FOLHA DE SP - 13/05
A direita é grotesca, brega, primitiva, evangélica. O brega nunca tem razão
A reflexão sobre política avançou nos últimos tempos, para além da analise dos partidos ou da máquina do governo. O conceito de comportamento invadiu a reflexão sobre política. Isso significa que elementos exteriores ao interesse pelo poder propriamente dito ou pela busca de institucionalização dos conflitos, típico da política prática, influenciam profundamente o debate e a militância.
Por exemplo, alguém pode ser de esquerda só pra se sentir parte das pessoas identificadas como bacanas. Essas pessoas bacanas se juntam em jantares inteligentes, soltam expressões como “... e depois de Bolsonaro... que horror”, ao mesmo tempo que babam em cima da moda brega dos vinhos (que aparentemente nunca vai passar...). Aliás, a era Bolsonaro produziu muito prazer para quem precisa integrar uma identidade por meio do ódio. Sejam essas pessoas bolsonaristas ou sejam essas pessoas bacanas.
Ânsia de status é um fenômeno largamente conhecido no capitalismo avançado. Significa uma ansiedade específica que se pode traduzir diretamente do inglês “wanna belong” (querer pertencer): quero me sentir parte dos ungidos, como diz o intelectual americano Thomas Sowell.
Os ungidos são pessoas que podem não fazer nada de especial na vida, mas tudo que fazem, parece especial pelo traço característico de fazer o nada que fazem parecer tudo que é necessário fazer para pertencer ao grupo dos ungidos (os bacanas que falei acima).
Marcadores desse pertencimento podem ser opiniões sobre temas chaves, como sexualidade (trans, gay), restaurantes descolados, filmes alternativos, praias supostamente autênticas —uma marca essencial desse tipo de praia é que o povo não chegue perto de jeito nenhum—, lojas que frequentam, bairros que moram.
Como todo processo marcado pela ânsia psicológica e social de status, ocorre um esmagamento do sujeito: ele fica rígido, os gestos calculados, o corpo variando da histeria a imobilidade. A face perde a cor.
Neste caso, a adesão a um universo específico de ideias políticas não passa por nenhuma tentativa de entendimento da realidade, mas, muito pelo contrário, a tentativa de entendimento da realidade ficará submetida a ânsia de status em si. Esse traço de comportamento tende a se radicalizar na era do Instagram, uma vez que nessa era o que conta é a edição da vida e não a vida em si, pelo simples fato desta sempre estar imersa no fracasso do status.
O status tem a consistência do gelo: derrete diante do calor da batalha. Uma foto votando no “candidato certo” tem uma validade semelhante a uma foto ao lado de uma cachoeira supostamente descolada ou um vulcão na Islândia.
A direita, por sua vez, é grotesca, brega, primitiva, “evangélica”, malvada. Como alguém que não entende de vinhos, que usa rider, que não vê filmes alternativos, que não veste roupas de lojas descoladas, que não sabe tratar seus empregados de forma fofa, pode, algum dia, ter razão?
O brega nunca tem razão. O descolado, por gerar a ânsia de status em você, sempre parece o certo. A dimensão estética do pretensamente chique se impõe como critério de verdade.
O lugar do jovem nessa ânsia de status é fundamental: a projeção dos pais que sofrem de ânsia de status sobre os filhos implica que estes também carreguem sobre si os marcadores de status. Devem ser evoluídos (suspeito que a palavra evoluídos deve logo ir para a lata do lixo como cabala, energia, gratidão e similares), implicados com causas sociais, frequentar a praça Roosevelt, o centro de São Paulo e, se possível, ter ultrapassado a díade “macho-fêmea” na espécie Sapiens.
Aliás, os jovens (filhos, principalmente) são essenciais como marcadores em si de status. Quando você afirma que concorda com os jovens ou que reconhece que eles são melhores do que as gerações anteriores, você está, implicitamente, afirmando que você é, em si, jovem como eles. Esta, talvez, seja uma das últimas paradas no trajeto do horror que é sofrer de ânsia de status. Parte da inconsistência da esquerda hoje vem dessa patologia do comportamento.
Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.
segunda-feira, maio 13, 2019
Smartphone, um risco para o bolso - SAMY DANA
O GLOBO - 13/05
Aplicativos de celular mudaram a vida de todo mundo, mas seus usuários compram 24% a mais e também desistem mais dos produtos depois
Não é novidade dizer que os smartphones mudaram a forma como nos contatamos e nos comunicamos com amigos e familiares, como nos informamos, lidamos com nosso dia a dia etc. Esse impacto não envolve pouca gente. Segundo o IBGE , 138 milhões de brasileiros têm algum tipo de celular . E a base da mudança está nos aplicativos, os programas que rodam nos smartphones.
Mas será que essa influência se estende a nosso comportamento como consumidores ? Para ter uma resposta, Unnati Narang e Venkatesh Shankar, dois pesquisadores e professores de Marketing, examinaram os dados de 32 milhões de clientes de uma rede lojas de videogames e eletrônicos nos Estados Unidos — o nome não é citado — com forte presença na internet. O trabalho, publicado no ano passado no Journal of Marketing, vasculhou todas as compras de um grupo de consumidores por um ano.
O aplicativo não fazia vendas, apenas oferecia informações sobre os produtos. Para comprar, era preciso entrar no site da empresa ou ir a uma loja. Mesmo assim, os usuários que buscavam informações no programa compraram em 21% mais ocasiões do que os clientes que não baixaram o programa. Elas até gastaram menos — 12% — a cada compra, mas, como compraram mais vezes, o impacto no bolso foi maior. No total, gastaram 43% a mais no primeiro mês e 24% em um ano.
Algumas vendas não necessariamente são resultado do uso de smartphone. Um grupo de consumidores já comprava jogos e outros produtos com certa frequência e apenas usou as facilidades do aplicativo para obter mais informações. Porém eles passaram a comprar também jogos menos conhecidos, que estavam em oferta e eram destacados no app . No fim, também gastaram mais.
Só que essa facilidade oferecida pelo celular também aumenta a propensão a se arrepender. Entre os usuários de smartphones, as devoluções de produtos foram 73% maiores do que entre os não usuários. Antes de baixarem o aplicativo, os clientes devolviam em média US$ 9 em produtos até uma semana depois da compra. Comprando pelo celular, passaram a devolver US$ 18. Já quem continuou comprando pelo site ou indo a uma loja desistiu de apenas US$ 4 em produtos.
Aqui a resposta é fácil: se aplicativos facilitam as compras por impulso, ocorre o mesmo com o arrependimento depois. Mas por quanto tempo? Em outro estudo, os consumidores gastavam 48% mais nos primeiros 30 dias de uso do aplicativo de um programa de fidelidade das companhias aéreas canadenses. No entanto, esse efeito foi se diluindo. Seis meses depois, os gastos eram 22% maiores.
Isso, sugerem os três autores do estudo, Su Jung Kim, Rebecca Jen-Hui Wang e Edward Malthouse, deve-se ao pouco apego que a maioria das pessoas tem com os aplicativos. Sete em cada dez usuários, segundo alguns estudos, costumam abrir os apps apenas no momento em que são baixados, depois nunca mais. Os demais podem ser menos radicais, mas não costumam ser muito fiéis.
Os dois trabalhos não condenam os aplicativos, que são realmente muito úteis para se obter informações sobre os produtos ou se comunicar com as lojas. O importante, como sempre discutimos aqui, é ter bom senso e evitar as tentações. Não é porque algo está ao alcance da ponta do dedo que você tem que comprar.
Aplicativos de celular mudaram a vida de todo mundo, mas seus usuários compram 24% a mais e também desistem mais dos produtos depois
Não é novidade dizer que os smartphones mudaram a forma como nos contatamos e nos comunicamos com amigos e familiares, como nos informamos, lidamos com nosso dia a dia etc. Esse impacto não envolve pouca gente. Segundo o IBGE , 138 milhões de brasileiros têm algum tipo de celular . E a base da mudança está nos aplicativos, os programas que rodam nos smartphones.
Mas será que essa influência se estende a nosso comportamento como consumidores ? Para ter uma resposta, Unnati Narang e Venkatesh Shankar, dois pesquisadores e professores de Marketing, examinaram os dados de 32 milhões de clientes de uma rede lojas de videogames e eletrônicos nos Estados Unidos — o nome não é citado — com forte presença na internet. O trabalho, publicado no ano passado no Journal of Marketing, vasculhou todas as compras de um grupo de consumidores por um ano.
O aplicativo não fazia vendas, apenas oferecia informações sobre os produtos. Para comprar, era preciso entrar no site da empresa ou ir a uma loja. Mesmo assim, os usuários que buscavam informações no programa compraram em 21% mais ocasiões do que os clientes que não baixaram o programa. Elas até gastaram menos — 12% — a cada compra, mas, como compraram mais vezes, o impacto no bolso foi maior. No total, gastaram 43% a mais no primeiro mês e 24% em um ano.
Algumas vendas não necessariamente são resultado do uso de smartphone. Um grupo de consumidores já comprava jogos e outros produtos com certa frequência e apenas usou as facilidades do aplicativo para obter mais informações. Porém eles passaram a comprar também jogos menos conhecidos, que estavam em oferta e eram destacados no app . No fim, também gastaram mais.
Só que essa facilidade oferecida pelo celular também aumenta a propensão a se arrepender. Entre os usuários de smartphones, as devoluções de produtos foram 73% maiores do que entre os não usuários. Antes de baixarem o aplicativo, os clientes devolviam em média US$ 9 em produtos até uma semana depois da compra. Comprando pelo celular, passaram a devolver US$ 18. Já quem continuou comprando pelo site ou indo a uma loja desistiu de apenas US$ 4 em produtos.
Aqui a resposta é fácil: se aplicativos facilitam as compras por impulso, ocorre o mesmo com o arrependimento depois. Mas por quanto tempo? Em outro estudo, os consumidores gastavam 48% mais nos primeiros 30 dias de uso do aplicativo de um programa de fidelidade das companhias aéreas canadenses. No entanto, esse efeito foi se diluindo. Seis meses depois, os gastos eram 22% maiores.
Isso, sugerem os três autores do estudo, Su Jung Kim, Rebecca Jen-Hui Wang e Edward Malthouse, deve-se ao pouco apego que a maioria das pessoas tem com os aplicativos. Sete em cada dez usuários, segundo alguns estudos, costumam abrir os apps apenas no momento em que são baixados, depois nunca mais. Os demais podem ser menos radicais, mas não costumam ser muito fiéis.
Os dois trabalhos não condenam os aplicativos, que são realmente muito úteis para se obter informações sobre os produtos ou se comunicar com as lojas. O importante, como sempre discutimos aqui, é ter bom senso e evitar as tentações. Não é porque algo está ao alcance da ponta do dedo que você tem que comprar.
O benéfico efeito colateral da radicalização - GUSTAVO NOGY
GAZETA DO POVO - PR - 13/05
Os últimos embates entre Olavo de Carvalho e os militares causaram desconforto em muita gente dentro e ao redor do governo. Se as brigas não são exatamente novidade, o fato é que o ataque ao militar mais respeitado do país, General Villas Boas, foi a gota que faltava para o balde da paciência transbordar.
A cada vez mais estridente ala-ideológica-do-governo, assim com hífen mesmo, tem atacado o próprio governo para se tornar mais governo que o governo (não reparem a bagunça), e parece acreditar que radicalizando o discurso, esticando a corda, espicaçando os adultos, terminará por conseguir o que quer. E o que eles querem? Pelo jeito, desejam que as pautas mais reacionárias tomem lugar do que consideram pragmatismo frio e calculista.
Jair Bolsonaro se equilibra com dificuldade entre os extremos. De um lado, men at work: a excelente equipe econômica; o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas; os tantos militares com preparo técnico devido e prudência bem-vinda. De outro, os filhos, que não têm cargo mas agem como se tivessem; o MEC e as Relações Exteriores; e todo um miolo político cheio de gente que não se sabe ao certo o que tem feito ali.
Ainda que eu tenha muitas restrições à figura política que é – e sempre foi – Jair Bolsonaro, sou capaz de imaginar que ele talvez preferisse conduzir o governo sem tantas trombadas, rupturas e discursos. É um palpite. Entretanto, o presidente tem cedido território para que os alunos do fundão ideológico atrapalhem a aula e tomem conta da sala. Uma baderna, como diria Weintraub.
Contudo, nem tudo acontece como se espera, e o resultado desse acirramento de ânimos pode inviabilizar o governo – até mesmo o pior aspecto do governo. Aqui a ironia é deliciosa: a tentativa de radicalizar o discurso político, para fazer política com ainda mais radicalidade, pode se transformar na impossibilidade de qualquer radicalização. Explico.
Um líder autoritário tem duas maneiras de impor sua agenda iliberal e antidemocrática: submetendo o Congresso à sua vontade ou fechando o Congresso à força. Ou seja, por meio da chantagem e da corrupção (Lula fez isso); por meio do poder militar (como em 64). Ao brigar com o Congresso, ao tratar o STF como a origem da maldade e ao humilhar publicamente os militares, o que resulta é que os personagens mais radicais asfixiam o presidente, e tiram dele até a possibilidade de ser radical. Eu não reclamo.
Afinal de contas, se Bolsonaro não tem o Congresso, não tem o STF e não tem os militares – pois todos: congressistas, ministros e militares foram convertidos em oposição –, o que é que ele tem, exatamente? Os filhos, a militância virtual e adolescentes gravando aula de cursinho, porque os mais de cinquenta milhões de eleitores que o elegeram querem saber de emprego, não de ideologia. Ninguém pegará em armas para defender um governo que não merece defesa e só produz desertores.
Moral da história: ruim para eles, bom para nós."
Os últimos embates entre Olavo de Carvalho e os militares causaram desconforto em muita gente dentro e ao redor do governo. Se as brigas não são exatamente novidade, o fato é que o ataque ao militar mais respeitado do país, General Villas Boas, foi a gota que faltava para o balde da paciência transbordar.
A cada vez mais estridente ala-ideológica-do-governo, assim com hífen mesmo, tem atacado o próprio governo para se tornar mais governo que o governo (não reparem a bagunça), e parece acreditar que radicalizando o discurso, esticando a corda, espicaçando os adultos, terminará por conseguir o que quer. E o que eles querem? Pelo jeito, desejam que as pautas mais reacionárias tomem lugar do que consideram pragmatismo frio e calculista.
Jair Bolsonaro se equilibra com dificuldade entre os extremos. De um lado, men at work: a excelente equipe econômica; o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas; os tantos militares com preparo técnico devido e prudência bem-vinda. De outro, os filhos, que não têm cargo mas agem como se tivessem; o MEC e as Relações Exteriores; e todo um miolo político cheio de gente que não se sabe ao certo o que tem feito ali.
