FOLHA DE SP - 27/08
Governo pode, 'em tese', baixar imposto a fim de atenuar efeito do dólar sobre a inflação
O PESSOAL DO governo diz que pode reduzir impostos de empresas ou diminuir impostos sobre produtos importados a fim de evitar que a alta do dólar provoque um aumento da inflação.
Na prática, a ideia do governo é dar um dinheiro às empresas a fim de compensá-las pelo aumento de custos ou pela perda de receita que teriam por não faturar o aumento de preços provocado pela alta do dólar.
Trata-se de mais uma tentativa de controlar preços por meio de intervenção direta, ou quase isso. A presidente e seus economistas têm predileção por esse tipo de política, que tem problemas.
Primeiro, controles de preços por meio de impostos têm um histórico de incerto para inglório. O efeito final depende de oferta e procura (bidu), do tipo de produto, do grau de sua necessidade etc. Enfim, o emaranhado de uma economia moderna é tamanho que é muito difícil saber se o que vai entrar por uma porta vai sair pela outra.
Segundo, o governo vai deixar de arrecadar impostos, o que pode até estimular a inflação. Além do mais, com menos dinheiro, ou o governo corta custo (investimento "em obras") ou pede emprestado (aumentam deficit e dívida). Os cortes de impostos do ano passado ajudaram a piorar inflação e deficit.
Terceiro, bulir demais com imposto não costuma prestar. Tratar uma política de médio e longo prazos (tributária) como coisa do dia a dia desorganiza planejamento e expectativas de empresas e governo. Cria oportunidades para favorecer empresas e setores influentes. Etc.
Quarto, usar imposto a fim de lidar com a alta do dólar pode ser vão. O dólar está mudando de degrau devido a uma grande mudança na economia dos EUA e a um problema específico do Brasil.
Como somos uma economia relativamente pequena, não temos como atenuar diretamente o efeito da mudança americana. Como estamos consumindo demais (compramos o excesso lá fora, temos deficit externo), ainda mais nesse contexto de enxugamento de dinheiro no mundo, tendemos a ter menos crédito (menos investimento em dólar), com o que o dólar se desvaloriza.
Quinto, o dólar "está caro demais"? Comparado a qual momento recente? O que é demais?
Por "dólar" entenda-se agora o preço do real comparado ao das moedas de países com os quais o Brasil comercia, de resto descontada a inflação. Grosso modo, isso é a taxa de câmbio real efetiva, que dá uma ideia do preço relativo das mercadorias feitas no Brasil e lá fora.
Por agora, essa taxa de câmbio não é muito diferente da média de 2007. Por que 2007? Sim, meio arbitrário, mas é o ano anterior ao do início da grande crise, antes da biruta das moedas e do "tsunami" de dinheiro de países ricos, que chegaria ao Brasil e valorizaria demais o real, coisa da qual o governo se queixava. Logo, há aí um argumento para dizer que o dólar não está tão caro assim.
Sim, o câmbio é um dos preços mais avacalhados ("manipulados") pelo mercado financeiro. Sim, desvalorização rápida demais causa problemas, por vezes gravíssimos. Sim, é preciso tomar uma ou outra providência, mas raramente intervenção direta, que muita vez não dá em nada, sai caro, causa distorções e desvia a nossa atenção de problemas de fundo. Vira mágica e fogos de artifício. Miragem.
terça-feira, agosto 27, 2013
Cuesta abajo - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 27/08
O governo argentino deu mais um aperto nas travas do comércio com o Brasil. O argumento é que a forte desvalorização do real prejudicou as exportações da Argentina.
É mais do mesmo e muito pouco para enfrentar a deterioração econômica e a perda de iniciativa política do governo de Cristina Kirchner.
A derrota acachapante nas eleições primárias de agosto, quando os candidatos oficiais obtiveram apenas 27% dos votos (em 2011 foram 54%), tem tudo para se repetir nas eleições de outubro. "Cuesta abajo en mi rodada", cantava Gardel em 1934.
O consultor Dante Sica, ex-secretário da Indústria no período Duhalde, observa que, se a deterioração da economia já deixava pouca margem de ação para o governo, a derrota política a estreitou ainda mais.
O crescimento econômico (PIB), um dos pontos altos do governo Kirchner anos atrás, não será superior a 3% neste ano e deverá ser reduzido até 2018. A inflação real se mantém na faixa dos 25% ao ano (embora o governo só admita 9,9%). O desemprego está crescendo e já atinge 7,9% da força de trabalho. A escassez de moeda estrangeira estrangula as importações. Pior que tudo, "a sensação térmica é de prostração", porque a perda de renda deixa as coisas mais difíceis.
A política de controle de preços e tarifas e a distribuição de subsídios ao consumo provocaram enormes desalinhamentos nos preços relativos (veja tabela). Além disso, alargam o rombo fiscal repetidamente financiado com emissões de moeda. O dólar paralelo (blue) saltou em maio para níveis 96% acima da cotação oficial. Mesmo com os incentivos ao repatriamento de dólares e a desvalorização do peso argentino de 21% em 2013, a "brecha" entre as cotações se mantém à altura dos 60%. Nos primeiros sete meses deste ano, as reservas caíram US$ 6,2 bilhões, para US$ 37 bilhões.
