O GLOBO - 08/03
Há muito um livro não arrebatava tanto minha atenção quanto ‘O homem que amava os cachorros’, de Leonardo Padura
Mais uma vez nesses últimos três anos, desertei dos desfiles das escolas de samba, traindo uma fidelidade que mantive durante décadas. Só que agora fugi para a serra, para uma espécie de retiro espiritual. Fiz o que há muito não fazia, como tomar banho de chuva torrencial, ler um enorme livro sem ser interrompido pelo telefone e ver séries estrangeiras. Não aguentava mais ficar sem saber o que dizer nas discussões sobre qual era melhor, “Homeland”, ou “The Tudors”? “House of cards” ou “Breaking bad”? Ou então “que temporada você já viu?” Ignorante e obtuso, a primeira vez que ouvi essa pergunta, quase respondi: “Ainda estou no verão.” Me dei conta a tempo de que a pergunta tinha outro sentido, claro. Agora, graças a amigos que, com empréstimos, promoveram minha atualização, já sei a temporada em que está cada uma das séries e mais: posso participar de qualquer conversa com observações até pertinentes. Só não decidi em qual delas minha preferência vai recair.
As séries, Mary e eu víamos à noite, varando madrugadas. De dia eu lia. Passava os olhos no jornal, fazia uma rápida caminhada e mergulhava numa leitura da qual não conseguia me desprender durante horas. Há muito um livro não arrebatava tanto minha atenção quanto “O homem que amava os cachorros”, de Leonardo Padura. Ao contrário das séries, a sensação no caso é que só eu estou lendo essas 700 páginas, sem poder comentar com alguém. Ainda não terminei e não sei se vou ter a competência de analisá-lo um dia, tal a extensão e complexidade do tema e da época que aborda, embora a narrativa tenha a fluência e a sedução de um romance policial. A história central é a preparação e o assassinato de Leon Trotski a mando de Stalin, mas o pano de fundo se expande pela Guerra Civil da Espanha, pela irrupção do nazifascismo, pela Europa da pré-guerra e pelos horrores do stalinismo.
Mesmo tanto tempo depois de ter sido desmascarado o ditador soviético, o livro do cubano Padura (cuja visão crítica não poupa o país em que vive) ainda consegue revelar desvãos sinistros desse regime que foi uma das matrizes do fundamentalismo ideológico. O retrato que faz de Stalin, expondo sua paranoia e sadismo, é devastador, porque mostra como ele foi capaz de manter o poder impondo o terror e de dominar corações e mentes por meio da mentira, da manipulação e da farsa. É incrível como esse monstro, que disputou com Hitler o título de genocida do século XX, erigiu-se em “grande guia” não só da massa, mas também de intelectuais e artistas no mundo todo, inclusive no Brasil.
Sobre a última coluna, a educadora Silvana Gontijo observa que é preciso enfatizar entre os efeitos nocivos da dependência digital a perda dos “vínculos empáticos”, da “conexão emocional”, ou seja, a falta do contato físico, do olho no olho. “Não há maquina que substitua isso.”
sábado, março 08, 2014
Ginástica sintática - RUY CASTRO
FOLHA DE S. PAULO - 08/03
RIO DE JANEIRO - Pesquisadores de neurociência da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, publicaram há pouco, na revista "Plos One", sua descoberta de que, quando os músicos de jazz improvisam sobre uma melodia --criando contramelodias sobre uma base harmônica comum--, estão ativando uma área do cérebro associada à sintaxe, não à semântica. Ou seja, não produzem conteúdos, mas estruturas. O estudo, que utilizou testes de ressonância magnética, visa a mapear o papel do cérebro na criatividade.
A quase 100 anos da gravação do primeiro disco do gênero ("Livery Stable Blues", pela Original Dixieland Jazz Band, em 1917), o achado não me soa como grande novidade. De certa maneira, todos nós, fãs de jazz, já nascemos sabendo disso. O que seria o improviso coletivo de Nova Orleans senão uma deliciosa conversa de comadres significando nada? E o concerto no Massey Hall, de Toronto, em 1953? Charlie Parker e Dizzy Gillespie, rompidos havia anos, não tiveram de fazer as pazes para falar jazzês e se complementar magistralmente em "Perdido", "Hot House" e "A Night in Tunisia".
O estudo diz avançar sobre uma pesquisa iniciada em 2008 e publicada na mesma revista, segundo a qual, quando os jazzistas improvisam, seus cérebros "desligam" os controles de censura e autoinibição, e "ligam" os que liberam a expressão --o que não aconteceria se tocassem um "conteúdo", uma melodia conhecida e sem variações.
Com todo o respeito pelos rapazes da Johns Hopkins, a façanha da bateria da Mangueira neste Carnaval, reduzindo-se de repente aos surdos e tamborins, deve ter exigido uma ginástica cerebral equivalente. E o que dizer de certas rodas de samba, como as de Moacyr Luz às segundas-feiras no clube Renascença?
Pensando bem, o que será também o sexo entre duas pessoas senão uma ginástica sintática, não semântica?
Janelas matam bilhões de pássaros - FERNANDO REINACH
O Estado de S.Paulo - 08/03
O pássaro estrebuchava perto da janela, o sangue escorria pelo bico. Era mais um que morria ao colidir com o vidro do meu escritório. São dezenas de joão-de-barro, sabiás e andorinhas que já morreram tentando atravessar o vidro invisível. Imaginava-se que fossem milhares a cada ano. Foi um susto descobrir que bilhões de pássaros morrem todos os anos ao se chocarem com janelas de vidro.
Faz décadas que os cientistas estudaram a colisão de pássaros com edifícios. Já sabemos que o número de colisões aumenta com o aumento da área coberta por vidro, com o aumento da vegetação nos arredores dos edifícios, com a quantidade de luz refletida pelas janelas e, escute só, com a presença de locais de alimentação de pássaros próximos à construção. Mas o número exato de vítimas nunca havia sido estimado de maneira cuidadosa. Foi isso que os cientistas fizeram agora.
Primeiro os cientistas identificaram todos estudos que estimavam o número de colisões em grandes áreas urbanas ou comunidades rurais. Foram também identificados estudos em cidades, bairros e prédios específicos. Após excluir estudos muito pequenos, ou gerados como respostas a demandas judiciais, sobraram 23 estudos. Conjuntamente eles descrevem 92.869 mortes de pássaros por causa das colisões com construções.
Alguns estudos envolviam somente prédios baixos, como um em Rock Island, em Illinois, nos Estados Unidos, onde foram monitorados 20 edifícios. Neles a taxa de colisão foi de 2,6 pássaros por prédio por ano. Em Chicago, em um único edifício monitorado, entre 1978 e 2012, foram registradas, em média, 1.028 mortes de pássaros por ano. Um terceiro estudo monitorou 1.165 casas sendo que cada casa, na média, causou 0,85 mortes por ano.
Combinando os dados desses 23 estudos, com dados sobre a densidade de pássaros em cada município dos EUA, e o número e tipo de construção existente em cada cidade, vila ou vilarejo nos EUA, os cientistas puderam estimar o número de pássaros que morrem por ano por causa desse tipo de colisão em todo os EUA.
Essa análise cuidadosa permitiu que os cientistas estimassem com 95% de certeza que o número de pássaros mortos a cada ano nos EUA está entre 365 milhões e 988 milhões. Em outras palavras só existe 5% de chance de o número real ser menor que 365 ou maior que 988 milhões. É um número altíssimo. Entre as causas de mortes de pássaros, a única provocada pelo homem que registra mais casos são os gatos domésticos (1 bilhão de vítimas por ano). Agrotóxicos, caça, e geradores eólicos não chegam nem perto de causar esse tipo de mortalidade.
Os dados permitiram estimar o número aproximado de pássaros mortos em edifícios de até 3 andares (253 milhões/ano), casas e edifícios de até dois andares (339 milhões/ano) e grandes prédios (508 mil/ano). Ou seja, prédios altos, nas grandes cidades, contribuem menos que os baixos e as casas.
Além de determinar o número de pássaros mortos, foi possível identificar as espécies que morrem com mais frequência. O interessante é que, para cada tipo de edifício, a espécie de pássaro que é morta com mais frequência é diferente. Outro dado é que algumas espécies colidem com uma frequência maior que a esperada, como o beija-flor, enquanto outras raramente atingem uma janela, como patos e marrecos.
Finalmente os dados permitiram identificar mais de 20 espécies de pássaros cujas populações estão diminuindo, e que podem correr o risco de extinção, entre os pássaros que morrem frequentemente em colisões com edifícios. Se esses resultados se confirmarem é fácil imaginar que no mundo devem morrer bilhões de aves a cada ano por causa de colisões com construções, um número da mesma ordem de magnitude da população de seres humanos que vivem no planeta.
Fiquei pensando. Será que não seria melhor fechar minha janela preferida e ir ler na varanda? Afinal quantas vidas de pássaros vale cada metro de janela envidraçada?
O pássaro estrebuchava perto da janela, o sangue escorria pelo bico. Era mais um que morria ao colidir com o vidro do meu escritório. São dezenas de joão-de-barro, sabiás e andorinhas que já morreram tentando atravessar o vidro invisível. Imaginava-se que fossem milhares a cada ano. Foi um susto descobrir que bilhões de pássaros morrem todos os anos ao se chocarem com janelas de vidro.
Faz décadas que os cientistas estudaram a colisão de pássaros com edifícios. Já sabemos que o número de colisões aumenta com o aumento da área coberta por vidro, com o aumento da vegetação nos arredores dos edifícios, com a quantidade de luz refletida pelas janelas e, escute só, com a presença de locais de alimentação de pássaros próximos à construção. Mas o número exato de vítimas nunca havia sido estimado de maneira cuidadosa. Foi isso que os cientistas fizeram agora.
Primeiro os cientistas identificaram todos estudos que estimavam o número de colisões em grandes áreas urbanas ou comunidades rurais. Foram também identificados estudos em cidades, bairros e prédios específicos. Após excluir estudos muito pequenos, ou gerados como respostas a demandas judiciais, sobraram 23 estudos. Conjuntamente eles descrevem 92.869 mortes de pássaros por causa das colisões com construções.
Alguns estudos envolviam somente prédios baixos, como um em Rock Island, em Illinois, nos Estados Unidos, onde foram monitorados 20 edifícios. Neles a taxa de colisão foi de 2,6 pássaros por prédio por ano. Em Chicago, em um único edifício monitorado, entre 1978 e 2012, foram registradas, em média, 1.028 mortes de pássaros por ano. Um terceiro estudo monitorou 1.165 casas sendo que cada casa, na média, causou 0,85 mortes por ano.
Combinando os dados desses 23 estudos, com dados sobre a densidade de pássaros em cada município dos EUA, e o número e tipo de construção existente em cada cidade, vila ou vilarejo nos EUA, os cientistas puderam estimar o número de pássaros que morrem por ano por causa desse tipo de colisão em todo os EUA.
Essa análise cuidadosa permitiu que os cientistas estimassem com 95% de certeza que o número de pássaros mortos a cada ano nos EUA está entre 365 milhões e 988 milhões. Em outras palavras só existe 5% de chance de o número real ser menor que 365 ou maior que 988 milhões. É um número altíssimo. Entre as causas de mortes de pássaros, a única provocada pelo homem que registra mais casos são os gatos domésticos (1 bilhão de vítimas por ano). Agrotóxicos, caça, e geradores eólicos não chegam nem perto de causar esse tipo de mortalidade.
Os dados permitiram estimar o número aproximado de pássaros mortos em edifícios de até 3 andares (253 milhões/ano), casas e edifícios de até dois andares (339 milhões/ano) e grandes prédios (508 mil/ano). Ou seja, prédios altos, nas grandes cidades, contribuem menos que os baixos e as casas.
Além de determinar o número de pássaros mortos, foi possível identificar as espécies que morrem com mais frequência. O interessante é que, para cada tipo de edifício, a espécie de pássaro que é morta com mais frequência é diferente. Outro dado é que algumas espécies colidem com uma frequência maior que a esperada, como o beija-flor, enquanto outras raramente atingem uma janela, como patos e marrecos.
Finalmente os dados permitiram identificar mais de 20 espécies de pássaros cujas populações estão diminuindo, e que podem correr o risco de extinção, entre os pássaros que morrem frequentemente em colisões com edifícios. Se esses resultados se confirmarem é fácil imaginar que no mundo devem morrer bilhões de aves a cada ano por causa de colisões com construções, um número da mesma ordem de magnitude da população de seres humanos que vivem no planeta.
Fiquei pensando. Será que não seria melhor fechar minha janela preferida e ir ler na varanda? Afinal quantas vidas de pássaros vale cada metro de janela envidraçada?
Diga sim ao Nein - SERGIO AUGUSTO
O Estado de S.Paulo - 08/03
Navegar é preciso, viver não é preciso, teria insistido Fernando Pessoa, então se referindo à internet, possivelmente numa postagem do Twitter. Mesmo que não considerasse tuitar mais importante (ou necessário) que viver, Pessoa seria, desconfio, um adicto do Twitter. Não lhe faltavam vocação e embocadura, e seus avatares, diretos e indiretos (@casapessoa, @bookofdisquiet), corroboram diariamente essa predisposição, citando-lhe versos, confissões e aforismos.
Os poetas, sobretudo os concretistas, superam com mais facilidade a limitação dos 140 caracteres. "Irrita-me a felicidade de todos estes homens que não sabem que são infelizes" tem apenas 78 caracteres. E "Sou um doido que estranha a própria alma", quase a metade. Pincei ao acaso esses dois tuítes recentemente psicopostados por Pessoa. Não costumo acompanhar seus avatares, bastante úteis como divulgadores e perpetuadores da obra do poeta, mas sem maiores atrativos para quem o leu na fonte original. Mais curiosidade me despertariam os parodistas e parafrastas do poeta e seus heterônimos, tuitando coisas do tipo "Tuitar é preciso". Ou menos óbvia. "O sol por trás da torre faz a torre incandescente", por exemplo. No original, a lua ocupava o lugar do sol e a torre ficava apenas "diferente".
Tal forma de apropriação, se bem executada, é tiro e queda, desde que o parodiado ou parafraseado não seja um genial frasista como, digamos, Woody Allen ou Millôr. Seu espírito, sim, pode ser emulado, mas não o cerne do seu humor. Melhor encarnar numa figura circunspecta, tornando-a inesperadamente o seu avesso, ou seja, uma persona engraçada, gozadora. Já fizeram isso com Deus (@TweetofGod), a quem sigo sempre, e sempre às gargalhadas.
Esse avatar do Todo Poderoso é uma curtição, especialmente saborosa para agnósticos e ateus. Onipotente, mas confessadamente inseguro, o God do Twitter vive a desmoralizar a teodiceia, não se eximindo das desgraças do mundo e assumindo às escâncaras sua soberba misantropia. "Se cuidar dos outros é crime, eu clamo inocência", tuitou algum tempo atrás. Debochado, revelou só ter inventado a religião pra manter a humanidade longe dele, já definiu suas orações como spams e aconselhou os fiéis "a consultarem outros deuses". Dia desses, comunicou: "Continuo solteiro e adorando".
Meu tuiteiro favorito é um americano do Wisconsin que se passa por alemão e aderiu ao microblog há dois anos. Já postou mais de 30 mil tuítes e amealhou mais de 61 mil seguidores. Eric Jarosinski, professor assistente de alemão da Universidade da Pensilvânia, refugiou-se no Twitter para fugir de um livro sobre a transparência como metáfora na cultura alemã, que se comprometera escrever e não conseguia. Tomara enjoo da linguagem acadêmica, de suas "frases longas, complexas e densas de qualificativos", a ponto de suar em bicas sempre que se sentava diante do computador. Para distrair-se e superar o bloqueio, começou a tuitar a partir do smartphone e deixou o livro a mofar no laptop. Tomou gosto. Se pudesse, só falaria em, no máximo, 140 caracteres, confessou a Jason Fagone, blogueiro da revista The New Yorker.
É uma das vozes mais singulares da tuitolândia: límpida, alusiva, lacônica, irreverente. Verifique por si mesmo em Nein@NeinQuarterly. O trimestral (quarterly) é uma boutade. Jarosinski assume a editoria do que identifica como "um compêndio de negativismo utópico" (ou, quem sabe, de uma utopia negativa), de "circulação" diária. Nein quer dizer não, em alemão. Seu avatar é a caricatura de um tedesco weimariano, de olhar duro e monóculo; ninguém menos que Theodor W. Adorno, sumo pontífice da Escola de Frankfurt, cujas teorias Jarosinski, que às vezes também posta em alemão e em germenglish, conhece de cor e salteado. Por trás de sua ironia cáustica, percebo mais a lâmina do austríaco Karl Kraus.