Ainda que eu tenha muitas restrições à figura política que é – e sempre foi – Jair Bolsonaro, sou capaz de imaginar que ele talvez preferisse conduzir o governo sem tantas trombadas, rupturas e discursos. É um palpite. Entretanto, o presidente tem cedido território para que os alunos do fundão ideológico atrapalhem a aula e tomem conta da sala. Uma baderna, como diria Weintraub.
Contudo, nem tudo acontece como se espera, e o resultado desse acirramento de ânimos pode inviabilizar o governo – até mesmo o pior aspecto do governo. Aqui a ironia é deliciosa: a tentativa de radicalizar o discurso político, para fazer política com ainda mais radicalidade, pode se transformar na impossibilidade de qualquer radicalização. Explico.
Um líder autoritário tem duas maneiras de impor sua agenda iliberal e antidemocrática: submetendo o Congresso à sua vontade ou fechando o Congresso à força. Ou seja, por meio da chantagem e da corrupção (Lula fez isso); por meio do poder militar (como em 64). Ao brigar com o Congresso, ao tratar o STF como a origem da maldade e ao humilhar publicamente os militares, o que resulta é que os personagens mais radicais asfixiam o presidente, e tiram dele até a possibilidade de ser radical. Eu não reclamo.
Afinal de contas, se Bolsonaro não tem o Congresso, não tem o STF e não tem os militares – pois todos: congressistas, ministros e militares foram convertidos em oposição –, o que é que ele tem, exatamente? Os filhos, a militância virtual e adolescentes gravando aula de cursinho, porque os mais de cinquenta milhões de eleitores que o elegeram querem saber de emprego, não de ideologia. Ninguém pegará em armas para defender um governo que não merece defesa e só produz desertores.
Moral da história: ruim para eles, bom para nós."
O futuro esperado que não veio - LUÍS EDUARDO ASSIS
O Estado de S.Paulo - 13/05
Nesta década, nosso PIB vai crescer cerca de 8,7% no acumulado. Exatamente a média anual dos anos 70
É preciso esforço para descolar o nariz das banalidades do cotidiano. Da mesma maneira que um nadador no mar, longe da costa, levanta a cabeça para assegurar sua direção, é preciso às vezes aferir para onde vamos. Um estudo recente publicado pela Goldman Sachs (Brazil: Two Lost Decades in Forty Years – Could it lose half a century?, A. Ramos, P. Mateus e G. Fritsch) oferece uma oportunidade para este exercício. Avaliar o progresso de uma nação é sempre um desafio. A convenção é tomar o PIB como métrica, o que está longe de ser simples para períodos mais longos, já que essa metodologia só se consolidou em meados do século passado.
Entre 1900 e 1940, o Brasil acumulou um crescimento do produto da ordem de 461%, com expansão acima de 50% em todas as décadas. Mesmo considerando o crescimento populacional acumulado de 136%, o aumento da renda per capita foi significativo, 2,2% ao ano. Ficou melhor ainda no período seguinte, entre 1940 e 1980, quando o PIB se expandiu nada menos que 1.436,8%, com média superior a 7% ao ano. Em termos per capita, isso significou 4,2% ao ano. Sim, já fomos uma China. O terceiro período de 40 anos está quase no seu final, mas seu destino está selado. Levando em conta o que o mercado projeta para 2019 e 2020, a expansão acumulada entre 1980 e 2020 vai ficar abaixo de 140%. Nesta fase, temos duas décadas perdidas. Nos anos 80, o PIB cresceu miseráveis 18,4%, com queda de 4,3% na renda per capita. Na década atual, o PIB vai crescer ainda menos, cerca de 8,7% no acumulado. Este porcentual é exatamente a média anual que crescemos nos anos 70. Dez anos em um. Se a renda per capita não cair, será pela única razão que o crescimento da população hoje é menos da metade do registrado nos anos 80.
Ao ritmo que vínhamos até 1980 o PIB dobrava a cada 13 anos. No passo dos 40 anos seguintes, o PIB dobra a cada 32 anos. Se pegarmos apenas a década de 2010, teremos de esperar 83 anos para que o produto se multiplique por dois. Este descaminho é nosso; o mundo continuou crescendo. Em 1980, o produto per capita brasileiro (em dólares constantes) era 58% maior que o do Chile e 71% menor que o dos EUA. Em 2017, ele foi 28% menor que o do Chile e 80% menor que o produto per capita americano.
Quando foi que nos perdemos? Na década de 80 podemos colocar a culpa no aumento dos juros internacionais, que quebrou países com alta dívida externa – ainda assim, será preciso questionar a incúria do próprio endividamento excessivo. Nos anos recentes, a crise é quase totalmente feita pela mão do homem, vale dizer, pela adoção de políticas equivocadas. O páreo é duro, mas a estultice que se destaca talvez seja a ideia de que os gastos públicos geram crescimento que provocará aumento da arrecadação em montante suficiente para fundear os gastos iniciais – um moto-contínuo. Também assistimos, mercê da debilidade das instituições, ao saqueamento sistemático do Estado por grupos organizados, na fúria incansável de extrair benefícios, privilégios e sinecuras. O resultado foi uma crise fiscal que ameaça quebrar o País.
Pensar que a aprovação da reforma da Previdência vai “destravar” o crescimento é doce ilusão. Não há nenhuma força que está sendo contida. O motor do crescimento está desligado. A reforma é fundamental para evitar um mal maior. Sem demanda, a capacidade ociosa e o desemprego continuarão altos. A reconstrução é tarefa de muitos anos. O IBGE nos informa que nasce um brasileiro a cada 19 segundos. Foram 6 durante a leitura deste artigo. O que eles encontrarão pela frente? Se a resposta for um país com menos educação e mais armas, perderemos mais uma década.
Nesta década, nosso PIB vai crescer cerca de 8,7% no acumulado. Exatamente a média anual dos anos 70
É preciso esforço para descolar o nariz das banalidades do cotidiano. Da mesma maneira que um nadador no mar, longe da costa, levanta a cabeça para assegurar sua direção, é preciso às vezes aferir para onde vamos. Um estudo recente publicado pela Goldman Sachs (Brazil: Two Lost Decades in Forty Years – Could it lose half a century?, A. Ramos, P. Mateus e G. Fritsch) oferece uma oportunidade para este exercício. Avaliar o progresso de uma nação é sempre um desafio. A convenção é tomar o PIB como métrica, o que está longe de ser simples para períodos mais longos, já que essa metodologia só se consolidou em meados do século passado.
Entre 1900 e 1940, o Brasil acumulou um crescimento do produto da ordem de 461%, com expansão acima de 50% em todas as décadas. Mesmo considerando o crescimento populacional acumulado de 136%, o aumento da renda per capita foi significativo, 2,2% ao ano. Ficou melhor ainda no período seguinte, entre 1940 e 1980, quando o PIB se expandiu nada menos que 1.436,8%, com média superior a 7% ao ano. Em termos per capita, isso significou 4,2% ao ano. Sim, já fomos uma China. O terceiro período de 40 anos está quase no seu final, mas seu destino está selado. Levando em conta o que o mercado projeta para 2019 e 2020, a expansão acumulada entre 1980 e 2020 vai ficar abaixo de 140%. Nesta fase, temos duas décadas perdidas. Nos anos 80, o PIB cresceu miseráveis 18,4%, com queda de 4,3% na renda per capita. Na década atual, o PIB vai crescer ainda menos, cerca de 8,7% no acumulado. Este porcentual é exatamente a média anual que crescemos nos anos 70. Dez anos em um. Se a renda per capita não cair, será pela única razão que o crescimento da população hoje é menos da metade do registrado nos anos 80.
Ao ritmo que vínhamos até 1980 o PIB dobrava a cada 13 anos. No passo dos 40 anos seguintes, o PIB dobra a cada 32 anos. Se pegarmos apenas a década de 2010, teremos de esperar 83 anos para que o produto se multiplique por dois. Este descaminho é nosso; o mundo continuou crescendo. Em 1980, o produto per capita brasileiro (em dólares constantes) era 58% maior que o do Chile e 71% menor que o dos EUA. Em 2017, ele foi 28% menor que o do Chile e 80% menor que o produto per capita americano.
Quando foi que nos perdemos? Na década de 80 podemos colocar a culpa no aumento dos juros internacionais, que quebrou países com alta dívida externa – ainda assim, será preciso questionar a incúria do próprio endividamento excessivo. Nos anos recentes, a crise é quase totalmente feita pela mão do homem, vale dizer, pela adoção de políticas equivocadas. O páreo é duro, mas a estultice que se destaca talvez seja a ideia de que os gastos públicos geram crescimento que provocará aumento da arrecadação em montante suficiente para fundear os gastos iniciais – um moto-contínuo. Também assistimos, mercê da debilidade das instituições, ao saqueamento sistemático do Estado por grupos organizados, na fúria incansável de extrair benefícios, privilégios e sinecuras. O resultado foi uma crise fiscal que ameaça quebrar o País.
Pensar que a aprovação da reforma da Previdência vai “destravar” o crescimento é doce ilusão. Não há nenhuma força que está sendo contida. O motor do crescimento está desligado. A reforma é fundamental para evitar um mal maior. Sem demanda, a capacidade ociosa e o desemprego continuarão altos. A reconstrução é tarefa de muitos anos. O IBGE nos informa que nasce um brasileiro a cada 19 segundos. Foram 6 durante a leitura deste artigo. O que eles encontrarão pela frente? Se a resposta for um país com menos educação e mais armas, perderemos mais uma década.
O Cade, o Banco Central e a guerra das maquininhas - PRISCILA BROLIO GONÇALVES
FOLHA DE SP - 13/05
Priscila Brolio Gonçalves
Mestre e doutora em direito comercial pela USP e sócia de Brolio Gonçalves Advogados
Não se pode admitir abuso do poder econômico
Algumas instituições financeiras anunciaram, recentemente, uma política de “taxa zero” para antecipar recebíveis. Longe de comemorar a notícia, vendida como “acirramento da concorrência”, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) instaurou uma investigação.
Espera-se mais uma batalha da “guerra das maquininhas”, como é chamada a disputa entre bancos tradicionais e novas empresas de pagamentos pelos serviços de credenciamento. Estes consistem na captação de estabelecimentos comerciais, habilitando-os a oferecer aos consumidores opções de pagamento. Hoje isso é feito por meio de terminais, as maquininhas.
No Brasil do início dos anos 2000, a atividade de credenciamento era um duopólio controlado por grandes bancos, que mantinham exclusividade com as principais bandeiras de cartão. A maior fonte de receita das credenciadoras eram aluguéis cobrados pelo uso das máquinas.
Desde então, o mercado brasileiro de pagamentos sofreu importantes mudanças. Após diagnosticarem os principais problemas do setor, o Cade e o Banco Central (Bacen) trabalharam para a quebra da exclusividade entre bancos e bandeiras, buscando fomentar a concorrência.
O duopólio no credenciamento não foi logo quebrado. Afinal, os bancos exerciam controle comercial sobre as bandeiras, pois eram os maiores emissores dos cartões. Logo surgiram novos modelos de negócio, como a venda de maquininhas, substituindo os altos custos com aluguéis.
A concorrência foi efetivamente viabilizada quando o Bacen reconheceu os arranjos de moeda eletrônica, baseados na criação de uma conta digital de pagamento, que permite ao cliente receber pelas suas vendas independentemente de possuir conta bancária. Foi uma verdadeira revolução, já que no Brasil há atualmente cerca de 15 milhões de “desbancarizados”.
Gratuitas ou mais baratas do que contas tradicionais, as digitais permitem que os estabelecimentos recebam pagamentos por cartões, boletos, TEDs e transferências, diminuindo o uso de dinheiro de papel e aumentando o leque de opções de recebimento. Não há vinculação à atividade de credenciamento.
Para estimular o modelo disruptivo, o Bacen determinou que as contas digitais pré-pagas, por não implicarem risco monetário, fossem operadas sem trânsito pela rede bancária, através de arranjos de pagamento das próprias fintechs (que, ao contrário dos bancos, não podem atuar no mercado financeiro com o dinheiro do cliente e captar depósitos para obter receitas).
Baseado em tecnologia, o modelo trouxe custo menores, incentivando micro e pequenos estabelecimentos (sem conta bancária ou interesse em pagar altas taxas) a aceitar diferentes meios de pagamento. Gerou inovação e inclusão social, além de concorrência aos bancos, que ainda concentram grande parte do mercado de pagamentos e serviços financeiros.
É natural que as empresas instaladas reajam, copiando ou buscando novas soluções. O que não se admite é o abuso do poder econômico. Assim, são vedadas práticas restritivas da concorrência, amparadas no poder econômico de conglomerados que atuam em todos os elos da cadeia (emissão, instituição domicílio, credenciamento e bandeiras).
A questão que se coloca ao Cade é se descontos condicionados e outras formas de privilegiar os serviços bancários constituem defesa legítima do modelo de negócio tradicional ou ultrapassam os limites do que é concorrencialmente aceitável.
Haverá, certamente, inúmeras disputas neste campo. No momento, o que importa é saber que Cade e Bacen mantêm-se vigilantes e firmes em seus papéis, tutelando a concorrência e a inovação, para o benefício de todos.
Algumas instituições financeiras anunciaram, recentemente, uma política de “taxa zero” para antecipar recebíveis. Longe de comemorar a notícia, vendida como “acirramento da concorrência”, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) instaurou uma investigação.
Espera-se mais uma batalha da “guerra das maquininhas”, como é chamada a disputa entre bancos tradicionais e novas empresas de pagamentos pelos serviços de credenciamento. Estes consistem na captação de estabelecimentos comerciais, habilitando-os a oferecer aos consumidores opções de pagamento. Hoje isso é feito por meio de terminais, as maquininhas.
No Brasil do início dos anos 2000, a atividade de credenciamento era um duopólio controlado por grandes bancos, que mantinham exclusividade com as principais bandeiras de cartão. A maior fonte de receita das credenciadoras eram aluguéis cobrados pelo uso das máquinas.
Desde então, o mercado brasileiro de pagamentos sofreu importantes mudanças. Após diagnosticarem os principais problemas do setor, o Cade e o Banco Central (Bacen) trabalharam para a quebra da exclusividade entre bancos e bandeiras, buscando fomentar a concorrência.
O duopólio no credenciamento não foi logo quebrado. Afinal, os bancos exerciam controle comercial sobre as bandeiras, pois eram os maiores emissores dos cartões. Logo surgiram novos modelos de negócio, como a venda de maquininhas, substituindo os altos custos com aluguéis.
A concorrência foi efetivamente viabilizada quando o Bacen reconheceu os arranjos de moeda eletrônica, baseados na criação de uma conta digital de pagamento, que permite ao cliente receber pelas suas vendas independentemente de possuir conta bancária. Foi uma verdadeira revolução, já que no Brasil há atualmente cerca de 15 milhões de “desbancarizados”.
