas e casaco de pele, poder tomar dois dry martinis sabendo que não tinha nenhuma obrigação, tipo levar um filho ao dentista ou ir a um supermercado; não ter que -isso parecia a imagem da felicidade. E era? Em termos, mas, pensando bem, não, era apenas um filme em que eu era roteirista e atriz, mas nada era de verdade.

Por outro lado, aconteceram momentos de felicidade intensa, que na hora nem percebi. Um fim de tarde em que me perdi em Veneza, sozinha. Veneza é das poucas cidades no mundo em que se ouve o ruído dos próprios passos -o que pode parecer bobagem, mas não é. Aí, atravessei uma pequena ponte sobre um pequeno canal, começava a escurecer, a cidade estava vazia, e aquele momento foi único, só meu, e certas coisas não dá para dividir. A felicidade, por exemplo.

Existiram outros momentos, claro; alguns ficam nítidos, a gente se esquece, um dia eles voltam e você se dá conta do quanto foi feliz durante um tempo -curto-, só que na hora não sabia.

Aconteceu comigo: foi um momento totalmente banal e inesquecível, talvez até por sua banalidade. Era verão, nove da noite, fazia calor e saí com um amigo para dar uma volta na praia. Andamos e acabamos dando um mergulho no mar do Arpoador, naquela noite quente. Nadamos um pouco, depois tomamos uma água de coco e voltamos para casa.

É preciso que fique claro que era um amigo -e tem melhor do que um amigo? Voltamos rindo e combinamos de repetir o programa outras vezes, mas isso nunca mais aconteceu, nem sei por quê.

Nunca vou esquecer da beleza daquela noite, da temperatura da água, do banho de chuveiro quando cheguei em casa, de quando me deitei e vi o final de um péssimo filme na TV. Como eu estava feliz, só que não sabia; lembrei -e soube- hoje.

E penso: será que foi tão bom porque foi só uma vez? Se tivesse virado rotina, ainda me lembraria daquela noite com tanto prazer? E por que, naquela noite, não percebi?

Às vezes penso que se a felicidade fosse um verbo só seria conjugado no passado.

P.S.: Recado a meus colegas de insônia: estou me adaptando. Depois de receber várias sugestões para resolver o problema, optei por uma delas, e passei a ir para a cama à 1h da manhã (eu ia às 23h). E como acordo às 6h, inventei de andar durante uma hora. Volto para casa às 7h30 exausta, tomo um chuveiro e leio os jornais na maior tranquilidade, já que o telefone a essa hora não toca. Está funcionando.

Coração e sexo - DRAUZIO VARELLA

FOLHA DE SP - 08/04/12


Medicamentos da pressão podem atrapalhar os mecanismos de ereção e lubrificação vaginal


Em essência, a ereção é um fenômeno vascular. Só acontece quando as artérias que irrigam o pênis se dilatam e as válvulas das veias se fecham, de modo que o sangue fique aprisionado sob pressão nos corpos cavernosos, dois tubos de tecido esponjoso que vão da raiz do pênis à glande.

Na fase de excitação há elevação da pressão arterial, tanto da máxima como da mínima, e da frequência cardíaca. Em mulheres e homens, o maior aumento ocorre nos 10 a 15 segundos que precedem o orgasmo. Depois, a pressão e os batimentos cardíacos normalizam. Em pessoas normotensas, o coração dificilmente chega a bater mais de 130 vezes por minuto, e a pressão máxima a ultrapassar a casa dos 17.

Estudos com homens mais jovens, casados, demonstraram que a atividade sexual consome uma quantidade de energia equivalente à da atividade física para subir dois lances de escada.

Embora faltem dados, é possível que nos mais velhos, sedentários, hipertensos, portadores de problemas cardíacos e com mais dificuldade para atingir o orgasmo, o esforço realizado corresponda a um gasto energético bem maior.

Nesses casos, minutos ou horas depois do ato sexual, podem aparecer dores precordiais, conhecidas como "angina do amor", caracterizadas por dor em aperto do lado esquerdo do tórax com ou sem irradiação para o pescoço e o braço. Essas crises, no entanto, correspondem a menos de 5% do total dos ataques de angina.

Uma metanálise de quatro estudos realizados com mulheres e homens de 50 a 70 anos mostrou que, durante o ato sexual, o risco de infarto do miocárdio aumenta 2,7 vezes. Os que já tiveram infarto ou outra doença cardiovascular não correm risco mais alto. Nos sedentários, a probabilidade é três vezes maior; naqueles fisicamente ativos, ela não aumenta.

Ainda assim, o número absoluto de eventos cardiovasculares durante o ato sexual é mínimo: correspondem a menos de 1% do total de infartos. Quanto mais sexo houver, mais baixo será esse risco. Em mulheres e homens que já sofreram infarto, a probabilidade de ocorrer outro é insignificante: de uma a duas chances para cada 100 mil horas de prática sexual.

Em 5.559 autópsias realizadas após morte súbita, apenas 34 (0,6%) haviam acontecido durante o ato sexual. Cerca de 85% eram homens; a maioria deles ao manter relações extramaritais com mulheres mais jovens em ambientes estranhos e/ou depois de consumo excessivo de alimentos ou álcool.

Alguns medicamentos usados no tratamento da hipertensão e das doenças cardiovasculares podem atrapalhar os mecanismos de ereção e lubrificação vaginal.

Os homens podem beneficiar-se dos chamados inibidores da fosfodiesterase 5: sildenafila, tadalafila e vardenafila, drogas que aumentam a concentração do óxido nítrico, responsável pela dilatação das artérias que nutrem o pênis.

A sildenafila e a vardenafila têm ação relativamente curta: em cerca de quatro horas metade da dose é excretada (meia-vida). Já a tadalafila tem meia-vida de 17,5 horas (pílula do fim de semana). Não há indícios de que alguma dessas drogas seja mais eficaz ou segura do que a outra. Na literatura médica não há relato de mortes causadas por elas.

Com frequência encontro homens que se recusam a tomá-las com medo de que interfiram com os remédios para a hipertensão. Essa preocupação é infundada: não existe incompatibilidade.

A única contraindicação são os nitratos orgânicos, vasodilatadores coronarianos usados por via oral, sublingual ou na forma de adesivos. A associação causa queda imprevisível da pressão arterial. Se você toma remédios para o coração, verifique se contém nitrato.

Se tiver tomado sildenafila ou vardenafila nas últimas 24 horas ou tadalafila nas últimas 48, e for parar num pronto-socorro por alguma emergência cardiológica, avise os médicos. Você não poderá receber nitratos no decorrer desses períodos. E para as mulheres?

Infelizmente, nenhuma dessas drogas aumenta o desejo sexual. A providência recomendada é a aplicação ginecológica de cremes contendo estrógeno, capazes de reduzir a secura e a atrofia da mucosa vaginal associada à menopausa.

Lembre: não existe limite de idade para a vida sexual.

GOSTOSA


Tudo que é sólido desmancha no ar - GAUDÊNCIO TORQUATO


O Estado de S.Paulo - 08/04/12


O homem e seu ocaso. Essa é uma figura recorrente na obra de Nietzsche, como se pode ler em Assim Falou Zaratustra. Sentado, rodeado de velhas tábuas partidas, sob os últimos raios no poente, o velho profeta, cansado de longa peregrinação, tal como o Sol, aguarda a despedida. Abençoando a si mesmo, de olhos fechados, como alguém que dorme, se bem que não dormisse, Zaratustra pensava no que poderia dizer naqueles instantes finais: "Agora eu morro e me extingo, e num relance não serei mais nada; as almas são tão mortais quanto os corpos". Sopesando as causas que o destruíam, confortava-se com a sensação de que o mesmo fogo que o queimava haveria de lhe dar vida, eis que dele brotaria a chama do eterno retorno.

A imagem do ocaso, na perspectiva de reviver a vida anterior, cai bem neste momento em que um senador da República se aproxima do poente, depois de emergir, brilhante, ao sol do meio-dia e despontar como às da veemência política. O senador goiano Demóstenes Torres, cuja carreira anterior no Ministério Público lhe conferiu a identidade de força moral, é mais um exemplo a constar na galeria que se expande a cada legislatura: a dos perfis solúveis, que se dissolvem quando imersos nas águas impuras da representação parlamentar.

Cabe lembrar que o senador ainda não foi julgado, aguardando-se, portanto, suas explicações quanto à suspeição que recai sobre o mandato, com base nos flagrantes de intermediação de negócios captados pela Polícia Federal em telefonemas. Feita a ressalva, pode-se entender que o caso Demóstenes abre desde já um leque de hipóteses, sendo a primeira a de que é cada vez mais movediço o terreno dos caminhantes políticos. Torna-se patente que nos últimos anos os organismos de controle da sociedade, a partir do Ministério Público, começaram a focar uma lupa apurada para enxergar desvios e ilícitos cometidos por representantes e governantes. Cerca de 150 parlamentares se submetem a processos no Supremo Tribunal Federal (STF). Um passo avançado em nossa régua civilizatória. No mesmo compasso de vigilância cívica, os próprios organismos de controle ético das Casas congressuais, agora sob o olhar atento da sociedade organizada, começaram a acolher com mais vontade os casos conflituosos que lá chegam, resultando até em pedidos de cassação de mandato. E mais: um em cada três integrantes dos Conselhos de Ética da Câmara e do Senado está sob investigação no STF.