A proverbial falta de humor dos alemães é um de seus cães malhadiços. Idem o romantismo e as tolices do mundo moderno. Adora gozar Magritte e até a mídia social que lhe deu fama: "Antes do twitter tínhamos a impressão de que estávamos sós. Agora temos certeza". Bom de jogos de palavras e neologismos bilíngues, é dele a expressão "flâneurd", que é como, millorianamente, identifica um sem-teto com Ph.D. em informática.
A seguir, algumas pérolas do negativista Jarosinski:
Faço meus pedidos no Starbucks com o nome de Godot. E vou embora.
A primavera se aproxima. Por favor, não digam nada aos poetas.
A História está chegando ao fim. De novo.
Assim falou Zaratustra com um desconhecido. No ônibus. O cara mudou de assento.
Muitos escritores bebem à beça. Na Alemanha, são os leitores.
Aproveite este belo dia pra pôr sua alienação pra trabalhar.
Arrumando meus livros. Pelos que destruíram minha visão, pelos que destruíram meu futuro e pelos que destruíram minha visão do futuro.
Quanto mais aprendemos sobre política, menos queremos saber. Quanto mais aprendemos sobre ideologia, menos queremos acreditar.
Alguns chamam de decadência cultural. Outros, de tradição.
Vou aproveitar este fim de semana pra terminar aquela palavra em alemão que me gritaram na semana passada.
Twitter e Facebook entram num bar. Facebook vê um amigo e com ele troca uma foto de gato. Twitter sai à cata de um seguidor.
Só pra lembrar que qualquer coisa que você diga sobre Walter Benjamin foi provavelmente melhor dito por Walter Benjamin.
A falta de significado é mais difícil do que se pensa.
Teoria: 50 tons de Marx.
Dialética entra num bar. História sai de fininho. Luta de classes pede mais um chope.
Gin entra num bar. De ressaca. Pede uma tônica.
Magritte entra num cachimbo. Pede um bar.
Às vezes sonho com Roland Barthes. Comemos bife com fritas, vamos a uma luta livre ou a um strip-tease, ficamos apreciando os detergentes. (Este tuíte só é inteligível para quem leu Mitologias, de Barthes)
Hemingway, Joyce, Dorothy Parker, Faulkner e Bukowski entram num bar. Sobra pro Kafka pagar a conta.
Preciso sentar e ler um tuíte do começo ao fim. Dizem que às vezes vale a pena.
Navegar é preciso, viver não é preciso, teria insistido Fernando Pessoa, então se referindo à internet, possivelmente numa postagem do Twitter. Mesmo que não considerasse tuitar mais importante (ou necessário) que viver, Pessoa seria, desconfio, um adicto do Twitter. Não lhe faltavam vocação e embocadura, e seus avatares, diretos e indiretos (@casapessoa, @bookofdisquiet), corroboram diariamente essa predisposição, citando-lhe versos, confissões e aforismos.
Os poetas, sobretudo os concretistas, superam com mais facilidade a limitação dos 140 caracteres. "Irrita-me a felicidade de todos estes homens que não sabem que são infelizes" tem apenas 78 caracteres. E "Sou um doido que estranha a própria alma", quase a metade. Pincei ao acaso esses dois tuítes recentemente psicopostados por Pessoa. Não costumo acompanhar seus avatares, bastante úteis como divulgadores e perpetuadores da obra do poeta, mas sem maiores atrativos para quem o leu na fonte original. Mais curiosidade me despertariam os parodistas e parafrastas do poeta e seus heterônimos, tuitando coisas do tipo "Tuitar é preciso". Ou menos óbvia. "O sol por trás da torre faz a torre incandescente", por exemplo. No original, a lua ocupava o lugar do sol e a torre ficava apenas "diferente".
Tal forma de apropriação, se bem executada, é tiro e queda, desde que o parodiado ou parafraseado não seja um genial frasista como, digamos, Woody Allen ou Millôr. Seu espírito, sim, pode ser emulado, mas não o cerne do seu humor. Melhor encarnar numa figura circunspecta, tornando-a inesperadamente o seu avesso, ou seja, uma persona engraçada, gozadora. Já fizeram isso com Deus (@TweetofGod), a quem sigo sempre, e sempre às gargalhadas.
Esse avatar do Todo Poderoso é uma curtição, especialmente saborosa para agnósticos e ateus. Onipotente, mas confessadamente inseguro, o God do Twitter vive a desmoralizar a teodiceia, não se eximindo das desgraças do mundo e assumindo às escâncaras sua soberba misantropia. "Se cuidar dos outros é crime, eu clamo inocência", tuitou algum tempo atrás. Debochado, revelou só ter inventado a religião pra manter a humanidade longe dele, já definiu suas orações como spams e aconselhou os fiéis "a consultarem outros deuses". Dia desses, comunicou: "Continuo solteiro e adorando".
Meu tuiteiro favorito é um americano do Wisconsin que se passa por alemão e aderiu ao microblog há dois anos. Já postou mais de 30 mil tuítes e amealhou mais de 61 mil seguidores. Eric Jarosinski, professor assistente de alemão da Universidade da Pensilvânia, refugiou-se no Twitter para fugir de um livro sobre a transparência como metáfora na cultura alemã, que se comprometera escrever e não conseguia. Tomara enjoo da linguagem acadêmica, de suas "frases longas, complexas e densas de qualificativos", a ponto de suar em bicas sempre que se sentava diante do computador. Para distrair-se e superar o bloqueio, começou a tuitar a partir do smartphone e deixou o livro a mofar no laptop. Tomou gosto. Se pudesse, só falaria em, no máximo, 140 caracteres, confessou a Jason Fagone, blogueiro da revista The New Yorker.
É uma das vozes mais singulares da tuitolândia: límpida, alusiva, lacônica, irreverente. Verifique por si mesmo em Nein@NeinQuarterly. O trimestral (quarterly) é uma boutade. Jarosinski assume a editoria do que identifica como "um compêndio de negativismo utópico" (ou, quem sabe, de uma utopia negativa), de "circulação" diária. Nein quer dizer não, em alemão. Seu avatar é a caricatura de um tedesco weimariano, de olhar duro e monóculo; ninguém menos que Theodor W. Adorno, sumo pontífice da Escola de Frankfurt, cujas teorias Jarosinski, que às vezes também posta em alemão e em germenglish, conhece de cor e salteado. Por trás de sua ironia cáustica, percebo mais a lâmina do austríaco Karl Kraus.
A proverbial falta de humor dos alemães é um de seus cães malhadiços. Idem o romantismo e as tolices do mundo moderno. Adora gozar Magritte e até a mídia social que lhe deu fama: "Antes do twitter tínhamos a impressão de que estávamos sós. Agora temos certeza". Bom de jogos de palavras e neologismos bilíngues, é dele a expressão "flâneurd", que é como, millorianamente, identifica um sem-teto com Ph.D. em informática.
A seguir, algumas pérolas do negativista Jarosinski:
Faço meus pedidos no Starbucks com o nome de Godot. E vou embora.
A primavera se aproxima. Por favor, não digam nada aos poetas.
A História está chegando ao fim. De novo.
Assim falou Zaratustra com um desconhecido. No ônibus. O cara mudou de assento.
Muitos escritores bebem à beça. Na Alemanha, são os leitores.
Aproveite este belo dia pra pôr sua alienação pra trabalhar.
Arrumando meus livros. Pelos que destruíram minha visão, pelos que destruíram meu futuro e pelos que destruíram minha visão do futuro.
Quanto mais aprendemos sobre política, menos queremos saber. Quanto mais aprendemos sobre ideologia, menos queremos acreditar.
Alguns chamam de decadência cultural. Outros, de tradição.
Vou aproveitar este fim de semana pra terminar aquela palavra em alemão que me gritaram na semana passada.
Twitter e Facebook entram num bar. Facebook vê um amigo e com ele troca uma foto de gato. Twitter sai à cata de um seguidor.
Só pra lembrar que qualquer coisa que você diga sobre Walter Benjamin foi provavelmente melhor dito por Walter Benjamin.
A falta de significado é mais difícil do que se pensa.
Teoria: 50 tons de Marx.
Dialética entra num bar. História sai de fininho. Luta de classes pede mais um chope.
Gin entra num bar. De ressaca. Pede uma tônica.
Magritte entra num cachimbo. Pede um bar.
Às vezes sonho com Roland Barthes. Comemos bife com fritas, vamos a uma luta livre ou a um strip-tease, ficamos apreciando os detergentes. (Este tuíte só é inteligível para quem leu Mitologias, de Barthes)
Hemingway, Joyce, Dorothy Parker, Faulkner e Bukowski entram num bar. Sobra pro Kafka pagar a conta.
Preciso sentar e ler um tuíte do começo ao fim. Dizem que às vezes vale a pena.
Dia da Mulher! Pode bater o carro! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE S. PAULO - 08/03
O mundo é das mulheres. E não adianta discutir. Se discutir é pior. Se discutir, aumenta a pensão! Rarará!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E a grande novidade do Carnaval: "Adriano larga o Carnaval e treina no Atlético-PR". Milagre! Tá curado! Curado, não! Nasceu de novo! Isso não é uma recuperação, é uma ressurreição! Rarará! Curitiba é uma rehab!
E um amigo resumiu assim Rússia-Ucrânia-Crimeia: você briga com a tua mulher, ela tranca a porta e abre uma passagem pro vizinho! E hoje é o Dia Delas! Dia Internacional da Mulher! Podem bater o carro! Tão liberadas! Rarará!
Uma amiga minha vai comemorar o Dia da Mulher provocando um engavetamento. Nas duas Marginais! Rarará!
E essa faixa no interior de Pernambuco: "Dia da Mulher em Paudalho". Olha a esculhambação! Rarará. E essa faixa no Ibirapuera: "10º Passeio Ciclístico do Dia Internacional da Mulher. O que levar: uma bicicleta!". E uma amiga gritou: "Eu não sou burra! Mulher não é burra".
E o homem sem a mulher não é nada. Nem corno! O mundo é das mulheres. E não adianta discutir. Se discutir é pior. Se discutir, aumenta a pensão! Rarará!
E antigamente mulher só dizia três coisas: "Pra dentro, menino", "Xô, galinha" e "A janta tá na mesa". Agora tudo mudou. No governo Dilma, todo dia é Dia da Mulher! Homem é cota! No governo Dilma, homem é cota! Rarará!
E uma amiga minha vai comemorar o Dia da Mulher tendo vários orgasmos múltiplos. COM ECO! Pro prédio inteiro ouvir!
E no ano passado um amigo fez uma coisa horrível no Dia da Mulher: levou a mulher pra jantar fora, depois a levou a um motel, aí tirou a roupa dela e cochichou: "VOCÊ ENGORDOU!". Bem podre, bem masculinista!
E um travesti no Twitter: "Bom dia, um quase obrigado de uma quase mulher". E umas amigas sapatas vão comemorar o Dia Internacional da Minha Mulher. E umas travecas vão comemorar o Dia da Mulheríssima!
E uma amiga foi ao supermercado no Dia da Mulher, estacionou no meio de duas vagas, bem em cima daquela faixa branca, e quando voltou, tinha um recado no para-brisa: "Hoje você está perdoada". Rarará!
E a predestinada pro Dia da Mulher: "Casal no Ceará teve 38 filhos". Como é o nome da mulher? Raimunda COELHO! Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza! Hoje, só amanhã!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Indecisão ou embromation? - KÁSSIA CALDEIRA
O Estado de S.Paulo - 08/03
A duplicação da BR-262 entre as cidades de Viana (ES) e João Monlevade (MG) é uma sucessão de fracassos. O projeto integra a 3.ª Etapa das Concessões Rodoviárias Federais (Fase 3), prevista no Programa Nacional de Desestatização (PND) pelo Decreto n.º 2.444/1997, do governo Fernando Henrique Cardoso, alterado pelos Decretos n.º 5.432/2005 e n.º 6.892/2009. A informação é da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Desde então, entra governo, sai governo, todos os políticos falam em duplicar a rodovia que é considerada um dos maiores corredores de transporte de cargas do País.
A duplicação da BR-262 é importante para setores como mineração, carvão vegetal e siderurgia. É o único eixo de ligação dos parques industriais dos Vales do Aço e do Rio Doce com o Sudeste e o Sul do País. Além de ser um gargalo na infraestrutura, a péssima condição da estrada mata muita gente.
O projeto é revitalizar 376,9 km. Desse total, 188 km em território mineiro não têm sequer acostamento. Importante: a BR-262 e a BR-381 (São Paulo-Minas) convergem para a região metropolitana de Belo Horizonte, tendo um trecho em comum entre a capital e João Monlevade. O investimento inicial previsto é de R$ 2,11 bilhões. Para analistas externos, deve ser o dobro.
É tanta indecisão que todos se dão o direito de "achar" alguma coisa sobre a duplicação, incluindo a presidente da República. Com tanta enrolação, em setembro de 2013 nenhuma empresa se interessou pelo leilão de concessão do trecho, avaliado como um dos mais atraentes do conjunto de estradas inserido no programa de concessões em infraestrutura, aposta do governo para deslanchar o crescimento econômico.
Os (des)interessados apontaram risco no negócio porque parte da obra seria feita pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Caso não se entregasse no prazo de cinco anos previsto no edital, não haveria compensação pelo atraso - chamado de "risco Dnit". Disseram ainda que o estudo do governo superestimou receitas e subestimou despesas, encarecendo o valor a ser cobrado do usuário, inviabilizando o negócio.
Políticos capixabas contestaram o formato: se a União faria as obras, não seria preciso pagar pedágio cheio. Em véspera de ano eleitoral, o governo ficou receoso do risco de judicialização do leilão. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, jogou a culpa nas questões "políticas". O dos Transportes, César Borges, acusou a ANTT pelo fracasso. Ambos afirmaram que nova licitação seria reaberta futuramente.
Em novembro, o então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, candidato do PT ao governo mineiro, disse que a União desistiu de entregar à iniciativa privada a obra. Explicou que o edital seria refeito para se ajustar à modalidade de licitação de obra pública e o projeto, revisto. Por sua vez, no início de dezembro, a então ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann (PT), falou que o governo estava avaliando o caso. Pensava em migrá-lo para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para fazer obra pública.
Na véspera do Natal, quando as chuvas castigaram o Espírito Santo, a presidente Dilma Rousseff sobrevoou a região e disse que uma das soluções para a realização das obras na BR-262 poderia ser uma Parceria Público-Privada (PPP). Declarou: "Ou faremos PPP ou faremos nós, o governo federal".
Enquanto o governo não se decide, é bom lembrar: em abril de 2011 a ponte sobre o Rio das Velhas, sem a manutenção necessária, cedeu. A passagem no km 455, na chegada a Belo Horizonte, ficou bloqueada e os motoristas foram forçados a procurar alternativas. Antes disso, em junho de 2010, 17 pessoas morreram em 72 horas no trecho entre Belo Horizonte e Governador Valadares. No mesmo ano, a BR-262/381 registrou 334 mortes em 9.890 acidentes. Balanço de 2013, divulgado há 15 dias pela Polícia Rodoviária Federal: em Minas houve 26.459 acidentes com 1.264 mortes nas estradas federais - no Brasil morreram, no período, 8.415 pessoas em 186.474 acidentes. A indecisão - ou a embromation - custa caro.
A duplicação da BR-262 entre as cidades de Viana (ES) e João Monlevade (MG) é uma sucessão de fracassos. O projeto integra a 3.ª Etapa das Concessões Rodoviárias Federais (Fase 3), prevista no Programa Nacional de Desestatização (PND) pelo Decreto n.º 2.444/1997, do governo Fernando Henrique Cardoso, alterado pelos Decretos n.º 5.432/2005 e n.º 6.892/2009. A informação é da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Desde então, entra governo, sai governo, todos os políticos falam em duplicar a rodovia que é considerada um dos maiores corredores de transporte de cargas do País.
A duplicação da BR-262 é importante para setores como mineração, carvão vegetal e siderurgia. É o único eixo de ligação dos parques industriais dos Vales do Aço e do Rio Doce com o Sudeste e o Sul do País. Além de ser um gargalo na infraestrutura, a péssima condição da estrada mata muita gente.
O projeto é revitalizar 376,9 km. Desse total, 188 km em território mineiro não têm sequer acostamento. Importante: a BR-262 e a BR-381 (São Paulo-Minas) convergem para a região metropolitana de Belo Horizonte, tendo um trecho em comum entre a capital e João Monlevade. O investimento inicial previsto é de R$ 2,11 bilhões. Para analistas externos, deve ser o dobro.
É tanta indecisão que todos se dão o direito de "achar" alguma coisa sobre a duplicação, incluindo a presidente da República. Com tanta enrolação, em setembro de 2013 nenhuma empresa se interessou pelo leilão de concessão do trecho, avaliado como um dos mais atraentes do conjunto de estradas inserido no programa de concessões em infraestrutura, aposta do governo para deslanchar o crescimento econômico.