A reação do governo se limita a medidas pontuais e de curto prazo. As questões de fundo não são atacadas. Para Dante Sica, o principal problema é o energético. As tarifas de energia elétrica e dos combustíveis estão congeladas. Os subsídios do setor chegam perto de 4% do PIB. O governo de Cristina Kirchner importa gás da Bolívia a US$ 18 por milhão de BTU e o repassa ao mercado interno a cerca de US$ 3. A produção interna de petróleo e gás vem declinando e tende a comprometer o consumo e a produção.
"Ou o governo de Cristina Kirchner se limitará a mudanças cosméticas para dar a impressão de que está agindo ou, então, dobrará a aposta e tentará aprofundar o modelo atual, com aumento de impostos e mais restrições à compra de dólares", opina Sica.
Não há perspectiva de que a economia argentina supere suas distorções até o fim do mandato da atual presidente (2015). Isso significa que não se deve esperar por remoção das travas às importações do Brasil. Ao contrário, o saldo negativo do comércio com o Brasil, de US$ 5,8 bilhões em 2011, reduziu-se a menos de US$ 830 milhões em 12 meses, até julho de 2013 (veja o Confira). Como o governo Dilma tolera as restrições, elas também não têm por que ser removidas.
O governo argentino deu mais um aperto nas travas do comércio com o Brasil. O argumento é que a forte desvalorização do real prejudicou as exportações da Argentina.
É mais do mesmo e muito pouco para enfrentar a deterioração econômica e a perda de iniciativa política do governo de Cristina Kirchner.
A derrota acachapante nas eleições primárias de agosto, quando os candidatos oficiais obtiveram apenas 27% dos votos (em 2011 foram 54%), tem tudo para se repetir nas eleições de outubro. "Cuesta abajo en mi rodada", cantava Gardel em 1934.
O consultor Dante Sica, ex-secretário da Indústria no período Duhalde, observa que, se a deterioração da economia já deixava pouca margem de ação para o governo, a derrota política a estreitou ainda mais.
O crescimento econômico (PIB), um dos pontos altos do governo Kirchner anos atrás, não será superior a 3% neste ano e deverá ser reduzido até 2018. A inflação real se mantém na faixa dos 25% ao ano (embora o governo só admita 9,9%). O desemprego está crescendo e já atinge 7,9% da força de trabalho. A escassez de moeda estrangeira estrangula as importações. Pior que tudo, "a sensação térmica é de prostração", porque a perda de renda deixa as coisas mais difíceis.
A política de controle de preços e tarifas e a distribuição de subsídios ao consumo provocaram enormes desalinhamentos nos preços relativos (veja tabela). Além disso, alargam o rombo fiscal repetidamente financiado com emissões de moeda. O dólar paralelo (blue) saltou em maio para níveis 96% acima da cotação oficial. Mesmo com os incentivos ao repatriamento de dólares e a desvalorização do peso argentino de 21% em 2013, a "brecha" entre as cotações se mantém à altura dos 60%. Nos primeiros sete meses deste ano, as reservas caíram US$ 6,2 bilhões, para US$ 37 bilhões.
A reação do governo se limita a medidas pontuais e de curto prazo. As questões de fundo não são atacadas. Para Dante Sica, o principal problema é o energético. As tarifas de energia elétrica e dos combustíveis estão congeladas. Os subsídios do setor chegam perto de 4% do PIB. O governo de Cristina Kirchner importa gás da Bolívia a US$ 18 por milhão de BTU e o repassa ao mercado interno a cerca de US$ 3. A produção interna de petróleo e gás vem declinando e tende a comprometer o consumo e a produção.
"Ou o governo de Cristina Kirchner se limitará a mudanças cosméticas para dar a impressão de que está agindo ou, então, dobrará a aposta e tentará aprofundar o modelo atual, com aumento de impostos e mais restrições à compra de dólares", opina Sica.
Não há perspectiva de que a economia argentina supere suas distorções até o fim do mandato da atual presidente (2015). Isso significa que não se deve esperar por remoção das travas às importações do Brasil. Ao contrário, o saldo negativo do comércio com o Brasil, de US$ 5,8 bilhões em 2011, reduziu-se a menos de US$ 830 milhões em 12 meses, até julho de 2013 (veja o Confira). Como o governo Dilma tolera as restrições, elas também não têm por que ser removidas.
Justa causa - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 27/08
O ministro Antonio Patriota errou muito, e por muito tempo, neste caso do senador boliviano. Deixou a situação ficar insustentável, permitiu que a Bolívia, desrespeitando leis internacionais, criasse uma situação inaceitável. A Bolívia fingia negociar e protelou por mais de 450 dias a emissão do salvo-conduto após o asilo concedido pelo governo brasileiro.
Uma pesada punição pode acabar recaindo sobre o ministro conselheiro Eduardo Saboia por quebra de hierarquia. Será injusto, mas ele estava ontem à tarde preparado para ela. Disse que não pensou em sua carreira, mas nos direitos humanos desrespeitados e na dignidade do Brasil que viu ofendida nesse caso.
Era a sala do telex. Pequena, de 20 metros quadrados, sem banheiro. Neste local, o senador boliviano Roger Pinto Molina ficou 452 dias. Uma semana depois de pedido, o asilo foi concedido. Pela Convenção de Caracas, o governo boliviano tinha que ter dado o salvo-conduto. É o que diz o Direito Internacional. A Bolívia não concedeu e ainda fez exigências ao Brasil.