Portanto, o sentimento de punição na esfera política começa a ganhar corpo no meio social. Os perfis intocáveis dos atores se esboroam na corrente que inunda os espaços da política, cujos sinais se distinguem no arrefecimento das ideologias, na pasteurização partidária, no declínio dos Parlamentos, no desvanecimento das oposições e nos novos circuitos da representação: associações, sindicatos, federações, grupos de opinião, setores organizados. A multipolaridade da ação política fragiliza a força da representação parlamentar, tornando seus costados mais franqueados ao discurso crítico. A perda de prestígio do político tradicional é visível. A banalização de escândalos e denúncias contribui para esfacelar a imagem do representante. Demóstenes Torres, desse modo, apresenta-se como mais um elo da cadeia que puxa figurantes como o ex-presidente Fernando Collor, o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda e o volumoso conjunto denunciado no processo do mensalão, em julgamento no STF.

Outra abordagem que se pode extrair do affaire Demóstenes aponta para a fragilização do discurso oposicionista. Caindo o atirador de plantão das oposições, como era conhecido o ex-líder do DEM, o tiroteio contra o situacionismo perde intensidade. E a própria qualidade do discurso oposicionista remanescente é afetada. Pois os pares, alguns do situacionismo, que lhe prestaram solidariedade tendem a se fechar em copas. Os mais aguerridos devem guardar um prazo de quarentena até conseguirem recompor a postura de altivez.

Já os democratas, mesmo ante a imperiosa vontade de se livrarem de seu convívio, caso o senador não se antecipasse no afastamento do partido, registram em sua agenda mais uma página borrada. Seu guerreiro-mor sucumbe. A legenda não terá ânimo para levantar de imediato a bandeira da altanaria. Em contraponto, revigora-se a base situacionista, no momento em que Dilma Rousseff alcança 77% de aprovação, segundo pesquisa CNI/Ibope.

O episódio, porém, estará circunscrito à Câmara Alta, só margeando territórios estaduais e municipais onde mandatários sejam presos ao "fio do novelo cachoeirístico". A par da extrema solubilidade que impregna a esfera da representação na atual quadra política, registre-se a sucessão de eventos com o mesmo enredo que se espraia pelos desvãos da vida institucional, a denotar a extrema dificuldade - quiçá impossibilidade - de se cortar a cabeça do dragão patrimonialista, ainda muito ativo em todas as instâncias federativas. A imbricação entre a coisa pública e o negócio privado assume proporções escandalosas, apesar dos aparatos tecnológicos montados na atualidade para eliminar o "poder invisível". Aliás, essa é, na constatação de Norberto Bobbio, mais uma promessa não cumprida pela democracia.

Retornemos ao profeta Zaratustra, com sua reflexão de que o encadeamento das causas que o extinguiriam haveria de propiciar-lhe o eterno retorno. O ocaso, por conseguinte, pode-se transformar em brilho de novas auroras. Essa é mais uma faceta da política brasileira. Os mortos ressuscitam. O ex-presidente Collor que o diga. Ou, em outros termos, inexistem regras imutáveis na política. Tudo é passível de verificação. A propósito, Marx assinalava em seu Manifesto Comunista: "Tudo que é sólido desmancha no ar, tudo que é sagrado é profano". Consolo para perfis embalados na solidez.

Agora, ONGs governamentais - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 08/04/12


Não há cálculo confiável de quanto se desperdiçou dos cerca de R$ 20 bilhões que o governo repassou nos últimos seis anos para entidades privadas sem fins lucrativos, como as organizações não governamentais (ONGs), nem de quanto desse dinheiro foi parar nos bolsos de políticos e seus protegidos. Mesmo assim, o governo do PT quer aumentar o bolo que alimenta essas organizações, e para isso vai criar um fundo de financiamento que inicialmente disporá de R$ 200 milhões fornecidos por instituições controladas pelo governo, mas poderá contar com recursos privados.

O governo tem pressa e, por isso, como anunciou o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, as regras para a criação desse fundo poderão ser anunciadas ainda no primeiro semestre deste ano em que - não por mero acaso - haverá gastos com campanha eleitoral. Esse fundo consagrará uma contradição em termos - as organizações não governamentais governamentais, pois sustentadas pelo governo, que estimulará a criação dessas entidades, sob a alegação de necessidade pública. E com isso apenas confirmará a preferência do PT por essa forma de aplicação do dinheiro público.

Engordadas desde o governo Lula com verbas bilionárias da União, as ONGs transformaram-se em fontes de escândalos. Dos ministros afastados de seus cargos pela presidente Dilma Rousseff por acusações de corrupção ou de enriquecimento ilícito, três estavam envolvidos em desvio de recursos públicos que tiveram a participação direta de ONGs.

Diante do número crescente de casos de mau uso das verbas repassadas para ONGs, a presidente determinou, há cinco meses, a suspensão temporária dos pagamentos a essas organizações, para averiguar se realizavam os serviços contratados. Parecia que, finalmente, se começava a fechar o mecanismo por meio do qual acabava na conta bancária de políticos ou aliados parte do dinheiro destinado a entidades, em tese, capazes de prestar com mais qualidade e eficiência, e a custos menores, serviços que o setor público não consegue oferecer no nível exigido pela sociedade. Mas tudo voltou ao que era - e a criação do novo fundo desfaz qualquer esperança de saneamento desse segmento viciado do terceiro setor.

A experiência dos últimos anos do relacionamento do poder público com esse tipo de organização é repleta de exemplos de desperdício do dinheiro do contribuinte. Os casos de três ex-ministros envolvidos em desvios envolvendo ONGs são apenas os mais recentes.

Desde 2002 - a partir de investigações feitas por uma CPI mista, pela Controladoria-Geral da União e pelo Tribunal de Contas da União - se conheciam diversas formas de irregularidades no repasse de verbas públicas para as ONGs, entre as quais, segundo conclusão da época, proliferavam as que não tinham condições de comprovar sua capacitação técnica ou de estrutura para realizar os serviços que deveriam prestar. Mesmo assim, os convênios com elas eram mantidos e continuavam a ser pagas as verbas, "sem que haja qualquer mecanismo institucional de controle sobre as atividades que desenvolvem". Em 2006, a CPI dos Sanguessugas descobriu um esquema de 53 entidades que desviavam dinheiro público por meio de convênios para a compra de ambulâncias.

Os casos de irregularidades detectados na malha fina realizada após a suspensão dos repasses em outubro somam R$ 755 milhões. Esse dinheiro deverá ser cobrado pela União das entidades sem fins lucrativos que o receberam, mas não cumpriram o que foi conveniado. Se não o fizerem, entrarão na lista negra que as impedirá de celebrar novas parcerias com o governo.

Ainda que se tomem essas providências, permanecerá intocado o problema principal dessa forma de relacionamento do governo com essas organizações, e que está na origem dos casos de corrupção. Trata-se do fato de as ONGs serem contratadas sem se submeterem à licitação, por simples indicação, muitas vezes de parlamentares. Com o fundo que pretende criar, o governo escolherá livremente as entidades que vai beneficiar.

Ah, ser somente o presente - FERREIRA GULLAR


FOLHA DE SP - 08/04/12

Muito embora alguns de meus poemas falem do passado, viver no passado ou tê-lo presente no meu dia a dia não me agrada. Na verdade, todos nós somos o que vivemos e, de certo modo, o passado constitui também o nosso presente, quer o lembremos ou não. Mas, precisamente porque somos o que vivemos, trazemos conosco lembranças muitas vezes dolorosas, que de repente emergem no presente. Disso, creio que ninguém gosta, à exceção dos masoquistas.
Para falar com franqueza, confesso que sofrer não é a minha vocação, embora nem sempre consiga escapar do sofrimento. Se puder, escapo. Creio mesmo que a vocação do ser humano (de todo ser vivo?) é a felicidade.
Isso é o que todos buscamos, na comida que saboreamos, na bebida que sorvemos, nos momentos de amor, no carinho, na amizade e na alegria de fazer o outro feliz. Sofrer, não. Só quando não tem jeito e a lembrança do passado é quase sempre sofrimento: ou porque voltamos a sentir a dor de outrora, ou porque relembramos a felicidade que houve e se foi para nunca mais.
Por isso foi que, certa manhã, ao entrar na sala vindo do quarto de dormir, deparei-me com o sol matinal que a invadia e me senti feliz como nunca. Nenhum passado, nenhuma lembrança. Eu era ali, então, um bicho transparente, mergulhado na luz matinal. E escrevi estes versos:
"Ah, ser somente o presente, esta manhã, esta sala".
Essa é uma aspiração certamente impossível de realizar, mas a poesia é, entre outras coisas, viver, com a ajuda da palavra, o impossível, já que aspirar apenas ao possível não tem graça. Pois bem, houve gente que leu esses versos e não apenas gostou deles como concordou com aquela aspiração irrealizável. Essa de que o passado já era.
Mas eis que estou caminhando pela avenida Atlântica quando vem a meu encontro um senhor de óculos, barba e cabelos quase inteiramente brancos.
- Gullar, meu querido, quantos anos faz que a gente não se vê! Lembra daquele dia, na Redação da "Manchete", quando o Adolpho Bloch só faltou te agredir?
- Me agredir, é? -falei por falar, já que não sabia quem era aquele sujeito que me abordara assim de repente. E ele continuou:
- Você tinha aparecido na televisão, de barba por fazer e sem gravata, falando em nome da revista, o que deixou o Adolpho furioso.
E acrescentou:
- Mas acho que você não está me reconhecendo... Eu sou o Hélio, o fotógrafo.
Só então me lembrei dele. Tínhamos sido amigos e não fui capaz de reconhecê-lo.
- Você pegou um cinzeiro, ia bater com ele na cara do Adolpho e fui eu que te arrastei para fora da Redação, lembra?
A verdade é que nunca fui muito bom de memória. Quando voltei do exílio, uma atriz famosa e linda, companheira na luta contra a ditadura, desceu do carro no meio da rua, em Ipanema, para vir me abraçar. Dois meses depois, estou lançando um livro e ela para em minha frente para que eu lhe autografe o livro, e o nome dela some de minha mente. Entro em pânico. Não poderia perguntar-lhe o nome depois daquele abraço efusivo em plena rua.
A solução que encontrei foi me levantar, sair da livraria, atravessar correndo a rua, entrar no boteco em frente, perguntar à Teresa o nome da atriz e voltar. Sentei-me de novo, ela me olhou sem entender nada. Escrevo, então, no livro: "Para Norma Bengell...".
Com o passar dos anos, a coisa foi ficando pior. Outro dia, combinei com a Cláudia que iríamos ao cinema. Escolhi o filme, marquei para nos encontrarmos lá mesmo, cheguei antes, comprei as entradas (uma inteira e uma meia, que eu sou idoso) mas, quando o filme começou, ela falou revoltada: "Você ficou maluco? Esse filme nós já vimos!". E eu: "Você está brincando!". "Eu, brincando!? Você é que está maluco! Não faz nem um mês que vimos este filme!"
Realmente, após minutos, constatei que já o havíamos visto. Assim está minha memória: tudo o que vejo, leio, ouço ou faço logo esqueço. Não tenho mais passado. Aquilo que escrevi no poema virou verdade: tornei-me apenas o presente, esta manhã, esta sala.

