Personalização trai o pior a cultura da era lulista
IGOR GIELOW
Folha de S. Paulo - 30/12/2010
Com a enxurrada previsível de boas avaliações dos vários aspectos positivos dos anos Lula, é sempre reconfortante ver o próprio governo nos lembrar das estruturas que permeiam seu legado menos palpável: o caldo de cultura política do lulismo.
A homenagem explícita a governantes na ativa é naturalmente uma nota de rodapé, entre tantas práticas coronelistas mais danosas que foram aperfeiçoadas nos oito anos de governo petista. Mas política é também simbolismo, e poucas coisas são tão antirrepublicanas quanto a personalização do poder.
Como no episódio em que um parque em Recife homenageou a mãe do presidente-retirante, a cortesania dá as cartas. Os áulicos de plantão estão sempre prontos a emular por aqui versões tropicalizadas das práticas do famoso ditador turcomeno Saparmurat Niyazov -que deu o nome da mãe a um mês do ano.
A homenagem da Petrobras ao presidente é despropositada. O argumento básico é que Lula esteve à frente do processo de transformação da empresa em potência global. Descontados os exageros, é lícito dizer que o petista fez o que pôde para elevar o status de sua principal estatal, mas isso não justifica rasgar os bons princípios da administração pública.
A marotice do gesto trai o pior da cultura lulista, que preconiza a "esperteza", liquefazendo parâmetros morais sob os auspícios de um chiste. É aquela coisa: tudo começa nos detalhes. Depois, basta dizer que isso é prática corrente. Lembre-se do mensalão, que Lula agora diz com um sorriso ser uma farsa a ser desmontada em suas largas horas vagas.
Nesse contexto, até a ignorância taxonômica do presidente ao dizer que seu homônimo animal é um crustáceo parece fazer parte de um teatro maior.
Se Lula merece ser objeto de estátuas, ou se dará nome a campos petrolíferos, é com a história. Não cabe a seu governo adiantar o expediente