Uma delas é que o embaixador brasileiro fosse afastado. Ele ficou meses no Brasil. Enquanto isso, a situação foi ficando insustentável, porque Molina estava abrigado não numa casa, mas no escritório da embaixada: um prédio no centro da cidade. No fim de semana, não havia expediente. Ele nunca pôde tomar banho de sol. O embaixador brasileiro e depois o encarregado de negócios tinham que controlar visitas.
- É insuportável trabalhar com uma pessoa prisioneira ao seu lado. O Brasil concedeu o asilo, o governo boliviano se negava a dar o salvo-conduto. Vim ao Brasil duas vezes, falei inúmeras vezes e senti total indiferença pela situação de crônico desrespeito aos direitos humanos que eu estava vendo ao meu lado. A Bolívia fingia que estava negociando; a negociação era um faz de conta - me disse o encarregado de negócios do Brasil na Bolívia, ministro conselheiro Eduardo Saboia.
O senador Ricardo Ferraço, presidente da Comissão de Relações Exteriores, que acompanhou todo o caso até o seu surpreendente desfecho neste fim de semana, disse que a decisão de Saboia foi tomada diante da "ausência absoluta de solução" e porque a situação havia ficado "inadministrável".
- A situação chegou onde chegou pela indiferença diante do fato de que a Bolívia não reconheceu o asilo concedido. Saboia entrou no carro com o senador e viajou 1.600 km até Corumbá, correndo riscos porque atravessou a região de Chapera, dominada pelos produtores de coca, que haviam sido denunciados pelo senador Pinto Molina - explicou o senador.
O governo brasileiro, mais uma vez, se curvou diante da Bolívia.
- Nós demos um cheque em branco para a Bolívia. Temos engolido tudo e são vários episódios. O Brasil estava se rebaixando diante da Bolívia - disse Saboia.
Uma atitude assim como a de Saboia não é comum na diplomacia, uma carreira hierarquizada em que o mais fácil é dizer "eu cumpro ordens". Enquanto a Bolívia ignorava os pedidos do Brasil pelo salvo-conduto, e fingia negociar, protelando a decisão, o governo brasileiro convidava a Bolívia para o Mercosul. O governo brasileiro tem confundido ser solidário com um país pequeno e pobre com aceitar que ele não respeite o Direito Internacional e humilhe o país.
- Risco de punição? Não pensei nisso. Não fiz cálculo profissional. Pensei em direitos humanos e na dignidade do meu país - disse Eduardo Saboia.
No final da noite, o ministro Antonio Patriota caiu. A presidente escolheu um diplomata experiente e no qual tem total confiança, Luiz Alberto Figueiredo, que foi negociador do clima.
Uma pesada punição pode acabar recaindo sobre o ministro conselheiro Eduardo Saboia por quebra de hierarquia. Será injusto, mas ele estava ontem à tarde preparado para ela. Disse que não pensou em sua carreira, mas nos direitos humanos desrespeitados e na dignidade do Brasil que viu ofendida nesse caso.
Era a sala do telex. Pequena, de 20 metros quadrados, sem banheiro. Neste local, o senador boliviano Roger Pinto Molina ficou 452 dias. Uma semana depois de pedido, o asilo foi concedido. Pela Convenção de Caracas, o governo boliviano tinha que ter dado o salvo-conduto. É o que diz o Direito Internacional. A Bolívia não concedeu e ainda fez exigências ao Brasil.
Uma delas é que o embaixador brasileiro fosse afastado. Ele ficou meses no Brasil. Enquanto isso, a situação foi ficando insustentável, porque Molina estava abrigado não numa casa, mas no escritório da embaixada: um prédio no centro da cidade. No fim de semana, não havia expediente. Ele nunca pôde tomar banho de sol. O embaixador brasileiro e depois o encarregado de negócios tinham que controlar visitas.
- É insuportável trabalhar com uma pessoa prisioneira ao seu lado. O Brasil concedeu o asilo, o governo boliviano se negava a dar o salvo-conduto. Vim ao Brasil duas vezes, falei inúmeras vezes e senti total indiferença pela situação de crônico desrespeito aos direitos humanos que eu estava vendo ao meu lado. A Bolívia fingia que estava negociando; a negociação era um faz de conta - me disse o encarregado de negócios do Brasil na Bolívia, ministro conselheiro Eduardo Saboia.
O senador Ricardo Ferraço, presidente da Comissão de Relações Exteriores, que acompanhou todo o caso até o seu surpreendente desfecho neste fim de semana, disse que a decisão de Saboia foi tomada diante da "ausência absoluta de solução" e porque a situação havia ficado "inadministrável".
- A situação chegou onde chegou pela indiferença diante do fato de que a Bolívia não reconheceu o asilo concedido. Saboia entrou no carro com o senador e viajou 1.600 km até Corumbá, correndo riscos porque atravessou a região de Chapera, dominada pelos produtores de coca, que haviam sido denunciados pelo senador Pinto Molina - explicou o senador.
O governo brasileiro, mais uma vez, se curvou diante da Bolívia.
- Nós demos um cheque em branco para a Bolívia. Temos engolido tudo e são vários episódios. O Brasil estava se rebaixando diante da Bolívia - disse Saboia.