Os (des)interessados apontaram risco no negócio porque parte da obra seria feita pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Caso não se entregasse no prazo de cinco anos previsto no edital, não haveria compensação pelo atraso - chamado de "risco Dnit". Disseram ainda que o estudo do governo superestimou receitas e subestimou despesas, encarecendo o valor a ser cobrado do usuário, inviabilizando o negócio.
Políticos capixabas contestaram o formato: se a União faria as obras, não seria preciso pagar pedágio cheio. Em véspera de ano eleitoral, o governo ficou receoso do risco de judicialização do leilão. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, jogou a culpa nas questões "políticas". O dos Transportes, César Borges, acusou a ANTT pelo fracasso. Ambos afirmaram que nova licitação seria reaberta futuramente.
Em novembro, o então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, candidato do PT ao governo mineiro, disse que a União desistiu de entregar à iniciativa privada a obra. Explicou que o edital seria refeito para se ajustar à modalidade de licitação de obra pública e o projeto, revisto. Por sua vez, no início de dezembro, a então ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann (PT), falou que o governo estava avaliando o caso. Pensava em migrá-lo para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para fazer obra pública.
Na véspera do Natal, quando as chuvas castigaram o Espírito Santo, a presidente Dilma Rousseff sobrevoou a região e disse que uma das soluções para a realização das obras na BR-262 poderia ser uma Parceria Público-Privada (PPP). Declarou: "Ou faremos PPP ou faremos nós, o governo federal".
Enquanto o governo não se decide, é bom lembrar: em abril de 2011 a ponte sobre o Rio das Velhas, sem a manutenção necessária, cedeu. A passagem no km 455, na chegada a Belo Horizonte, ficou bloqueada e os motoristas foram forçados a procurar alternativas. Antes disso, em junho de 2010, 17 pessoas morreram em 72 horas no trecho entre Belo Horizonte e Governador Valadares. No mesmo ano, a BR-262/381 registrou 334 mortes em 9.890 acidentes. Balanço de 2013, divulgado há 15 dias pela Polícia Rodoviária Federal: em Minas houve 26.459 acidentes com 1.264 mortes nas estradas federais - no Brasil morreram, no período, 8.415 pessoas em 186.474 acidentes. A indecisão - ou a embromation - custa caro.
Retomando o controle - ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 08/03
O presidente do PMDB, Valdir Raupp, está sendo aconselhado por integrantes da cúpula a se antecipar ao movimento dos insatisfeitos e marcar a convenção para abril. Com isso, teria margem para negociar a pauta, evitando que dela conste rompimento com o governo, e tempo para tentar reunificar o partido. A ideia será discutida amanhã na reunião com a presidente Dilma.
"Ou nós ou ele"
No Planalto, a leitura é que a crise com o PMDB influencia pouco, na prática, o dia a dia do governo e a campanha presidencial. E tem prazo para se esgotar, as convenções oficiais de junho, quando se acertarão os palanques nos estados. Por isso, a presidente Dilma decidiu não ceder e enfrentar o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha. Um ministro disse que a orientação é clara: "Ou nós (governo) ou ele (Cunha)". Risca-se o chão, e deputados e senadores escolham a quem atender. Se os deputados não querem indicar os ministros da Agricultura e do Turismo, afirmou um auxiliar de Dilma, então "entregaremos os cargos aos senadores."
Reaproximação
O ministro Aloizio Mercadante vai conversar com o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), para propor pauta de votações, a pedido da presidente Dilma. A intenção é puxá-lo para o governo e afastá-lo de Eduardo Cunha.
Tiro ao alvo
Pesou na decisão do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) de não aceitar a indicação para o Ministério do Turismo o fato de que viraria um alvo dos deputados de seu partido.
Vital explicou à cúpula do partido que não poderia assumir com uma guerra interna em curso que prejudicaria sua curta gestão de pouco mais de oito meses.
Sem bola dividida
Para colocar mais lenha na fogueira na crise entre PT e PMDB, o ex-presidente Lula reafirmou em reunião com a presidente Dilma, no Alvorada, que não irá a palanques em que petistas e aliados estejam em guerra. Disse que a prioridade é a reeleição nacional e que não ajudará a enfraquecer o projeto do seu partido.
Jogo limpo
Na partida entre Fluminense e Duque de Caxias, amanhã, pelo Campeonato Carioca, os jogadores se integrarão à campanha "Eu jogo limpo com o turista". Abrirão faixa pedindo preços justos e que o Brasil se una em torno da ideia.
A arte de sentar em cima
Primeira na lista tríplice para vaga no TRF-2, Letícia Mello aguarda decisão da presidente Dilma desde junho passado. É filha do ministro do STF Marco Aurélio Mello. O Planalto não está com a menor pressa de preencher a vaga.
Zen
O vice-governador Luiz Fernando Pezão se distanciou do tiroteio do PMDB do Rio com o governo Dilma. Apesar do clima ruim, ainda cultiva a ideia de que até junho, prazo das convenções, é possível reviravolta no quadro.
FORA DO AR. Temendo ação na Justiça, a Caixa suspendeu propaganda que fazia referência a mulheres poderosas e ao combate à miséria.
"Ou nós ou ele"
No Planalto, a leitura é que a crise com o PMDB influencia pouco, na prática, o dia a dia do governo e a campanha presidencial. E tem prazo para se esgotar, as convenções oficiais de junho, quando se acertarão os palanques nos estados. Por isso, a presidente Dilma decidiu não ceder e enfrentar o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha. Um ministro disse que a orientação é clara: "Ou nós (governo) ou ele (Cunha)". Risca-se o chão, e deputados e senadores escolham a quem atender. Se os deputados não querem indicar os ministros da Agricultura e do Turismo, afirmou um auxiliar de Dilma, então "entregaremos os cargos aos senadores."
"Estes boatos sobre a volta de Lula são só uma tentativa de desestabilizar o governo e a presidente Dilma. Ele não volta, é um assunto sepultado".
Vicentinho Deputado federal (SP), líder do PT na Câmara
Reaproximação
O ministro Aloizio Mercadante vai conversar com o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), para propor pauta de votações, a pedido da presidente Dilma. A intenção é puxá-lo para o governo e afastá-lo de Eduardo Cunha.
Tiro ao alvo
Pesou na decisão do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) de não aceitar a indicação para o Ministério do Turismo o fato de que viraria um alvo dos deputados de seu partido.
Vital explicou à cúpula do partido que não poderia assumir com uma guerra interna em curso que prejudicaria sua curta gestão de pouco mais de oito meses.
Sem bola dividida
Para colocar mais lenha na fogueira na crise entre PT e PMDB, o ex-presidente Lula reafirmou em reunião com a presidente Dilma, no Alvorada, que não irá a palanques em que petistas e aliados estejam em guerra. Disse que a prioridade é a reeleição nacional e que não ajudará a enfraquecer o projeto do seu partido.
Jogo limpo
Na partida entre Fluminense e Duque de Caxias, amanhã, pelo Campeonato Carioca, os jogadores se integrarão à campanha "Eu jogo limpo com o turista". Abrirão faixa pedindo preços justos e que o Brasil se una em torno da ideia.
A arte de sentar em cima
Primeira na lista tríplice para vaga no TRF-2, Letícia Mello aguarda decisão da presidente Dilma desde junho passado. É filha do ministro do STF Marco Aurélio Mello. O Planalto não está com a menor pressa de preencher a vaga.
Zen
O vice-governador Luiz Fernando Pezão se distanciou do tiroteio do PMDB do Rio com o governo Dilma. Apesar do clima ruim, ainda cultiva a ideia de que até junho, prazo das convenções, é possível reviravolta no quadro.
FORA DO AR. Temendo ação na Justiça, a Caixa suspendeu propaganda que fazia referência a mulheres poderosas e ao combate à miséria.
Casa ou não casa? - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 08/03
Ajustes regionais freiam o anúncio da chapa de Eduardo Campos e Marina Silva, previsto para este mês. A ideia de aproveitar encontro dos dois no Rio, dia 15, esbarra na indefinição sobre se o PSB vai apoiar Miro Teixeira (Pros) ou lançar Alfredo Sirkis. Em São Paulo, outro possível palco, Márcio França enfrenta resistência da Rede. Diante dos percalços, cresce o desânimo interno com a estagnação de Campos nas pesquisas e a demora na migração de votos de Marina para ele.
Osmose Inicialmente resistente à chapa formada por Campos para a eleição em Pernambuco, o PPS estadual deve aprovar amanhã uma manifestação de apoio à candidatura de Paulo Câmara.
Bote Interlocutores de Campos acham que o governador deveria aproveitar a crise com o PT para se aproximar do PMDB. Com isso, dizem, ele coletaria, no mínimo, apoios de prefeitos e vereadores descontentes com o PT, que poderiam ajudar a dar corpo à campanha.
Antibiótico Com a crise no Congresso, o Planalto reforçou a articulação para liberar cerca de R$ 400 milhões referentes a emendas de deputados e senadores que não
saíram do papel em 2013.
A conferir Depois da decisão de tentar desarticular o "blocão" insurgente na Câmara atuando junto a cada um dos partidos, o Planalto recebeu dos líderes uma contabilidade que indica que haveria votos suficientes para aprovar o texto de Alessandro Molon (PT-RJ) no projeto do Marco Civil da Internet.
Sem partido A conclusão de pesquisas qualitativas feitas por João Santana e mostradas ao QG dilmista, segundo a qual a presidente ganha pontos junto ao eleitorado quando resiste às reivindicações consideradas fisiológicas dos políticos, já apareceu em levantamentos similares encomendados pelos demais presidenciáveis.
Nem mordomia Nessas pesquisas, comportamentos que rendiam votos, como aparecer em estádios de futebol e em eventos como Carnaval, passaram a ser malvistos pelos eleitores. Eduardo Campos se baseou nesses dados para tomar decisões como a de que não haverá Fan Fest no Recife na Copa.
Estrela Os spots de TV que o PRB de São Paulo leva ao ar a partir de hoje darão destaque ao ex-deputado Celso Russomanno. Escalado como puxador de votos do partido na eleição para a Câmara, ele ocupará 80% do tempo da propaganda.
Prorrogação 1 Auxiliares de Geraldo Alckmin (PSDB) dizem que, como não houve definição das trocas em seu secretariado até o Carnaval, já não há mais motivos para que o governador antecipe a saída dos auxiliares que serão candidatos.
Prorrogação 2 O anúncio das trocas, dizem, deve ficar para perto da data limite prevista pela legislação eleitoral, no início de abril. Sete auxiliares do primeiro escalão disputarão a eleição.
Linha... Com a disputa em dois turnos dada como certa em São Paulo, aliados de Alckmin dizem ver com bons olhos a possível candidatura do vereador Gilberto Natalini (PV) ao governo.
... auxiliar? Os tucanos esperam que ele faça mais críticas a Alexandre Padilha que ao governador. Mas o PV paulista é ligado a Gilberto Kassab (PSD), aliado do PT e desafeto de Alckmin.
Mais essa Além da possibilidade de racionamento de água na Grande São Paulo por conta do baixo nível do sistema Cantareira, a Sabesp tem mais um motivo para se preocupar: servidores do Vale do Ribeira prometem iniciar greve na segunda-feira.
Jogo Luiz Fernando Pezão (PMDB) passará as próximas semanas "estudando" a fundo as ações do governo do Rio, que passará a comandar quando Sérgio Cabral renunciar. "Ser coordenador de infraestrutura é uma coisa. Ser governador é diferente."
tiroteio
"Entre PT e PMDB, é impossível saber qual faz jogadas mais espúrias. Nessa briga, pode dar um pelo outro e certamente não voltará troco."
DO DEPUTADO ROBERTO FREIRE (SP), presidente do PPS, sobre as acusações recíprocas do petista Rui Falcão e do líder peemedebista, Eduardo Cunha.
contraponto
Apertem os cintos
O voo em que tucanos paulistas voltaram do velório de Sérgio Guerra sofreu turbulência no pouso, o que assustou José Serra. Nele também estavam Geraldo Alckmin e Aloysio Nunes. Diante da cena, outro dirigente tucano brincou:
-Se o avião cair, o grande beneficiado será Gilberto Kassab: Guilherme Afif assume o governo e prepara o terreno para a candidatura dele. Airton Sandoval vira senador no lugar do Aloysio e ainda arruma apoio do PMDB e de Paulo Skaf para o ex-prefeito.
Terreno fértil - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 08/03
Os socialistas não estão brincando em serviço quando organizam a agenda de seu pré-candidato a presidente, Eduardo Campos. Na segunda-feira, a palestra na Associação Comercial de São Paulo casará direitinho com a divulgação do Índice de Confiança dos Empresários do Comércio, Icec, de fevereiro. A queda foi de 2,8% em relação a janeiro. É o menor índice do período, se comparado com os anos anteriores. Ou seja, é uma área promissora para exercitar o discurso de oposição como um todo.
Não por acaso, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) tem feito viagens ao interior do estado e, em breve, terá uma maratona de compromissos na capital. Ambos vão tentar surfar um pouco nesse período pós-carnaval em que o país volta das férias para pagar as contas e impostos. É a hora de os oposicionistas aproveitarem o embalo dos índices de insatisfação com a economia. E no Sudeste, que reúne praticamente 50% do eleitorado nacional, esse discurso parece pegar.
Questão de motor
Convidado a ocupar o Ministério do Turismo, o senador Vital do Rego Filho (PMDB-PB) está cada vez mais sem graça perante seus colegas de legenda. É que se sente muito mal em ocupar um cargo que a bancada da Câmara faz questão de manter. Para completar, os paraibanos do PMDB veem a área de turismo como uma bicicletinha, enquanto o adversário deles, o ministro Aguinaldo Ribeiro, do PP, pilota o Ministério das Cidades, a que os políticos comparam a uma Ferrari.
Mais do mesmo
Os peemedebistas não têm muita expectativa em relação ao encontro entre a presidente Dilma Rousseff e o vice-presidente Michel Temer, amanhã. Calculam que ela dirá que Temer deve resolver os problemas de seu partido sem dar os instrumentos para que ele possa fazer isso, ou seja, ministérios e palanques nos estados.
Definições em curso
Enquanto Dilma se reúne com o PMDB, o PPS de Pernambuco reúne seu diretório estadual para decidir acompanhar o resto do partido no apoio a Paulo Câmara, do PSB, para governador.
Empacou geral
Enquanto em alguns estados a construção dos palanques flui rapidamente, em São Paulo continua tudo travado. O PSB vai usar todo o período regulamentar, ou seja, o mês de março, para avaliar se fecha com Geraldo Alckmin. E o PT não consegue encontrar o tal “vice amplo” no meio empresarial para fazer parceria com Alexandre Padilha.
O consultor/ Dia sim, dia não, o senador Aécio Neves e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (foto) trocam impressões sobre a pré-campanha. O ex-presidente está cada vez mais engajado e disposto a fazer o debate com Lula, deixando Dilma para debater diretamente com Aécio.
Enquanto isso, no PT…/ Os lulistas mais emperdenidos jogaram a toalha esta semana, depois da reunião em torno da pré-campanha de Dilma Rousseff. “Agora, temos que nos acostumar com o jeitão dela, que é diferente mesmo, e esquecer o movimento ‘Volta, Lula’ para este ano”, comentou um deles, em conversa reservada.
Cronômetro/ Os políticos que estão naquela fase de não ter o que conversar — leia-se: adversários eleitorais — deram um jeito de não ficar frente a frente no velório do deputado Sérgio Guerra. Quando chegou o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, a maioria dos tucanos já tinha saído, inclusive Aécio Neves e José Serra. Tasso Jereissati, entretanto, ligadíssimo a Guerra, ficou até o final, em tempo de encontrar o ministro.
Moral da história/ “A presença maciça de políticos dos mais variados partidos demonstra o apreço que ele tinha e a capacidade de diálogo que exerceu Sérgio Guerra exerceu em sua carreira política”, lembra o deputado Bruno Araújo, do PSDB de Pernambuco.
Às leitoras/ Feliz Dia Internacional da Mulher!
Não por acaso, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) tem feito viagens ao interior do estado e, em breve, terá uma maratona de compromissos na capital. Ambos vão tentar surfar um pouco nesse período pós-carnaval em que o país volta das férias para pagar as contas e impostos. É a hora de os oposicionistas aproveitarem o embalo dos índices de insatisfação com a economia. E no Sudeste, que reúne praticamente 50% do eleitorado nacional, esse discurso parece pegar.