Por que a indústria parou de crescer nos últimos anos? - AFFONSO CELSO PASTORE

O ESTADÃO - 08/04/12


A incapacidade de responder à competição externa é uma das causas da estagnação

O setor industrial brasileiro é bastante aberto ao comércio internacional. Como câmbio real valorizado, e com os preços em dólares de produtos manufaturados exportados e importados pelo Brasil mantendo-se estáveis devido à recessão e ao baixo crescimento na Europa e EUA, crescem as importações e mantém se estagnadas as exportações brasileiras de bens de consumo. Os dois gráficos ao lado mostram que enquanto os índices de quantum exportado de bens duráveis e não duráveis de consumo vêm se mantendo estáveis ou declinando ligeiramente, entre 2009 e 2011 as respectivas quantidades importadas praticamente dobraram. A incapacidade de responder à competição externa é uma das causas da estagnação da indústria.

Mas isso não conta toda a história. O setor industrial é, também, muito menor do que o setor produtor de serviços. O PIB do setor de serviços representa mais de 65% do PIB brasileiro, empregando em torno de 60 milhões de trabalhadores, enquanto que o PIB da indústria de transformação representa apenas 25%, empregando um volume de trabalhadores muito menor, em torno de 20 milhões. Por outro lado, os dados das contas nacionais negam o "saber convencional" de que somente a indústria paga os "bons salários". No ano de 2009 (o último dado disponível)o salário médio pago pela indústria era de R$ 15.870, enquanto o salário médio pago pelo setor de serviços atingia R$ 14.006, que é muito próximo do salário médio da indústria. Obviamente amassa real de salários do setor de serviços é em torno de 3 vezes maior do que a massa de salários paga aos trabalhadores da indústria, sendo a maior responsável pela sustentação da demanda agregada.

Atualmente setor industrial está deprimido, sofrendo com a competição externa, mas o setor produtor de serviços que não sofre essa competição está superaquecido, e se beneficia dos estímulos dados pelo governo à expansão da demanda. Como o setor de serviços é o grande empregador de mão de obra, leva a economia a operar muito perto - ou mesmo acima - do pleno emprego. Não há, assim, nenhum paradoxo no fato de que ao lado de um setor industrial que não cresce, a taxa de desemprego no Brasil é a menor da história.

Com esse comportamento do mercado de trabalho crescem os salários reais tanto no setor de serviços quanto no setor industrial. O crescimento dos salários reais não levaria a um aumento de custos de produção da indústria caso a produtividade da mão de obra tivesse crescimento semelhante. Contudo,um estudo recente do Ipea (Comunicado N.º 133) mostra que a produtividade da mão de obra na indústria não vem crescendo, o que leva ao aumento do custo unitário do trabalho na indústria. Os dados do IBGE permitem estimar esse aumento: entre 2009 e 2011 o custo unitário do trabalho (salários divididos pela produtividade média da mão de obra) na indústria elevou-se em torno de 15% em termos reais.

A elevação dos salários reais não é acarretada pelo aumento da demanda de mão de obra da indústria, que segundo os dados do Caged vem contratando muito pouco ou mesmo nada. Ela é proveniente do aquecimento do setor de serviços que acarreta, simultaneamente: o aumento da demanda agregada de bens de consumo, devido à sua contribuição ao aumento da massa real de salários; e o aumento do custo unitário do trabalho para a indústria.

O setor produtor de serviços também sofre as consequências da elevação do custo unitário do trabalho, mas, como é fechado ao comércio internacional, pode repassá-lo pelo menos parcialmente aos preços. Já o setor industrial é muito aberto, e a competição dos produtos importados limita a sua capacidade de repassar aumentos de custos para preços.

Em consequência, estreitam-se as "margens"da indústria, limitando a sua capacidade de crescer. Em grande parte os estímulos derivados do aumento da demanda doméstica "vazam" para as importações. Mas esse "vazamento" não decorre apenas da valorização cambial e dos baixos preços internacionais de produtos importados e exportados pelo Brasil, e também da elevação do custo unitário do trabalho.

Diante desse quadro, o governo acena com três reações. Primeiro, procura acentuar estímulos à demanda, quer para elevar o consumo, quer, como diz a presidente Dilma, para "libertar o espírito animal" dos empresários, levando ao aumento da formação bruta de capital fixo. Além de o BC prosseguir baixando a taxa real de juros, devem ampliar-se as pressões para expansão do crédito,com o uso dos bancos públicos. Já há alguns meses vêm caindo as taxas de 12 meses de expansão do crédito de bancos privados nacionais, o que se deve em grande parte à inadimplência elevada do crédito ao consumidor provocada pelo exagero no financiamento a automóveis em 2010, mas em contrapartida vem se elevando a taxa de 12 meses de expansão do crédito de bancos públicos, e entre eles o BNDES, que deve ser premiado com novas transferências do Tesouro.

Segundo, o governo quer evitar a continuidade da valorização cambial e, se possível, gerar algum enfraquecimento adicional do real. Para isso manterá elevadas as intervenções no mercado de câmbio e, se necessário, poderão ser tomadas novas medidas tributárias para desestimular ingressos de capitais. Terceiro, pode intensificar formas disfarçadas de protecionismo, como o uso de alíquotas diferenciadas de impostos indiretos domésticos, como aumento das alíquotas do IPI sobre produtos importados que tenham simulares domésticos, como já ocorreu nos automóveis.

Outra linha de ação é o aumento puro e simples do protecionismo. Há sinais de que o ministro do Desenvolvimento vem criticando a "timidez"do ministro da Fazenda em elevar as barreiras protecionistas e o controle da taxa cambial, e não sabemos até que ponto a presidente Dilma é simpática a ações discricionárias mais fortes neste campo.

No pressuposto de que "a demanda cria a própria oferta" o governo provavelmente vai disparar novos estímulos à demanda e novas formas de evitar os "vazamentos" da demanda para o exterior.Oque esperar?

Se no contexto de fortes estímulos à demanda doméstica o governo tiver sucesso em enfraquecer o real e/ou elevar direta ou indiretamente o protecionismo, colherá um aumento adicional da inflação. Os dados de preços mostram que a inflação de "serviços" continua elevada devido às pressões salariais. Essas pressões tenderão a se acentuar com novos estímulos à expansão da demanda. Lembremos que a contribuição maior para reduzir a inflação vem dos preços dos bens "tradables" industrializados, que se interromperá com o enfraquecimento do real e o aumento do protecionismo.

Se o governo ainda estiver comprometido com a inflação baixa, terá de limitar o enfraquecimento do real e o protecionismo.Comisso, evitará inflação mais alta nos bens "tradables industrializados", mas ao continuar estimulando a expansão da demanda não conterá a alta de salários reais.O mais provável, contudo, é que a perseguição de uma meta de inflação mais baixa seja coisa do passado.

Infelizmente esse é um quadro no qual não há preocupações com a produtividade e com a eficiência econômica. A busca desses objetivos não parece ter importância, mesmo porque produz resultados apenas a longo prazo, e o horizonte do governo é o do seu mandato, e não o que garanta o crescimento de longo prazo.

Corda no pescoço - DORA KRAMER


O Estado de S.Paulo - 08/04/12


O senador Pedro Simon ressalva que tem receio de confundir sua posição pessoal com a análise fria da situação, mas na percepção dele desta vez o Senado não tem outra saída.

Ou põe para funcionar o Conselho de Ética e dá prosseguimento ao processo de cassação de Demóstenes Torres por quebra de decoro ou estará irremediavelmente em rota de colisão com a sociedade.

Diferentemente de outras ocasiões em que mandatos aparentemente condenados foram salvos pela força do compadrio, agora não há recuo possível.

"A opinião pública está mobilizada, manifesta-se por todos os meios e não há como ignorar essa pressão", diz ele, cuja avaliação é compartilhada por outros políticos.

Simon faz uma comparação com o clima que levou à aprovação da Lei da Ficha Limpa. Se dependesse só da vontade dos partidos e dos políticos, estaria até hoje em alguma gaveta da Mesa Diretora ou das comissões. Mas, quando a sociedade pôs a faca no peito do Parlamento, não houve jeito.