Uma atitude assim como a de Saboia não é comum na diplomacia, uma carreira hierarquizada em que o mais fácil é dizer "eu cumpro ordens". Enquanto a Bolívia ignorava os pedidos do Brasil pelo salvo-conduto, e fingia negociar, protelando a decisão, o governo brasileiro convidava a Bolívia para o Mercosul. O governo brasileiro tem confundido ser solidário com um país pequeno e pobre com aceitar que ele não respeite o Direito Internacional e humilhe o país.
- Risco de punição? Não pensei nisso. Não fiz cálculo profissional. Pensei em direitos humanos e na dignidade do meu país - disse Eduardo Saboia.
No final da noite, o ministro Antonio Patriota caiu. A presidente escolheu um diplomata experiente e no qual tem total confiança, Luiz Alberto Figueiredo, que foi negociador do clima.
O câmbio está avisando - ANTONIO DELFIM NETO
Valor Econômico - 27/08
Idealmente, numa sociedade com sólidas instituições, em que o Estado é constitucionalmente constrangido a regular, de preferência, a atividade produtiva através da organização de mercados competitivos, que garantam a plena liberdade de escolha individual do emprego e do consumo, a política econômica objetiva dois equilíbrios dinâmicos: o interno e o externo.
O equilíbrio interno tenta atingir o nível da atividade econômica que esgota o fator de produção não transacionável mais escasso. Esse nível depende: 1) do consumo privado, influenciado pelo salário real, pela expectativa de emprego e pelo crédito; 2) do investimento privado, que depende da própria expectativa sobre o nível futuro da atividade, da taxa de juros real e do crédito; 3) das despesas discricionárias do governo no seu consumo, no processo redistributivo e no seu investimento; 4) das exportações, que dependem do nível da demanda externa, da produtividade da economia e, positivamente, da taxa de câmbio real; e 5) das importações necessárias para complementar o consumo, a produção e os investimentos, que dependem do nível da própria atividade e, negativamente, da taxa de câmbio real.
O equilíbrio interno exige, adicionalmente, que ele se realize com uma taxa de inflação relativamente estável e parecida com a dos competidores no mercado internacional.
Finalmente, o equilíbrio externo significa que eventuais déficits em conta corrente devem ser confortavelmente financiáveis e relativamente imunes aos aleatórios movimentos de capitais, que são induzidos pelos diferenciais das taxas de juros reais internas e externas.
Como, no mundo real, se realizam tais equilíbrios? Para os economistas da metodologia do "suponhamos que", é simples. Suponhamos: 1) um governo verdadeiramente crente na "eficiência dos mercados" e que dá a todos quantos existirem, as condições necessárias para a sua plena flexibilidade (de forma que sempre estarão em equilíbrio); 2) que o trabalho é uma mercadoria como qualquer outra e que o salário é determinado num mercado igual ao dos parafusos, que aceitam qualquer rosca, não têm preferências e, principalmente, não votam; 3) que o governo obedeça às restrições orçamentárias e conhece o nível da atividade possível; e 4) que o Banco Central controle a taxa de juros real para manter a oferta global igual à demanda global (para obter a taxa de inflação desejada). Suponhamos, finalmente; 5) que a taxa de câmbio real flutuante mantenha o saldo em conta corrente administrável. Com mercados completos (onipresentes) e oniscientes, o sistema estaria sempre em equilíbrio no nível máximo da atividade.
O grande número de variáveis a serem controladas levou a uma divisão do trabalho entre as autoridades fiscal e monetária, da qual resultou a famosa política econômica canônica resumida no tripé: 1) política fiscal anticíclica (o que mostra que o sistema tem flutuações ínsitas) com superávits primários que levem a dívida pública bruta/PIB a dar espaço para o aumento de gastos do governo quando necessário; 2) meta de inflação estabelecida pelo poder político, que autoriza o banco central autônomo a fixar a taxa de juro real que estabiliza a expectativa da inflação no nível da meta; e 3) câmbio real com flutuação relativamente suja para reduzir a volatilidade sem pretender fixar o seu nível.
Há, seguramente, alguns problemas com o modelo derivado da organização do mercado de trabalho, porque ele nega, de fato, a possibilidade do desemprego e lhe faltam preocupações que reduzam a tendência dos mercados à concentração da renda e estimulem o aumento da igualdade de oportunidades, fundamentais para a estabilidade social.
Há mais. Não há nenhuma razão para supor que a taxa de juro real que estabiliza a inflação interna seja compatível com a taxa de câmbio real que mantém o nível da atividade interna. Se o diferencial entre as taxas de juros reais interna e externa estimular a absorção de poupança externa isso levará à valorização da taxa cambial, à destruição da produção interna e, eventualmente, a problemas com o financiamento do balanço em conta corrente.
O exemplo brasileiro é claro. O combate à crise de 2008 levou a medidas que estimularam o aumento do salário nominal muito acima dos aumentos da produtividade e da própria taxa de inflação e a uma valorização oportunística do câmbio nominal para combater a inflação. Como consequência, o câmbio real, que é igual à relação câmbio nominal/salário nominal, sofreu até recentemente uma dramática valorização.
O resultado disso foi uma queda do nosso saldo comercial (a despeito do aumento das relações de troca), de um nível de US$ 25 bilhões na média de 2008-12, para qualquer coisa como US$ 5 bilhões em 2013. A tabela abaixo dá a soma das contas do balanço de conta corrente de 2008 a 2013 (em US$ bilhões). No período, o investimento direto estrangeiro superou o déficit em conta corrente em US$ 10 bilhões.