Questão de motor
Convidado a ocupar o Ministério do Turismo, o senador Vital do Rego Filho (PMDB-PB) está cada vez mais sem graça perante seus colegas de legenda. É que se sente muito mal em ocupar um cargo que a bancada da Câmara faz questão de manter. Para completar, os paraibanos do PMDB veem a área de turismo como uma bicicletinha, enquanto o adversário deles, o ministro Aguinaldo Ribeiro, do PP, pilota o Ministério das Cidades, a que os políticos comparam a uma Ferrari.
Mais do mesmo
Os peemedebistas não têm muita expectativa em relação ao encontro entre a presidente Dilma Rousseff e o vice-presidente Michel Temer, amanhã. Calculam que ela dirá que Temer deve resolver os problemas de seu partido sem dar os instrumentos para que ele possa fazer isso, ou seja, ministérios e palanques nos estados.
Definições em curso
Enquanto Dilma se reúne com o PMDB, o PPS de Pernambuco reúne seu diretório estadual para decidir acompanhar o resto do partido no apoio a Paulo Câmara, do PSB, para governador.
Empacou geral
Enquanto em alguns estados a construção dos palanques flui rapidamente, em São Paulo continua tudo travado. O PSB vai usar todo o período regulamentar, ou seja, o mês de março, para avaliar se fecha com Geraldo Alckmin. E o PT não consegue encontrar o tal “vice amplo” no meio empresarial para fazer parceria com Alexandre Padilha.
O consultor/ Dia sim, dia não, o senador Aécio Neves e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (foto) trocam impressões sobre a pré-campanha. O ex-presidente está cada vez mais engajado e disposto a fazer o debate com Lula, deixando Dilma para debater diretamente com Aécio.
Enquanto isso, no PT…/ Os lulistas mais emperdenidos jogaram a toalha esta semana, depois da reunião em torno da pré-campanha de Dilma Rousseff. “Agora, temos que nos acostumar com o jeitão dela, que é diferente mesmo, e esquecer o movimento ‘Volta, Lula’ para este ano”, comentou um deles, em conversa reservada.
Cronômetro/ Os políticos que estão naquela fase de não ter o que conversar — leia-se: adversários eleitorais — deram um jeito de não ficar frente a frente no velório do deputado Sérgio Guerra. Quando chegou o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, a maioria dos tucanos já tinha saído, inclusive Aécio Neves e José Serra. Tasso Jereissati, entretanto, ligadíssimo a Guerra, ficou até o final, em tempo de encontrar o ministro.
Moral da história/ “A presença maciça de políticos dos mais variados partidos demonstra o apreço que ele tinha e a capacidade de diálogo que exerceu Sérgio Guerra exerceu em sua carreira política”, lembra o deputado Bruno Araújo, do PSDB de Pernambuco.
Às leitoras/ Feliz Dia Internacional da Mulher!
Erros elétricos - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 08/03
Na reunião de quinta-feira no Palácio do Planalto, o primeiro a falar foi o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp. E fez um cenário otimista sobre as chuvas nos próximos três meses. A presidente Dilma mandou pôr o climatologista Carlos Nobre no viva voz. Os participantes entenderam que ele não era tão otimista, mas também que havia muitas incertezas.
“Então, não há nada conclusivo!”, disse a presidente, quando desligou o telefone.
O ministro Edison Lobão, o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, e o secretário executivo do MME, Márcio Zimmerman, continuaram a dar força à ideia de que as águas vão rolar e tudo vai se resolver naturalmente.
Os meteorologistas estão prevendo chuva neste fim de semana no Sudeste e os próximos dias podem ser mesmo aguados. Mas o governo tem empreendido neste caso uma marcha da insensatez. O racionamento pode ser evitado, mas já se formou um grande problema fiscal na energia. Agora o governo prepara duas canetadas para empurrar tudo para diante.
Uma canetada que se espera no setor é a de interferência na formação de preços no mercado spot. Em vez de ser o preço mais alto da energia até o limite de R$ 822 o MWh, passará a ser o preço médio da energia que entra no sistema. Com isso, melhora a situação das distribuidoras que estão descontratadas, ou seja, as que não conseguiram fechar contrato de compra com preço certo de toda a energia que têm que entregar e, por isso, estão expostas aos preços altos do mercado spot.
— Tudo bem, isso melhora a situação das distribuidoras, mas quem vai pagar o custo da energia mais cara? — pergunta um especialista do setor.
Outra forma de tapar o sol com a peneira será mais gasto público para cobrir o rombo criado pelo uso das usinas térmicas. Ontem à noite, a Fazenda já anunciou um aporte de R$ 1,2 bi na Conta de Desenvolvimento Energético, apenas para cobrir gastos de janeiro. Em fevereiro, segundo cálculos do setor, serão necessários mais R$ 2,5 bi, e a conta deve chegar ao final do ano em R$ 23 bilhões. No futuro, as distribuidoras repassarão isso aos consumidores.
O ONS divulgou que as previsões de chuva para março são de 77% da média histórica. No começo do mês, previa 67%, e, na primeira semana, choveu apenas 55%. Aí ele decidiu rever para cima. O número só será atingido se chover, na média, 81% no resto do mês.
O Fórum das Associações do Setor Elétrico, entidades que representam o setor, foi ao ministro Edison Lobão com uma carta em que, no tom mais suave possível, pediu para ser ouvida. Segundo o texto, “Nesse cenário de escassez de recursos hidráulicos e de recursos térmicos com capacidade instalada limitada, em nossa opinião, a situação merece cautela. Qualquer proposição deve ser tecnicamente embasada para que se possa encontrar, em conjunto com os agentes, soluções para fazer frente ao atual quadro de dificuldades e, adicionalmente, preservar o fluxo de pagamentos ao longo da cadeia entre produção e consumo, dando estabilidade ao setor.”
No último parágrafo, o setor reclama que a decisão de que eles participariam do Conselho de Monitoramento do Setor Elétrico foi revogada. O que todos os integrantes das diversas entidades, associações e empresas do setor dizem é que não há interlocutor. Eles não são ouvidos nem têm com quem conversar. Um deles contou que recentemente tentou explicar para uma autoridade o erro técnico que havia numa medida. E ouviu que ele fosse até a presidente Dilma para explicar o problema. “Se ela me chamar eu vou concordar com você; mas não vou lá dizer isso a ela.”Conclusão: os integrantes do governo na área elétrica têm medo da presidente. Preferem errar.
Na reunião de quinta-feira no Palácio do Planalto, o primeiro a falar foi o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp. E fez um cenário otimista sobre as chuvas nos próximos três meses. A presidente Dilma mandou pôr o climatologista Carlos Nobre no viva voz. Os participantes entenderam que ele não era tão otimista, mas também que havia muitas incertezas.
“Então, não há nada conclusivo!”, disse a presidente, quando desligou o telefone.
O ministro Edison Lobão, o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, e o secretário executivo do MME, Márcio Zimmerman, continuaram a dar força à ideia de que as águas vão rolar e tudo vai se resolver naturalmente.
Os meteorologistas estão prevendo chuva neste fim de semana no Sudeste e os próximos dias podem ser mesmo aguados. Mas o governo tem empreendido neste caso uma marcha da insensatez. O racionamento pode ser evitado, mas já se formou um grande problema fiscal na energia. Agora o governo prepara duas canetadas para empurrar tudo para diante.
Uma canetada que se espera no setor é a de interferência na formação de preços no mercado spot. Em vez de ser o preço mais alto da energia até o limite de R$ 822 o MWh, passará a ser o preço médio da energia que entra no sistema. Com isso, melhora a situação das distribuidoras que estão descontratadas, ou seja, as que não conseguiram fechar contrato de compra com preço certo de toda a energia que têm que entregar e, por isso, estão expostas aos preços altos do mercado spot.
— Tudo bem, isso melhora a situação das distribuidoras, mas quem vai pagar o custo da energia mais cara? — pergunta um especialista do setor.
Outra forma de tapar o sol com a peneira será mais gasto público para cobrir o rombo criado pelo uso das usinas térmicas. Ontem à noite, a Fazenda já anunciou um aporte de R$ 1,2 bi na Conta de Desenvolvimento Energético, apenas para cobrir gastos de janeiro. Em fevereiro, segundo cálculos do setor, serão necessários mais R$ 2,5 bi, e a conta deve chegar ao final do ano em R$ 23 bilhões. No futuro, as distribuidoras repassarão isso aos consumidores.
O ONS divulgou que as previsões de chuva para março são de 77% da média histórica. No começo do mês, previa 67%, e, na primeira semana, choveu apenas 55%. Aí ele decidiu rever para cima. O número só será atingido se chover, na média, 81% no resto do mês.
O Fórum das Associações do Setor Elétrico, entidades que representam o setor, foi ao ministro Edison Lobão com uma carta em que, no tom mais suave possível, pediu para ser ouvida. Segundo o texto, “Nesse cenário de escassez de recursos hidráulicos e de recursos térmicos com capacidade instalada limitada, em nossa opinião, a situação merece cautela. Qualquer proposição deve ser tecnicamente embasada para que se possa encontrar, em conjunto com os agentes, soluções para fazer frente ao atual quadro de dificuldades e, adicionalmente, preservar o fluxo de pagamentos ao longo da cadeia entre produção e consumo, dando estabilidade ao setor.”
No último parágrafo, o setor reclama que a decisão de que eles participariam do Conselho de Monitoramento do Setor Elétrico foi revogada. O que todos os integrantes das diversas entidades, associações e empresas do setor dizem é que não há interlocutor. Eles não são ouvidos nem têm com quem conversar. Um deles contou que recentemente tentou explicar para uma autoridade o erro técnico que havia numa medida. E ouviu que ele fosse até a presidente Dilma para explicar o problema. “Se ela me chamar eu vou concordar com você; mas não vou lá dizer isso a ela.”Conclusão: os integrantes do governo na área elétrica têm medo da presidente. Preferem errar.
A cena que Garcia viu - DEMÉTRIO MAGNOLI
FOLHA DE SP - 08/03
O 'povo valente' de Maduro não são os venezuelanos, mas apenas os chavistas. O ministro-fantasma ouviu
Temos dois ministros das Relações Exteriores. O ministro oficial, Luiz Alberto Figueiredo, não tem jurisdição na América do Sul, esfera de operação do ministro-fantasma, Marco Aurélio Garcia, que opera como plenipotenciário do presidente fantasma, Lula da Silva. Garcia assistiu, na Venezuela, às cerimônias governamentais que marcaram o primeiro aniversário da morte de Hugo Chávez. Ele viu, mas não falará.
Ele viu o desfile no Paseo de Los Próceres, a esplanada de Caracas delimitada por postes de iluminação situada no perímetro do Forte Tiuna e adornada por objetos esculturais de inspiração helenística que se abre para o monumento aos heróis da independência. Não foi exatamente um evento em memória ao caudilho "bolivariano", mas uma exibição do equipamento militar importado da Rússia e da China: caças Sukhoi, mísseis terra-ar, blindados T72. Nos discursos, entremeados por torrentes de palavras de ordem, Chávez foi mencionado como "comandante eterno", "nosso pai" e "líder supremo", enquanto a Venezuela ganhou a qualificação de "pátria socialista, revolucionária e majoritariamente chavista".
A nação, Garcia viu, é um movimento, um partido, um ponto de vista político, uma ideologia. Isso, porém, não passa de déjà vu. O novo é outra coisa, que Garcia também viu. O presidente Nicolás Maduro alertou que "somos um povo valente na defesa de nossos direitos" e --mensagem direta!-- insistiu em esclarecer o sentido de conjunto da performance em curso. Maduro disse que as tropas equipadas, as milícias armadas e os franco-atiradores treinados cumprem uma função política: estão ali para enfrentar "quem ouse se contrapor ao projeto cívico-militar". O "povo valente" de Maduro não são os venezuelanos, mas apenas os chavistas. Garcia viu e ouviu.
O conceito de "inimigo interno" tem história na América do Sul. À sua sombra, deflagraram-se os golpes militares no Brasil, na Argentina, no Chile e no Uruguai. Em nome do combate ao "inimigo interno", a Junta Militar promulgou o AI-5 e, entre tantos outros, Dilma Rousseff foi presa e torturada. A linguagem da "revolução bolivariana", expressa tanto em discursos oficiais como nos palanques dos comícios, estrutura-se em torno do mesmo conceito que sustentou as "ditaduras de segurança nacional". Garcia permaneceu calado. O governo brasileiro afunda-se na cumplicidade com um regime que, imitando Cuba, qualifica a divergência política como traição à pátria.
A Venezuela não é, ainda, uma ditadura: ditaduras não promovem eleições em cenários
Não culpem o tomate nem o petróleo - ROLF KUNTZ
O Estado de S.Paulo - 08/03
Parem de caluniar o petróleo e o tomate. Nem o tomate foi culpado pela inflação, no ano passado, nem o petróleo é o vilão da balança comercial, como andaram dizendo nos últimos dias. Se os preços no varejo continuam subindo muito mais que no resto do mundo, é porque há desequilíbrios graves na economia brasileira, como tem havido há muitos anos. E o comércio exterior vai mal porque a atividade interna também vai mal, com custos altos e crescentes, produtividade baixa, indústria emperrada e governo incompetente. Se as importações de combustíveis e lubrificantes consumiram em fevereiro US$ 3,59 bilhões, 7,9% mais que um ano antes, foi principalmente porque a produção nacional tem sido insuficiente para acompanhar a demanda.
Em janeiro a produção interna de petróleo e líquido de gás natural (LGN) foi 2,4% menor que em dezembro - apenas a continuação de uma longa queda. O volume produzido caiu de 2,02 milhões de barris/dia em 2011 para 1,98 milhão em 2012 e 1,93 milhão no ano passado. Em contrapartida, a extração de água, em algumas áreas, passou a igualar a de petróleo.
Desde a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a interferência do governo central na condução dos negócios da Petrobrás levou a empresa a investimentos errados no Brasil e no exterior, distorceu prioridades, afetou a geração de caixa, aumentou seu endividamento e derrubou seu valor de mercado. A perda de produção e a maior dependência da importação de derivados foram desdobramentos dessa história de irresponsabilidades. A maior empresa brasileira foi subordinada às ambições políticas do grupo governante, usada para uma diplomacia contrária a seus interesses e convertida em instrumento de uma política industrial anacrônica.
Mas a decadência empresarial da Petrobrás explica só em parte o mau desempenho comercial do Brasil. A cena fica mais clara quando se consideram os números do primeiro bimestre. Em janeiro e fevereiro as exportações somaram US$ 31,96 bilhões, valor 1,4% maior que o de um ano antes. Mas a variação se torna negativa - queda de 3,4% - quando se comparam as médias dos dias úteis (42 em 2013 e 40 em 2014). No caso das importações, a comparação entre os valores absolutos indica um aumento de 3,6%. Quando se confrontam as médias dos dias úteis, o resultado é uma queda de 1,4%, bem menor que a das vendas ao exterior. Em 12 meses, pelo mesmo critério, a receita diminuiu 0,9% e a despesa aumentou 4,4%.
O déficit comercial de US$ 6,18 bilhões no primeiro bimestre é um retrato de um País com graves desarranjos. A receita obtida com a venda de produtos básicos aumentou de US$ 13,6 bilhões para R$ 14,06 bilhões, mas o valor médio diário diminuiu 1,5%. Considerando-se a evolução dos preços, foi um bom resultado. Ruins, mesmo, foram as vendas de produtos da indústria.
A receita dos manufaturados caiu 5,6%. A de semimanufaturados diminuiu 7,2%. O problema da competitividade continua muito grave. Além disso, o País sofre os efeitos da crise na Argentina, seu maior parceiro na América Latina e um dos principais mercados para a indústria brasileira. Em janeiro e fevereiro as vendas para o mercado argentino, US$ 2,37 bilhões, foram 16% menores que as do primeiro bimestre de 2013.
O melhor resultado foi o das vendas para a China. A receita de US$ 5,02 bilhões nos dois primeiros meses foi 25,5% maior que a de um ano antes. As exportações para os Estados Unidos também avançaram bem e renderam US$ 3,96 bilhões, 7,4% mais que em janeiro e fevereiro do ano passado. Mesmo com alguma desaceleração, o mercado chinês continua absorvendo enormes volumes de matérias-primas e de bens intermediários.
Mas o comércio com os Estados Unidos tem uma composição muito mais equilibrada, porque o mercado americano absorve boa parte das exportações brasileiras de manufaturados. Em janeiro, último mês com números detalhados até esse nível, apenas 4,5% das vendas brasileiras à China foram de manufaturados. O total dos industrializados (com inclusão dos semimanufaturados) chegou a 25,78%. Quase metade das exportações para os Estados Unidos (45%) foi de manufaturados. Os industrializados corresponderam a 66,23%.
O Império, portanto, é um bom cliente da indústria brasileira, enquanto o grande emergente, eleito como parceiro estratégico pela diplomacia brasiliense, mantém com o Brasil um comércio de tipo colonial.