"Vivemos, nesse caso, algo semelhante: a completa impossibilidade de tomar outra atitude a não ser seguir adiante porque o Congresso deve isso a si", diz, lembrando que a alta popularidade da presidente Dilma Rousseff deve-se em boa medida à imagem que passa de intransigência em relação aos políticos e à falta de ética na política.

Nesse cenário, o Senado agiria agora menos por deferência à preservação do decoro e mais por uma questão de autodefesa diante da pressão da sociedade e da contraposição estabelecida entre o que é percebido como austeridade da presidente e o que é creditado como licenciosidade do Congresso.

Pela beirada. A demora na nomeação dos integrantes da Comissão da Verdade é atribuída à necessidade de adoção de critério cirúrgico na escolha dos nomes. É um dado, mas não o único e, nessa altura, nem o principal. O atraso parece obedecer a um roteiro estratégico a fim de dar tempo ao tempo na dissipação das reações entre os militares.

A formação de uma comissão da verdade "paralela" na Câmara e as propostas de criação de colegiados semelhantes em diversos Estados ajudaria no processo de tornar o levantamento de informações sobre agressões aos direitos humanos durante a ditadura um fato natural e, sobretudo, consumado.

Pássaros na mão. Loucos pela vaga de vice na chapa de José Serra para a Prefeitura de São Paulo, o PSD e o DEM oficialmente dizem que não farão exigências ao PSDB.

Na prática pressionam pesado, cada qual com seus argumentos. O PSD invoca a afinidade com os tucanos, a fidelidade de Gilberto Kassab a Serra e a preferência do candidato pelo nome do ex-secretário municipal de Educação, até o ano passado filiado ao PSDB, Alexandre Schneider.

O DEM fala da possibilidade de apoiar Gabriel Chalita, do PMDB, recorre à proximidade com o governador Geraldo Alckmin e alega que seu tempo de televisão (1min40s) pode fazer diferença.

Se o PSD não ganhar na Justiça direito a espaço próprio no horário eleitoral, o partido será um peso para a coalizão, pois os tucanos teriam de dividir o tempo com os candidatos a vereador de Kassab.

Soma zero. São cinco, dos 23 com representação na Câmara, os partidos - PSDB, PT, PTB, PPS e PP - até agora com deputados de alguma maneira envolvidos com a arte de fazer negócios e influenciar pessoas do sistema Cachoeira.

Da totalidade das legendas, só o PMDB, o PC do B, o PDT, o PSD e o PSB têm peso entre as que estão por ora fora da cena. Ainda assim compartilham interesses eleitorais e legislativos com os implicados.

Os 13 partidos restantes são residuais e/ou satélites dos médios e grandes. Se nenhum deles decidir jogar os seus ao mar, é só fazer a conta para concluir que uma CPI pode até ser instalada, mas não prospera.

Voo da alegria - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 08/04/12

Os governadores do Nordeste vão acompanhar a presidente Dilma na viagem aos Estados Unidos. Lá, eles assinarão contratos de financiamento com o Banco Mundial num valor global de US$ 3,5 bilhões. Com a queda da receita do Fundo de Participação dos Estados e da arrecadação do ICMS, devido à crise econômica e às ações do governo Dilma para estimular a indústria, esses recursos vão irrigar os

dois anos de final de mandato.

Mesmo aliados, os governadores do Nordeste têm se queixado muito das medidas adotadas pela presidente Dilma. Nesta semana, após o anúncio da segunda fase do Plano Brasil Maior, o governador Eduardo Campos (PSB-PE) foi um dos que reclamaram da ausência de um corte regional nas medidas. No mês passado, Campos e o governador Jaques Wagner (PT-BA) enviaram uma carta à presidente reivindicando incentivos fiscais diferenciados para favorecer a instalação da indústria automobilística na região. Eles estão descontentes. Cada vez que há um corte no IPI, para manter empregos no Sudeste, caem os recursos do Fundo de Participação dos Estados para o Nordeste.

Respeitado o direito de defesa, a situação exige rito sumário!” — Chico Alencar, deputado federal (PSOL-RJ) sobre o envolvimento de Carlos Leréia (PSDB-GO) e Sandes Junior (PP-GO) com Carlinhos Cachoeira.

PROJETO. 
O apoio do PSD a José Serra para prefeito de São Paulo não significa alinhamento aos tucanos na sucessão estadual. O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, está trabalhando para que o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, na foto, seja candidato ao governo paulista contra o governador Geraldo Alckmin (PSDB) em 2014. Kassab é candidato ao Senado, mas pode concorrer à Câmara dos Deputados se for para agregar um partido forte na aliança.

Freio

A direção mundial da Volkswagen enviou, estes dias, uma carta aos governadores do Nordeste, informando que foi adiado o investimento em nova fábrica no Brasil. Devido à crise mundial, vão ampliar a fábrica de Taubaté (SP).

Faca na bota
No baixo clero da Câmara, sobretudo o governista, há um sentimento difuso de que criar a CPI do Carlinhos Cachoeira poderia ser bom. O governo Dilma não tem agenda neste ano, com a CPI eles voltariam a ser paparicados pelo Executivo.

A Lei Dornelles sobre Planos Econômicos
Experiente político, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ), ministro da Fazenda no governo Sarney, diante da repercussão ao anúncio da segunda fase do Plano Brasil Maior, chegou à conclusão de que todos os planos despertam as mesmas reações. E resume: “Quem não participa da elaboração diz que foi malfeito. Os que não entenderam afirmam que ele é inócuo. Os prejudicados dizem que é um absurdo. E os beneficiados criticam, pois esperavam que fosse feito muito mais”.

Comportados...
MST não é mais aquele. Na sexta-feira, os sem-terra protestaram em 8 das 12 cidades da Copa de 2014. Setecentos deles invadiram o canteiro de obras do Itaquerão, São Paulo. Mas duas horas depois, para não parar a obra, eles se retiraram.

E grandiloquentes

Para justificar sua ação, o MST adotou como seu o libelo da organização “Resistência Urbana”. Ele diz: “Contra os crimes da Copa de 2014. Despejos... Dinheiro público, lucros privados... O povo não pode ser refém da sua arte”.

MSTcom o Abril Vermelho, e a Contag, com o Grito da Terra, pretendem cobrar mais investimentos na aquisição de terras para fins de reforma agrária.

A PRESIDENTE
 Dilma não pretende atendê-los. Sua orientação para o ministro Pepe Vargas (Desenvolvimento Agrário) é a qualidade dos assentamentos já existentes.

A AVALIAÇÃO
 no governo Dilma é que as centrais sindicais (CUT, Força, CTB etc.) não conseguiram ganhar os trabalhadores para a luta pela jornada de 40 horas semanais. Diz um ministro: “O trabalhador quer trabalhar e ganhar mais para consumir mais”.

GOSTOSA


Caderninho de viagem - JOÃO UBALDO RIBEIRO


O Estado de S.Paulo - 08/04/12


Tempo bom era o de Marco Polo, em que o sujeito fazia viagens longuíssimas pelo mundo todo e, ao voltar, podia contar algumas das mais magníficas mentiras de que se tem notícia. Mais chegado a nós, o grande Fernão Mendes Pinto é um dos maiores representantes dessa hoje injustiçada categoria. Não me lembro agora das histórias que eles contaram, mas era uma imensa fartura de portentos e maravilhas de todos os tipos. Devo estar misturando tudo, mas creio que havia monstros com a barriga em cima do pescoço e uma cabeça falante em cada pé, monarcas cujos palácios eram construídos de ouro puro cravejado de rubis, rios de leite e mel, lindas mulheres aladas que arrebatavam rapazes pelos ares, desfrutavam deles e depois os devoravam vivos, animais falantes usados como conselheiros, magos que faziam clarear, escurecer ou chover, abismos que levavam ao centro da Terra.

Alguns privilegiados, que, como eu, tiveram a fortuna de nascer na Itaparica de antigamente, ainda pegaram, em escala muitíssimo menos espetacular, mas ainda assim emocionante, relatos de outros viajantes, tais como o finado Nelsinho Bololó, que esteve quatro meses no Rio de Janeiro e, quando voltou, não só passou a falar carioquês o resto da vida, como enfrentava dificuldades em reconhecer os mariscos da região, com a célebre pergunta, diante de um caranguejo, sobre que bichinho esquisito era aquele. Comenta-se que o vendedor de caranguejos, o também finado Gueba, retrucou, não sem uma certa aspereza, que era qualquer coisa relacionada com a mãe do perguntador, mas a versão não é confirmada pelas raras testemunhas ainda sobreviventes.

A televisão também impressionou bastante Nelsinho, foi descrita como uma espécie de cinema, em que o sujeito via tudo, sem sair de casa. Futebol, por exemplo, era perfeito e, assistindo ao jogo pela televisão, o espectador podia até mesmo xingar o juiz, porque ele ouvia e às vezes respondia ao xingador, geralmente com uma banana em sua direção, porque uma resposta oral seria abafada pelo barulho da torcida no estádio. Mas, de tudo o que Nelsinho viu do adiantamento do Rio de Janeiro, o que provocou os comentários mais empolgados foi o cruzamento de urubus com galos de briga, muito praticado pelas rinhas cariocas, que rendia, quando nas proporções certas, contendores invencíveis. E, ao que parece, fez escola na ilha, onde me falam sempre desses cruzamentos e dizem que Vavá Major tem alguns galubus em seu plantel, mas não os mostra a ninguém, com medo do Ibama.