Gratuitas ou mais baratas do que contas tradicionais, as digitais permitem que os estabelecimentos recebam pagamentos por cartões, boletos, TEDs e transferências, diminuindo o uso de dinheiro de papel e aumentando o leque de opções de recebimento. Não há vinculação à atividade de credenciamento.
Para estimular o modelo disruptivo, o Bacen determinou que as contas digitais pré-pagas, por não implicarem risco monetário, fossem operadas sem trânsito pela rede bancária, através de arranjos de pagamento das próprias fintechs (que, ao contrário dos bancos, não podem atuar no mercado financeiro com o dinheiro do cliente e captar depósitos para obter receitas).
Baseado em tecnologia, o modelo trouxe custo menores, incentivando micro e pequenos estabelecimentos (sem conta bancária ou interesse em pagar altas taxas) a aceitar diferentes meios de pagamento. Gerou inovação e inclusão social, além de concorrência aos bancos, que ainda concentram grande parte do mercado de pagamentos e serviços financeiros.
É natural que as empresas instaladas reajam, copiando ou buscando novas soluções. O que não se admite é o abuso do poder econômico. Assim, são vedadas práticas restritivas da concorrência, amparadas no poder econômico de conglomerados que atuam em todos os elos da cadeia (emissão, instituição domicílio, credenciamento e bandeiras).
A questão que se coloca ao Cade é se descontos condicionados e outras formas de privilegiar os serviços bancários constituem defesa legítima do modelo de negócio tradicional ou ultrapassam os limites do que é concorrencialmente aceitável.
Haverá, certamente, inúmeras disputas neste campo. No momento, o que importa é saber que Cade e Bacen mantêm-se vigilantes e firmes em seus papéis, tutelando a concorrência e a inovação, para o benefício de todos.
Priscila Brolio Gonçalves
Mestre e doutora em direito comercial pela USP e sócia de Brolio Gonçalves Advogados
Populistas no Brasil - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 13/05
De 19 países pesquisados, o Brasil tem a população mais inclinada ao populismo, definido como “ideologia estreita”.
Estudo realizado pelo Instituto para Políticas Públicas da Universidade de Cambridge, em parceria com o jornal The Guardian, mostrou que, entre os 19 países pesquisados, o Brasil é o que tem a população mais inclinada ao populismo. A pesquisa define populismo como “uma ideologia estreita – ou seja que, se dirige só a uma parte da agenda política – que separa a sociedade em dois grupos antagônicos”, isto é, “o povo puro” contra “a elite corrupta”, e sustenta que a política deve ser “a expressão da vontade geral do povo”.
Os entrevistados identificados como inclinados ao populismo responderam que concordavam “fortemente” com as seguintes afirmações: “Meu país está dividido entre pessoas comuns e as elites corruptas que as exploram” e “A vontade do povo deveria ser o princípio mais alto na política de um país”. Na média, os populistas correspondem a 22% do eleitorado global; no Brasil, são 42%, o mais alto porcentual do ranking, seguido da África do Sul. A explicação, segundo os pesquisadores, é que ambos os países foram “devastados por anos de corrupção que deterioraram a fé não somente na classe política, como também nas instituições democráticas”. Entre os brasileiros, 84% concordam “fortemente” ou “tendem a concordar” que o seu Estado “é totalmente governado por uns poucos figurões que buscam seu próprio interesse”, índice similar para homens e mulheres, pessoas de todas as idades e eleitores dos maiores partidos.
O levantamento indica que os populistas tendem a crer que a globalização prejudicou seu padrão de vida, sua economia e a vida cultural de seu país. À esquerda ou à direita, os populistas apoiam a regulação estatal de bancos, indústria farmacêutica e empresas de tecnologia. Também fazem uso intenso das mídias sociais como fonte de notícias e meio de proselitismo, turbinando a propagação de suas teorias da conspiração características.
O reparo que se poderia fazer ao estudo é à sugestão implícita de que o populismo no Brasil só teria ganhado corpo com o bolsonarismo, quando este é, na acepção técnica do termo, um movimento reacionário, uma reação ao populismo lulopetista. Foi o mesmo jogo, com as mesmas táticas: acusação indiscriminada ao “sistema” que oprime “o povo”, o qual só eles, bolsonaristas e petistas, julgam representar; uso de ameaças superlativas (“o capital” e “o imperialismo americano”, por parte do petismo, ou “o globalismo” e “o comunismo”, por parte do bolsonarismo); reivindicação do monopólio da moralidade; e demonização dos adversários.
Conforme um levantamento do Instituto V-Dem, entre 2007 e 2017, ao longo da era petista, a democracia no Brasil se deteriorou em quatro dos cinco principais indicadores, a saber: no eleitoral (que mensura fatores como eleições limpas e liberdade de associação e expressão); no liberal (liberdades individuais e limitações judiciais e legislativas ao Executivo); no participativo (participação da sociedade civil, voto popular direto, governos locais e regionais); e sobretudo no componente deliberativo, que mede em que grau as decisões políticas são motivadas pela razão e pelo bem comum, em contraste a apelos emocionais, interesses corporativos ou coerção. Nesse quesito estamos na 104.ª posição. Só não pioramos no componente igualitário (distribuição equânime de proteção, recursos e acesso ao poder) porque já estávamos muito mal, na 108.ª posição.
Mas restringir a responsabilidade ao lulopetismo ou ao bolsonarismo seria um expediente simplista, uma típica tentação populista, além de tomar o que é um sintoma da doença pela sua causa. Afinal, os populistas não chegam ao poder pela força, mas pelo voto. O populismo que empobrece nossa cultura política é fruto de uma cultura política cronicamente pobre. A intoxicação do espírito democrático pelo populismo no Brasil, constatada pela pesquisa, é o resultado natural da incapacidade do atual sistema político de representar adequadamente os anseios da sociedade, razão pela qual movimentos que prometem liderar o “povo” contra a “elite” ganham cada vez mais espaço.
De 19 países pesquisados, o Brasil tem a população mais inclinada ao populismo, definido como “ideologia estreita”.
Estudo realizado pelo Instituto para Políticas Públicas da Universidade de Cambridge, em parceria com o jornal The Guardian, mostrou que, entre os 19 países pesquisados, o Brasil é o que tem a população mais inclinada ao populismo. A pesquisa define populismo como “uma ideologia estreita – ou seja que, se dirige só a uma parte da agenda política – que separa a sociedade em dois grupos antagônicos”, isto é, “o povo puro” contra “a elite corrupta”, e sustenta que a política deve ser “a expressão da vontade geral do povo”.
Os entrevistados identificados como inclinados ao populismo responderam que concordavam “fortemente” com as seguintes afirmações: “Meu país está dividido entre pessoas comuns e as elites corruptas que as exploram” e “A vontade do povo deveria ser o princípio mais alto na política de um país”. Na média, os populistas correspondem a 22% do eleitorado global; no Brasil, são 42%, o mais alto porcentual do ranking, seguido da África do Sul. A explicação, segundo os pesquisadores, é que ambos os países foram “devastados por anos de corrupção que deterioraram a fé não somente na classe política, como também nas instituições democráticas”. Entre os brasileiros, 84% concordam “fortemente” ou “tendem a concordar” que o seu Estado “é totalmente governado por uns poucos figurões que buscam seu próprio interesse”, índice similar para homens e mulheres, pessoas de todas as idades e eleitores dos maiores partidos.
O levantamento indica que os populistas tendem a crer que a globalização prejudicou seu padrão de vida, sua economia e a vida cultural de seu país. À esquerda ou à direita, os populistas apoiam a regulação estatal de bancos, indústria farmacêutica e empresas de tecnologia. Também fazem uso intenso das mídias sociais como fonte de notícias e meio de proselitismo, turbinando a propagação de suas teorias da conspiração características.
O reparo que se poderia fazer ao estudo é à sugestão implícita de que o populismo no Brasil só teria ganhado corpo com o bolsonarismo, quando este é, na acepção técnica do termo, um movimento reacionário, uma reação ao populismo lulopetista. Foi o mesmo jogo, com as mesmas táticas: acusação indiscriminada ao “sistema” que oprime “o povo”, o qual só eles, bolsonaristas e petistas, julgam representar; uso de ameaças superlativas (“o capital” e “o imperialismo americano”, por parte do petismo, ou “o globalismo” e “o comunismo”, por parte do bolsonarismo); reivindicação do monopólio da moralidade; e demonização dos adversários.
Conforme um levantamento do Instituto V-Dem, entre 2007 e 2017, ao longo da era petista, a democracia no Brasil se deteriorou em quatro dos cinco principais indicadores, a saber: no eleitoral (que mensura fatores como eleições limpas e liberdade de associação e expressão); no liberal (liberdades individuais e limitações judiciais e legislativas ao Executivo); no participativo (participação da sociedade civil, voto popular direto, governos locais e regionais); e sobretudo no componente deliberativo, que mede em que grau as decisões políticas são motivadas pela razão e pelo bem comum, em contraste a apelos emocionais, interesses corporativos ou coerção. Nesse quesito estamos na 104.ª posição. Só não pioramos no componente igualitário (distribuição equânime de proteção, recursos e acesso ao poder) porque já estávamos muito mal, na 108.ª posição.
Mas restringir a responsabilidade ao lulopetismo ou ao bolsonarismo seria um expediente simplista, uma típica tentação populista, além de tomar o que é um sintoma da doença pela sua causa. Afinal, os populistas não chegam ao poder pela força, mas pelo voto. O populismo que empobrece nossa cultura política é fruto de uma cultura política cronicamente pobre. A intoxicação do espírito democrático pelo populismo no Brasil, constatada pela pesquisa, é o resultado natural da incapacidade do atual sistema político de representar adequadamente os anseios da sociedade, razão pela qual movimentos que prometem liderar o “povo” contra a “elite” ganham cada vez mais espaço.
Na bagunça, a economia não cresce - VINICIUS MOTA
FOLHA DE SP - 13/05
Enredo de rupturas, intromissões e abusos joga país em um estado de incertezas
Há ampla capacidade ociosa nas empresas brasileiras, 13,4 milhões de desempregados dispõem-se a trabalhar, os juros básicos são os mais baixos em 25 anos e predomina a expectativa de que a reforma previdenciária será aprovada.
O Brasil, porém, não se move. A economia embica de volta para a recessão antes de ter-se recuperado da depressão de 2014-16. Por quê?
Porque, abraçadas à segunda gestão Lula da Silva, a elite empresarial e a política patrocinaram a ruptura do programa reformista implantado na administração Itamar Franco.
Porque o Supremo Tribunal Federal pôs-se a meter-se onde não devia e a reformar os regramentos da política ao sabor dos palpites de seus integrantes. Ministros tornaram-se pequenos czares inebriados com o poder, incontrastável na República, de fazer trovejar sobre as instituições e a vida das pessoas e das empresas.
Porque a sanha oligárquica dos principais partidos os levou a cometer os maiores atos de corrupção já registrados na história do Ocidente.
Porque juízes e procuradores, ao perseguir os malfeitores do colarinho-branco, abusaram de suas prerrogativas e das garantias do Estado de Direito. Transformaram-se em militantes. Adotaram a política partidária, e não apenas indiretamente.
Porque a caça ao privilégio através do acesso diferenciado ao poder público tomou dimensões diluvianas.
Porque a fênix híbrida que emergiu das cinzas do holocausto partidário carrega o germe do populismo anti-institucional. Seu desprezo por “tudo o que está aí”, mal neutralizado num arranjo rugoso de governo, corriqueiramente volta à superfície.
Por razões como essas, o Brasil da última década debilitou o espírito do liberalismo político, que é uma filosofia do comedimento e do respeito aos pactos fundamentais. Em seu lugar estabeleceu-se um estado de constante subversão das regras do jogo. A bagunça virou a norma.
Quando não se pode prever o próximo minuto, que dirá a próxima década, nenhuma economia cresce.
Vinicius Mota
Secretário de Redação da Folha, foi editor de Opinião. É mestre em sociologia pela USP.
Enredo de rupturas, intromissões e abusos joga país em um estado de incertezas
Há ampla capacidade ociosa nas empresas brasileiras, 13,4 milhões de desempregados dispõem-se a trabalhar, os juros básicos são os mais baixos em 25 anos e predomina a expectativa de que a reforma previdenciária será aprovada.
O Brasil, porém, não se move. A economia embica de volta para a recessão antes de ter-se recuperado da depressão de 2014-16. Por quê?
Porque, abraçadas à segunda gestão Lula da Silva, a elite empresarial e a política patrocinaram a ruptura do programa reformista implantado na administração Itamar Franco.
Porque o Supremo Tribunal Federal pôs-se a meter-se onde não devia e a reformar os regramentos da política ao sabor dos palpites de seus integrantes. Ministros tornaram-se pequenos czares inebriados com o poder, incontrastável na República, de fazer trovejar sobre as instituições e a vida das pessoas e das empresas.
Porque a sanha oligárquica dos principais partidos os levou a cometer os maiores atos de corrupção já registrados na história do Ocidente.
Porque juízes e procuradores, ao perseguir os malfeitores do colarinho-branco, abusaram de suas prerrogativas e das garantias do Estado de Direito. Transformaram-se em militantes. Adotaram a política partidária, e não apenas indiretamente.
Porque a caça ao privilégio através do acesso diferenciado ao poder público tomou dimensões diluvianas.
Porque a fênix híbrida que emergiu das cinzas do holocausto partidário carrega o germe do populismo anti-institucional. Seu desprezo por “tudo o que está aí”, mal neutralizado num arranjo rugoso de governo, corriqueiramente volta à superfície.
Por razões como essas, o Brasil da última década debilitou o espírito do liberalismo político, que é uma filosofia do comedimento e do respeito aos pactos fundamentais. Em seu lugar estabeleceu-se um estado de constante subversão das regras do jogo. A bagunça virou a norma.
Quando não se pode prever o próximo minuto, que dirá a próxima década, nenhuma economia cresce.
Vinicius Mota
Secretário de Redação da Folha, foi editor de Opinião. É mestre em sociologia pela USP.
Por que o servidor público questiona a reforma da Previdência? - ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
FOLHA DE SP - 13/05
Quem tem salário maior e trabalha há mais tempo se vê prejudicado por novos descontos e mudanças nas pensões
A falta de regras de transição mais suaves está na raiz da maior parte das críticas de associações de servidores à proposta de reforma previdenciária do governo Bolsonaro.
Desde fevereiro, quando a proposta de emenda constitucional nº 6/2019 (PEC 6) foi entregue ao Congresso, entidades que representam magistrados, procuradores, fiscais da Receita e outras categorias têm criticado abertamente a reforma, ameaçado contestá-la na Justiça e se reunido para apresentar um texto alternativo.
Como regra geral, a PEC 6 afeta de forma diferente futuros servidores, funcionários da ativa que ingressaram no serviço público até dezembro de 2003, os que ingressaram a partir de 2004 e os atuais aposentados.