Não há nenhum mal em exportar grandes volumes de commodities. Algumas das potências mais desenvolvidas, como Estados Unidos e Canadá, também são grandes vendedoras de matérias-primas e bens intermediários. A grande besteira cometida pelas autoridades brasilienses, a partir de 2003, foi desprezar os acordos comerciais com os mercados mais desenvolvidos, dar prioridade ao chamado comércio Sul-Sul e deixar esboroar-se o poder de competição da indústria nacional. O agronegócio ainda se mantém competitivo, mas até quando? A tentativa de ressuscitar políticas industriais talhadas segundo o modelo dos anos 50 e 60 produziu o efeito esperado pelas pessoas sensatas e menos provincianas. O fracasso era tão previsível quanto os efeitos da tolerância à inflação.
A esperança de resultados melhores com a depreciação do câmbio e a reativação do mercado global é igualmente enganadora. O câmbio é a menor parte do problema, como já mostraram os números do ano passado, e um mercado mundial mais favorável será aproveitado principalmente pelos produtores mais eficientes. Isso é óbvio, exceto para o governo brasileiro e, curiosamente, para uma parcela dos empresários da indústria. Mas essa parcela tem diminuído, como indicam as boas análises publicadas por algumas entidades do setor, como o Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi).
Parem de caluniar o petróleo e o tomate. Nem o tomate foi culpado pela inflação, no ano passado, nem o petróleo é o vilão da balança comercial, como andaram dizendo nos últimos dias. Se os preços no varejo continuam subindo muito mais que no resto do mundo, é porque há desequilíbrios graves na economia brasileira, como tem havido há muitos anos. E o comércio exterior vai mal porque a atividade interna também vai mal, com custos altos e crescentes, produtividade baixa, indústria emperrada e governo incompetente. Se as importações de combustíveis e lubrificantes consumiram em fevereiro US$ 3,59 bilhões, 7,9% mais que um ano antes, foi principalmente porque a produção nacional tem sido insuficiente para acompanhar a demanda.
Em janeiro a produção interna de petróleo e líquido de gás natural (LGN) foi 2,4% menor que em dezembro - apenas a continuação de uma longa queda. O volume produzido caiu de 2,02 milhões de barris/dia em 2011 para 1,98 milhão em 2012 e 1,93 milhão no ano passado. Em contrapartida, a extração de água, em algumas áreas, passou a igualar a de petróleo.
Desde a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a interferência do governo central na condução dos negócios da Petrobrás levou a empresa a investimentos errados no Brasil e no exterior, distorceu prioridades, afetou a geração de caixa, aumentou seu endividamento e derrubou seu valor de mercado. A perda de produção e a maior dependência da importação de derivados foram desdobramentos dessa história de irresponsabilidades. A maior empresa brasileira foi subordinada às ambições políticas do grupo governante, usada para uma diplomacia contrária a seus interesses e convertida em instrumento de uma política industrial anacrônica.
Mas a decadência empresarial da Petrobrás explica só em parte o mau desempenho comercial do Brasil. A cena fica mais clara quando se consideram os números do primeiro bimestre. Em janeiro e fevereiro as exportações somaram US$ 31,96 bilhões, valor 1,4% maior que o de um ano antes. Mas a variação se torna negativa - queda de 3,4% - quando se comparam as médias dos dias úteis (42 em 2013 e 40 em 2014). No caso das importações, a comparação entre os valores absolutos indica um aumento de 3,6%. Quando se confrontam as médias dos dias úteis, o resultado é uma queda de 1,4%, bem menor que a das vendas ao exterior. Em 12 meses, pelo mesmo critério, a receita diminuiu 0,9% e a despesa aumentou 4,4%.
O déficit comercial de US$ 6,18 bilhões no primeiro bimestre é um retrato de um País com graves desarranjos. A receita obtida com a venda de produtos básicos aumentou de US$ 13,6 bilhões para R$ 14,06 bilhões, mas o valor médio diário diminuiu 1,5%. Considerando-se a evolução dos preços, foi um bom resultado. Ruins, mesmo, foram as vendas de produtos da indústria.
A receita dos manufaturados caiu 5,6%. A de semimanufaturados diminuiu 7,2%. O problema da competitividade continua muito grave. Além disso, o País sofre os efeitos da crise na Argentina, seu maior parceiro na América Latina e um dos principais mercados para a indústria brasileira. Em janeiro e fevereiro as vendas para o mercado argentino, US$ 2,37 bilhões, foram 16% menores que as do primeiro bimestre de 2013.
O melhor resultado foi o das vendas para a China. A receita de US$ 5,02 bilhões nos dois primeiros meses foi 25,5% maior que a de um ano antes. As exportações para os Estados Unidos também avançaram bem e renderam US$ 3,96 bilhões, 7,4% mais que em janeiro e fevereiro do ano passado. Mesmo com alguma desaceleração, o mercado chinês continua absorvendo enormes volumes de matérias-primas e de bens intermediários.
Mas o comércio com os Estados Unidos tem uma composição muito mais equilibrada, porque o mercado americano absorve boa parte das exportações brasileiras de manufaturados. Em janeiro, último mês com números detalhados até esse nível, apenas 4,5% das vendas brasileiras à China foram de manufaturados. O total dos industrializados (com inclusão dos semimanufaturados) chegou a 25,78%. Quase metade das exportações para os Estados Unidos (45%) foi de manufaturados. Os industrializados corresponderam a 66,23%.
O Império, portanto, é um bom cliente da indústria brasileira, enquanto o grande emergente, eleito como parceiro estratégico pela diplomacia brasiliense, mantém com o Brasil um comércio de tipo colonial.
Não há nenhum mal em exportar grandes volumes de commodities. Algumas das potências mais desenvolvidas, como Estados Unidos e Canadá, também são grandes vendedoras de matérias-primas e bens intermediários. A grande besteira cometida pelas autoridades brasilienses, a partir de 2003, foi desprezar os acordos comerciais com os mercados mais desenvolvidos, dar prioridade ao chamado comércio Sul-Sul e deixar esboroar-se o poder de competição da indústria nacional. O agronegócio ainda se mantém competitivo, mas até quando? A tentativa de ressuscitar políticas industriais talhadas segundo o modelo dos anos 50 e 60 produziu o efeito esperado pelas pessoas sensatas e menos provincianas. O fracasso era tão previsível quanto os efeitos da tolerância à inflação.
A esperança de resultados melhores com a depreciação do câmbio e a reativação do mercado global é igualmente enganadora. O câmbio é a menor parte do problema, como já mostraram os números do ano passado, e um mercado mundial mais favorável será aproveitado principalmente pelos produtores mais eficientes. Isso é óbvio, exceto para o governo brasileiro e, curiosamente, para uma parcela dos empresários da indústria. Mas essa parcela tem diminuído, como indicam as boas análises publicadas por algumas entidades do setor, como o Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi).
A má-fé - KÁTIA ABREU
FOLHA DE S. PAULO - 08/03
O novo Código Florestal é fruto de longo trabalho de negociação e diálogo; como pode ter havido um golpe?
Estou perplexa, se não indignada, com a falta à verdade da ex-ministra Marina Silva, em sua coluna de ontem, neste jornal. Os que leram o texto "Quem não sabia?" ficam agora sabendo que a candidata a presidente da República ou a vice-presidente --não se sabe ao certo-- tem sérias dificuldades em aceitar o ambiente democrático.
Torna-se necessário reconhecer que o novo Código Florestal é fruto de um longo trabalho de negociação e diálogo, envolvendo produtores de alimentos e ambientalistas. Deputados e senadores, em sua esmagadora maioria, aprovaram a nova legislação.
Como pode ter, então, havido um golpe? Se há golpe, ele se deve às posições da ex-ministra, que não sabe conviver com o diálogo, procurando impor as suas próprias opiniões. O dogma e o conflito são os seus alimentos. A natureza é só um pretexto.
O CAR (Cadastro Ambiental Rural) é um dos grandes avanços do novo Código Florestal, algo que a hoje candidata jamais conseguiu implementar quando era ministra.
O Brasil será um exemplo para o mundo ao passar a possuir um instrumento de controle ambiental via satélite, mapeando todas as propriedades deste país. RLs (Reservas Legais), APPs (Áreas de Preservação Permanente) e áreas de produção poderão ser facilmente detectadas. Acaba o achismo ambiental. Passaremos a ter uma efetiva ferramenta de gestão do território.
Ocorre que tal ferramenta está sendo elaborada com a audiência de todos os interessados e envolvidos, em um ambiente democrático de discussão, com a participação dos ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário.
O que desagrada à atual candidata é que tal processo não é controlado por umas poucas ONGS nacionais e internacionais, que a têm como oráculo. A soberania do país é realmente exercida no interesse de todos os cidadãos. Há, infelizmente, os que não podem suportar que o país tenha se tornado, em poucos anos, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, conservando 61% de suas florestas e matas nativas.
Se a regulamentação do CAR ainda não saiu, isso se deve, somente, ao ambiente de diálogo e de discussão, voltado para equacionar os conflitos e as posições divergentes.
Um dos pontos que geram discussão diz respeito ao conceito de imóvel rural. Ocorre que, por questões imobiliárias, registrais e de financiamento, um único imóvel rural pode ter mais de uma matrícula e, mesmo assim, terá um único CAR. Não há nenhuma ilegalidade nisso. É o que diz a lei.
Utilizando a má-fé, a candidata passa a falsa mensagem de que os empreendedores rurais estão tapeando a lei, reduzindo suas áreas de preservação ambiental ou fugindo de eventuais multas. Estão simplesmente agindo de acordo com a legislação vigente.
Não há nenhum "golpe". Golpe haveria se estivesse ocorrendo desmembramento de matrículas para burlar a legislação, o que não é evidentemente o caso. O novo Código Florestal, aliás, veda que eventuais desmembramentos sejam utilizados para a obtenção de qualquer benesse. Vale a situação das propriedades em 22 de julho de 2008.
Não deveria causar nenhuma surpresa que os pequenos produtores rurais tenham sido beneficiados. Eles representam 86% das propriedades rurais de nosso país. Não foram usados como massa de manobra, como insinua a ex-ministra. Eles, de fato, merecem o tratamento diferenciado que lhes foi dado. Sem ele, seriam expurgados da atividade.
O desmatamento não aumentou com a aprovação do novo Código Florestal. Assim como o antigo, ele prevê a abertura de novas áreas apenas com licença ambiental, no estrito cumprimento da legislação vigente.
Aliás, a ex-ministra refere-se ao aumento do desmatamento como uma maldição do novo Código Florestal. Não é. Ela esqueceu de mencionar que os 30% de aumento em 2013, a que se refere, representam a segunda menor área desmatada da história das medições (5.843 km?). Também esqueceu que, quando era ela a ministra, em 2004, vivemos o oposto: o segundo maior desmatamento da série histórica (27.772 km?).
Pobre do país que convive com personalidades no meio político com esse nível de preconceito.
Como ela escreveu "eu avisei", agora sou eu quem avisa: tomem cuidado!
A finlandização da Ucrânia - ALBERTO DINES
GAZETA DO POVO - PR - 08/03
“O Putin tem cara de Guerra Fria”, escreveu nesta sexta o humorista José Simão, na Folha de S. Paulo. A frase lembra a genial tirada de Woody Allen: “Toda vez que ouço Wagner tenho vontade de invadir a Polônia”. Há fisionomistas que discordam do diagnóstico: Putin teria mais semelhança com os sanguinários boiardos mostrados por Eisenstein em Ivan, o Terrível.
Quaisquer que sejam os paradigmas psicofaciais do czar russo, a verdade é que a imprensa ocidental não está ajudando a baixar as tensões numa zona de atrito historicamente classificada como barril de pólvora. A Ucrânia foi campo de batalha entre os impérios austro-húngaro e russo na Primeira Guerra (1914-1918); durante os confrontos que se seguiram à Revolução Comunista em 1917, nas suas estepes enfrentaram-se os exércitos vermelho e branco. E, quando Hitler invadiu o território russo em 1941, foi nesta mesma Ucrânia que a colaboração dos fascistas locais com os nazistas alemães foi mais intensa.
O passado encharcado de sangue resultou numa nação algo ambidestra e esquizofrênica. Mas também multiétnica, multicultural e multilíngue. Não muito diferente da Alsácia, entre a França e Alemanha, nos séculos 19 e 20. Um ponto de discórdia pode ser convertido em ponto de convergência: basta que as leis da dinâmica se sobreponham às do determinismo.
É compreensiva, legítima, a fascinação dos rebeldes ucranianos pela União Europeia. Mas não poderia ser exacerbada a ponto de converter o país numa trincheira antirrussa. Era essa a essência do acordo assumido entre negociadores europeus, rebeldes e o governo Yanukovich. Um cronograma foi estabelecido para antecipar eleições e distensionar o ambiente. Durou apenas 48 horas: um golpe legislativo levou tudo para a estaca zero e ainda radicalizou a exaltação nacionalista, levando alguns grupos a desafiar o domínio militar russo no Território Autônomo da Crimeia. Provocação pueril: equivaleria a validar uma tentativa cubana de desalojar os americanos de Guantánamo.
Ações políticas num mundo interdependente, globalizado, exigem um pouco mais de sangue frio, prudência. Sobretudo, atenção à realpolitik. Isto é: aos interesses contrariados. Não confundir com apaziguamento ou capitulação. Trazer de volta a postura covarde do premiê Chamberlain, curvando-se em 1938 ao diktat de Hitler, é recurso falacioso.
Vladimir Putin – qualquer que seja a nossa reação diante da sua imagem e currículo – já está suficientemente ameaçado na Síria. Encurralá-lo ainda mais na mesma região – o espaço mediterrâneo – é insensato. Não se pisa no mesmo calo da acompanhante na dança. Arrisca-se a receber uma canelada instintiva.
Henry Kissinger, em artigo reproduzido nesta mesma sexta, no Estadão, adverte para o perigo da demonização de Putin e lembra, de passagem, a Finlândia como exemplo bem-sucedido de racionalidade. Evitou o substantivo “finlandização”, inventado pelos alemães no pós-guerra com conotações pejorativas para os nacionalistas finlandeses e os exaltados de todos os quadrantes. Não lembrou que Harry Truman poderia ter evitado a Guerra da Coreia, em 1950, se a península fosse finlandizada. Acabará sendo, para a felicidade das suas partes.
Para a maioria dos brasileiros – exceto jogadores de futebol –, a Ucrânia é longe; a Finlândia, mais ainda. Mas a finlandização (como a trégua) pode esvaziar conflitos e preparar entendimentos.
“O Putin tem cara de Guerra Fria”, escreveu nesta sexta o humorista José Simão, na Folha de S. Paulo. A frase lembra a genial tirada de Woody Allen: “Toda vez que ouço Wagner tenho vontade de invadir a Polônia”. Há fisionomistas que discordam do diagnóstico: Putin teria mais semelhança com os sanguinários boiardos mostrados por Eisenstein em Ivan, o Terrível.
Quaisquer que sejam os paradigmas psicofaciais do czar russo, a verdade é que a imprensa ocidental não está ajudando a baixar as tensões numa zona de atrito historicamente classificada como barril de pólvora. A Ucrânia foi campo de batalha entre os impérios austro-húngaro e russo na Primeira Guerra (1914-1918); durante os confrontos que se seguiram à Revolução Comunista em 1917, nas suas estepes enfrentaram-se os exércitos vermelho e branco. E, quando Hitler invadiu o território russo em 1941, foi nesta mesma Ucrânia que a colaboração dos fascistas locais com os nazistas alemães foi mais intensa.
O passado encharcado de sangue resultou numa nação algo ambidestra e esquizofrênica. Mas também multiétnica, multicultural e multilíngue. Não muito diferente da Alsácia, entre a França e Alemanha, nos séculos 19 e 20. Um ponto de discórdia pode ser convertido em ponto de convergência: basta que as leis da dinâmica se sobreponham às do determinismo.
É compreensiva, legítima, a fascinação dos rebeldes ucranianos pela União Europeia. Mas não poderia ser exacerbada a ponto de converter o país numa trincheira antirrussa. Era essa a essência do acordo assumido entre negociadores europeus, rebeldes e o governo Yanukovich. Um cronograma foi estabelecido para antecipar eleições e distensionar o ambiente. Durou apenas 48 horas: um golpe legislativo levou tudo para a estaca zero e ainda radicalizou a exaltação nacionalista, levando alguns grupos a desafiar o domínio militar russo no Território Autônomo da Crimeia. Provocação pueril: equivaleria a validar uma tentativa cubana de desalojar os americanos de Guantánamo.
Ações políticas num mundo interdependente, globalizado, exigem um pouco mais de sangue frio, prudência. Sobretudo, atenção à realpolitik. Isto é: aos interesses contrariados. Não confundir com apaziguamento ou capitulação. Trazer de volta a postura covarde do premiê Chamberlain, curvando-se em 1938 ao diktat de Hitler, é recurso falacioso.