Não é possível aceitar um déficit em conta corrente de quase US$ 300 bilhões em seis anos, e de quase US$ 80 bilhões em 2013, como "natural", apesar dele ser 3,5% do PIB. Aqui o número conta. As condições do mundo estão mudando e o financiamento pode ficar bem mais difícil. É isso que o ajuste endógeno da taxa de câmbio está sinalizando.
Idealmente, numa sociedade com sólidas instituições, em que o Estado é constitucionalmente constrangido a regular, de preferência, a atividade produtiva através da organização de mercados competitivos, que garantam a plena liberdade de escolha individual do emprego e do consumo, a política econômica objetiva dois equilíbrios dinâmicos: o interno e o externo.
O equilíbrio interno tenta atingir o nível da atividade econômica que esgota o fator de produção não transacionável mais escasso. Esse nível depende: 1) do consumo privado, influenciado pelo salário real, pela expectativa de emprego e pelo crédito; 2) do investimento privado, que depende da própria expectativa sobre o nível futuro da atividade, da taxa de juros real e do crédito; 3) das despesas discricionárias do governo no seu consumo, no processo redistributivo e no seu investimento; 4) das exportações, que dependem do nível da demanda externa, da produtividade da economia e, positivamente, da taxa de câmbio real; e 5) das importações necessárias para complementar o consumo, a produção e os investimentos, que dependem do nível da própria atividade e, negativamente, da taxa de câmbio real.
O equilíbrio interno exige, adicionalmente, que ele se realize com uma taxa de inflação relativamente estável e parecida com a dos competidores no mercado internacional.
Finalmente, o equilíbrio externo significa que eventuais déficits em conta corrente devem ser confortavelmente financiáveis e relativamente imunes aos aleatórios movimentos de capitais, que são induzidos pelos diferenciais das taxas de juros reais internas e externas.
Como, no mundo real, se realizam tais equilíbrios? Para os economistas da metodologia do "suponhamos que", é simples. Suponhamos: 1) um governo verdadeiramente crente na "eficiência dos mercados" e que dá a todos quantos existirem, as condições necessárias para a sua plena flexibilidade (de forma que sempre estarão em equilíbrio); 2) que o trabalho é uma mercadoria como qualquer outra e que o salário é determinado num mercado igual ao dos parafusos, que aceitam qualquer rosca, não têm preferências e, principalmente, não votam; 3) que o governo obedeça às restrições orçamentárias e conhece o nível da atividade possível; e 4) que o Banco Central controle a taxa de juros real para manter a oferta global igual à demanda global (para obter a taxa de inflação desejada). Suponhamos, finalmente; 5) que a taxa de câmbio real flutuante mantenha o saldo em conta corrente administrável. Com mercados completos (onipresentes) e oniscientes, o sistema estaria sempre em equilíbrio no nível máximo da atividade.
O grande número de variáveis a serem controladas levou a uma divisão do trabalho entre as autoridades fiscal e monetária, da qual resultou a famosa política econômica canônica resumida no tripé: 1) política fiscal anticíclica (o que mostra que o sistema tem flutuações ínsitas) com superávits primários que levem a dívida pública bruta/PIB a dar espaço para o aumento de gastos do governo quando necessário; 2) meta de inflação estabelecida pelo poder político, que autoriza o banco central autônomo a fixar a taxa de juro real que estabiliza a expectativa da inflação no nível da meta; e 3) câmbio real com flutuação relativamente suja para reduzir a volatilidade sem pretender fixar o seu nível.
Há, seguramente, alguns problemas com o modelo derivado da organização do mercado de trabalho, porque ele nega, de fato, a possibilidade do desemprego e lhe faltam preocupações que reduzam a tendência dos mercados à concentração da renda e estimulem o aumento da igualdade de oportunidades, fundamentais para a estabilidade social.
Há mais. Não há nenhuma razão para supor que a taxa de juro real que estabiliza a inflação interna seja compatível com a taxa de câmbio real que mantém o nível da atividade interna. Se o diferencial entre as taxas de juros reais interna e externa estimular a absorção de poupança externa isso levará à valorização da taxa cambial, à destruição da produção interna e, eventualmente, a problemas com o financiamento do balanço em conta corrente.
O exemplo brasileiro é claro. O combate à crise de 2008 levou a medidas que estimularam o aumento do salário nominal muito acima dos aumentos da produtividade e da própria taxa de inflação e a uma valorização oportunística do câmbio nominal para combater a inflação. Como consequência, o câmbio real, que é igual à relação câmbio nominal/salário nominal, sofreu até recentemente uma dramática valorização.
O resultado disso foi uma queda do nosso saldo comercial (a despeito do aumento das relações de troca), de um nível de US$ 25 bilhões na média de 2008-12, para qualquer coisa como US$ 5 bilhões em 2013. A tabela abaixo dá a soma das contas do balanço de conta corrente de 2008 a 2013 (em US$ bilhões). No período, o investimento direto estrangeiro superou o déficit em conta corrente em US$ 10 bilhões.
Não é possível aceitar um déficit em conta corrente de quase US$ 300 bilhões em seis anos, e de quase US$ 80 bilhões em 2013, como "natural", apesar dele ser 3,5% do PIB. Aqui o número conta. As condições do mundo estão mudando e o financiamento pode ficar bem mais difícil. É isso que o ajuste endógeno da taxa de câmbio está sinalizando.