Enquanto para novos servidores a proposta é unificar as regras dos setores público e privado, para os da ativa eleva a idade mínima para a aposentadoria e altera regras de cálculo do benefício.
As mudanças afetam principalmente quem ingressou no serviço público até 2003 em carreiras de salários mais altos —como as que têm se manifestado contra a reforma.
São esses os funcionários públicos que têm mais a perder com a reforma, porque são os mais beneficiados pelas regras atuais: recebem benefício equivalente ao salário do último cargo ocupado. Para carreiras como juízes, procuradores, fiscais e consultores legislativos, o valor pode chegar ao dobro da média dos salários sobre os quais pagaram contribuição.
Hoje, servidores em geral têm direito à aposentadoria ao completar 60 anos de idade e 35 de contribuição (homens) ou 55 anos de idade e 30 de contribuição (mulheres), mas quem entrou antes de 1998 pode parar até mais cedo. A PEC estabelece que, para receber o benefício mais alto (a chamada integralidade) a que têm direito quem ingressou antes de 2004, será preciso completar 65 anos (homens) ou 60 anos de idade (mulheres).
Outras propostas que afetam diretamente o bolso dos servidores de salários mais altos são as que criam uma contribuição proporcional (alíquotas maiores para quem ganha mais) e alíquotas extraordinárias quando o sistema apresentar déficit.
Com isso, o desconto nos holerites pode mais que dobrar para os maiores salários. Hoje, servidores federais pagam contribuição de 11%. A PEC 6 reduz essa porcentagem para quem ganha até R$ 2.000 (valores deste ano) e eleva progressivamente até 22% para quem recebe mais de R$ 39 mil (o teto do funcionalismo público é de R$ 39,3 mil, que é a remuneração dos ministros do Supremo).
Para um procurador federal, por exemplo, o valor da contribuição subiria 49,41%, passando de R$ 3.705,80 para R$ 5.536,74.
Se houver necessidade de alíquota extraordinária, esse aumento será mais amplo.
“O servidor, tanto o aposentado quanto o da ativa, deixa de ter qualquer tipo de segurança, pois pode ser chamado a fazer contribuições extraordinárias”, diz Márcia Semer, 54, procuradora do Estado de São Paulo e presidente do sindicato da categoria.
Ela diz que é razoável que todos precisem trabalhar mais, já que aumentou a longevidade dos brasileiros, “mas a razoabilidade extrapolou demais em relação ao servidor. A ele está sendo debitado exclusivamente o pagamento do eventual rombo do sistema, que também é questionável”.
Para Márcia, se o sistema previdenciário é financiado também pelo empresariado, “que deve muito”, o déficit não pode ser imputado apenas à classe trabalhadora. “Todo o equacionamento do problema está sendo jogado nas costas de quem é assalariado, seja do setor público seja do privado.”
A procuradora também critica a falta de transição para que servidores mais antigos recebam a integralidade. “O funcionário está há três décadas no serviço público e tem uma justa expectativa de se aposentar de acordo com as regras que lhe foram prometidas há 30 anos. Não pode ser obrigado a trabalhar mais dez anos por um capricho de uma proposta governamental maluca.”
Uma das propostas que, por falta de transição, mais pode afetar servidores é a que impede o acúmulo de benefícios —aposentadoria e pensão, por exemplo, no caso de um casal de funcionários públicos.
O procurador da República Rodrigo Tenório, que publicou vários textos analisando o impacto da PEC 6 sobre servidores, cita o exemplo de um servidor com salário de R$ 10 mil casado com uma professora aposentada que recebe R$ 10,3 mil. Hoje, ela receberia pensão de pensão de R$ 8.751,53 se o marido morresse tendo cumprido 75% do tempo necessário. Pela PEC 6, o valor cairia para R$ 1.196,00, uma redução de 77%.
“Obviamente, o casal que está no início da vida poderá tentar se preparar para essa mudança separando patrimônio ou fazendo um seguro. Mas o que acontecerá com todos os demais? Já não haverá tempo de juntar riqueza”, escreve Tenório.
O procurador defende uma transição mais suave para os servidores mais antigos. “Ausência de direito a regime jurídico não significa que ele possa ser modificado como o legislador bem entender. É essencial, em respeito à segurança jurídica, uma transição razoável, o que não há nesse e em muitos outros aspectos da PEC.”
Especialista em finanças e decisões de poupança, o professor do Insper Ricardo Brito diz que, do ponto de vista teórico, é lógico que profissionais tenham escolhido a carreira pública com a expectativa de receber uma aposentadoria maior no futuro, abrindo mão de salários maiores no setor privado.
A decisão segue o que economistas chamam de suavização do consumo: a procura por um nível máximo e estável de consumo ao longo da vida. As atuais regras de aposentadoria dos servidores mais antigos permitem manter o nível de renda após a aposentadoria.
Brito cita o exemplo de colegas de doutorado que abriram mão de salários maiores no setor financeiro privado para ingressar no Banco Central ou em universidade federal.
“Supondo que a promessa previdenciária fosse definitiva, elas fizeram essa escolha pelo que imaginaram que seria pago permanentemente.” O problema, aponta o economista, é que a renda futura depende do Tesouro. “Faz todo sentido um plano de consumo suave se você acumular a diferença na sua conta bancária. Mas esperar isso de um fundo que não é socialmente justo é tomar emprestado dos nossos filhos.”
Para o advogado especialista em direito previdenciário Fábio Zambitte, embora seja natural que expectativas de direito sejam frustradas em reformas, a ausência de transição trata de maneira igual servidores muito diferentes.
“Existe o caso dos que passaram a vida contribuindo sobre o salário mínimo, em meados dos anos 90 entraram para o serviço público e se aposentaram ganhando muito. Mas há o servidor que começou jovem no final dos anos 90, contribuiu pelo salário cheio a vida toda e agora fica recebendo o rótulo de privilegiado sem saber por quê”, diz ele.
Zambitte nota que o servidor que entrou antes de 1998 já viu suas regras mudarem várias vezes: “Ele passou pelo reforma de 1998, teve as regras desfeitas em 2003, ganhou novas regras em 2005 e agora enfrenta nova mudança nesta reforma. Ele se pergunta: como vou terminar essa corrida? Cada hora vem uma transição e me joga mais para frente”.
Segundo ele, a regra é especialmente dura para o servidor mais antigo que precisar se aposentar por invalidez, por exemplo. “Nesse caso, não há transição nenhuma, e ele precisará se aposentar pela regra nova, que reduz muito o valor do benefício.”
Em relação às alíquotas progressivas, o advogado diz que elas fazem sentido, como em qualquer outro tributo. Mas as extraordinárias podem ser um problema, porque podem elevar os descontos a até 30%. “Por isso, muitos servidores antigos estão migrando para o sistema atual”, diz ele.
Reportagem da Folha mostrou que até 3.000 servidores atuais poderiam migrar para o sistema complementar para escapar das novas alíquotas.
O governo Bolsonaro afirma que as mudanças são necessárias, mesmo que afete mais fortemente alguns servidores. Segundo o subsecretário de Regimes Próprios de Previdência Social, Allex Rodrigues, com regras mais suaves, aumenta o risco de, no futuro, o país não ter recursos para pagar os benefícios.
A reforma da Previdência, porém, não será suficiente para resolver o problema fiscal originado no funcionalismo, afirma o especialista em direito administrativo Carlos Ari Sundfeld, advogado e professor da FGV.
Segundo ele, para resolver de fato o problema fiscal, corrigir injustiça em privilégios e melhorar a qualidade do serviço público é preciso reestruturar as carreiras públicas.
Quem tem salário maior e trabalha há mais tempo se vê prejudicado por novos descontos e mudanças nas pensões
A falta de regras de transição mais suaves está na raiz da maior parte das críticas de associações de servidores à proposta de reforma previdenciária do governo Bolsonaro.
Desde fevereiro, quando a proposta de emenda constitucional nº 6/2019 (PEC 6) foi entregue ao Congresso, entidades que representam magistrados, procuradores, fiscais da Receita e outras categorias têm criticado abertamente a reforma, ameaçado contestá-la na Justiça e se reunido para apresentar um texto alternativo.
Como regra geral, a PEC 6 afeta de forma diferente futuros servidores, funcionários da ativa que ingressaram no serviço público até dezembro de 2003, os que ingressaram a partir de 2004 e os atuais aposentados.
Enquanto para novos servidores a proposta é unificar as regras dos setores público e privado, para os da ativa eleva a idade mínima para a aposentadoria e altera regras de cálculo do benefício.
As mudanças afetam principalmente quem ingressou no serviço público até 2003 em carreiras de salários mais altos —como as que têm se manifestado contra a reforma.
São esses os funcionários públicos que têm mais a perder com a reforma, porque são os mais beneficiados pelas regras atuais: recebem benefício equivalente ao salário do último cargo ocupado. Para carreiras como juízes, procuradores, fiscais e consultores legislativos, o valor pode chegar ao dobro da média dos salários sobre os quais pagaram contribuição.
Hoje, servidores em geral têm direito à aposentadoria ao completar 60 anos de idade e 35 de contribuição (homens) ou 55 anos de idade e 30 de contribuição (mulheres), mas quem entrou antes de 1998 pode parar até mais cedo. A PEC estabelece que, para receber o benefício mais alto (a chamada integralidade) a que têm direito quem ingressou antes de 2004, será preciso completar 65 anos (homens) ou 60 anos de idade (mulheres).
Outras propostas que afetam diretamente o bolso dos servidores de salários mais altos são as que criam uma contribuição proporcional (alíquotas maiores para quem ganha mais) e alíquotas extraordinárias quando o sistema apresentar déficit.
Com isso, o desconto nos holerites pode mais que dobrar para os maiores salários. Hoje, servidores federais pagam contribuição de 11%. A PEC 6 reduz essa porcentagem para quem ganha até R$ 2.000 (valores deste ano) e eleva progressivamente até 22% para quem recebe mais de R$ 39 mil (o teto do funcionalismo público é de R$ 39,3 mil, que é a remuneração dos ministros do Supremo).
Para um procurador federal, por exemplo, o valor da contribuição subiria 49,41%, passando de R$ 3.705,80 para R$ 5.536,74.
Se houver necessidade de alíquota extraordinária, esse aumento será mais amplo.
“O servidor, tanto o aposentado quanto o da ativa, deixa de ter qualquer tipo de segurança, pois pode ser chamado a fazer contribuições extraordinárias”, diz Márcia Semer, 54, procuradora do Estado de São Paulo e presidente do sindicato da categoria.
Ela diz que é razoável que todos precisem trabalhar mais, já que aumentou a longevidade dos brasileiros, “mas a razoabilidade extrapolou demais em relação ao servidor. A ele está sendo debitado exclusivamente o pagamento do eventual rombo do sistema, que também é questionável”.
Para Márcia, se o sistema previdenciário é financiado também pelo empresariado, “que deve muito”, o déficit não pode ser imputado apenas à classe trabalhadora. “Todo o equacionamento do problema está sendo jogado nas costas de quem é assalariado, seja do setor público seja do privado.”
A procuradora também critica a falta de transição para que servidores mais antigos recebam a integralidade. “O funcionário está há três décadas no serviço público e tem uma justa expectativa de se aposentar de acordo com as regras que lhe foram prometidas há 30 anos. Não pode ser obrigado a trabalhar mais dez anos por um capricho de uma proposta governamental maluca.”
Uma das propostas que, por falta de transição, mais pode afetar servidores é a que impede o acúmulo de benefícios —aposentadoria e pensão, por exemplo, no caso de um casal de funcionários públicos.
O procurador da República Rodrigo Tenório, que publicou vários textos analisando o impacto da PEC 6 sobre servidores, cita o exemplo de um servidor com salário de R$ 10 mil casado com uma professora aposentada que recebe R$ 10,3 mil. Hoje, ela receberia pensão de pensão de R$ 8.751,53 se o marido morresse tendo cumprido 75% do tempo necessário. Pela PEC 6, o valor cairia para R$ 1.196,00, uma redução de 77%.
“Obviamente, o casal que está no início da vida poderá tentar se preparar para essa mudança separando patrimônio ou fazendo um seguro. Mas o que acontecerá com todos os demais? Já não haverá tempo de juntar riqueza”, escreve Tenório.
O procurador defende uma transição mais suave para os servidores mais antigos. “Ausência de direito a regime jurídico não significa que ele possa ser modificado como o legislador bem entender. É essencial, em respeito à segurança jurídica, uma transição razoável, o que não há nesse e em muitos outros aspectos da PEC.”
Especialista em finanças e decisões de poupança, o professor do Insper Ricardo Brito diz que, do ponto de vista teórico, é lógico que profissionais tenham escolhido a carreira pública com a expectativa de receber uma aposentadoria maior no futuro, abrindo mão de salários maiores no setor privado.
A decisão segue o que economistas chamam de suavização do consumo: a procura por um nível máximo e estável de consumo ao longo da vida. As atuais regras de aposentadoria dos servidores mais antigos permitem manter o nível de renda após a aposentadoria.
Brito cita o exemplo de colegas de doutorado que abriram mão de salários maiores no setor financeiro privado para ingressar no Banco Central ou em universidade federal.
“Supondo que a promessa previdenciária fosse definitiva, elas fizeram essa escolha pelo que imaginaram que seria pago permanentemente.” O problema, aponta o economista, é que a renda futura depende do Tesouro. “Faz todo sentido um plano de consumo suave se você acumular a diferença na sua conta bancária. Mas esperar isso de um fundo que não é socialmente justo é tomar emprestado dos nossos filhos.”
Para o advogado especialista em direito previdenciário Fábio Zambitte, embora seja natural que expectativas de direito sejam frustradas em reformas, a ausência de transição trata de maneira igual servidores muito diferentes.
“Existe o caso dos que passaram a vida contribuindo sobre o salário mínimo, em meados dos anos 90 entraram para o serviço público e se aposentaram ganhando muito. Mas há o servidor que começou jovem no final dos anos 90, contribuiu pelo salário cheio a vida toda e agora fica recebendo o rótulo de privilegiado sem saber por quê”, diz ele.
Zambitte nota que o servidor que entrou antes de 1998 já viu suas regras mudarem várias vezes: “Ele passou pelo reforma de 1998, teve as regras desfeitas em 2003, ganhou novas regras em 2005 e agora enfrenta nova mudança nesta reforma. Ele se pergunta: como vou terminar essa corrida? Cada hora vem uma transição e me joga mais para frente”.
Segundo ele, a regra é especialmente dura para o servidor mais antigo que precisar se aposentar por invalidez, por exemplo. “Nesse caso, não há transição nenhuma, e ele precisará se aposentar pela regra nova, que reduz muito o valor do benefício.”
Em relação às alíquotas progressivas, o advogado diz que elas fazem sentido, como em qualquer outro tributo. Mas as extraordinárias podem ser um problema, porque podem elevar os descontos a até 30%. “Por isso, muitos servidores antigos estão migrando para o sistema atual”, diz ele.