Vladimir Putin – qualquer que seja a nossa reação diante da sua imagem e currículo – já está suficientemente ameaçado na Síria. Encurralá-lo ainda mais na mesma região – o espaço mediterrâneo – é insensato. Não se pisa no mesmo calo da acompanhante na dança. Arrisca-se a receber uma canelada instintiva.
Henry Kissinger, em artigo reproduzido nesta mesma sexta, no Estadão, adverte para o perigo da demonização de Putin e lembra, de passagem, a Finlândia como exemplo bem-sucedido de racionalidade. Evitou o substantivo “finlandização”, inventado pelos alemães no pós-guerra com conotações pejorativas para os nacionalistas finlandeses e os exaltados de todos os quadrantes. Não lembrou que Harry Truman poderia ter evitado a Guerra da Coreia, em 1950, se a península fosse finlandizada. Acabará sendo, para a felicidade das suas partes.
Para a maioria dos brasileiros – exceto jogadores de futebol –, a Ucrânia é longe; a Finlândia, mais ainda. Mas a finlandização (como a trégua) pode esvaziar conflitos e preparar entendimentos.
A indústria emagrece - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 08/03
Ano a ano, a indústria brasileira vai perdendo participação na economia. À parte a repetida reclamação de que a falta de ação do governo produz desindustrialização, o empresário, em geral, não sabe o que quer e, quando quer, muitas vezes quer a coisa errada. Tende a dar mais valor a picolés e cala-bocas oficiais do que a políticas estruturantes de longo prazo.
São raros os que partem do diagnóstico correto, como começa a fazer o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria (Iedi). O ponto de vista recorrente é que a indústria está nessa paradeira porque o câmbio e os juros estão "fora de lugar". Em vez de entender qual a função do câmbio e dos juros no arranjo macroeconômico e de pedir consequência, o empresário clama por desvalorização cambial (alta do dólar) e juros baixos para lhe dar competitividade artificial, sem considerar a arrumação da casa.
O pressuposto dessas reivindicações é o de que qualquer governo põe o câmbio e os juros onde quer e o interesse máximo da política econômica não é dar condições sustentáveis ao crescimento econômico e ao emprego, mas fornecer andadores apenas para a indústria, eterna adolescente.
O modelo recorrente é a China, cujo governo definiu, sim, o que quer e põe o câmbio e os juros onde têm de estar para garantir o efeito pretendido. Mas o Brasil não é a China, não tem uma poupança equivalente a 51% do PIB e, por isso, não pode empilhar reservas à vontade nem operar permanentemente com uma moeda desvalorizada. Bastou, por exemplo, que, a partir de maio de 2013, o governo brasileiro passasse a manobrar para puxar as cotações do dólar para que, logo em seguida, o Banco Central tivesse de trabalhar para evitar que a disparada do câmbio provocasse uma inflação insuportável. Além disso, não está claro que uma forte desvalorização do dólar seja do interesse de uma indústria que pretende se inserir no sistema global de produção e distribuição e que, portanto, depende de suprimento externo de equipamentos, matérias-primas e de certo endividamento em moeda estrangeira.
Com os juros ocorreu quase o mesmo. Por um momento, as lideranças da indústria imaginaram que a política monetária não tem importância no processo de controle dos preços. Assim, os juros poderiam ser baixados até os níveis internacionais sem que produzissem inflação significativa no Brasil. A experiência foi feita, o Banco Central derrubou os juros a 2% reais e, a partir de abril de 2013, foi obrigado a puxá-los para os níveis anteriores porque a inflação disparou.
Durante anos, os chefões da indústria também repeliram propostas de abertura comercial, sob o argumento de que tiravam mercado em vez de proporcionar novos acessos a consumidores. O resultado é que, junto com o Brasil, a indústria brasileira ficou do lado errado. Tem agora como clientes preferenciais argentinos e venezuelanos que não podem pagar por encomendas. A indústria automobilística em parte modernizou suas carroças, mas não consegue competir nem mesmo com uma tarifa alfandegária de 35% mais proteção extra proporcionada por sobrecarga de IPI cobrados sobre as vendas de veículos importados.
Ano a ano, a indústria brasileira vai perdendo participação na economia. À parte a repetida reclamação de que a falta de ação do governo produz desindustrialização, o empresário, em geral, não sabe o que quer e, quando quer, muitas vezes quer a coisa errada. Tende a dar mais valor a picolés e cala-bocas oficiais do que a políticas estruturantes de longo prazo.
São raros os que partem do diagnóstico correto, como começa a fazer o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria (Iedi). O ponto de vista recorrente é que a indústria está nessa paradeira porque o câmbio e os juros estão "fora de lugar". Em vez de entender qual a função do câmbio e dos juros no arranjo macroeconômico e de pedir consequência, o empresário clama por desvalorização cambial (alta do dólar) e juros baixos para lhe dar competitividade artificial, sem considerar a arrumação da casa.
O pressuposto dessas reivindicações é o de que qualquer governo põe o câmbio e os juros onde quer e o interesse máximo da política econômica não é dar condições sustentáveis ao crescimento econômico e ao emprego, mas fornecer andadores apenas para a indústria, eterna adolescente.
O modelo recorrente é a China, cujo governo definiu, sim, o que quer e põe o câmbio e os juros onde têm de estar para garantir o efeito pretendido. Mas o Brasil não é a China, não tem uma poupança equivalente a 51% do PIB e, por isso, não pode empilhar reservas à vontade nem operar permanentemente com uma moeda desvalorizada. Bastou, por exemplo, que, a partir de maio de 2013, o governo brasileiro passasse a manobrar para puxar as cotações do dólar para que, logo em seguida, o Banco Central tivesse de trabalhar para evitar que a disparada do câmbio provocasse uma inflação insuportável. Além disso, não está claro que uma forte desvalorização do dólar seja do interesse de uma indústria que pretende se inserir no sistema global de produção e distribuição e que, portanto, depende de suprimento externo de equipamentos, matérias-primas e de certo endividamento em moeda estrangeira.
Com os juros ocorreu quase o mesmo. Por um momento, as lideranças da indústria imaginaram que a política monetária não tem importância no processo de controle dos preços. Assim, os juros poderiam ser baixados até os níveis internacionais sem que produzissem inflação significativa no Brasil. A experiência foi feita, o Banco Central derrubou os juros a 2% reais e, a partir de abril de 2013, foi obrigado a puxá-los para os níveis anteriores porque a inflação disparou.
Durante anos, os chefões da indústria também repeliram propostas de abertura comercial, sob o argumento de que tiravam mercado em vez de proporcionar novos acessos a consumidores. O resultado é que, junto com o Brasil, a indústria brasileira ficou do lado errado. Tem agora como clientes preferenciais argentinos e venezuelanos que não podem pagar por encomendas. A indústria automobilística em parte modernizou suas carroças, mas não consegue competir nem mesmo com uma tarifa alfandegária de 35% mais proteção extra proporcionada por sobrecarga de IPI cobrados sobre as vendas de veículos importados.
A cor da mente - CRISTOVAM BUARQUE
O GLOBO - 08/03
Analfabeto adulto é filho e neto de analfabetos
Nos anos 70, a televisão mostrou uma série com o nome de “Raízes”, contando a trajetória de uma família de negros americanos, desde seu passado na África. A série emocionou centenas de milhões de pessoas ao mostrar o sofrimento de sucessivas gerações que tinham em comum a cor da pele e a escravidão por serem negras.
Trazida para o presente, a série “Raízes” pode ser escrita sob outro ângulo: as sucessivas gerações de pessoas carregando a característica do analfabetismo. A genealogia de um analfabeto mostra quase toda sua linha de transmissão no analfabetismo. Raramente o filho de alfabetizados cai no analfabetismo. Já o analfabeto adulto é filho e neto de analfabetos.
Mas diferentemente da transmissão da escravidão pela cor irremovível, a transmissão do analfabetismo decorre da falta de programas educativos para sua erradicação. Porque a cor da mente é mutável pela educação.
Muito provavelmente, os 13 milhões de analfabetos de hoje são descendentes dos 6,5 milhões de analfabetos que povoavam o território brasileiro em 1889. Naquele ano, a elite republicana fez uma bandeira com um lema escrito, mesmo sabendo que seus cidadãos eram incapazes de reconhecê-lo porque não sabiam ler. E desde então 125 anos se passaram sem um gesto enfático e duradouro que abolisse a tragédia, que permitisse a todos os brasileiros lerem a sua bandeira.
A repetição genealógica do analfabetismo é causada pelo descaso com a educação das crianças, que deixa aberta a torneira por onde surgem novos analfabetos adultos, e pela falta de um programa concreto e persistente para a erradicação desta tragédia entre os adultos.
Para resolver o problema em cinco anos seria necessária a mobilização de 130 mil jovens bolsistas ao custo anual inferior a R$ 1 bilhão, e mais R$ 2 bilhões de outros gastos operacionais.
Essa era a intenção do Ministério da Educação no primeiro ano do governo Lula ao criar uma Secretaria Extraordinária da Erradicação do Analfabetismo, destinada a gerir o programa Brasil Alfabetizado. A secretaria chegou a formular o Programa de Apoio ao Estudante, proposto no projeto de lei nº 2.853/2003, pelo qual os alunos de universidades particulares receberiam bolsas para pagar seus estudos, desde que aceitassem exercer atividades relacionadas à alfabetização de adultos, por seis horas semanais, durante um dos semestres de seus cursos.
Além disso, foram implantados programas de “leituração” para manter a alfabetização conquistada. Em 2004, a secretaria foi extinta, e o programa perdeu vigor; o PAE se transformou em Prouni sem exigência aos beneficiados. O resultado é que o problema continua e, em 2013, houve aumento no número de analfabetos: os 6,5 milhões de 1889 duplicaram, em 2013, para 13 milhões.
Quem sabe se, neste ano, algum candidato a presidente vai apresentar o compromisso e dizer como, quanto custa e de onde sairão os recursos, financeiros e humanos para romper a genealogia do analfabetismo, mudando a cor da mente desses brasileiros.
Analfabeto adulto é filho e neto de analfabetos
Nos anos 70, a televisão mostrou uma série com o nome de “Raízes”, contando a trajetória de uma família de negros americanos, desde seu passado na África. A série emocionou centenas de milhões de pessoas ao mostrar o sofrimento de sucessivas gerações que tinham em comum a cor da pele e a escravidão por serem negras.
Trazida para o presente, a série “Raízes” pode ser escrita sob outro ângulo: as sucessivas gerações de pessoas carregando a característica do analfabetismo. A genealogia de um analfabeto mostra quase toda sua linha de transmissão no analfabetismo. Raramente o filho de alfabetizados cai no analfabetismo. Já o analfabeto adulto é filho e neto de analfabetos.
Mas diferentemente da transmissão da escravidão pela cor irremovível, a transmissão do analfabetismo decorre da falta de programas educativos para sua erradicação. Porque a cor da mente é mutável pela educação.
Muito provavelmente, os 13 milhões de analfabetos de hoje são descendentes dos 6,5 milhões de analfabetos que povoavam o território brasileiro em 1889. Naquele ano, a elite republicana fez uma bandeira com um lema escrito, mesmo sabendo que seus cidadãos eram incapazes de reconhecê-lo porque não sabiam ler. E desde então 125 anos se passaram sem um gesto enfático e duradouro que abolisse a tragédia, que permitisse a todos os brasileiros lerem a sua bandeira.
A repetição genealógica do analfabetismo é causada pelo descaso com a educação das crianças, que deixa aberta a torneira por onde surgem novos analfabetos adultos, e pela falta de um programa concreto e persistente para a erradicação desta tragédia entre os adultos.
Para resolver o problema em cinco anos seria necessária a mobilização de 130 mil jovens bolsistas ao custo anual inferior a R$ 1 bilhão, e mais R$ 2 bilhões de outros gastos operacionais.
Essa era a intenção do Ministério da Educação no primeiro ano do governo Lula ao criar uma Secretaria Extraordinária da Erradicação do Analfabetismo, destinada a gerir o programa Brasil Alfabetizado. A secretaria chegou a formular o Programa de Apoio ao Estudante, proposto no projeto de lei nº 2.853/2003, pelo qual os alunos de universidades particulares receberiam bolsas para pagar seus estudos, desde que aceitassem exercer atividades relacionadas à alfabetização de adultos, por seis horas semanais, durante um dos semestres de seus cursos.
Além disso, foram implantados programas de “leituração” para manter a alfabetização conquistada. Em 2004, a secretaria foi extinta, e o programa perdeu vigor; o PAE se transformou em Prouni sem exigência aos beneficiados. O resultado é que o problema continua e, em 2013, houve aumento no número de analfabetos: os 6,5 milhões de 1889 duplicaram, em 2013, para 13 milhões.
Quem sabe se, neste ano, algum candidato a presidente vai apresentar o compromisso e dizer como, quanto custa e de onde sairão os recursos, financeiros e humanos para romper a genealogia do analfabetismo, mudando a cor da mente desses brasileiros.
Valores difusos num país sujo - FERNANDO RODRIGUES
FOLHA DE S. PAULO - 08/03
BRASÍLIA - Com o fim formal da ditadura (1985) e a estabilização da economia (1994), o Brasil passou a enxergar com mais clareza o seu atraso civilizatório. Ficou mais visível como são difusos os valores da nação. O vídeo do prefeito do Rio, Eduardo Paes, jogando sujeira no chão é apenas um microexemplo do caráter e dos costumes nacionais.
Há alguns anos, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu um bombom de cupuaçu. Comeu e também jogou o papel no chão sem nenhuma cerimônia.
A greve dos garis no Rio expôs ao país como sua população é composta por Eduardos e Lulas. O volume de lixo jogado nas ruas do balneário fluminense é incompatível com uma sociedade desenvolvida. O brasileiro em geral se comporta como se o espaço público não fosse seu. Todo tipo de porcaria é arremessado na calçada, sem o menor remorso.
Seria possível escrever um tratado a respeito. Ficarei apenas no capítulo sobre a responsabilidade dos políticos e governantes em geral. O Brasil gasta bilhões de reais com publicidade estatal. Quase nunca esses recursos são usados para algum tipo de campanha a favor, por exemplo, de hábitos mais civilizados das pessoas nas ruas. Pior: certas propagandas com apelo cívico erram o alvo, como aquele comercial paraestatal martelando que "o melhor do Brasil é o brasileiro", cujo objetivo era melhorar o astral geral do país.
Se há um povo com excesso de autoestima é o brasileiro. Em ano de Copa do Mundo, nota-se até uma certa arrogância no ar. A campanha de uma marca de guaraná estrelada pelo jogador Neymar eleva ao paroxismo o mau-caratismo nacional. Reedita a "Lei de Gérson". O camisa 10 brasileiro escreve frases em português para estrangeiros que não sabem o idioma se autoridicularizarem ao pedir a bebida (http://bit.ly/Neymar-trote-guarana). Ao final, fala o anunciante: "Todo mundo quer, mas só a gente tem". É verdade.
Indignação e desamparo - RUGGERO LEVY
ZERO HORA - 08//03
O fato é que estamos vivendo num ambiente selvagem, violento, perigoso e vamos nos adaptando a ele
Escrevo movido pela indignação com a violência a que temos assistido e vivido em nosso país. Amigos, irmãos de amigos, homens de bem, jovens promissores, cidadãos valiosos, mulheres, mães, pais, filhos sendo assassinados cruelmente diante das câmeras de “segurança”, às quais assistimos impotentes. O que está acontecendo? Por que essa violência desenfreada, tantas brigas e disputas no trânsito, tanta violência nas escolas? Concordo com David Coimbra (ZH, 28/02) em que a miséria não explica tudo. O que explica, então? Vejamos alguns fatores.
Creio que estamos vivendo no Brasil um problema singular e grave, que é a ruptura dos códigos coletivos. O que é isso?
A impunidade é um dos fatores que conduzem a essa quebra. Ou seja, a lei é um código coletivo que sinaliza que qualquer um que infringi-la será punido. Na medida em que isso não é cumprido, crimes ocorrem e não são punidos, seja por um desaparelhamento da polícia, seja pela interferência do poder político e econômico, várias mensagens são enviadas. A primeira, óbvia, é que o caminho está livre para a prática criminosa. Mas outra, muito preocupante, é que vivemos numa cultura em que “é cada um por si”. Cada um se proteja e proteja os seus como puder, e se puder. Há uma perda de confiança num sistema coletivo protetor.