O prazo e a pressa - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 27/08
O suspense em torno do cumprimento do prazo para a criação da Rede de Sustentabilidade a tempo de Marina Silva concorrer à Presidência da República em 2014 põe na mesa a seguinte questão: é justo, ou mesmo necessário, exigir um ano de antecedência para a filiação de candidatos e registro de partidos?
Do ponto de vista de um político, o deputado Roberto Freire, presidente do PPS, a resposta é um peremptório "não". Ele considera a exigência restritiva ao exercício da cidadania, lesiva à liberdade partidária e excessiva no tocante ao controle do Estado sobre a política. "Uma herança do autoritarismo" que deveria ter sido extinta na Constituinte de 1988.
Na perspectiva jurídica e operacional da presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministra Cármen Lúcia, a anterioridade é "absolutamente imprescindível" para o êxito do processo eleitoral, cuja montagem ela compara a uma "operação de guerra" que demanda tempo para ser executada.
O prazo de um ano não é aleatório. Decorre do texto do artigo 16 da Constituição: "A lei que alterar o processo eleitoral só entrará em vigor um ano após sua promulgação". Por esse motivo, a Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010, não pôde valer para a eleição presidencial daquele ano.
Roberto Freire é autor de proposta em tramitação no Congresso para simplesmente se acabar com esse prazo. Na opinião dele, os partidos teriam de estar registrados na Justiça Eleitoral quando da proximidade das convenções - "algo como 15 dias antes" - e cada legenda definiria a regra para filiação dos candidatos.
"A lei tal como é hoje cria amarras inadmissíveis e não leva em conta a mudança dos cenários políticos. Quem sabe agora quais serão as circunstâncias de 2014? No entanto, partidos e candidatos são obrigados a se definir e enquadrar numa realidade que pode ser inteiramente diferente no ano eleitoral", argumenta.
Ele mesmo vive no PPS o dilema. Convidou o tucano José Serra a entrar no partido e aguarda uma resposta difícil de ser dada com a antecedência legal. É o velho embate entre o prazo da lei e o tempo político. A decisão tomada agora, até 5 de outubro no máximo, pode vir a não se revelar a melhor daqui a alguns meses.
A previsibilidade da cena, no entanto, é considerada indispensável pela ministra Cármen Lúcia à segurança e ao sucesso de uma eleição. "Principalmente no Brasil, onde temos um processo que não aceita adiamentos: a votação começa às 8h, termina às 17h e três horas depois já dá ao brasileiro a informação sobre os eleitos", diz.
Para que tudo continue dando certo como vem dando, pondera a ministra, é necessário que haja a antecedência. "Precisamos ter o quadro partidário muito bem definido para saber como organizar um processo inigualável em termos de logística. As pessoas talvez achem que as urnas ficam guardadas no armário e, na hora da eleição, é só ligá-las e está tudo pronto. É bem mais complicado."
A complicação envolve 143 milhões de eleitores, cerca de 500 mil urnas, abertura de licitação para contratação de serviços, treinamento, gráficas, aquisição de equipamentos e montagem de uma rede de segurança em comunicação que requer negociações com operadoras, prefeituras e governos estaduais.
Cármen Lúcia presidiu as últimas eleições municipais - "não dormi naquele mês de outubro e até hoje não me recuperei" -, não presidirá as presidenciais de 2014, pois em outubro acaba seu período à frente do TSE, mas da experiência leva uma lição: "Não dá para pular de paraquedas em noite de chuva sem levar junto um sobressalente para caso de emergência".
No caso da organização de uma eleição nos moldes e com o grau de eficácia do sistema brasileiro, o tempo é, pelo raciocínio da ministra, um equipamento fundamental.
O suspense em torno do cumprimento do prazo para a criação da Rede de Sustentabilidade a tempo de Marina Silva concorrer à Presidência da República em 2014 põe na mesa a seguinte questão: é justo, ou mesmo necessário, exigir um ano de antecedência para a filiação de candidatos e registro de partidos?
Do ponto de vista de um político, o deputado Roberto Freire, presidente do PPS, a resposta é um peremptório "não". Ele considera a exigência restritiva ao exercício da cidadania, lesiva à liberdade partidária e excessiva no tocante ao controle do Estado sobre a política. "Uma herança do autoritarismo" que deveria ter sido extinta na Constituinte de 1988.
Na perspectiva jurídica e operacional da presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministra Cármen Lúcia, a anterioridade é "absolutamente imprescindível" para o êxito do processo eleitoral, cuja montagem ela compara a uma "operação de guerra" que demanda tempo para ser executada.
O prazo de um ano não é aleatório. Decorre do texto do artigo 16 da Constituição: "A lei que alterar o processo eleitoral só entrará em vigor um ano após sua promulgação". Por esse motivo, a Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010, não pôde valer para a eleição presidencial daquele ano.
Roberto Freire é autor de proposta em tramitação no Congresso para simplesmente se acabar com esse prazo. Na opinião dele, os partidos teriam de estar registrados na Justiça Eleitoral quando da proximidade das convenções - "algo como 15 dias antes" - e cada legenda definiria a regra para filiação dos candidatos.