Reportagem da Folha mostrou que até 3.000 servidores atuais poderiam migrar para o sistema complementar para escapar das novas alíquotas.
O governo Bolsonaro afirma que as mudanças são necessárias, mesmo que afete mais fortemente alguns servidores. Segundo o subsecretário de Regimes Próprios de Previdência Social, Allex Rodrigues, com regras mais suaves, aumenta o risco de, no futuro, o país não ter recursos para pagar os benefícios.
A reforma da Previdência, porém, não será suficiente para resolver o problema fiscal originado no funcionalismo, afirma o especialista em direito administrativo Carlos Ari Sundfeld, advogado e professor da FGV.
Segundo ele, para resolver de fato o problema fiscal, corrigir injustiça em privilégios e melhorar a qualidade do serviço público é preciso reestruturar as carreiras públicas.
"Bolsonaro diante de um falso dilema - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 13/05
A primeira coisa a se reconhecer, portanto, é que a raiz da crise parece estar não em má-fé do presidente da República
Nos últimos dias, o país assistiu a uma escalada de tensões que vêm marcando o governo de Jair Bolsonaro (PSL) desde seu início: as críticas do escritor Olavo de Carvalho e de influenciadores digitais que compartilham de seu ponto de vista dirigidas aos militares, particularmente os que integram a administração pública, chegaram ao nível mais agudo nesses pouco mais de quatro meses. Embora haja sinais de trégua no horizonte, nada garante que a situação se sustente por muito tempo. Nesse quadro, duas inquietações com certeza surgem na cabeça de boa parte dos brasileiros atentos: qual a gravidade real desses agravos e desentendimentos? e como avaliar a conduta do presidente, conduta, aliás, que é a que realmente importa para o país? No fundo, é preciso distinguir bem o que está em jogo, seja para evitar julgamentos injustos, seja para não flertar com consequências indesejáveis.
De início, parece que Bolsonaro tem tentado se equilibrar entre os militares e o escritor, que tem influência intelectual sobre os próprios filhos mais próximos do presidente, Eduardo e Carlos, e sobre alas relevantes do governo. Mas causou especial surpresa que Bolsonaro tenha não só feito uma longa postagem elogiando o escritor como também o tenha condecorado com a Ordem do Rio Branco, na mesma ocasião em que a honraria foi concedida ao vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão, a que Olavo já chamou de “traidor” e “adolescente desqualificado”. Nos últimos dias, ao se pronunciar em defesa do colega, o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, foi quem entrou na linha de tiro do escritor.
Três considerações parecem estar norteando a conduta do presidente e entrando em conflito entre si. Primeiro, Bolsonaro dá sinais de que age por amor aos filhos, a quem estima e cujos conselhos valoriza. Segundo, o presidente respeita e ouve aqueles que julga terem sido importantes para sua eleição – o próprio Olavo de Carvalho, que tem méritos inegáveis na articulação discursiva da direita no Brasil recente, e muitos apoiadores, como o hoje Assessor Especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Filipe Martins, aluno do escritor. Em terceiro lugar, Bolsonaro age por lealdade ao time do governo como um todo, afinal, são oito os ministros militares no primeiro escalão e mais de uma centena na administração federal, reflexo da formação técnica desses quadros e também da afinidade ideológica com certas ideias do presidente.
É inegavelmente positivo que as três motivações acima sejam deveres de boa índole – ou seja, nenhuma consideração antirrepublicana ou interesse inconfessável por parte do presidente está na raiz dessa disputa. Mesmo assim, é preciso reconhecer que Bolsonaro está preso a um falso dilema. Amar os filhos não significa aceitar tudo que fazem; ao contrário, é saudável contrariar e admoestá-los amigavelmente, mesmo depois de adultos. Da mesma maneira, reconhecer os méritos das condutas passadas de aliados e admiradores não significa aprovar tudo que fazem no presente, e muito menos autoriza uma homenagem que poderia sinalizar aprovação – e, sem sombra de dúvidas, as condutas de Olavo de Carvalho passaram do razoável. O escritor chegou a acusar Santos Cruz de crime de tráfico de influência em um último vídeo, divulgado antes de Olavo prometer ficar “alguns dias em silêncio”. Por fim, o mesmo dever de lealdade ao time que está diante do presidente impõe que eventuais críticas a integrantes do governo devem ser feitas primeiro em particular; depois, se os problemas persistirem, mudanças graduais devem ser feitas; e só então é o quadro deve acabar desligado do governo. Em nenhum desses casos, é bom frisar, deve-se faltar com o respeito à honra de quem quer que seja.
A primeira coisa a se reconhecer, portanto, é que a raiz da crise parece estar não em má-fé do presidente da República, mas simplesmente na incapacidade de enxergar com clareza e distinção essas considerações, o que pode ser, em parte, fruto de uma carreira e de uma formação que nunca lhe exigiram isso.
Mas qual a gravidade disso? Apesar de se reconhecer que a origem não seja a má-fé, é evidente que uma situação dessa natureza tem potencial para desencadear consequências bastante graves para a administração e para o Brasil, o que justifica toda a atenção que lhe tem sido dada. No Congresso, parlamentares já aproveitam o flanco aberto para fustigar o governo. A situação de embate não equacionado, e de exasperação dos ataques em público, também atrai o olhar externo e prejudica a confiança e a formação de expectativas, em um momento já delicado para a economia do país. Não menos importante, qualquer pessoa sensata se indignaria com os ataques aos militares – o que, aliás, já tem acontecido, mesmo entre apoiadores da eleição de Bolsonaro. A exasperação da disputa, ou mesmo a debandada geral dos quadros militares do governo, poderia desestabilizar definitivamente o governo, abrindo uma crise institucional grave. “Se uma casa se dividir contra si mesma, tal casa não pode subsistir”, já dizia o apóstolo.
Embora tenha esse potencial bastante perturbador, é verdade que a situação pode não ser na prática tão grave, a depender em grande medida da continuação desse quadro e do grau de tolerância que os militares terão a ele. Diante de tantos meses de seguidos ataques graves à sua honra, fica claro que os militares agredidos têm alta estima pelo presidente da República e senso de responsabilidade pelo sucesso do atual governo. Mas paciência tem limites: mesmo que entendam que a omissão de Bolsonaro é fruto não de malícia, mas de uma deficiência do presidente – uma deficiência entre qualidades que certamente enxergaram ao compartilhar com ele um projeto de Brasil –, não se deve esperar que tolerem esses ataques indefinidamente. Não é nem mesmo suficiente a atitude que Bolsonaro vem tendo, simplesmente minimizando o assunto aqui e ali.
Para evitar o agravamento da situação, e pelo bem de sua própria integridade pessoal, está na hora de o presidente tomar consciência das dimensões do problema, amadurecer em sua posição e sinalizar com clareza que não concorda com os insultos e o clima de “revolução permanente” que certos setores propagam. Divergências são saudáveis para o governo e o país, mas devem ser manifestadas no limite que o dever de respeito à honra alheia impõe a todos – sem exceção."
Nos últimos dias, o país assistiu a uma escalada de tensões que vêm marcando o governo de Jair Bolsonaro (PSL) desde seu início: as críticas do escritor Olavo de Carvalho e de influenciadores digitais que compartilham de seu ponto de vista dirigidas aos militares, particularmente os que integram a administração pública, chegaram ao nível mais agudo nesses pouco mais de quatro meses. Embora haja sinais de trégua no horizonte, nada garante que a situação se sustente por muito tempo. Nesse quadro, duas inquietações com certeza surgem na cabeça de boa parte dos brasileiros atentos: qual a gravidade real desses agravos e desentendimentos? e como avaliar a conduta do presidente, conduta, aliás, que é a que realmente importa para o país? No fundo, é preciso distinguir bem o que está em jogo, seja para evitar julgamentos injustos, seja para não flertar com consequências indesejáveis.
De início, parece que Bolsonaro tem tentado se equilibrar entre os militares e o escritor, que tem influência intelectual sobre os próprios filhos mais próximos do presidente, Eduardo e Carlos, e sobre alas relevantes do governo. Mas causou especial surpresa que Bolsonaro tenha não só feito uma longa postagem elogiando o escritor como também o tenha condecorado com a Ordem do Rio Branco, na mesma ocasião em que a honraria foi concedida ao vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão, a que Olavo já chamou de “traidor” e “adolescente desqualificado”. Nos últimos dias, ao se pronunciar em defesa do colega, o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, foi quem entrou na linha de tiro do escritor.
Três considerações parecem estar norteando a conduta do presidente e entrando em conflito entre si. Primeiro, Bolsonaro dá sinais de que age por amor aos filhos, a quem estima e cujos conselhos valoriza. Segundo, o presidente respeita e ouve aqueles que julga terem sido importantes para sua eleição – o próprio Olavo de Carvalho, que tem méritos inegáveis na articulação discursiva da direita no Brasil recente, e muitos apoiadores, como o hoje Assessor Especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Filipe Martins, aluno do escritor. Em terceiro lugar, Bolsonaro age por lealdade ao time do governo como um todo, afinal, são oito os ministros militares no primeiro escalão e mais de uma centena na administração federal, reflexo da formação técnica desses quadros e também da afinidade ideológica com certas ideias do presidente.
É inegavelmente positivo que as três motivações acima sejam deveres de boa índole – ou seja, nenhuma consideração antirrepublicana ou interesse inconfessável por parte do presidente está na raiz dessa disputa. Mesmo assim, é preciso reconhecer que Bolsonaro está preso a um falso dilema. Amar os filhos não significa aceitar tudo que fazem; ao contrário, é saudável contrariar e admoestá-los amigavelmente, mesmo depois de adultos. Da mesma maneira, reconhecer os méritos das condutas passadas de aliados e admiradores não significa aprovar tudo que fazem no presente, e muito menos autoriza uma homenagem que poderia sinalizar aprovação – e, sem sombra de dúvidas, as condutas de Olavo de Carvalho passaram do razoável. O escritor chegou a acusar Santos Cruz de crime de tráfico de influência em um último vídeo, divulgado antes de Olavo prometer ficar “alguns dias em silêncio”. Por fim, o mesmo dever de lealdade ao time que está diante do presidente impõe que eventuais críticas a integrantes do governo devem ser feitas primeiro em particular; depois, se os problemas persistirem, mudanças graduais devem ser feitas; e só então é o quadro deve acabar desligado do governo. Em nenhum desses casos, é bom frisar, deve-se faltar com o respeito à honra de quem quer que seja.
A primeira coisa a se reconhecer, portanto, é que a raiz da crise parece estar não em má-fé do presidente da República, mas simplesmente na incapacidade de enxergar com clareza e distinção essas considerações, o que pode ser, em parte, fruto de uma carreira e de uma formação que nunca lhe exigiram isso.
Mas qual a gravidade disso? Apesar de se reconhecer que a origem não seja a má-fé, é evidente que uma situação dessa natureza tem potencial para desencadear consequências bastante graves para a administração e para o Brasil, o que justifica toda a atenção que lhe tem sido dada. No Congresso, parlamentares já aproveitam o flanco aberto para fustigar o governo. A situação de embate não equacionado, e de exasperação dos ataques em público, também atrai o olhar externo e prejudica a confiança e a formação de expectativas, em um momento já delicado para a economia do país. Não menos importante, qualquer pessoa sensata se indignaria com os ataques aos militares – o que, aliás, já tem acontecido, mesmo entre apoiadores da eleição de Bolsonaro. A exasperação da disputa, ou mesmo a debandada geral dos quadros militares do governo, poderia desestabilizar definitivamente o governo, abrindo uma crise institucional grave. “Se uma casa se dividir contra si mesma, tal casa não pode subsistir”, já dizia o apóstolo.
Embora tenha esse potencial bastante perturbador, é verdade que a situação pode não ser na prática tão grave, a depender em grande medida da continuação desse quadro e do grau de tolerância que os militares terão a ele. Diante de tantos meses de seguidos ataques graves à sua honra, fica claro que os militares agredidos têm alta estima pelo presidente da República e senso de responsabilidade pelo sucesso do atual governo. Mas paciência tem limites: mesmo que entendam que a omissão de Bolsonaro é fruto não de malícia, mas de uma deficiência do presidente – uma deficiência entre qualidades que certamente enxergaram ao compartilhar com ele um projeto de Brasil –, não se deve esperar que tolerem esses ataques indefinidamente. Não é nem mesmo suficiente a atitude que Bolsonaro vem tendo, simplesmente minimizando o assunto aqui e ali.
Para evitar o agravamento da situação, e pelo bem de sua própria integridade pessoal, está na hora de o presidente tomar consciência das dimensões do problema, amadurecer em sua posição e sinalizar com clareza que não concorda com os insultos e o clima de “revolução permanente” que certos setores propagam. Divergências são saudáveis para o governo e o país, mas devem ser manifestadas no limite que o dever de respeito à honra alheia impõe a todos – sem exceção."
Mãos à obra - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 13/05
Governo Bolsonaro pode contribuir para reanimar a economia com projetos em infraestrutura, área em que ao menos dá sinais de caminhar bem
A esta altura parece difícil evitar que 2019 se converta em mais um período de desempenho econômico frustrante, mesmo que o Congresso venha a aprovar uma reforma satisfatória da Previdência. Entretanto resta muito a fazer, desde já, para que se obtenham resultados melhores nos próximos anos.
Da parte do governo Jair Bolsonaro (PSL), além de pôr fim à barafunda interna que mina a confiança do setor produtivo, cumpre contribuir ativamente para o crescimento com a viabilização de investimentos em infraestrutura. Esse setor do Executivo federal, ao menos, dá sinais de caminhar bem.
Houve uma rodada bem-sucedida de leilões no mês passado, em que foram passados para a iniciativa privada aeroportos, terminais portuários e até o trecho final da Ferrovia Norte-Sul —lista herdada de Michel Temer (MDB). Agora, a gestão atual dá seu primeiro passo.
Em reunião realizada na quarta-feira (8), incluíram-se 59 novos projetos no Programa de Parcerias em Investimentos (PPI), com desembolsos estimados em R$ 1,6 trilhão nos próximos 30 anos. O setor de óleo e gás deve responder por quase 90% desse valor.
No restante estão rodovias, linhas de transmissão, mais aeroportos, portos e até o término da usina nuclear de Angra 3.
Ainda não entraram na lista vendas de estatais, cuja modelagem está sendo estudada. Além das 134 empresas federais, boa parte delas na prática sem valor de mercado, há expressivas participações acionárias detidas pela União em companhias privadas. De todo modo, o governo indica que tratará da privatização da Eletrobras.
A inclusão no PPI significa que os projetos terão prioridade. Em seguida, cabe trabalhar para que não se repitam problemas históricos como má qualidade dos projetos, empecilhos ambientais e vícios na estruturação das concessões.