Um segundo fator de quebra dos códigos coletivos é o esvaziamento do poder da palavra. A palavra é talvez o maior código coletivo que temos. Cadeira deve ser cadeira para todos. Se alguém chama uma cama de cadeira, dizemos que ele está louco, psicótico. Pois, no Brasil temos visto, especialmente em alguns políticos, que, frente às evidências de corrupção, de desmandos e incompetências administrativas, diz-se qualquer coisa. Explica-se qualquer coisa e com desfaçatez. Ou seja, a realidade é uma, todos estão vendo, e diz-se qualquer coisa. A palavra não serve mais para refletir a realidade, óbvia para todos. Ora, isso faz com que nosso código coletivo mais básico que é a palavra perca a sua força. Tudo é possível, há uma perda total dos limites, qualquer coisa poderá será chamada de qualquer palavra, e aí voltamos ao “cada um por si”.
Uma ilustração singela desta cultura do “cada um por si”, de quebra de outro código coletivo, é o nosso trânsito, espaço público a ser compartido por todos. Em nossa cidade vige um clima em que um não dá espaço ao outro. Se um motorista está numa via pública e outro precisa entrar nela, sofrerá para encontrar uma boa alma que lhe dê passagem. A maioria acelerará seu carro para não dar uma brecha que viabilize a entrada do pobre infeliz. Este, por sua vez, privado do código coletivo que a via pública é de todos, que o outro tem direito a nela entrar, que existem leis e códigos de convivência, quando estiver na via pública não dará espaço ao próximo necessitado. É o “cada um por si”. O “cada um por si” é a falência da lei, da moral e da ética.
O fato é que estamos vivendo num ambiente selvagem, violento, perigoso e vamos nos adaptando a ele, mas subjaz um sentimento de desamparo, pois sente-se que o poder público está inoperante para lidar com esta realidade. Não por falta de homens competentes, mas por uma estrutura pervertida. Polícia, professores, médicos e demais profissionais da saúde mal pagos, insuficientes e sem condições de trabalho. Ou seja, segurança, educação e saúde precários. Há sintoma maior?
Indignação!
Teorias conspiratórias - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 08/03
Desde que o Supremo reviu a pena de formação de quadrilha no julgamento do mensalão, estabeleceu-se no país debate completamente paranoico sobre o aparelhamento do plenário do STF pelo fato de que os dois novos ministros, Luis Roberto Barroso e Teori Zavascki, indicados pela presidente Dilma, foram decisivos para a mudança da condenação em absolvição.
Os petistas, por sua vez, consideraram uma vitória a absolvição por quadrilha e correram a alardear um suposto reconhecimento de que o Supremo errara no primeiro julgamento.
Não concordo com a teoria da conspiração que denuncia um plenário manipulado, embora pessoalmente defenda a tese de que não seria possível a realização de um assalto ao dinheiro público tão bem planejado, em diversos níveis de atuação, se não houvesse um comando central de uma organização criminosa por trás.
Não concordo com a teoria da conspiração que denuncia um plenário manipulado, embora pessoalmente defenda a tese de que não seria possível a realização de um assalto ao dinheiro público tão bem planejado, em diversos níveis de atuação, se não houvesse um comando central de uma organização criminosa por trás.
Do mesmo modo, é risível a tentativa de transformar a mudança do STF em indicativo de que há espaço para uma revisão criminal que anule o julgamento. Tanto a formação de quadrilha quanto a lavagem de dinheiro - outro crime que possivelmente será anulado pelo novo plenário na análise dos embargos infringentes - são de definição controversa, e é perfeitamente natural a interpretação da lei em sentido inverso, tanto que, dos 12 que votaram no julgamento a esse respeito, metade foi para um lado, e a outra metade, para o outro.
Não é à toa que minha leiga percepção da questão teve o respaldo de nada menos que seis ministros do STF no decorrer do julgamento, enquanto ao fim outros seis ministros votaram em sentido contrário. A maioria "feita sob medida" a que se referiu pejorativamente o presidente do STF, Joaquim Barbosa, foi formada circunstancialmente, mas não tem nada de anormal. A Suprema Corte dos Estados Unidos tende a ficar mais liberal ou conservadora à medida que presidentes democratas ou republicanos nomeiam ministros. Segundo Diego Werneck Arguelhes, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e especialista no sistema Judiciário americano, sabe-se que há uma tendência geral a um alinhamento de crenças e valores básicos entre o indicado e quem indicou.
Nas últimas décadas, isso significa que presidentes mais liberais tendem a indicar ministros com crenças mais progressistas em questões morais e mais simpáticos à regulação estatal, enquanto presidentes mais à direita indicam ministros do outro lado do espectro nessas questões. Os juízes John Roberts e Samuel Alito, indicados por George W. Bush, são publicamente próximos do Partido Republicano. Já as juízas Elena Kagan e Sonia Sotomayor, indicadas por Obama, têm perfil significativamente mais progressista. A diferença é que a Suprema Corte não trata de questões criminais, ao contrário do STF.
Talvez essa seja uma grande diferença, pois ser conservador ou liberal quanto a questões éticas e morais é uma coisa, outra é definir o quanto os valores morais e políticos de um ministro, claramente importante na interpretação constitucional, podem e devem, ou não, influir no julgamento de uma ação criminal originária. Mas, no fundo, estamos falando da mesma coisa se considerarmos que não ver crime de quadrilha no mensalão equivale a compreender o caso como consequência das leis eleitorais e não como ação delinquencial de políticos petistas.
Se pegarmos a história dos dois novos ministros, não há qualquer indicação de que sejam juízes ou juristas sujeitos a pressões ou manipuláveis.
Têm simplesmente seus pontos de vista, revelados em anos de atuação. O que ocorre, pelo menos no caso do Barroso, é que ele tem "proximidades ideológicas" com o governo petista e visão bastante próxima da dos que defendem a tese de que houve "apenas" caixa 2 eleitoral. Barroso, considerado um dos maiores constitucionalistas do país, sempre foi um advogado ligado à esquerda.
Defendeu a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, pesquisa com células-tronco embrionárias, união homoafetiva e rejeição da extradição de Cesare Battisti, todos temas caros à esquerda que se autointitula progressista.
Zavascki é muito respeitado pela doutrina criada nas áreas de Direito Administrativo e Tributário, com atuação de destaque no STJ. O que deve ter acontecido é que, vendo posições anteriores dos dois, o Planalto os tenha escolhido sem mesmo precisar macular a sabatina com pergunta direta sobre suas posições específicas.(Continua amanhã)
Não é à toa que minha leiga percepção da questão teve o respaldo de nada menos que seis ministros do STF no decorrer do julgamento, enquanto ao fim outros seis ministros votaram em sentido contrário. A maioria "feita sob medida" a que se referiu pejorativamente o presidente do STF, Joaquim Barbosa, foi formada circunstancialmente, mas não tem nada de anormal. A Suprema Corte dos Estados Unidos tende a ficar mais liberal ou conservadora à medida que presidentes democratas ou republicanos nomeiam ministros. Segundo Diego Werneck Arguelhes, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e especialista no sistema Judiciário americano, sabe-se que há uma tendência geral a um alinhamento de crenças e valores básicos entre o indicado e quem indicou.
Nas últimas décadas, isso significa que presidentes mais liberais tendem a indicar ministros com crenças mais progressistas em questões morais e mais simpáticos à regulação estatal, enquanto presidentes mais à direita indicam ministros do outro lado do espectro nessas questões. Os juízes John Roberts e Samuel Alito, indicados por George W. Bush, são publicamente próximos do Partido Republicano. Já as juízas Elena Kagan e Sonia Sotomayor, indicadas por Obama, têm perfil significativamente mais progressista. A diferença é que a Suprema Corte não trata de questões criminais, ao contrário do STF.
Talvez essa seja uma grande diferença, pois ser conservador ou liberal quanto a questões éticas e morais é uma coisa, outra é definir o quanto os valores morais e políticos de um ministro, claramente importante na interpretação constitucional, podem e devem, ou não, influir no julgamento de uma ação criminal originária. Mas, no fundo, estamos falando da mesma coisa se considerarmos que não ver crime de quadrilha no mensalão equivale a compreender o caso como consequência das leis eleitorais e não como ação delinquencial de políticos petistas.
Se pegarmos a história dos dois novos ministros, não há qualquer indicação de que sejam juízes ou juristas sujeitos a pressões ou manipuláveis.
Têm simplesmente seus pontos de vista, revelados em anos de atuação. O que ocorre, pelo menos no caso do Barroso, é que ele tem "proximidades ideológicas" com o governo petista e visão bastante próxima da dos que defendem a tese de que houve "apenas" caixa 2 eleitoral. Barroso, considerado um dos maiores constitucionalistas do país, sempre foi um advogado ligado à esquerda.
Defendeu a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, pesquisa com células-tronco embrionárias, união homoafetiva e rejeição da extradição de Cesare Battisti, todos temas caros à esquerda que se autointitula progressista.
Zavascki é muito respeitado pela doutrina criada nas áreas de Direito Administrativo e Tributário, com atuação de destaque no STJ. O que deve ter acontecido é que, vendo posições anteriores dos dois, o Planalto os tenha escolhido sem mesmo precisar macular a sabatina com pergunta direta sobre suas posições específicas.(Continua amanhã)
Quem foi o padre José de Anchieta? - DOM ODILO P. SCHERER
O Estado de S.Paulo - 08/03
Nos primeiros dias de abril deste ano o papa Francisco proclamará "santo" o padre José de Anchieta, um missionário que marcou profundamente o Brasil nos seus inícios.
Anchieta nasceu em San Cristóbal de la Laguna (Canárias), em 19 de março de 1534. Seu pai, Juan López de Anchieta, vinha de importante família basca e foi opositor político no País Basco do imperador Carlos V, da Espanha. Juan López acabou encontrando refúgio nas Canárias para escapar das perseguições sofridas. A mãe, Mencía Díaz de Clavijo y Llerena, era natural das ilhas.
Enviado para estudar em Portugal quando tinha 14 ou 15 anos de idade, durante seus estudos de Filosofia na Universidade de Coimbra teve contato com os jesuítas, apenas fundados como ordem religiosa; em 1.º de maio de 1551 entrou na Companhia de Jesus. Enquanto na comunidade local eram lidas as cartas dos primeiros missionários jesuítas no Oriente, entre os quais São Francisco Xavier, nasceu em José de Anchieta o desejo de também seguir o mesmo caminho missionário. Mas foi enviado para o Brasil pelo próprio Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus; em Salvador, de fato, já estavam em ação o padre Manuel da Nóbrega e alguns companheiros.
Partiu de Lisboa em 8 de maio de 1553 e desembarcou em Salvador no dia 13 de julho seguinte, ainda noviço e com apenas 19 anos de idade. Após um breve período de adaptação, Anchieta acompanhou o padre Nóbrega à nova missão de Piratininga, aonde chegaram em 24 de janeiro de 1554. No dia seguinte, festa litúrgica da conversão do apóstolo São Paulo, foi celebrada a primeira missa nessa missão, que recebeu o nome de São Paulo em homenagem ao apóstolo missionário. Essa data é reconhecida oficialmente como marco histórico da fundação da cidade de São Paulo.
Anchieta desempenhou ali intenso trabalho no colégio, o primeiro dos jesuítas na América. Ensinou a língua portuguesa aos filhos de índios e portugueses, mas também estudou a língua dos indígenas e compôs a primeira gramática da língua tupi; no mesmo idioma dos índios escreveu um catecismo, várias peças de teatro e hinos. E ainda compôs poemas e escreveu obras em português, latim e tupi e guarani.
Nos primeiros meses de 1563 acompanhou o padre Nóbrega na negociação da paz entre portugueses e tamoios - estes ameaçavam a colônia de São Vicente. Para dar provas de sinceridade na proposta de paz Anchieta entregou-se como refém aos índios, ficando mais de seis meses entre eles, enquanto Nóbrega e seus companheiros negociavam com a Confederação dos Tamoios. Nesse mesmo período, nada fácil e de contínuos riscos para sua vida, Anchieta escreveu nas areias de uma praia de Ubatuba seu Poema à Virgem Maria.
Uma vez conseguida a chamada Paz de Iperoig, ele se dedicou às missões de São Vicente e de São Paulo, sempre atento à educação, à saúde e à assistência religiosa de indígenas e portugueses. Em 6 de junho de 1566 recebeu, na Catedral de Salvador, a ordenação sacerdotal. Tinha então, quase 32 anos de idade.
Em janeiro de 1567 partiu com o padre Manuel da Nóbrega para o Rio de Janeiro, para fundar o colégio local, que também regeu como reitor entre 1570 e 1573. Nos anos seguintes foi o responsável pela missão de São Vicente, onde se dedicou sobretudo à catequese entre os índios tapuias.
Enquanto isso, escrevia longos relatos aos superiores da Companhia de Jesus sobre as suas atividades missionárias. Fino observador dos usos e costumes indígenas, suas cartas estão repletas de elementos preciosos para os estudos antropológicos dos primeiros habitantes do Brasil. Mas também são muitas as suas anotações sobre a flora, a fauna, a geografia e o clima da terra brasileira. José de Anchieta pode ser considerado um dos primeiros antropólogos e naturalistas do Brasil.
Em 1576 tornou-se o quinto provincial da Companhia de Jesus no Brasil, ocupando esse cargo até 1587. Apesar de sua saúde, nunca boa, empreendeu constantes viagens, percorrendo o litoral desde Cananeia até o Recife, para acompanhar as várias missões que os jesuítas já possuíam no Brasil. Foi também com a sua colaboração que tiveram início as reduções do Paraguai, com sede inicial em Assunção e que se estenderam para o território da Argentina e do sul do Brasil, ao longo dos Rios Paraguai, Paraná e Uruguai.
A essa altura já trabalhavam no vasto território brasileiro 140 missionários da Companhia de Jesus, os quais Anchieta visitava duas vezes por ano, dando origem a novas iniciativas missionárias, mesmo no interior do Brasil, fundando escolas e colégios. No Rio de Janeiro, em 1582, iniciou a construção da Santa Casa de Misericórdia, destinada a assistir os doentes e as vítimas das frequentes epidemias.
Anchieta foi sempre um religioso profundamente interessado nas pessoas, dando especial atenção aos pobres e aos doentes - percorria grandes distâncias para visitar algum enfermo -, mas também aos grupos indígenas ameaçados e aos negros escravizados. À noite, principalmente, passava longas horas em oração e seu desejo era levar a todos a luz do Evangelho de Cristo. A educação era parte integrante de seu trabalho missionário; ele soube respeitar e valorizar os elementos culturais dos povos originários do Brasil.
Em 1587, deixando o cargo de superior provincial, respondeu por vários anos, como reitor, pelo colégio de Vitória. Ali começou a sentir mais fortemente a doença que o levaria à morte em 9 de junho de 1597, enquanto se encontrava em Reritiba, uma localidade no Espírito Santo por ele mesmo fundada e que recebeu, mais tarde, o nome de Anchieta.
Seu corpo foi levado para Vitória para os solenes funerais, durante os quais ele já passou a ser reconhecido como o "Apóstolo do Brasil".
Nos primeiros dias de abril deste ano o papa Francisco proclamará "santo" o padre José de Anchieta, um missionário que marcou profundamente o Brasil nos seus inícios.
Anchieta nasceu em San Cristóbal de la Laguna (Canárias), em 19 de março de 1534. Seu pai, Juan López de Anchieta, vinha de importante família basca e foi opositor político no País Basco do imperador Carlos V, da Espanha. Juan López acabou encontrando refúgio nas Canárias para escapar das perseguições sofridas. A mãe, Mencía Díaz de Clavijo y Llerena, era natural das ilhas.
Enviado para estudar em Portugal quando tinha 14 ou 15 anos de idade, durante seus estudos de Filosofia na Universidade de Coimbra teve contato com os jesuítas, apenas fundados como ordem religiosa; em 1.º de maio de 1551 entrou na Companhia de Jesus. Enquanto na comunidade local eram lidas as cartas dos primeiros missionários jesuítas no Oriente, entre os quais São Francisco Xavier, nasceu em José de Anchieta o desejo de também seguir o mesmo caminho missionário. Mas foi enviado para o Brasil pelo próprio Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus; em Salvador, de fato, já estavam em ação o padre Manuel da Nóbrega e alguns companheiros.
Partiu de Lisboa em 8 de maio de 1553 e desembarcou em Salvador no dia 13 de julho seguinte, ainda noviço e com apenas 19 anos de idade. Após um breve período de adaptação, Anchieta acompanhou o padre Nóbrega à nova missão de Piratininga, aonde chegaram em 24 de janeiro de 1554. No dia seguinte, festa litúrgica da conversão do apóstolo São Paulo, foi celebrada a primeira missa nessa missão, que recebeu o nome de São Paulo em homenagem ao apóstolo missionário. Essa data é reconhecida oficialmente como marco histórico da fundação da cidade de São Paulo.