Hoje em dia, a novidade está difícil, até mesmo nos Estados Unidos, de onde ora lhes escrevo. Uma delas põe em conflito duas abordagens técnicas diversas, a respeito do fumo em lugares públicos. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, o limite é o da marquise do estabelecimento ameaçado pelo fumante. Acho que as polícias de ambos os Estados usarão fios de prumos. Para dirimir divergências sobre se o suspeito de fumaça ilegal está ou não debaixo da marquise, o policial acionará o fio de prumo. Já aqui, à porta de um simpático restaurante de Illinois, ninguém dá importância à marquise. A determinação é jogar o cigarro fora quando se estiver a uma distância de 13 pés da entrada do restaurante, nem um pé a menos. A abordagem deverá ser estudada para adoção entre nós, porque apresenta a óbvia vantagem de vir a ser criado, com os indispensáveis empregos e cargos comissionados, o Serviço Estadual de Marcação da Distância entre o Fumante e a Porta do Estabelecimento Público, com técnicos especializados de nível superior e normas baixadas pela Anvisa.

Outra coisa que se nota não chega a ser propriamente novidade, porque todo mundo sabe que os Estados Unidos são obsedados por raça de gente. Faz pouco tempo, distinguiam brancos, negros e índios, como até hoje fazem, apenas substituindo as antigas designações, não sei bem com que serventia, porque um índio americano discriminado continua a ser discriminado, se chamado de Native American, como é o correto hoje em dia. Discrimina-se do mesmo jeito, mas com elegância terminológica, o que certamente é bom para o ego dos índios e faz toda a diferença, como hoje se diz.

Contudo, o mundo rola e, ao que parece, as necessidades de classificação racial vêm aumentando. Talvez devamos ser compreensivos em relação a esse fenômeno. Sem saber claramente a raça do interlocutor, pode ser que os americanos não acertem a conversar, ou a ausência desse dado lhes cause problemas neurológicos, não devemos subestimar os dramas alheios. O fato é que, nos anos recentes, o panorama racial tem passado por alterações, notadamente com o aumento da imigração de grandes contingentes de indivíduos originados da América Latina, o que lá seja isso. Como rotular convenientemente esse pessoal todo? Morenos, louros, mestiços, agora são todos Latinos ou Hispanics, incluindo brasileiros em ambas as categorias. Acrescentem-se a isso os Asians, também cada vez mais numerosos. Talvez, por ignorância, eu esteja deixando de lado um ou outro grupo também importante e é possível que os argentinos já esteja pleiteando uma classificação especial, qualquer coisa como Esplendorosos, ou algo assim.

A tendência é estabelecer-se certa confusão. O governo já deve ter notado esse perigo e creio que em breve serão iniciados estudos de Antropologia, Sociologia, Demografia, Linguística e outras disciplinas, para a correta designação da raça de cada um, esse elemento essencial para a vida contemporânea, que tanta falta faria, se ignorado. Imagino uma operação de centenas de milhões de dólares, que resultará na criação de uma complexa tabela de raças. Deverá ser muito útil para prisões, bombardeios, deportações, aplicação de pena capital e outras necessidades - a Humanidade não cessa de progredir.

Ueba! Tô com overdose de ovo! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 08/04/12

Demóstenes fez cocô na sala e limpou com o tapete! Ficou com cara de quem soltou pum na aula!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Piada pronta direto da Bahia: "Deputado Roberto Carlos investigado pela Operação Detalhes". Rarará!
E o Brasil é lúdico! Olha a placa num supermercado da Lapa: "Bacalhau Sheila Mello R$ 64 o quilo". Comeram a Sheila Mello na Sexta-Feira da Paixão! E o alto-falante das Lojas Americanas do Distrito Federal: "Senhores clientes, favor não apertar os ovos no interior da loja".
E, em Barretos, tinha um estabelecimento: "Aves e Ovos Alves". É hoje! Páscoa! Chega de ovo! Menos ovo e mais galinhagem! Num guento mais ver ovos. Nem os meus!
Tem ovo até do Batman. Sendo que o ovo do Batman é do Robin. Já tem dono! E sabe como nasceu o ovo de Páscoa? O coelho comeu a galinha! Pronto! O coelho encontrou a porta do galinheiro aberta, entrou e deu uma coelhada rápida na galinha. E nasceu o ovo de Páscoa!
E sabe como faz aquele ovo vermelho de botequim? Passa batom no fiofó da galinha! Rarará! Antigamente, Semana Santa era assim: trevas, endoenças, Paixão, Aleluia e Páscoa. Hoje é ovo, ovo, ovo! Tanto que um menino misturou tudo na cabeça e perguntou pro pai: "Pai, Jesus era um coelho?". Era e fez a multiplicação dos ovos de Páscoa no Carrefour! Rarará!
Nesta semana, fui ao super e tive que fazer compras de gatinhas, de quatro. Embaixo do Túnel de Ovo! Aí levantei o braço e peguei um ovo. Pra comprar? Não, pra abrir caminho! Rarará!
E o personagem da semana: Demóstenes! Com aquela cara de ovo de Páscoa. Esse fez cocô na sala e limpou com o tapete! Ficou com cara de quem soltou pum na aula! Demóstenes se desfilia do DEM! Errado! Como punição, o Demóstenes devia ser condenado a FICAR NO DEM! Só sobrou o ACM Neto. E um cara no meu Twitter falou que o ACM Neto é tão pequeno que devia se chamar ACMeio Neto. Rarará! Sobrou meio deputado. Meio neto!
E DEM agora quer dizer Deu Em Merda! Rarará! Antigamente, era Deixa Eu Mandar e Deixa Eu Mamar, agora é Desespero Em Marcha!
E o senador Agripino falou que o DEM está em xeque. Em cheque especial do Cachoeira. Rarará! E como disse o chargista Amarildo: o Demóstenes saiu do DEM e agora se chama Óstenes! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

O copo do mundo é nosso! - AGAMENON


O GLOBO - 08/04/12

ENQUANTO ISSO, o bicheiro hidrelétrico Carlinhos Cachoeira continua gerando milhões de kilowatts em escândalos

Finalmente o Congresso Nacional tomou uma medida certa. E não foi uma medida só não! Tomaram todas! Agora é lei: a bebida está liberada nos estádios durante a Copa do Mundo de 2014, para alegria da Ambebe, a maior multinacional cervejeira brasileira do mundo! A cachaça, a birita e os birinaites tinham mesmo que ser liberados na Copa. Só mesmo muito doidão e de cara cheia o torcedor brasileiro vai conseguir aturar essa seleção do Mano Menezes.

Para celebrar esta decisão, enchi a cara e fui visitar as obras do Maracanã, o Mario Filho. Como estava mais alcoolizado que o Adriano, fiquei surpreso e animado com o ritmo das obras: em vez de um estádio só, vi dois estádios! Estavam inacabados, é verdade, mas tinham dois iguaizinhos. Em seguida, resolvi tomar uns aperitivos com o Lula e fomos visitar o estádio de Itaquera, o Cachação. Comparado ao Coliseu de Roma, ao Parthenon grego e à Stonehenge, na Inglaterra, as obras estão em ritmo frenético. E os outros estádios Brasil afora também estão bastante adiantados: o Estádio do Caju Amigo no Ceará, o Beba Rio em Porto Alegre, o Caipirinhão em Recife e o Maracaninha no Rio de Janeiro.

Pode ser que os estádios não fiquem prontos para a Copa das Bebemorações, mas uma coisa é certa: a ressaca já está garantida para 2014!

AGAMENON MENDES PEDREIRA disse que sua ligação com o bicheiro Carlinhos Cachoeira não passa de cascata

Carecóstenes Torres

O senador do DEM, Demoscrotos, apesar de tirar onda de honesto e ético, foi pego numa gravação do "Jornal Nacional" e mostrou que era um pau-mandado do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Pelas fitas, a Polícia Federal descobriu que este Cachoeira, um hidro-contraventor aquático, é responsável pela geração de um enorme volume de dinheiro que molha a mão de vários políticos no clima seco do Planalto Central. Pelo conteúdo escabroso das gravações, podemos afirmar que DEMóstenes Torres mantinha uma relação promíscua extraconjugal com o empresário do jogo e não passava de um senador caça-níquel. Nunca antes na História do Brasil se viu no Senado um sujeito tão mentiroso, falso e mau-caráter como o senador careca de Goiás. E olha que o Collor, o Sarney e o Jader Barbalho estão no Senado! O IBAMA agora quer saber se a cara de pau do senador é de madeira de lei, quer dizer, madeira fora da lei. Ex-obeso, Porcóstenes Torres fez cirurgia de redução do caráter e chegou a perder toda a vergonha localizada na cara. Encurralado pelos fatos, o senador do Demoescrachos agora está torcendo para que as investigações da polícia não DEM em nada.

Economia, trunfo e risco - JOÃO BOSCO RABELLO


O Estado de S.Paulo - 8/04/12


A presidente Dilma Rousseff tem tratado a economia no âmbito interno do governo como trunfo e risco de seu primeiro mandato e, por conseguinte, da expectativa de reeleição. As últimas medidas na área econômica têm esse viés de preservação da estabilidade num reconhecimento de que a ela deve ser atribuído o alto índice de aprovação do governo e, mais ainda, da presidente.

O princípio de que a bonança econômica blinda qualquer governo de suas deficiências se aplica de forma clara na interpretação da pesquisa mais recente. Os índices de reprovação à gestão de Saúde e Segurança são maiores que os de aprovação ao governo, mas a presidente ficou acima de tudo isso, com 77%.