Sem muito alarde, há avanços em outras áreas fundamentais, como saneamento básico. Aprovou-se em comissão do Senado o projeto que moderniza a regulação e abre caminho para maior participação privada no setor.
O quadro de colapso das finanças públicas, agravado pelo ritmo fraco da economia e da arrecadação, impõe pressa. Os bloqueios de recursos em ministérios, universidades e obras públicas se aproximam de níveis insuportáveis.
Se o país avançar nas reformas básicas, como a da Previdência e a tributária, e perseverar na disciplina orçamentária, estarão dadas as condições para juros mais baixos, comparáveis ao padrão mundial.
Nesse contexto, e tendo em vista a ampla disponibilidade de capital doméstico privado e externo, não está fora de alcance um salto de aportes na infraestrutura, setor que tem o potencial de se tornar o mais forte gerador de empregos.
Governo Bolsonaro pode contribuir para reanimar a economia com projetos em infraestrutura, área em que ao menos dá sinais de caminhar bem
A esta altura parece difícil evitar que 2019 se converta em mais um período de desempenho econômico frustrante, mesmo que o Congresso venha a aprovar uma reforma satisfatória da Previdência. Entretanto resta muito a fazer, desde já, para que se obtenham resultados melhores nos próximos anos.
Da parte do governo Jair Bolsonaro (PSL), além de pôr fim à barafunda interna que mina a confiança do setor produtivo, cumpre contribuir ativamente para o crescimento com a viabilização de investimentos em infraestrutura. Esse setor do Executivo federal, ao menos, dá sinais de caminhar bem.
Houve uma rodada bem-sucedida de leilões no mês passado, em que foram passados para a iniciativa privada aeroportos, terminais portuários e até o trecho final da Ferrovia Norte-Sul —lista herdada de Michel Temer (MDB). Agora, a gestão atual dá seu primeiro passo.
Em reunião realizada na quarta-feira (8), incluíram-se 59 novos projetos no Programa de Parcerias em Investimentos (PPI), com desembolsos estimados em R$ 1,6 trilhão nos próximos 30 anos. O setor de óleo e gás deve responder por quase 90% desse valor.
No restante estão rodovias, linhas de transmissão, mais aeroportos, portos e até o término da usina nuclear de Angra 3.
Ainda não entraram na lista vendas de estatais, cuja modelagem está sendo estudada. Além das 134 empresas federais, boa parte delas na prática sem valor de mercado, há expressivas participações acionárias detidas pela União em companhias privadas. De todo modo, o governo indica que tratará da privatização da Eletrobras.
A inclusão no PPI significa que os projetos terão prioridade. Em seguida, cabe trabalhar para que não se repitam problemas históricos como má qualidade dos projetos, empecilhos ambientais e vícios na estruturação das concessões.
Sem muito alarde, há avanços em outras áreas fundamentais, como saneamento básico. Aprovou-se em comissão do Senado o projeto que moderniza a regulação e abre caminho para maior participação privada no setor.
O quadro de colapso das finanças públicas, agravado pelo ritmo fraco da economia e da arrecadação, impõe pressa. Os bloqueios de recursos em ministérios, universidades e obras públicas se aproximam de níveis insuportáveis.
Se o país avançar nas reformas básicas, como a da Previdência e a tributária, e perseverar na disciplina orçamentária, estarão dadas as condições para juros mais baixos, comparáveis ao padrão mundial.
Nesse contexto, e tendo em vista a ampla disponibilidade de capital doméstico privado e externo, não está fora de alcance um salto de aportes na infraestrutura, setor que tem o potencial de se tornar o mais forte gerador de empregos.
Liberalismo e dogmatismo - ANDRÉ LARA RESENDE
Valor Econômico - 13/05
Neste início de século, o dogmatismo ameaça derrotar também nossa frágil democracia liberal
No início da década, a Grécia se viu obrigada a fazer um extraordinário ajuste fiscal. Tendo sido beneficiada pela condição de membro da União Europeia, o que lhe permitiu financiar sua dívida a juros baixos, a Grécia tinha sido fiscalmente irresponsável. Com a crise financeira de 2008, a realidade bateu à porta. Os mercados, sempre dispostos a absorver mais dívida quando a maré está alta, com o refluxo, secaram. O aumento do prêmio de risco cobrado pelos bancos tornou a dívida, além de muito alta, também muito onerosa.
Yanis Varoufakis, à época um professor visitante na Universidade do Texas-Austin, foi o primeiro a afirmar o que qualquer pessoa com uma noção básica de aritmética poderia constatar: a dívida grega era impagável. A Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI, a Troica, preocupados com o impacto sobre o sistema bancário, decidiram entender que não, que a Grécia deveria fazer um drástico ajuste fiscal e refinanciar a dívida. O ajuste foi feito. O déficit, de mais de 10% do PIB em 2010, foi revertido. Em 2017 a Grécia, a Alemanha, a Dinamarca e a Suécia, eram os únicos países da União Europeia com superávit fiscal.
O resultado pode ser avaliado por alguns números. O desemprego, que já era alto antes do início do ajuste, quase de 10%, três anos depois chegou a 28% da força de trabalho e a mais de 60% entre os jovens. No ano passado o desemprego ainda estava perto de 20% e o PIB tinha caído mais de 30% em relação a 2010. A dívida, que era equivalente a 150% do PIB em 2010, depois de quase uma década de ajuste, chegou a 180% do PIB. Mas os números, por mais impressionantes que sejam, não podem exprimir a dimensão da verdadeira tragédia que se abateu sobre a Grécia. O país foi destroçado.
Em 2015, depois de três anos de ajuste fiscal, a população exprimiu sua rejeição ao estrangulamento econômico a que o país estava sendo submetido. Um novo partido de esquerda, o Syriza e seu jovem lider, Alex Tsipras, venceram as eleições. Varoufakis foi convocado para ser o ministro da fazenda e renegociar a dívida. Condicionou a sua aceitação a ser eleito para o congresso. Sem jamais ter exercido qualquer cargo público, em menos de três meses de campanha, foi eleito o deputado mais votado da história. Ministro, enfrentou a tecnocracia europeia e o FMI, procurando demonstrar a inviabilidade do ajuste como exigido pela Troica. Convocou um referendo para avalizar a sua proposta alternativa. Saiu vitorioso das urnas, mas foi derrotado pela tecnocracia. O governo cedeu à Troica e Varoufakis voltou à academia e ao ativismo político. O seu livro, Adults in the Room, publicado em 2017, que resenhei para a revista Quatro Cinco Um, é uma fascinante incursão pelos bastidores das forças políticas do mundo contemporâneo.
A tragédia grega deste século XXI traz à cena todos os elementos do impasse da democracia contemporânea. Desde o início do século passado, sobretudo a partir do fim da Segunda Guerra, o mundo parecia ter encontrado a fórmula do progresso e da paz social. A democracia representativa liberal e a separação dos poderes davam a impressão de compatibilizar a vontade da maioria com a defesa dos direitos individuais e o respeito às minorias. Através de políticas compensatórias, o Estado, administrado por uma tecnocracia ilustrada, garantiria as condições mínimas de vida para os mais desfavorecidos. Nos países mais atrasados, o Estado exerceria ainda o papel de coordenador do desenvolvimento econômico.
Neste início de século, o equilíbrio entre os três elementos que compõem as democracias representativas - a vontade popular, o respeito aos direitos individuais e o governo tecnocrático - se rompeu. O populismo, tanto de direita como de esquerda, que hoje se alastra pelo mundo, deve ser entendido como uma reação à tomada de consciência de que a tecnocracia e as instituições liberais para a defesa dos direitos individuais se tornaram dominantes e abafaram a vontade popular. Tantos as razões desta tomada de consciência, como as implicações para o futuro da democracia têm sido objeto de inúmeros estudos e livros publicados nos últimos anos.
O populismo chega ao poder pelo voto, explorando a percepção de um déficit democrático, que foi acentuada pela internet e pelas mídias sociais. Primeiro, questiona as instituições liberais, depois desmantela a tecnocracia, para em seguida instaurar o autoritarismo. Não importa se a partir da esquerda, como na Venezuela, ou da direita, como na Turquia, na Polônia e nos EUA. Tanto a sua ascensão, quanto a sua capacidade de manter acesa a chama do ressentimento, dependem da frustração das expectativas. Por isso, o mau desempenho da economia, a recessão e o desemprego, são o combustível de que depende para solapar a democracia. Quando a economia se desorganiza mais rápido e profundamente, maior é a probabilidade do populismo descambar para o autoritarismo aberto. Confrontado com a perda de apoio, o populismo sobe o tom contra a política representativa, as minorias e as instituições liberais. A desorganização da economia, a recessão e o desemprego, se tornam um terreno fértil para a sua campanha de ressentimento.
No Brasil, depois de alguns meses do novo governo, a economia não dá sinais de que irá se recuperar. Continua estagnada, com a renda abaixo do que era há cinco anos e o desemprego acima de 12% da força de trabalho. O programa dos tecnocratas que estão no comando da economia parece estar condicionado à aprovação da reforma Previdência, uma reforma há décadas mais do que necessária, mas na qual não faz sentido depositar todas as esperanças. Transformada num cavalo de batalha com o congresso, insistentemente bombardeada como imprescindível pela mídia, a reforma da Previdência, ainda que aprovada sem grande diluição, como os resultados não são imediatos, não será suficiente para resolver o problema fiscal dos próximos anos. Também não será capaz de despertar a fada das boas expectativas. Como demonstra de forma dramática a experiência recente da Grécia, a busca do equilíbrio fiscal no curto prazo, quando há desemprego e capacidade ociosa, não apenas agrava o quadro recessivo, como termina por aumentar o peso da dívida em relação ao PIB.
A Grécia não tinha escolha: ou se submetia ao programa de austeridade fiscal ou seria obrigada a sair da zona do euro, com custos possivelmente ainda mais altos. No Brasil, a obsessão pelo equilíbrio fiscal no curto prazo é uma auto-imposição tecnocrática suicida. O liberalismo econômico do governo parece estar subordinado ao seu dogmatismo fiscal. Como liberalismo e dogmatismo são incompatíveis, o liberalismo sairá inevitavelmente derrotado. No século passado, o dogmatismo monetário derrotou o liberalismo econômico de Eugênio Gudin. Neste início de século, o dogmatismo ameaça derrotar também nossa frágil democracia liberal.
No início da década, a Grécia se viu obrigada a fazer um extraordinário ajuste fiscal. Tendo sido beneficiada pela condição de membro da União Europeia, o que lhe permitiu financiar sua dívida a juros baixos, a Grécia tinha sido fiscalmente irresponsável. Com a crise financeira de 2008, a realidade bateu à porta. Os mercados, sempre dispostos a absorver mais dívida quando a maré está alta, com o refluxo, secaram. O aumento do prêmio de risco cobrado pelos bancos tornou a dívida, além de muito alta, também muito onerosa.
Yanis Varoufakis, à época um professor visitante na Universidade do Texas-Austin, foi o primeiro a afirmar o que qualquer pessoa com uma noção básica de aritmética poderia constatar: a dívida grega era impagável. A Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI, a Troica, preocupados com o impacto sobre o sistema bancário, decidiram entender que não, que a Grécia deveria fazer um drástico ajuste fiscal e refinanciar a dívida. O ajuste foi feito. O déficit, de mais de 10% do PIB em 2010, foi revertido. Em 2017 a Grécia, a Alemanha, a Dinamarca e a Suécia, eram os únicos países da União Europeia com superávit fiscal.
O resultado pode ser avaliado por alguns números. O desemprego, que já era alto antes do início do ajuste, quase de 10%, três anos depois chegou a 28% da força de trabalho e a mais de 60% entre os jovens. No ano passado o desemprego ainda estava perto de 20% e o PIB tinha caído mais de 30% em relação a 2010. A dívida, que era equivalente a 150% do PIB em 2010, depois de quase uma década de ajuste, chegou a 180% do PIB. Mas os números, por mais impressionantes que sejam, não podem exprimir a dimensão da verdadeira tragédia que se abateu sobre a Grécia. O país foi destroçado.
Em 2015, depois de três anos de ajuste fiscal, a população exprimiu sua rejeição ao estrangulamento econômico a que o país estava sendo submetido. Um novo partido de esquerda, o Syriza e seu jovem lider, Alex Tsipras, venceram as eleições. Varoufakis foi convocado para ser o ministro da fazenda e renegociar a dívida. Condicionou a sua aceitação a ser eleito para o congresso. Sem jamais ter exercido qualquer cargo público, em menos de três meses de campanha, foi eleito o deputado mais votado da história. Ministro, enfrentou a tecnocracia europeia e o FMI, procurando demonstrar a inviabilidade do ajuste como exigido pela Troica. Convocou um referendo para avalizar a sua proposta alternativa. Saiu vitorioso das urnas, mas foi derrotado pela tecnocracia. O governo cedeu à Troica e Varoufakis voltou à academia e ao ativismo político. O seu livro, Adults in the Room, publicado em 2017, que resenhei para a revista Quatro Cinco Um, é uma fascinante incursão pelos bastidores das forças políticas do mundo contemporâneo.
A tragédia grega deste século XXI traz à cena todos os elementos do impasse da democracia contemporânea. Desde o início do século passado, sobretudo a partir do fim da Segunda Guerra, o mundo parecia ter encontrado a fórmula do progresso e da paz social. A democracia representativa liberal e a separação dos poderes davam a impressão de compatibilizar a vontade da maioria com a defesa dos direitos individuais e o respeito às minorias. Através de políticas compensatórias, o Estado, administrado por uma tecnocracia ilustrada, garantiria as condições mínimas de vida para os mais desfavorecidos. Nos países mais atrasados, o Estado exerceria ainda o papel de coordenador do desenvolvimento econômico.
Neste início de século, o equilíbrio entre os três elementos que compõem as democracias representativas - a vontade popular, o respeito aos direitos individuais e o governo tecnocrático - se rompeu. O populismo, tanto de direita como de esquerda, que hoje se alastra pelo mundo, deve ser entendido como uma reação à tomada de consciência de que a tecnocracia e as instituições liberais para a defesa dos direitos individuais se tornaram dominantes e abafaram a vontade popular. Tantos as razões desta tomada de consciência, como as implicações para o futuro da democracia têm sido objeto de inúmeros estudos e livros publicados nos últimos anos.
O populismo chega ao poder pelo voto, explorando a percepção de um déficit democrático, que foi acentuada pela internet e pelas mídias sociais. Primeiro, questiona as instituições liberais, depois desmantela a tecnocracia, para em seguida instaurar o autoritarismo. Não importa se a partir da esquerda, como na Venezuela, ou da direita, como na Turquia, na Polônia e nos EUA. Tanto a sua ascensão, quanto a sua capacidade de manter acesa a chama do ressentimento, dependem da frustração das expectativas. Por isso, o mau desempenho da economia, a recessão e o desemprego, são o combustível de que depende para solapar a democracia. Quando a economia se desorganiza mais rápido e profundamente, maior é a probabilidade do populismo descambar para o autoritarismo aberto. Confrontado com a perda de apoio, o populismo sobe o tom contra a política representativa, as minorias e as instituições liberais. A desorganização da economia, a recessão e o desemprego, se tornam um terreno fértil para a sua campanha de ressentimento.