Anchieta desempenhou ali intenso trabalho no colégio, o primeiro dos jesuítas na América. Ensinou a língua portuguesa aos filhos de índios e portugueses, mas também estudou a língua dos indígenas e compôs a primeira gramática da língua tupi; no mesmo idioma dos índios escreveu um catecismo, várias peças de teatro e hinos. E ainda compôs poemas e escreveu obras em português, latim e tupi e guarani.
Nos primeiros meses de 1563 acompanhou o padre Nóbrega na negociação da paz entre portugueses e tamoios - estes ameaçavam a colônia de São Vicente. Para dar provas de sinceridade na proposta de paz Anchieta entregou-se como refém aos índios, ficando mais de seis meses entre eles, enquanto Nóbrega e seus companheiros negociavam com a Confederação dos Tamoios. Nesse mesmo período, nada fácil e de contínuos riscos para sua vida, Anchieta escreveu nas areias de uma praia de Ubatuba seu Poema à Virgem Maria.
Uma vez conseguida a chamada Paz de Iperoig, ele se dedicou às missões de São Vicente e de São Paulo, sempre atento à educação, à saúde e à assistência religiosa de indígenas e portugueses. Em 6 de junho de 1566 recebeu, na Catedral de Salvador, a ordenação sacerdotal. Tinha então, quase 32 anos de idade.
Em janeiro de 1567 partiu com o padre Manuel da Nóbrega para o Rio de Janeiro, para fundar o colégio local, que também regeu como reitor entre 1570 e 1573. Nos anos seguintes foi o responsável pela missão de São Vicente, onde se dedicou sobretudo à catequese entre os índios tapuias.
Enquanto isso, escrevia longos relatos aos superiores da Companhia de Jesus sobre as suas atividades missionárias. Fino observador dos usos e costumes indígenas, suas cartas estão repletas de elementos preciosos para os estudos antropológicos dos primeiros habitantes do Brasil. Mas também são muitas as suas anotações sobre a flora, a fauna, a geografia e o clima da terra brasileira. José de Anchieta pode ser considerado um dos primeiros antropólogos e naturalistas do Brasil.
Em 1576 tornou-se o quinto provincial da Companhia de Jesus no Brasil, ocupando esse cargo até 1587. Apesar de sua saúde, nunca boa, empreendeu constantes viagens, percorrendo o litoral desde Cananeia até o Recife, para acompanhar as várias missões que os jesuítas já possuíam no Brasil. Foi também com a sua colaboração que tiveram início as reduções do Paraguai, com sede inicial em Assunção e que se estenderam para o território da Argentina e do sul do Brasil, ao longo dos Rios Paraguai, Paraná e Uruguai.
A essa altura já trabalhavam no vasto território brasileiro 140 missionários da Companhia de Jesus, os quais Anchieta visitava duas vezes por ano, dando origem a novas iniciativas missionárias, mesmo no interior do Brasil, fundando escolas e colégios. No Rio de Janeiro, em 1582, iniciou a construção da Santa Casa de Misericórdia, destinada a assistir os doentes e as vítimas das frequentes epidemias.
Anchieta foi sempre um religioso profundamente interessado nas pessoas, dando especial atenção aos pobres e aos doentes - percorria grandes distâncias para visitar algum enfermo -, mas também aos grupos indígenas ameaçados e aos negros escravizados. À noite, principalmente, passava longas horas em oração e seu desejo era levar a todos a luz do Evangelho de Cristo. A educação era parte integrante de seu trabalho missionário; ele soube respeitar e valorizar os elementos culturais dos povos originários do Brasil.
Em 1587, deixando o cargo de superior provincial, respondeu por vários anos, como reitor, pelo colégio de Vitória. Ali começou a sentir mais fortemente a doença que o levaria à morte em 9 de junho de 1597, enquanto se encontrava em Reritiba, uma localidade no Espírito Santo por ele mesmo fundada e que recebeu, mais tarde, o nome de Anchieta.
Seu corpo foi levado para Vitória para os solenes funerais, durante os quais ele já passou a ser reconhecido como o "Apóstolo do Brasil".
O risco de descuidar da inflação - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 08/03
Com a inflação ainda resistente e longe da meta de 4,5%, o Banco Central (BC) entrará num jogo perigoso se afrouxar a política anti-inflacionária, nos próximos meses, para esperar os efeitos das medidas já em vigor. O primeiro sinal tangível de afrouxamento surgiu na semana passada, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu o ritmo de alta da taxa básica de juros. A taxa passou de 10,5% para 10,75%. A elevação havia sido de 0,5 ponto em cada uma das seis mudanças anteriores. Quem esperava encontrar uma boa e clara justificativa na ata da reunião, divulgada na quinta-feira, ficou decepcionado. Segundo analistas do mercado financeiro, o texto indica duas possibilidades principais: ou o ciclo de alta já terminou ou haverá, no máximo, mais um aumento de 0,25 ponto em abril. Qualquer das duas hipóteses poderá ser confirmada e qualquer palpite, neste momento, será especulativo. Certo, mesmo, só um ponto: nenhuma projeção incluída no documento justifica um esforço menor no combate à alta de preços.
A inflação, segundo as projeções do próprio BC, continuará acima da meta neste e no próximo ano. A estimativa para 2014 considerada em janeiro foi mantida na reunião da semana passada. Nenhuma melhora significativa, portanto, no cenário básico. Para 2015 está previsto um declínio, mas o número final ainda será superior a 4,5%. As projeções do mercado, também citadas, desautorizam qualquer otimismo. Desde janeiro, a inflação prevista para este ano foi mantida em 6%, enquanto a taxa estimada para o próximo ano subiu de 5,5% para 5,7%. Alguns parágrafos adiante, um detalhe nada tranquilizador: apesar de alguma redução da alta mensal de preços, a resistência da inflação "tem-se mostrado ligeiramente acima" da esperada.
Se esse é o caso, como justificar a mudança no ritmo do aperto monetário? O cenário fica mais estranho quando se consideram algumas hipóteses mencionadas na ata: nenhum aumento dos preços da gasolina, do gás de bujão e da telefonia fixa; aumento de 7,5% para a tarifa residencial de eletricidade; elevação de 4,5% para o conjunto dos preços administrados por contrato e monitorados. Se essas premissas estiverem corretas, os preços da Petrobrás - entre outros - permanecerão arrochados e o governo continuará administrando e maquiando os índices de inflação.
A ata contém previsões vagamente otimistas para o conjunto da economia. A expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014 será parecida com a do ano passado (2,3%). Não se manterá, portanto, o ritmo de 0,7% registrado no trimestre final de 2013 e equivalente, em termos anuais, a uma taxa de 2,8%. De toda forma, os técnicos do BC mantêm uma projeção melhor que a do mercado, de 1,7%. A previsão mais otimista, no entanto, refere-se à composição do crescimento: o consumo terá menos peso e aumentará a participação do investimento e da exportação. No caso da exportação, o otimismo é associado à expectativa de um câmbio mais desvalorizado e de um cenário externo mais favorável.
Mas essas apostas ainda são muito inseguras. Por enquanto, o cenário ainda é de desajuste entre a demanda, puxada principalmente pelo consumo, e a oferta interna. Esse descompasso tende a diminuir, segundo a ata, mas em nenhum momento se informa quando o cenário ficará razoavelmente equilibrado. Ao contrário: a demanda total continuará robusta, segundo afirmam. O consumo será sustentado pelo crédito e pelo aumento da renda e o investimento será dinamizado pelos financiamentos, pela concessão de serviços públicos e pela ampliação das áreas de exploração de petróleo.
Mas também os eventos no "âmbito parafiscal" serão considerados na formulação da política monetária. "Âmbito parafiscal" é um nome complicado para as operações dos bancos oficiais alimentados pelo Tesouro. Além disso, a ata menciona, de novo, os desequilíbrios no mercado de trabalho e o efeito inflacionário dos aumentos salariais superiores aos ganhos de produtividade. A própria ata fornece, portanto, argumentos poderosos contra um afrouxamento da política. Argumentos a favor, mas fora do texto, só os de natureza eleitoral.
Com a inflação ainda resistente e longe da meta de 4,5%, o Banco Central (BC) entrará num jogo perigoso se afrouxar a política anti-inflacionária, nos próximos meses, para esperar os efeitos das medidas já em vigor. O primeiro sinal tangível de afrouxamento surgiu na semana passada, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu o ritmo de alta da taxa básica de juros. A taxa passou de 10,5% para 10,75%. A elevação havia sido de 0,5 ponto em cada uma das seis mudanças anteriores. Quem esperava encontrar uma boa e clara justificativa na ata da reunião, divulgada na quinta-feira, ficou decepcionado. Segundo analistas do mercado financeiro, o texto indica duas possibilidades principais: ou o ciclo de alta já terminou ou haverá, no máximo, mais um aumento de 0,25 ponto em abril. Qualquer das duas hipóteses poderá ser confirmada e qualquer palpite, neste momento, será especulativo. Certo, mesmo, só um ponto: nenhuma projeção incluída no documento justifica um esforço menor no combate à alta de preços.
A inflação, segundo as projeções do próprio BC, continuará acima da meta neste e no próximo ano. A estimativa para 2014 considerada em janeiro foi mantida na reunião da semana passada. Nenhuma melhora significativa, portanto, no cenário básico. Para 2015 está previsto um declínio, mas o número final ainda será superior a 4,5%. As projeções do mercado, também citadas, desautorizam qualquer otimismo. Desde janeiro, a inflação prevista para este ano foi mantida em 6%, enquanto a taxa estimada para o próximo ano subiu de 5,5% para 5,7%. Alguns parágrafos adiante, um detalhe nada tranquilizador: apesar de alguma redução da alta mensal de preços, a resistência da inflação "tem-se mostrado ligeiramente acima" da esperada.
Se esse é o caso, como justificar a mudança no ritmo do aperto monetário? O cenário fica mais estranho quando se consideram algumas hipóteses mencionadas na ata: nenhum aumento dos preços da gasolina, do gás de bujão e da telefonia fixa; aumento de 7,5% para a tarifa residencial de eletricidade; elevação de 4,5% para o conjunto dos preços administrados por contrato e monitorados. Se essas premissas estiverem corretas, os preços da Petrobrás - entre outros - permanecerão arrochados e o governo continuará administrando e maquiando os índices de inflação.
A ata contém previsões vagamente otimistas para o conjunto da economia. A expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014 será parecida com a do ano passado (2,3%). Não se manterá, portanto, o ritmo de 0,7% registrado no trimestre final de 2013 e equivalente, em termos anuais, a uma taxa de 2,8%. De toda forma, os técnicos do BC mantêm uma projeção melhor que a do mercado, de 1,7%. A previsão mais otimista, no entanto, refere-se à composição do crescimento: o consumo terá menos peso e aumentará a participação do investimento e da exportação. No caso da exportação, o otimismo é associado à expectativa de um câmbio mais desvalorizado e de um cenário externo mais favorável.
Mas essas apostas ainda são muito inseguras. Por enquanto, o cenário ainda é de desajuste entre a demanda, puxada principalmente pelo consumo, e a oferta interna. Esse descompasso tende a diminuir, segundo a ata, mas em nenhum momento se informa quando o cenário ficará razoavelmente equilibrado. Ao contrário: a demanda total continuará robusta, segundo afirmam. O consumo será sustentado pelo crédito e pelo aumento da renda e o investimento será dinamizado pelos financiamentos, pela concessão de serviços públicos e pela ampliação das áreas de exploração de petróleo.
Mas também os eventos no "âmbito parafiscal" serão considerados na formulação da política monetária. "Âmbito parafiscal" é um nome complicado para as operações dos bancos oficiais alimentados pelo Tesouro. Além disso, a ata menciona, de novo, os desequilíbrios no mercado de trabalho e o efeito inflacionário dos aumentos salariais superiores aos ganhos de produtividade. A própria ata fornece, portanto, argumentos poderosos contra um afrouxamento da política. Argumentos a favor, mas fora do texto, só os de natureza eleitoral.
Pelo fim do Dia da Mulher - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 08/03
A existência de um dia dedicado à mulher seria patética numa sociedade livre de discriminação de gênero. Se não patética, pelo menos folclórica, extravagância de satisfeitos que não têm mais nada por que lutar. Ou, em hipótese menos cor-de-rosa, em países em que impera a igualdade de direitos - mulher e homem com as mesmas prerrogativas e deveres estabelecidos na lei.
No Brasil, a Constituição é clara. O art. 5º veda toda forma de discriminação. As demais leis não apresentam tendência a tratamento desigual baseado em sexo. Sabe-se, porém, que, apesar da legislação moderna, tratam-se diferentemente as pessoas em razão de pertencerem ao universo masculino ou feminino. A atrasada e persistente distinção tem raízes culturais profundas. No século 21, parte da sociedade ainda olha para os tempos sintetizados pelo padre Antônio Vieira.
"A mulher", escreveu o jesuíta nos anos 1600, "só deve sair de casa três vezes: no batizado, no casamento e no enterro." Mira ainda, talvez saudosa, o longo período em que a mulher era proibida de votar e ser votada, de disputar cargo público ou vaga no mercado de trabalho. Frequentar escola era sonho irrealizável; ler e escrever, privilégio masculino. Os afazeres domésticos, sim, lhe pertenciam. A ela cabia, sobretudo, cuidar da casa, dos filhos e do marido.
O país avançou a passos largos a partir da metade do século passado. Graças aos movimentos libertários que sacudiram o mundo na década de 1960, entre os quais sobressai o feminista, conquistas se multiplicaram. Hoje, a brasileira tem média de escolaridade maior que a do brasileiro. Está amplamente inserida no mercado de trabalho. Dilma Rousseff chefia o Executivo ungida pelo voto popular.
Mas falta muito para alcançar a efetiva igualdade de direitos. Excluído o serviço público que recruta mão de obra por meio de concurso aberto, os salários delas estão aquém dos pagos a eles no desempenho das mesmas funções. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-2007), mulheres e homens só vão alcançar a equiparação em 2100. Não só. Os dados da violência são alarmantes. Segundo a ONU, uma mulher sofre agressão a cada cinco minutos. O responsável por 70% dos atos de barbárie é gente de casa - marido ou namorado.
Há muitas barreiras a serem derrubadas. Mudar condutas sociais históricas, porém, é processo longo. Exige o empenho dos diferentes segmentos da sociedade. Estado, escola, igreja, clubes sociais, mídia precisam se comprometer com a causa. O Dia da Mulher, embora simbólico, precisa se tornar obsoleto, triste memória do passado que virou a página. A expectativa é de que seja breve. O Brasil não pode aguardar a virada do século para chegar lá.
No Brasil, a Constituição é clara. O art. 5º veda toda forma de discriminação. As demais leis não apresentam tendência a tratamento desigual baseado em sexo. Sabe-se, porém, que, apesar da legislação moderna, tratam-se diferentemente as pessoas em razão de pertencerem ao universo masculino ou feminino. A atrasada e persistente distinção tem raízes culturais profundas. No século 21, parte da sociedade ainda olha para os tempos sintetizados pelo padre Antônio Vieira.
"A mulher", escreveu o jesuíta nos anos 1600, "só deve sair de casa três vezes: no batizado, no casamento e no enterro." Mira ainda, talvez saudosa, o longo período em que a mulher era proibida de votar e ser votada, de disputar cargo público ou vaga no mercado de trabalho. Frequentar escola era sonho irrealizável; ler e escrever, privilégio masculino. Os afazeres domésticos, sim, lhe pertenciam. A ela cabia, sobretudo, cuidar da casa, dos filhos e do marido.
O país avançou a passos largos a partir da metade do século passado. Graças aos movimentos libertários que sacudiram o mundo na década de 1960, entre os quais sobressai o feminista, conquistas se multiplicaram. Hoje, a brasileira tem média de escolaridade maior que a do brasileiro. Está amplamente inserida no mercado de trabalho. Dilma Rousseff chefia o Executivo ungida pelo voto popular.
Mas falta muito para alcançar a efetiva igualdade de direitos. Excluído o serviço público que recruta mão de obra por meio de concurso aberto, os salários delas estão aquém dos pagos a eles no desempenho das mesmas funções. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-2007), mulheres e homens só vão alcançar a equiparação em 2100. Não só. Os dados da violência são alarmantes. Segundo a ONU, uma mulher sofre agressão a cada cinco minutos. O responsável por 70% dos atos de barbárie é gente de casa - marido ou namorado.
Há muitas barreiras a serem derrubadas. Mudar condutas sociais históricas, porém, é processo longo. Exige o empenho dos diferentes segmentos da sociedade. Estado, escola, igreja, clubes sociais, mídia precisam se comprometer com a causa. O Dia da Mulher, embora simbólico, precisa se tornar obsoleto, triste memória do passado que virou a página. A expectativa é de que seja breve. O Brasil não pode aguardar a virada do século para chegar lá.
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