"A lei tal como é hoje cria amarras inadmissíveis e não leva em conta a mudança dos cenários políticos. Quem sabe agora quais serão as circunstâncias de 2014? No entanto, partidos e candidatos são obrigados a se definir e enquadrar numa realidade que pode ser inteiramente diferente no ano eleitoral", argumenta.
Ele mesmo vive no PPS o dilema. Convidou o tucano José Serra a entrar no partido e aguarda uma resposta difícil de ser dada com a antecedência legal. É o velho embate entre o prazo da lei e o tempo político. A decisão tomada agora, até 5 de outubro no máximo, pode vir a não se revelar a melhor daqui a alguns meses.
A previsibilidade da cena, no entanto, é considerada indispensável pela ministra Cármen Lúcia à segurança e ao sucesso de uma eleição. "Principalmente no Brasil, onde temos um processo que não aceita adiamentos: a votação começa às 8h, termina às 17h e três horas depois já dá ao brasileiro a informação sobre os eleitos", diz.
Para que tudo continue dando certo como vem dando, pondera a ministra, é necessário que haja a antecedência. "Precisamos ter o quadro partidário muito bem definido para saber como organizar um processo inigualável em termos de logística. As pessoas talvez achem que as urnas ficam guardadas no armário e, na hora da eleição, é só ligá-las e está tudo pronto. É bem mais complicado."
A complicação envolve 143 milhões de eleitores, cerca de 500 mil urnas, abertura de licitação para contratação de serviços, treinamento, gráficas, aquisição de equipamentos e montagem de uma rede de segurança em comunicação que requer negociações com operadoras, prefeituras e governos estaduais.
Cármen Lúcia presidiu as últimas eleições municipais - "não dormi naquele mês de outubro e até hoje não me recuperei" -, não presidirá as presidenciais de 2014, pois em outubro acaba seu período à frente do TSE, mas da experiência leva uma lição: "Não dá para pular de paraquedas em noite de chuva sem levar junto um sobressalente para caso de emergência".
No caso da organização de uma eleição nos moldes e com o grau de eficácia do sistema brasileiro, o tempo é, pelo raciocínio da ministra, um equipamento fundamental.
Mensalão: poderia ser pior - MARCO ANTONIO VILLA
O GLOBO - 27/08
O julgamento do mensalão é a mais perfeita tradução de como funciona a justiça brasileira. O recebimento da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal ocorreu em agosto de 2007. Antes, em julho de 2005, foi aberto o inquérito na Justiça Federal de Minas Gerais. Na instrução da ação penal 470 foram mais cinco anos. O julgamento já ocupou 57 sessões do STF. Somando o processo e a sentença, o total das páginas chega próximo a 60 mil. E até hoje não temos a conclusão do julgamento.
Os mais otimistas acreditam que tudo deve terminar até dezembro e o eventual cumprimento das penas ficaria para 2014. E isto graças a celeridade dada à ação penal pelo presidente Joaquim Barbosa e que também acumula a relatoria. Ou seja, poderia ser pior, caso não tivesse ocorrido esta feliz coincidência, além do desejo de Barbosa de terminar ainda este ano o processo.
A longevidade do julgamento, porém, permite observar como funcional mal a justiça. Apesar da atenção nacional, da cobertura da imprensa e excelente infra-estrutura – são milhares de funcionários, a maioria deles regiamente pagos -, o ritmo é lentíssimo. Tudo é motivo para deixar para a próxima sessão que, como virou hábito, vai começar atrasada e com intervalos longuíssimos. Os ministros falam, falam e dizem pouco ou quase nada que se possa aproveitar. A linguagem embolada encobre o vazio. O latim de cura de aldeia é patético. A discussão “teórica” proposta por Ricardo Lewandowski sobre o crime de corrupção e qual a legislação a ser aplicada teve a profundidade de um pires. Mas haja vaidade. Um exemplo é o ministro Roberto Barroso. Diria um antigo jogador de futebol: ele acabou de chegar e já quer sentar na janelinha do ônibus. Faz questão de falar sobre tudo. Adora o som da própria voz.
Se o julgamento permite constatar que o Judiciário está mais preocupado com o formalismo - não há nada mais anti-republicano que o “capinha”, o funcionário que empurra a cadeira para o ministro sentar – do que com a aplicação das leis, é na indústria dos recursos que a perversidade chega ao cume. È evidente que o advogado tem de defender seu cliente. Mas há uma clara diferença entre a defesa e a mera procrastinação que visa, simplesmente, adiar a conclusão do processo. É inadmissível que um advogado, como ocorreu em uma das sessões da semana passada, solicite que o seu cliente seja julgado em primeira instância pois não teria foro privilegiado. Esta questão foi discutida três vezes e a Corte, em todas elas, tomou a mesma decisão: que o processo deveria ser julgado em bloco no STF. O advogado não sabia? Claro que sabia. Por que agiu assim? Por que faz parte do jogo – triste jogo da Justiça brasileira. Quanto mais tempo levar para a efetivação do cumprimento da pena, melhor.
A sucessão de recursos desmoraliza a Justiça. Deixou de ser instrumento de defesa do cidadão contra possível injustiça do Estado. Virou um mecanismo para – como no caso do mensalão – estimular a impunidade. E se através dos sucessivos recursos, o defensor conseguir que seu cliente não cumpra a pena, ele acaba – absurdo dos absurdos – sendo uma referência para seus pares, um símbolo de esperteza, como se Macunaíma tivesse se transformado em patrono dos advogados brasileiros.