No Brasil, depois de alguns meses do novo governo, a economia não dá sinais de que irá se recuperar. Continua estagnada, com a renda abaixo do que era há cinco anos e o desemprego acima de 12% da força de trabalho. O programa dos tecnocratas que estão no comando da economia parece estar condicionado à aprovação da reforma Previdência, uma reforma há décadas mais do que necessária, mas na qual não faz sentido depositar todas as esperanças. Transformada num cavalo de batalha com o congresso, insistentemente bombardeada como imprescindível pela mídia, a reforma da Previdência, ainda que aprovada sem grande diluição, como os resultados não são imediatos, não será suficiente para resolver o problema fiscal dos próximos anos. Também não será capaz de despertar a fada das boas expectativas. Como demonstra de forma dramática a experiência recente da Grécia, a busca do equilíbrio fiscal no curto prazo, quando há desemprego e capacidade ociosa, não apenas agrava o quadro recessivo, como termina por aumentar o peso da dívida em relação ao PIB.
A Grécia não tinha escolha: ou se submetia ao programa de austeridade fiscal ou seria obrigada a sair da zona do euro, com custos possivelmente ainda mais altos. No Brasil, a obsessão pelo equilíbrio fiscal no curto prazo é uma auto-imposição tecnocrática suicida. O liberalismo econômico do governo parece estar subordinado ao seu dogmatismo fiscal. Como liberalismo e dogmatismo são incompatíveis, o liberalismo sairá inevitavelmente derrotado. No século passado, o dogmatismo monetário derrotou o liberalismo econômico de Eugênio Gudin. Neste início de século, o dogmatismo ameaça derrotar também nossa frágil democracia liberal.
Os vencedores levam tudo - FERNANDO GABEIRA
O GLOBO - 13/05
Os tropeços de Bolsonaro e dos seus ardentes defensores abrem um espaço de poder, até agora percorrido pelo Congresso
Mas que briga é aquela que tem acolá? É o filho do homem com o seu general. Não pretendo analisar uma luta interna no governo, cheia de insultos escatológicos.
Pergunto apenas se vale a pena tantos militares no governo, com ataques permanentes contra eles e uma certa ambivalência de Bolsonaro. Se a ideia é apanhar pelo Brasil, talvez não seja a melhor aposta. O risco de desgaste das Forças Armadas é grande. E os resultados até agora, desanimadores.
Os termos que certos setores do bolsonarismo colocam são, na verdade, uma armadilha. Não respondê-los significa um silêncio constrangedor para quem participa do mesmo projeto de governo. Respondê-los é cair numa discussão de baixo nível, um filme onde todos morrem no final.
A única experiência que tive com Olavo de Carvalho foi um trecho de seu livro “O imbecil coletivo”. Nele, Olavo diz que não tenho competência nem para ser sargento do Exército de Uganda ou do Zimbábue, não me lembro.
Foi há muito tempo. Minha reação foi esperar que o Exército de Uganda, ou o do Zimbábue, protestasse. Como não disseram nada, também fiquei na minha.
Todo esse vespeiro no governo Bolsonaro é também resultado da fragilidade da oposição. Mas, observando as consequências, percebo que o Congresso vai preenchendo o vazio de poder não para oferecer uma alternativa mais sensata à sociedade, mas para garantir um retrocesso no aparato de controle da corrupção. Um dos pilares da Lava-Jato é a integração das instituições. O Congresso quer impedir que a Receita Federal e o Ministério Público compartilhem informações. Numa comissão da Câmara, tiraram o Coaf das mãos de Moro, um outro desmanche dos pressupostos da Operação Lava-Jato.
E não é só o Parlamento. O STF sente-se mais tranquilo para blindar os deputados estaduais, que só podem ser presos com autorização das Assembleias. Algo que sabemos muito improvável.
Outro passo: autorizar anistia para crimes de colarinho branco, validando o decreto de Temer.
Bolsonaro se apresentou com a bandeira anticorrupção. No entanto, no mundo real, há vários indícios de retrocesso. Não houve competência nem para evitá-los, quanto mais avançar numa agenda que interessou a milhões de eleitores.
Os tropeços de Bolsonaro e dos seus ardentes defensores abrem um espaço de poder, até agora percorrido pelo Congresso com seus objetivos claros.
Enquanto isso, ele se diverte dando tiros de retórica. Ele prometeu que vai fazer de Angra dos Reis uma Cancún brasileira. São ideias de quem está no mar e pisou pouco em terra firme, nos morros e favelas de Angra.
Esta semana, houve tiroteio, dias depois da passagem do governador Wilson Witzel. Ele foi a Angra num helicóptero e disse: “Vou acabar com a bandidagem.” Deu uns tiros, inclusive em tendas de oração, felizmente desertas, hospedou-se num hotel de luxo e voltou para o Rio.
Outra fixação de Bolsonaro é acabar com a Estacão Ecológica de Tamoios, próxima ao lugar onde foi multado por pesca. Estação ecológica é de acesso limitado aos cientistas porque é uma permanente fonte de pesquisa.
No passado, critiquei publicamente o senador Ney Suassuna, que comprou um barraco de um posseiro dentro da Estação de Tamoios e nela queria construir sua mansão. Uma década depois, a ideia do senador acaba se impondo sobre a minha. Cancún implica construir muitas mansões e hotéis, e mandar para o espaço nossa riqueza biológica concentrada ali naquela unidade de conservação.
A política de meio ambiente de Bolsonaro parte da negação do aquecimento global, e em todas as áreas ambientais tem dado sinais negativos. O consolo é que há mais gente lutando para proteger seu território. No entanto, certos danos podem ser irreversíveis. O licenciamento de agrotóxicos é o mais liberal da história, num momento em que o mundo se preocupa não apenas com a saúde humana, mas também com o desaparecimento das abelhas, dos insetos e das borboletas.
O processo vai ser acentuado também no Brasil. E, sem abelhas, como é que vão polinizar nossas plantas? Dando tiros de espingarda? Se apenas brigassem entre si, os bolsonaristas provocariam menos danos que a briga permanente do governo contra a natureza.
Governos passados nos levaram a esperança e alguns bilhões de dólares. Bolsonaro ameaça levar pedaços vivos do Brasil.
Os tropeços de Bolsonaro e dos seus ardentes defensores abrem um espaço de poder, até agora percorrido pelo Congresso
Mas que briga é aquela que tem acolá? É o filho do homem com o seu general. Não pretendo analisar uma luta interna no governo, cheia de insultos escatológicos.
Pergunto apenas se vale a pena tantos militares no governo, com ataques permanentes contra eles e uma certa ambivalência de Bolsonaro. Se a ideia é apanhar pelo Brasil, talvez não seja a melhor aposta. O risco de desgaste das Forças Armadas é grande. E os resultados até agora, desanimadores.
Os termos que certos setores do bolsonarismo colocam são, na verdade, uma armadilha. Não respondê-los significa um silêncio constrangedor para quem participa do mesmo projeto de governo. Respondê-los é cair numa discussão de baixo nível, um filme onde todos morrem no final.
A única experiência que tive com Olavo de Carvalho foi um trecho de seu livro “O imbecil coletivo”. Nele, Olavo diz que não tenho competência nem para ser sargento do Exército de Uganda ou do Zimbábue, não me lembro.
Foi há muito tempo. Minha reação foi esperar que o Exército de Uganda, ou o do Zimbábue, protestasse. Como não disseram nada, também fiquei na minha.
Todo esse vespeiro no governo Bolsonaro é também resultado da fragilidade da oposição. Mas, observando as consequências, percebo que o Congresso vai preenchendo o vazio de poder não para oferecer uma alternativa mais sensata à sociedade, mas para garantir um retrocesso no aparato de controle da corrupção. Um dos pilares da Lava-Jato é a integração das instituições. O Congresso quer impedir que a Receita Federal e o Ministério Público compartilhem informações. Numa comissão da Câmara, tiraram o Coaf das mãos de Moro, um outro desmanche dos pressupostos da Operação Lava-Jato.
E não é só o Parlamento. O STF sente-se mais tranquilo para blindar os deputados estaduais, que só podem ser presos com autorização das Assembleias. Algo que sabemos muito improvável.
Outro passo: autorizar anistia para crimes de colarinho branco, validando o decreto de Temer.
Bolsonaro se apresentou com a bandeira anticorrupção. No entanto, no mundo real, há vários indícios de retrocesso. Não houve competência nem para evitá-los, quanto mais avançar numa agenda que interessou a milhões de eleitores.
Os tropeços de Bolsonaro e dos seus ardentes defensores abrem um espaço de poder, até agora percorrido pelo Congresso com seus objetivos claros.
Enquanto isso, ele se diverte dando tiros de retórica. Ele prometeu que vai fazer de Angra dos Reis uma Cancún brasileira. São ideias de quem está no mar e pisou pouco em terra firme, nos morros e favelas de Angra.
Esta semana, houve tiroteio, dias depois da passagem do governador Wilson Witzel. Ele foi a Angra num helicóptero e disse: “Vou acabar com a bandidagem.” Deu uns tiros, inclusive em tendas de oração, felizmente desertas, hospedou-se num hotel de luxo e voltou para o Rio.
Outra fixação de Bolsonaro é acabar com a Estacão Ecológica de Tamoios, próxima ao lugar onde foi multado por pesca. Estação ecológica é de acesso limitado aos cientistas porque é uma permanente fonte de pesquisa.
No passado, critiquei publicamente o senador Ney Suassuna, que comprou um barraco de um posseiro dentro da Estação de Tamoios e nela queria construir sua mansão. Uma década depois, a ideia do senador acaba se impondo sobre a minha. Cancún implica construir muitas mansões e hotéis, e mandar para o espaço nossa riqueza biológica concentrada ali naquela unidade de conservação.
A política de meio ambiente de Bolsonaro parte da negação do aquecimento global, e em todas as áreas ambientais tem dado sinais negativos. O consolo é que há mais gente lutando para proteger seu território. No entanto, certos danos podem ser irreversíveis. O licenciamento de agrotóxicos é o mais liberal da história, num momento em que o mundo se preocupa não apenas com a saúde humana, mas também com o desaparecimento das abelhas, dos insetos e das borboletas.
O processo vai ser acentuado também no Brasil. E, sem abelhas, como é que vão polinizar nossas plantas? Dando tiros de espingarda? Se apenas brigassem entre si, os bolsonaristas provocariam menos danos que a briga permanente do governo contra a natureza.
Governos passados nos levaram a esperança e alguns bilhões de dólares. Bolsonaro ameaça levar pedaços vivos do Brasil.
O homem da cadeira de rodas - DENIS LERRER ROSENFIELD
O Estado de S. Paulo - 13/05
Que o Brasil tenha mais pessoas com a visão do general Villas Bôas!
O homem da cadeira de rodas fez o Brasil caminhar para a frente em momentos delicados da História recente. Soube enfrentar várias crises, sempre preocupado com o destino do País, enquanto bem maior a ser preservado. Nos últimos anos, o general Eduardo Villas Bôas foi acometido de doença degenerativa que o destinou a uma cadeira de rodas, sem que por isso tenha perdido sua mente de estrategista nem sua dignidade moral.
Já o vi, numa ocasião, falando em sua casa com o ex-presidente da República acerca da sucessão no Ministério da Defesa, defendendo com fidalguia a posição do Exército e das Forças Armadas em geral, com toda a sua dificuldade de locomoção. Nada disso afetava sua capacidade analítica. A janta transcorria normalmente, com sua mulher, dona Cida, dando-lhe de comer na boca. Fui tomado por um sentimento intenso de beleza moral, se posso utilizar tal expressão. A doença desaparecia pelo ato de amor dela e de sua filha. A conversa transcorria normalmente, como se isso fosse – como foi – um mero acidente.
Trago aqui o testemunho da amizade para melhor expressar a minha indignação com os ataques de que Villas Bôas foi objeto, vindos do ideólogo do presidente e de sua família. Recorrer à condição física do general como meio de insulto é abjeto. Que o digam outros deficientes físicos do País. E isso porque ousou tomar posição contra ataques que as Forças Armadas, e o Exército em particular, têm sofrido.
A situação é propriamente surrealista: um ideólogo que mora por decisão própria nos EUA tutela o grupo ideológico presidencial, criando conflitos intermináveis, enquanto o governo não consegue enfrentar os problemas mais básicos do País, como crescimento econômico, desemprego, investimentos e distribuição de renda. O Brasil tornou-se refém de posições ideológicas que nos impedem de andar para a frente. Sentado, em sua cadeira de rodas, o general caminha melhor do que aqueles que o atacam.
Nada disso é aleatório. Os militares vieram a participar do atual governo por iniciativa individual, pois acreditaram ter uma missão a cumprir. Apesar das aparências, não agem como um grupo. Não se encontram nem se reúnem regularmente. Muitas vezes nem se falam. Os seus opositores, porém, têm estrutura, constituem um grupo organizado com coordenação, ideologia, operadores digitais, e uma estratégia de considerar todos os que com eles não se identificam como inimigos.
E os inimigos escolhidos por esse grupo são atualmente os militares. Curiosamente, a narrativa política deslocou-se do PT para esses indivíduos fardados, como se eles o ameaçassem verdadeiramente. O vicepresidente Hamilton Mourão foi alvo dos maiores impropérios, que, de tão baixos, nem merecem ser reproduzidos. Atentam contra a sua honra pessoal e a farda que sempre vestiu. Mourão teve conduta exemplar no Exército, sendo um homem de convicções. O secretário de Governo, general Santos Cruz, tornou-se recentemente alvo de ataques do mesmo tipo. Santos Cruz foi um exemplo para seus companheiros de farda, com carreira ímpar de combatente, pessoa também da maior retidão moral. Não se pode senão qualificar de torpeza ética o que está acontecendo com eles.
Talvez o presidente da República não tenha atentado convenientemente para o fato de ser constitucionalmente comandante-chefe das Forças Armadas. Não é mais deputado, tampouco capitão. Ele se situa acima dos generais e, como tal, tem o dever de defender a instituição militar e os membros que a compõem. Não poderia, como fez, afagar o detrator mor das Forças Armadas, até mesmo com a medalha da Ordem de Rio Branco, quando mais não seja, pelo fato de ser tal gesto contraditório com a função que exerce. Ou seja, o próprio presidente é atacado quando a instituição militar é dessa forma denegrida.