O Planalto esperava a preservação do patamar anterior de popularidade da presidente, mas seu aumento é atribuído ao enfrentamento com a base aliada, expondo a voracidade fisiológica do Congresso e a resistência da classe política à reforma de hábitos e costumes já no índex da sociedade.

As duas pontas - crescimento econômico e resistência ao toma lá dá cá - devem seguir, portanto, como estratégia política de governo. O cuidado que a presidente tem recomendado aos seus auxiliares mais diretos é não transformar resistência ao fisiologismo em afronta ao Congresso.

Por esse raciocínio, os políticos é que são responsáveis pelo desgaste de sua imagem e, ao não ceder a demandas indevidas, o governo apenas dá visibilidade a isso.

Em tempos de Ficha Limpa, Lei de Acesso à Informação e exigência de transparência na gestão pública, o Congresso é que deve resgatar sua imagem.

Rico antes

de velho

Nos fóruns internacionais, a presidente Dilma Rousseff tem dito aos seus interlocutores que até 2032, ou um pouco mais, o número de pessoas no Brasil em idade e condições de trabalho será maior que o número de crianças, jovens, deficientes e idosos. E que essa "janela demográfica", já fechada ao mundo desenvolvido, dá ao País condições invejáveis de crescimento sustentado. Sua síntese tem sido a de que a missão de seu governo é conduzir projetos capazes de fazer do Brasil um país rico antes de ficar velho.

Código na pauta

A performance nas pesquisas está na raiz também da decisão do governo de enfrentar o desgaste com os ambientalistas e flexibilizar as negociações na Câmara com relação ao Código Florestal. Dobrado por 400 votos ruralistas suprapartidários, o governo deve renovar pela sexta vez o decreto que suspende a Lei dos Crimes Ambientais, evitando sanções aos produtores, que vence no dia 11. A providência abre caminho para votação do código em 17 ou 24 de abril.Sob controle

O governo quer concentrar a gestão de recursos dos fundos constitucionais no Ministério da Fazenda para controlar o volume de financiamentos e empresas beneficiadas. A premissa é a de que a descentralização da gestão favorece um mesmo grupo, que capta recursos em diferentes fundos. O primeiro passo foi a transferência do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante para a Fazenda. Estão na mira Fundos Constitucionais do Norte (FNO) e do Nordeste (FNE).

Pouca energia - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 08/04/12

Preço da eletricidade torna a indústria menos competitiva; redução depende de cortes em tarifas e tributos que a Presidência reluta em tocar

A perda de competitividade da indústria brasileira decorre de uma miríade de fatores, em especial do custo dos tributos, da infraestrutura precária e da burocracia tributária e trabalhista.

Há um elemento adicional, porém, em que o Brasil se destaca muito do restante do mundo: o preço da energia, que representa parcela relevante dos custos das empresas, em particular na indústria.

Segundo estudo da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), a tarifa industrial de consumo de energia alcança, em média, R$ 329 por megawatt-hora (MWh), 53% acima da média global. Nos EUA, por exemplo, a tarifa fica em R$ 117,4 por MWh.

É um paradoxo. A matriz energética brasileira se baseia na eficiente geração hidrelétrica, e muitas das usinas geradoras são antigas, já amortizaram o investimento. Mas essa vantagem potencial não alcança o consumidor.

Para deslindar a questão, é preciso considerar a composição da tarifa elétrica. Segundo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), a somatória de geração, transmissão e distribuição (GTD) representa, em média, 63% do valor final. Desses 63%, metade corresponde à geração.

Os 37% restantes decorrem de impostos (26%) e de vários encargos setoriais (11%). Muitos desses encargos são anacrônicos, pois se esgotaram os motivos de sua criação (como a contribuição para o programa Luz para Todos, extinto).

Os principais impostos são PIS/Cofins e ICMS, com alíquotas de 9,35% e 25%, respectivamente, em média. No caso do ICMS, há a aberração adicional de cobrar o imposto "por dentro", ou seja, com inclusão do tributo na própria base de cálculo: numa área com alíquota de 25%, o impacto real do imposto resulta em 33%.

Há duas formas principais de reduzir o custo da energia: cortar preços de GTD, de um lado, e os encargos e impostos, de outro.

O estudo da Firjan aponta que, para alcançar padrões internacionais, o custo de GTD precisaria cair 35%. O vencimento de numerosas concessões -em 2015 expiram contratos de cerca de 22% do parque de geração, 60% da transmissão e quase todas as distribuidoras estatais- em tese oferece uma oportunidade para a redução de valores.

Ela não será significativa, porém -não na velocidade necessária. Mesmo que o governo zerasse as tarifas de geração e transmissão das concessões renovadas, a diminuição máxima possível do preço final seria de apenas 10%.

Eis um cálculo simples: a geração representa 31% da tarifa, e vencerão 22% das concessões de geradoras; no caso hipotético de tarifa zerada, a redução seria de, no máximo, 6,8% (31% de 22%). A mesma conta resultaria em 3% de corte pelo lado da transmissão.

Na prática, a redução da tarifa será bem menor que isso, pois o governo parece trabalhar com uma queda no preço de, no máximo, 30%, com vistas a preservar a capacidade de investimento das empresas geradoras, especialmente da Eletrobras.

Além disso, o custo de novas usinas não é baixo. Fontes alternativas de energia térmica e biomassa, além das novas hidrelétricas, vendem energia a preços médios próximos de R$ 100 por megawatt.

Do lado da distribuição, a revisão periódica de tarifas deve resultar em redução mais significativa neste ano. Os ganhos de produtividade e a diminuição da estimativa de custo de capital aplicada pela Aneel podem permitir, em alguns casos, um recuo de cerca de 10% no valor final.

Parece viável pensar, portanto, em cortes de 10% a 20% nos preços de GTD nos próximos anos. Traria um benefício real, mas ainda insuficiente.

Para que haja queda mais sensível, em prazo razoável, é preciso contemplar os impostos. E, nesse caso, o alvo principal é o ICMS.

Há resistência natural dos governos dos Estados a reduzir o ICMS, pois as concessões públicas, como energia e telefonia, contribuem com parcela significativa de sua arrecadação. Mas, tal como no caso de GTD, também se avizinha uma oportunidade para aliviar o peso dos impostos.

Estão em debate no Congresso a divisão dos royalties do pré-sal, as mudanças nas alíquotas interestaduais do ICMS (para conter a guerra fiscal) e uma nova fórmula de partilha do Fundo de Participação dos Estados. Além disso, os governadores (com razão) querem renegociar os juros que incidem nas dívidas com a União, defasados após sucessivas reduções da taxa básica pelo Banco Central.

São assuntos aparentemente desconexos, mas que se encontram no tema da divisão de receitas entre os entes federativos.

A presidente Dilma Rousseff, neste segundo ano de mandato e gozando de alta aprovação, deveria liderar um debate nacional sobre a melhor forma de cortar esse nó górdio e dotar o país da energia e dos tributos na justa medida para sustentar o crescimento.

A nova miopia latino-americana - MAC MARGOLIS


O Estado de S.Paulo - 08/04/12


Quando os chefes das nações americanas se reunirem na próxima semana cidade colombiana de Cartagena das Índias, na Cúpula das Américas, assunto não lhes faltará.

As economias latino-americanas vão bem, mas o comércio entre os vizinhos está menos livre e politizado demais. Nos principais países bolivarianos - Bolívia, Equador, Nicarágua e Venezuela -, a liberdade de imprensa está em retrocesso. Em vários lugares, cartéis criminosos usurpam a paz e a ordem democrática, enquanto a América Central enxuga o gelo em uma guerra contra o tráfico de drogas.

No entanto, para quem imagina que surgirão acordos de peso na costa colombiana, a sexta Cúpula das Américas tem tudo para decepcionar. No lugar de pactos, haverá palavras bonitas e foguetório ideológico. Das 33 nações com presença confirmada, duas devem monopolizar os debate.

A primeira, pela sua ausência, é Cuba, cujo regime, embora habilitado a voltar à Organização dos Estados Americanos (OEA), foi "convidado" a não comparecer para garantir a participação da segunda, os EUA. Sem o presidente Barack Obama, a cúpula não passaria de um happy hour com cumbia.

Mesmo assim, a presença gringa pode não trazer muitas luzes. Com a Síria em polvorosa, a guerra inglória no Afeganistão e as ambições atômicas do Irã, a América Latina mal aparece no radar de Washington.

E, quando aparece, não encaixa, já que nenhum governo latino-americano apoia o cinquentenário embargo americano a Cuba e quase todos rejeitam as sanções unilaterais contra Teerã. Inclusive o governo da brasileira Dilma Rousseff, que deve antecipar o recado em sua visita à Casa Branca a partir de amanhã.

Eleição. Tampouco ajuda o fato de que Obama trava em casa a maior batalha de sua carreira. O presidente tenta a reeleição enquanto a Suprema Corte ameaça defenestrar sua ousada reforma da saúde publica. Tamanho é seu desprestígio que a principal diplomata para as Américas, Roberta Jacobson, sequer foi confirmada no cargo pelo Congresso de maioria republicana.

Por essas e outras é que o ex-presidente peruano Alan García chamou a cúpula de "diálogo de surdos em que cada presidente chega com seu discurso feito para culpar alguém por seus problemas". Quase sempre o culpado é o Tio Sam ou o "horroroso" sistema financeiro internacional.

Mais do que a estridência, o perigo desse evento trienal da OEA é a irrelevância. O condomínio das Américas já teve momentos de coragem e de lucidez. O maior deles foi na "Carta Democrática Interamericana", de 2001, que afirmou que "os povos da América têm direito à democracia e seus governos têm a obrigação de promovê-la e defendê-la".

O problema é que o continente ficou prisioneiro de uma definição ultrapassada de democracia. Finda a Guerra Fria, o golpe de estado clássico está em vias de extinção na América Latina, senão no mundo - o de Mali está aí para me desmentir, mas foi mais uma exceção à regra no continente africano.

No entanto, esbanja saúde seu sucessor, o golpe velado, por meio do qual governantes populistas insuflam sua maioria para centralizar o poder, esvaziar parlamentos, lotear a justiça e retalhar regras eleitorais.

Quem precisa de tropas e de tanques quando pode controlar juízes, transmitir notícias por canais oficiais e governar por Twitter?

Assim, a OEA não titubeou ao condenar o golpe contra Hugo Chávez, em 2002, mas ignorou a manipulação escancarada do pleito venezuelano no ano passado que atropelou as urnas e presenteou o chavismo com o controle do Parlamento.

Honduras. Governantes soltaram o grito retumbante contra a derrubada do presidente hondurenho Manuel Zelaya, em 2009, mas não disseram nada quando Zelaya tentou drible a Constituição para permanecer no poder, no melhor estilo bolivariano.

O absurdo da base americana de Guantánamo e o bloqueio à economia cubana são sempre denunciados, mas a liberdade sufocada na ilha some no Triângulo das Bermudas dos países latino-americanos. Golpe amigo é outra coisa.

Eis a nova miopia latina, onde a democracia virou a prática torta escrita por linhas certas. Sem uma revisão de sua cartilha, a Cúpula das Américas pode não passar de uma câmara de ventos.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 08/04/12



Espaço para idéias

Ambientes confortáveis, que lembram o clima de casa ou que fornecem área para descanso, propiciam a inovação e aumentam a produtividade, afirmam pesquisadores

Mesas de sinuca e de pebolim ao lado das de escritório. O modelo de salas mais descontraídas para o funcionário pensar e criar, mas principalmente conviver com os colegas e trocar ideias, ficou famoso com o Google.

Hoje, porém, não está mais restrito às empresas de tecnologia, nem aos EUA.

No Brasil, a companhia de marketing 9ine, do ex-jogador Ronaldo, por exemplo, tem também videogame e minicesta de basquete.

Algumas reuniões ocorrem no meio do escritório, ou em um ambiente dentro de um cubo espelhado com mesa e pufes confortáveis.

Essas salas menos comuns facilitam o surgimento de ideias inovadoras.

O trabalho solitário deve ficar para quando o funcionário precisa desenvolver seu ponto de partida, segundo Aline Souki, professora-associada da Fundação Dom Cabral.

"Para criar, é preciso existir um momento coletivo. Com a discussão, com o conflito, é que aparece uma ideia que ninguém imaginou."

Também onde "tempo é dinheiro", iniciativas semelhantes se disseminam.

A "boutique" de investimentos Estater, de Percio de Souza, focada em pesquisa para trabalhar propostas de fusões e aquisições, montou uma sala de "brainstorming". Nela, equipes se reúnem semanalmente para discutir propostas "fora da caixa".

"Um funcionário que trabalha em um espaço onde não fica olhando para o relógio para saber quanto tempo falta para chegar em casa e tirar os sapatos tem maior produtividade", afirma Souki.

O ambiente, além de propiciar o trabalho, pode também reter e atrair empregados, segundo André Magro, da empresa de recrutamento Hays.

Pesquisa da companhia mostra que o clima e o ambiente são fatores mais importantes que o salário para os funcionários.

O professor da ESPM Gilberto Cavicchioli diz que as empresas que proporcionam conforto costumam trabalhar com metas e exigir muito.

"Se a companhia proporciona isso é porque conhece a maturidade dos funcionários."

GRAÇA E GETÚLIO
Na antessala de Graça Foster, presidente da Petrobras, uma mesa chama a atenção. Nela, em 3 outubro de 1953, o então presidente da República, Getúlio Vargas, assinou a lei que criou a Petróleo Brasileiro S.A., como "empresa estatal de petróleo, para a execução do monopólio da União Federal". No destaque, o presidente Getúlio Vargas.

GOSTOSA


Estimular a industrialização - AMIR KHAIR


O ESTADÃO - 08/04/12


As atenções do governo estão voltadas ao processo de desindustrialização em curso no País. Para isso acabou de lançar o segundo pacote de estímulos à indústria, com medidas mais fortes do que o primeiro, o Brasil Maior, lançado em agosto.

Trata-se de um conjunto de medidas de estímulo à competitividade que envolve desonerações fiscais, crédito mais abundante, proteção contra o produto importado, medidas cambiais e preferência nas compras governamentais às empresas sediadas no País.

Conquanto essas medidas estejam no rumo certo, considero que tem alcance limitado, ficando aquém da necessidade para a retomada firme da industrialização no País.

Mas o que falta?

Alguns acham que é necessário fazer reformas, e citam a tributária, a trabalhista e a previdenciária. Outros o câmbio com o real sobrevalorizado e outros as taxas de juros cobradas pelos bancos. Vamos avaliar os argumentos, a posição do governo e apresentar propostas que possam contribuir ao debate.

O pano de fundo é a maior guerra comercial da história, com maior concorrência atingindo as indústrias em todos os países, não só aqui.

1. Reformas. Virou lugar comum falar que são necessárias reformas. Fato é que não são fáceis de serem aprovadas, pois envolvem fortes interesses em disputa no âmbito do Congresso. Foram inúmeras as propostas de reforma tributária, todas desejando simplificar as 27 legislações estaduais sobre o ICMS por uma única legislação federal com cobrança desse imposto no destino, onde o bem é consumido ou usado, ao invés de sê-lo na origem onde é vendido. Essa reforma só poderá ser aprovada se o governo bancar as perdas de arrecadação nas operações interestaduais que poderão ocorrer para oito Estados.

A reforma previdenciária no sistema geral deixou de ser necessária, pois ficou provado que o sistema urbano é e continuará sendo superavitário e o sistema rural, que é deficitário, tende a sê-lo cada vez menos com a redução da população rural. Além disso, nenhum impacto teria essa reforma para a indústria.

A reforma trabalhista, sim, teria o impacto na indústria caso fosse possível flexibilizar as regras no mercado de trabalho, mas dificilmente passa no Congresso dada a forte resistência das centrais sindicais para não permitir a perda de direitos conquistados.

Assim, apostar na solução das reformas não vai resolver, podendo inclusive piorar a situação.

2. Câmbio. É a maior dor de cabeça do governo e da indústria. A valorização do real chegou a tal ponto que é quase impossível competir com o produto estrangeiro. Para se ter uma ideia, no Plano Real, para controlar a inflação, usou-se mega taxa de juro para atrair especuladores externos para valorizar o real. Com isso formou-se a âncora cambial com o real equivalendo a um dólar. Em valores de hoje esse câmbio do Plano Real, considerando a inflação pelo IPCA valeria R$ 2,60 por dólar e pelo IGP-DI, R$ 3,60. O governo, no entanto, entende que o câmbio a R$ 1,80 por dólar está bom para preservar a competitividade industrial e teme que se for acima disso pode disparar processo inflacionário. Não creio.

O principal problema do governo, no entanto, é tentar segurar em R$ 1,80 face à enxurrada de dólares que está entrando no País. São US$ 8,8 trilhões que foram despejados no mercado pelos países desenvolvidos para evitar o colapso do seu sistema bancário desde a crise de 2008. Só parte insignificante desses recursos invadiu o País, mas a pressão continuará para penetrar nossa economia, tirando mais ainda competitividade das nossas empresas. O governo tem como estratégia para manter o câmbio em R$ 1,80, a compra de dólares pelo Banco Central (BC), que emite títulos para enxugar a liquidez advinda com a emissão monetária para efetuar a conversão. Com isso, está enxugando gelo e causando profundo rombo nas finanças do governo. Em 2011 ultrapassou R$ 100 bilhões essa operação. São recursos que poderiam ser usados para uma forte desoneração industrial.

Tenho defendido em artigos que a melhor forma de enfrentar o excesso de moeda externa é emitindo o correspondente em reais, ou seja, ampliando a base monetária. Isso não causará inflação, pois o controlador da inflação é externo ao País nos preços estagnados ou cadentes dos bens e serviços internacionais como decorrência da crise. E isso poderá se estender por vários anos.

Creio que um câmbio mais favorável à competitividade industrial deve ficar acima de R$ 2,00. Não prevejo inflação com essa depreciação, pois os preços dos importados cairão em dólar para tentar penetrar no País, dada a super oferta internacional.

3. Taxa de juro. Na crise de 2008, o presidente Lula determinou aos bancos oficiais a redução das taxas de juros e, apesar da avaliação dos bancos privados de que isso iria prejudicar os lucros e elevar a inadimplência dos bancos oficiais, o que ocorreu foi o contrário.

O governo finalmente adota essa estratégia. Ela visa ampliar o consumo e, com isso fortalecer a indústria, pois a maior parte do crescimento será atendida por ela usando sua capacidade ociosa, sem necessidade de investimento. Com o aumento das vendas, crescem os lucros e a capacidade de expansão com novos investimentos. É o círculo virtuoso do crescimento.

Atendendo determinação da presidente, na quinta feira, o Banco do Brasil reduziu suas taxas de juros e a Caixa deverá fazê-lo na próxima semana. A presidente afirmou que "não há justificativa técnica para o elevado spread bancário no País". De fato, a desculpa apresentada pelos bancos de que o spread é elevado devido à inadimplência elevada é risível, pois a inadimplência é consequência e não causa da taxa de juro. A parte do leão que querem preservar é o elevado ganho no spread.