Para melhor compreendermos o que está acontecendo em termos de composição política e de ideias, não basta caracterizarmos o atual governo como formado por conservadores e liberais, pois algo falta aí. O grupo dito de conservadores é constituído por um conservadorismo de tipo ideológico, alicerçado na concepção do político enquanto distinção amigo/inimigo; por um conservadorismo, digamos, institucional, composto por militares e uma ala evangélica, que os apoia, e pelos liberais.
Os primeiros procuram criar uma situação de instabilidade permanente, sempre atacando e procurando um inimigo, contanto que haja um, por mais imaginário que eventualmente seja. Nada têm a propor além desses ataques sistemáticos, como se estivessem à frente de uma revolução, constituindo a sua vanguarda. Quando não consideram o outro como espelho de si mesmos, tomam-no por alguém perigoso. A insegurança deles se traduz pela instabilidade de sua ação política.
Os segundos têm como objetivo assegurar a prosperidade do País via conservação de suas instituições e de seus valores. Caracterizam-se pela preservação da ordem democrática, atentos a desvios que possam afetar o seu curso. O seu conservadorismo, nesse sentido, poderia ser qualificado como essencialmente institucional, colocando-se como liberais do ponto de vista da economia. A pergunta que deveria ser feita é: o que procuram os que os atacam? Qual seria o seu objetivo?
Os liberais estão, sobretudo, voltados para as necessárias reformas econômicas, não entraram na refrega política. Sabem que tal grau de confronto só prejudica o projeto reformista, sem o qual o País rumará para um futuro sombrio, com risco até mesmo institucional. Estão dando como pressuposto o liberalismo político que caracteriza as instituições democráticas brasileiras, embora se possa perguntar por sua capacidade de resiliência se a reforma da Previdência não for aprovada ou se o seu desfecho for pífio.
Que o Brasil tenha mais pessoas com a visão do general Villas Bôas!
Que o Brasil tenha mais pessoas com a visão do general Villas Bôas!
O homem da cadeira de rodas fez o Brasil caminhar para a frente em momentos delicados da História recente. Soube enfrentar várias crises, sempre preocupado com o destino do País, enquanto bem maior a ser preservado. Nos últimos anos, o general Eduardo Villas Bôas foi acometido de doença degenerativa que o destinou a uma cadeira de rodas, sem que por isso tenha perdido sua mente de estrategista nem sua dignidade moral.
Já o vi, numa ocasião, falando em sua casa com o ex-presidente da República acerca da sucessão no Ministério da Defesa, defendendo com fidalguia a posição do Exército e das Forças Armadas em geral, com toda a sua dificuldade de locomoção. Nada disso afetava sua capacidade analítica. A janta transcorria normalmente, com sua mulher, dona Cida, dando-lhe de comer na boca. Fui tomado por um sentimento intenso de beleza moral, se posso utilizar tal expressão. A doença desaparecia pelo ato de amor dela e de sua filha. A conversa transcorria normalmente, como se isso fosse – como foi – um mero acidente.
Trago aqui o testemunho da amizade para melhor expressar a minha indignação com os ataques de que Villas Bôas foi objeto, vindos do ideólogo do presidente e de sua família. Recorrer à condição física do general como meio de insulto é abjeto. Que o digam outros deficientes físicos do País. E isso porque ousou tomar posição contra ataques que as Forças Armadas, e o Exército em particular, têm sofrido.
A situação é propriamente surrealista: um ideólogo que mora por decisão própria nos EUA tutela o grupo ideológico presidencial, criando conflitos intermináveis, enquanto o governo não consegue enfrentar os problemas mais básicos do País, como crescimento econômico, desemprego, investimentos e distribuição de renda. O Brasil tornou-se refém de posições ideológicas que nos impedem de andar para a frente. Sentado, em sua cadeira de rodas, o general caminha melhor do que aqueles que o atacam.
Nada disso é aleatório. Os militares vieram a participar do atual governo por iniciativa individual, pois acreditaram ter uma missão a cumprir. Apesar das aparências, não agem como um grupo. Não se encontram nem se reúnem regularmente. Muitas vezes nem se falam. Os seus opositores, porém, têm estrutura, constituem um grupo organizado com coordenação, ideologia, operadores digitais, e uma estratégia de considerar todos os que com eles não se identificam como inimigos.
E os inimigos escolhidos por esse grupo são atualmente os militares. Curiosamente, a narrativa política deslocou-se do PT para esses indivíduos fardados, como se eles o ameaçassem verdadeiramente. O vicepresidente Hamilton Mourão foi alvo dos maiores impropérios, que, de tão baixos, nem merecem ser reproduzidos. Atentam contra a sua honra pessoal e a farda que sempre vestiu. Mourão teve conduta exemplar no Exército, sendo um homem de convicções. O secretário de Governo, general Santos Cruz, tornou-se recentemente alvo de ataques do mesmo tipo. Santos Cruz foi um exemplo para seus companheiros de farda, com carreira ímpar de combatente, pessoa também da maior retidão moral. Não se pode senão qualificar de torpeza ética o que está acontecendo com eles.
Talvez o presidente da República não tenha atentado convenientemente para o fato de ser constitucionalmente comandante-chefe das Forças Armadas. Não é mais deputado, tampouco capitão. Ele se situa acima dos generais e, como tal, tem o dever de defender a instituição militar e os membros que a compõem. Não poderia, como fez, afagar o detrator mor das Forças Armadas, até mesmo com a medalha da Ordem de Rio Branco, quando mais não seja, pelo fato de ser tal gesto contraditório com a função que exerce. Ou seja, o próprio presidente é atacado quando a instituição militar é dessa forma denegrida.
Para melhor compreendermos o que está acontecendo em termos de composição política e de ideias, não basta caracterizarmos o atual governo como formado por conservadores e liberais, pois algo falta aí. O grupo dito de conservadores é constituído por um conservadorismo de tipo ideológico, alicerçado na concepção do político enquanto distinção amigo/inimigo; por um conservadorismo, digamos, institucional, composto por militares e uma ala evangélica, que os apoia, e pelos liberais.
Os primeiros procuram criar uma situação de instabilidade permanente, sempre atacando e procurando um inimigo, contanto que haja um, por mais imaginário que eventualmente seja. Nada têm a propor além desses ataques sistemáticos, como se estivessem à frente de uma revolução, constituindo a sua vanguarda. Quando não consideram o outro como espelho de si mesmos, tomam-no por alguém perigoso. A insegurança deles se traduz pela instabilidade de sua ação política.
Os segundos têm como objetivo assegurar a prosperidade do País via conservação de suas instituições e de seus valores. Caracterizam-se pela preservação da ordem democrática, atentos a desvios que possam afetar o seu curso. O seu conservadorismo, nesse sentido, poderia ser qualificado como essencialmente institucional, colocando-se como liberais do ponto de vista da economia. A pergunta que deveria ser feita é: o que procuram os que os atacam? Qual seria o seu objetivo?
Os liberais estão, sobretudo, voltados para as necessárias reformas econômicas, não entraram na refrega política. Sabem que tal grau de confronto só prejudica o projeto reformista, sem o qual o País rumará para um futuro sombrio, com risco até mesmo institucional. Estão dando como pressuposto o liberalismo político que caracteriza as instituições democráticas brasileiras, embora se possa perguntar por sua capacidade de resiliência se a reforma da Previdência não for aprovada ou se o seu desfecho for pífio.
Que o Brasil tenha mais pessoas com a visão do general Villas Bôas!
É possível fazer boa política - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S. Paulo - 13/05
Mais do que uma questão de novidade ou ineditismo, o Brasil precisa é de boa política, capaz de articular apoios sempre em favor do interesse público.
Muito se tem falado da velha e da nova política. Esta seria a grande solução dos problemas nacionais, enquanto aquela é apontada como o grande conluio que atrasa o País. No entanto, mais do que uma questão de novidade ou ineditismo, o que o Brasil precisa urgentemente é da boa política, seja ela nova ou velha, capaz de construir consensos e articular apoios sempre em favor do interesse público, numa atuação que supere questões meramente eleitoreiras ou ideológicas.
A boa política não é um desejo utópico. Há exemplos já ocorrendo, em número maior do que às vezes se costuma admitir. Recentemente, uma jovem parlamentar foi protagonista de um desses casos. A deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) criou rebuliço ao defender publicamente a necessidade de uma reforma da Previdência. Como se sabe, seu partido fechou questão contra a mudança das regras previdenciárias. “São tantos fatores contribuindo (para a necessidade de uma reforma da Previdência) que não deveria ser uma coisa de esquerda ou de direita”, disse Tabata Amaral ao Broadcast.
Na entrevista, ela mostrou as contradições de uma atuação política baseada em estereótipos. “Eu não consigo entender. Quem é progressista, quem tem a luta social como algo do sangue mesmo, como que essas pessoas não se posicionam contra a desigualdade que é perpetuada pela Previdência?”, indagou a parlamentar. Os partidos de esquerda no Brasil têm sido sistematicamente contrários à reforma da Previdência. Batalham, assim, pela manutenção dos privilégios e o agravamento das desigualdades sociais.
“Eu olho para a (reforma da) Previdência como uma luta social em si. Nossa Previdência leva dinheiro de quem tem menos para quem tem mais, perpetua desigualdades no Brasil. Acho que essa é a minha discordância da esquerda. É uma luta social também, dependendo de como você trava. Ela pode ajudar no combate da desigualdade”, disse Tabata Amaral.
Dias antes, o deputado Paulinho da Força (SD-SP) havia sugerido que os partidos do centrão não deveriam apoiar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) relativa à Previdência, já que uma reforma consistente contribuiria para a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Reconhecia que a aprovação da reforma era boa para a economia do País, mas, como isso favoreceria o governo, era preferível votar contra a PEC. De acordo com o deputado, os partidos deveriam pensar apenas nas eleições, mesmo que isso significasse atuar contra o País. Questionada a respeito, Tabata Amaral lembrou o papel da política: “Acho lamentável que a gente coloque uma reeleição ou um cenário eleitoral como uma variável para definir o futuro de pessoas”.
Tabata Amaral não concorda inteiramente com a Proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo governo Bolsonaro. Avalia que a discussão sobre a idade mínima, as alíquotas progressivas – que aumentam de acordo com a renda do trabalhador – e o combate a privilégios nas aposentadorias de servidores estão na direção certa. Mas criticou, por exemplo, a ideia de um regime de capitalização sem contribuição dos empregadores. “Não se explicou exatamente como vai ser o sistema de capitalização”, disse.
O desejo de fazer política pensando no interesse público não é um caso isolado. “Tem gente dos dois lados querendo um debate sério, profundo”, afirmou Tabata Amaral. Reconheceu, no entanto, que essa postura não é a que predomina no Congresso. “Muita gente faz um debate raso, nos holofotes da polarização, dizendo o que é mais atraente para sua base”, disse.
A jovem deputada lembrava, assim, de uma realidade fundamental da atuação parlamentar. É preciso enxergar além do interesse imediato da própria base eleitoral. O compromisso dos deputados e senadores deve ser com o interesse público. Daí a importância de estudar os assuntos sem preconceitos, avaliar as propostas e decidir com coragem, sem medo de retaliações. Não é impossível fazer boa política. Quem quer faz.
Mais do que uma questão de novidade ou ineditismo, o Brasil precisa é de boa política, capaz de articular apoios sempre em favor do interesse público.
Muito se tem falado da velha e da nova política. Esta seria a grande solução dos problemas nacionais, enquanto aquela é apontada como o grande conluio que atrasa o País. No entanto, mais do que uma questão de novidade ou ineditismo, o que o Brasil precisa urgentemente é da boa política, seja ela nova ou velha, capaz de construir consensos e articular apoios sempre em favor do interesse público, numa atuação que supere questões meramente eleitoreiras ou ideológicas.
A boa política não é um desejo utópico. Há exemplos já ocorrendo, em número maior do que às vezes se costuma admitir. Recentemente, uma jovem parlamentar foi protagonista de um desses casos. A deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) criou rebuliço ao defender publicamente a necessidade de uma reforma da Previdência. Como se sabe, seu partido fechou questão contra a mudança das regras previdenciárias. “São tantos fatores contribuindo (para a necessidade de uma reforma da Previdência) que não deveria ser uma coisa de esquerda ou de direita”, disse Tabata Amaral ao Broadcast.
Na entrevista, ela mostrou as contradições de uma atuação política baseada em estereótipos. “Eu não consigo entender. Quem é progressista, quem tem a luta social como algo do sangue mesmo, como que essas pessoas não se posicionam contra a desigualdade que é perpetuada pela Previdência?”, indagou a parlamentar. Os partidos de esquerda no Brasil têm sido sistematicamente contrários à reforma da Previdência. Batalham, assim, pela manutenção dos privilégios e o agravamento das desigualdades sociais.
“Eu olho para a (reforma da) Previdência como uma luta social em si. Nossa Previdência leva dinheiro de quem tem menos para quem tem mais, perpetua desigualdades no Brasil. Acho que essa é a minha discordância da esquerda. É uma luta social também, dependendo de como você trava. Ela pode ajudar no combate da desigualdade”, disse Tabata Amaral.
Dias antes, o deputado Paulinho da Força (SD-SP) havia sugerido que os partidos do centrão não deveriam apoiar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) relativa à Previdência, já que uma reforma consistente contribuiria para a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Reconhecia que a aprovação da reforma era boa para a economia do País, mas, como isso favoreceria o governo, era preferível votar contra a PEC. De acordo com o deputado, os partidos deveriam pensar apenas nas eleições, mesmo que isso significasse atuar contra o País. Questionada a respeito, Tabata Amaral lembrou o papel da política: “Acho lamentável que a gente coloque uma reeleição ou um cenário eleitoral como uma variável para definir o futuro de pessoas”.
Tabata Amaral não concorda inteiramente com a Proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo governo Bolsonaro. Avalia que a discussão sobre a idade mínima, as alíquotas progressivas – que aumentam de acordo com a renda do trabalhador – e o combate a privilégios nas aposentadorias de servidores estão na direção certa. Mas criticou, por exemplo, a ideia de um regime de capitalização sem contribuição dos empregadores. “Não se explicou exatamente como vai ser o sistema de capitalização”, disse.
O desejo de fazer política pensando no interesse público não é um caso isolado. “Tem gente dos dois lados querendo um debate sério, profundo”, afirmou Tabata Amaral. Reconheceu, no entanto, que essa postura não é a que predomina no Congresso. “Muita gente faz um debate raso, nos holofotes da polarização, dizendo o que é mais atraente para sua base”, disse.
A jovem deputada lembrava, assim, de uma realidade fundamental da atuação parlamentar. É preciso enxergar além do interesse imediato da própria base eleitoral. O compromisso dos deputados e senadores deve ser com o interesse público. Daí a importância de estudar os assuntos sem preconceitos, avaliar as propostas e decidir com coragem, sem medo de retaliações. Não é impossível fazer boa política. Quem quer faz.
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