O governo deve enfrentar essa questão conjugando outras medidas que induzam os bancos a reduzir suas taxas de juros, como, por exemplo, regular o porcentual de depósito compulsório dos bancos no BC de acordo com a taxa de juro praticada.

O caminho para o fortalecimento industrial passa pelo crescimento, que poderá ocorrer com a redução das taxas de juros bancárias e com o câmbio pouco acima de R$ 2,00. Vamos acompanhar.

Além da Rio+20 - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 08/04/12


Uma reunião em Recife nesta semana dará início aos preparativos para o Rio Clima - The Rio Climate Challenge (RCC) -, o grande evento paralelo da Rio+20 sobre clima, iniciativa das subcomissões Rio+20 do Congresso.

Grupos facilitadores, não oficiais, provenientes de países grandes emissores e de alguns países de grande vulnerabilidade, estarão reunidos paralelamente à Rio+20, em junho, para simular e modelar um esforço comum mais ambicioso, visando a um compromisso internacional sobre clima capaz de atender à demanda da ciência face ao aquecimento global.

Na definição do deputado federal Alfredo Sirkis, presidente da subcomissão Rio+20, da Comissão de Relações Exteriores e Defesa, será uma espécie de "jogo de paz" com a simulação de uma negociação entre os principais países emissores, alguns dos mais vulneráveis (menos de 20 ao todo), com a participação de atores supranacionais: agências multilaterais, ONGs, multinacionais, capital financeiro, movimento sindical.

O objetivo é chegar a um shelf agreement (acordo simbólico preparatório) em torno do limite de 450 ppm para manter o aquecimento médio do planeta neste século em 2 graus, seguindo o IPCC, simulando "um cenário factível de mitigação, adaptação e financiamento que mobilize a sociedade, influencie governos e facilite futuros avanços tanto no processo da ONU como em ações nacionais ou de grupos de países".

Serão convidados facilitadores dos seguintes países ou grupos: Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China); União Europeia (Alemanha, França, Reino Unido e UE); Umbrella Group (EUA, Canadá, Austrália, Japão, Indonésia e Rússia); Liga Árabe + Golfo (Arábia Saudita e Qatar); e Aosis (Granada, Tuvalu, Maldivas).

Os grupos de contato dos diferentes países terão três componentes básicos: político, científico e econômico.

Os organizadores pretendem que a formação dessas equipes facilitadoras misture influência política e expertise em modelagem de emissão/mitigação/adaptação e financiamento, temas que serão tópicos principais da simulação de negociações e da métrica.

Um dos principais pontos será a proposta de nova métrica unificada para metas de vários países. Atualmente, utilizam-se vários "anos-base" (1990, 1995, 2000 etc.), ou a intensidade de carbono por ponto percentual do PIB, dificultando a comparação dos esforços de diversos países.

As delegações serão comandadas por estadistas veteranos ou políticos influentes, diplomatas e quadros técnicos para explorar cenários de metas mais ambiciosas para além do Anexo I de Kyoto e dos NAMAS de Copenhagen/Cancún.

Segundo Sirkis, os quatro ex-presidentes brasileiros serão convidados para participarem do encontro em momentos diferentes.

Essas "delegações" poderão manter contato e entendimentos com seus respectivos governos e, na medida do possível, incluir quadros suscetíveis de jogar um papel futuro nas tomadas de posição nacionais relativas às mudanças climáticas.

Mas não devem representar apenas a visão oficial, para que os trabalhos do Rio Clima não reproduzam os eventuais impasses que possam surgir na negociação oficial.

Ao contrário, a ideia é que, livres das amarras oficiais, as "delegações" ofereçam soluções mais amplas que possam servir de pressão para os governos.

Por isso, os organizadores sugerem que, "no componente científico, a prioridade deve ser dada a cientistas, acadêmicos e técnicos de governo que trabalhem com cenários capazes de fornecer aos governos leques de opções. No componente econômico, é recomendável incluir quadros gestores de governos, bancos oficiais e multilaterais e da iniciativa privada".

Além dos grupos de contato por países, haverá um supranacional com a participação de organizações multilaterais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, de setores da economia global - setor financeiro, petróleo, carvão, automobilístico, agrobusiness etc. - e de ONGs de atuação internacional.

O evento paralelo à Rio+20 terá uma abertura com show acústico, em recinto fechado, de grandes artistas internacionais, como Andy Summers, do Police, que vai cantar com Gilberto Gil e outros artistas. Terá também a presença de personalidades de primeira linha, como Maurice Strong, que presidiu a Rio 92, e Yvo de Boer, ex-secretário-executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

A ideia, lembra Sirkis, teve por base o famoso Protocolo de Genebra, detalhado acordo de paz Israel-Palestina negociado por duas equipes altamente profissionais lideradas pelo ex-ministro da Justiça de Israel Yossi Beilin e pelo ex-ministro da Cultura da OLP Yasser Abed Rabbo.

Embora esse acordo permaneça na prateleira (shelf) à espera de melhores circunstâncias políticas, o processo de negociação continua inspirando movimentos mundo afora.

Os dois principais negociadores do Protocolo de Genebra participarão das reuniões tanto de Recife quanto do Rio. A presença deles gera uma pauta paralela interessante, na opinião de Sirkis, "num momento em que só se fala de guerra com o Irã e a questão palestina foi mandada às calendas gregas".

Está sendo organizada uma audiência conjunta das comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado com Yossi e Yasser, dedicada à Iniciativa de Genebra, na quinta-feira, dia 12, às 14h, no Senado.

O projeto é transformar o Rio Clima (RCC na sigla em inglês) num think tank permanente do processo de negociação do clima, tanto no da ONU quanto em outros bilaterais ou multilaterais.

Segundo Sirkis, um shelf agreement sobre clima vai ser no futuro um instrumento de mobilização da opinião pública internacional ("Sim, é possível") e pressão/apoio sobre os governos tanto no processo da ONU quanto em outros formatos que a negociação do tema venha assumir (G20, "grandes economias", acordos bilaterais etc.).

Para Sirkis, o Rio Clima fará com que o Rio de Janeiro se mantenha como cidade de referência internacional nas questões ambientais globais, posição conquistada na Rio 92 quando foi assinada a Convenção do Clima.

O teste da facada dos bancos - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 08/04/12



Redução de juros no BB e na CEF pode se transformar num teste sobre o nível de concorrência bancária


O BANCO DO BRASIL e a Caixa Econômica Federal prometem grande redução das taxas de juros, como no caso do cheque especial. Esperam assim tirar clientes de instituições privadas. A depender de como a coisa vá funcionar, a promoção pode se tornar um teste da concorrência entre bancos comerciais.

O que está havendo?

1) O governo Dilma entrou em rebuliço quando percebeu que o crescimento econômico seria também baixo no primeiro trimestre;

2) O governo atribui parte do marasmo à alta dos juros para o tomador final, apesar da queda da "taxa básica" (a Selic) desde agosto;

3) O governo deu broncas nos bancos. No caso dos estatais, a bronca já teve consequências. O governo acredita que a "liquidação de juros" nos estatais deva induzir os privados a se mexerem.

A expressão "liquidação de juros" vem devidamente entre aspas porque taxas de juros não são bananas ou geladeiras, que em geral vendem mais quando seus preços caem.

A fim de saber a influência que a "queima geral" de juros no BB e na CEF pode ter no mercado, é preciso em primeiro lugar avaliar o tamanho da promoção e as condições em que serão aceitos os novos clientes do juro baixinho. Se o movimento for pequeno, promoção de marketing apenas, não vai fazer efeito.

Segundo, é preciso lembrar que esse mercado de serviços bancários é muito imperfeito, "falho". As empresas são poucas, a informação para o cliente é ruim etc. Mais importante, neste caso: o custo de mudar de banco não é pequeno (a começar pelo custo da amolação).

Terceiro, os bancos privados podem ter razão em dizer que não vão arriscar fundos, fazer mais empréstimos, porque o mar não está para peixe, a inadimplência está alta, a economia se recupera devagar e tudo isso é risco maior -de perdas, de ameaça à saúde financeira da instituição. Podem querer deixar o prejuízo para os estatais (como muita gente pensou, equivocadamente, que seria o caso na expansão de crédito da banca pública em 2008-09).

Mas pode bem ser também que os bancos estejam confortáveis com um (suposto) baixo nível de concorrência e, assim, enfiem a faca à vontade. A facada não ocorre apenas em taxas de juros. Vide o custo da taxa de administração dos fundos de investimento. Os bancos apenas vão se mexer quando o dinheiro começar a migrar para a poupança. Pode ser que o negócio seja dominado pelo oligopólio da indolência e do conforto da baixa competição.

Nesta semana, os bancos vão pedir ao governo medidas que os ajudem a baixar os juros, que de fato são altos também porque o mercado padece mesmo de inseguranças jurídicas que encarecem o crédito e, bidu, há impostos demais.

Se levarem alguma das reivindicações, podem baixar taxas -mas isso ainda demoraria. Pode ser ainda que a redução de juros viesse com a recuperação da economia e da capacidade de pagamento média dos consumidores, mais adiante.

Assim, no curto prazo, a baixa dos juros dos estatais pode ser um teste. Se a ofensiva dos bancos públicos for relevante e os privados reagirem, dentro de alguns meses (tempo bastante para avaliar inadimplências, rentabilidades e juros), pode ser que tenhamos feito um experimento importante sobre a concorrência bancária no Brasil.