É um terreno perigoso mas não custa especular até onde vai o direito de defesa – legítimo e parte essencial da democracia – e a associação entre defensor e cliente. É ético um advogado elaborar conscientemente uma linha de defesa para encobrir um ato criminoso do seu cliente e lesivo ao interesse público? É ético receber honorários de um cliente sabidamente corrupto? É ético participar de um julgamento como advogado de um réu acusado de ter cometido diversos crimes que envolveram autoridades de um governo que o defensor participou?
A indústria dos recursos acabou ganhando legitimidade. As diversas corporações que fazem parte do mundo do Direito não desejam qualquer mudança de fundo na legislação. Esporadicamente fazem alguma declaração criticando a proliferação dos recursos simplesmente para “cumprir tabela”, pois sabem que, neste ponto, contam com a simpatia da opinião pública. Da forma como vigoram no Brasil os recursos e a impunidade caminham juntos. E cabe ao Congresso Nacional aprovar novos códigos que permitam uma tramitação mais rápida dos processos e o efetivo cumprimento das penas. Caso contrário, continuaremos com a Justiça de mentirinha que temos – e que desmoraliza a democracia.
O STF ao longo da sua história, infelizmente, não foi um exemplo de defesa do Estado Democrático de Direito. Basta recordar o silêncio frente à violência estatal na República Velha, no Estado Novo ou na ditadura militar. Daí a importância do julgamento do mensalão. Pode ser uma ruptura com o passado. Demonstrar que o tribunal não é suscetível às pressões políticas, especialmente aquelas advindas do Executivo. Que julga de acordo com os autos e não pela importância política dos réus. Quem repudia a impunidade e a chicana. Que não tem compromisso com os marginais do poder. Que, enfim, cumpre suas atribuições constitucionais.
Todas estas observações só foram possíveis graças à transmissão das sessões pela televisão. Foi uma sábia medida. Ver como funciona a Suprema Corte, acompanhar os debates, as altercações, polêmicas, pilhérias. A transmissão tem ajudado a explicar o funcionamento do STF, suas mazelas, seus momentos de encontro com a cidadania, suas qualidades e fraquezas. É um ensinamento do papel e da importância do Judiciário.
O julgamento do mensalão é a mais perfeita tradução de como funciona a justiça brasileira. O recebimento da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal ocorreu em agosto de 2007. Antes, em julho de 2005, foi aberto o inquérito na Justiça Federal de Minas Gerais. Na instrução da ação penal 470 foram mais cinco anos. O julgamento já ocupou 57 sessões do STF. Somando o processo e a sentença, o total das páginas chega próximo a 60 mil. E até hoje não temos a conclusão do julgamento.
Os mais otimistas acreditam que tudo deve terminar até dezembro e o eventual cumprimento das penas ficaria para 2014. E isto graças a celeridade dada à ação penal pelo presidente Joaquim Barbosa e que também acumula a relatoria. Ou seja, poderia ser pior, caso não tivesse ocorrido esta feliz coincidência, além do desejo de Barbosa de terminar ainda este ano o processo.
A longevidade do julgamento, porém, permite observar como funcional mal a justiça. Apesar da atenção nacional, da cobertura da imprensa e excelente infra-estrutura – são milhares de funcionários, a maioria deles regiamente pagos -, o ritmo é lentíssimo. Tudo é motivo para deixar para a próxima sessão que, como virou hábito, vai começar atrasada e com intervalos longuíssimos. Os ministros falam, falam e dizem pouco ou quase nada que se possa aproveitar. A linguagem embolada encobre o vazio. O latim de cura de aldeia é patético. A discussão “teórica” proposta por Ricardo Lewandowski sobre o crime de corrupção e qual a legislação a ser aplicada teve a profundidade de um pires. Mas haja vaidade. Um exemplo é o ministro Roberto Barroso. Diria um antigo jogador de futebol: ele acabou de chegar e já quer sentar na janelinha do ônibus. Faz questão de falar sobre tudo. Adora o som da própria voz.
Se o julgamento permite constatar que o Judiciário está mais preocupado com o formalismo - não há nada mais anti-republicano que o “capinha”, o funcionário que empurra a cadeira para o ministro sentar – do que com a aplicação das leis, é na indústria dos recursos que a perversidade chega ao cume. È evidente que o advogado tem de defender seu cliente. Mas há uma clara diferença entre a defesa e a mera procrastinação que visa, simplesmente, adiar a conclusão do processo. É inadmissível que um advogado, como ocorreu em uma das sessões da semana passada, solicite que o seu cliente seja julgado em primeira instância pois não teria foro privilegiado. Esta questão foi discutida três vezes e a Corte, em todas elas, tomou a mesma decisão: que o processo deveria ser julgado em bloco no STF. O advogado não sabia? Claro que sabia. Por que agiu assim? Por que faz parte do jogo – triste jogo da Justiça brasileira. Quanto mais tempo levar para a efetivação do cumprimento da pena, melhor.
A sucessão de recursos desmoraliza a Justiça. Deixou de ser instrumento de defesa do cidadão contra possível injustiça do Estado. Virou um mecanismo para – como no caso do mensalão – estimular a impunidade. E se através dos sucessivos recursos, o defensor conseguir que seu cliente não cumpra a pena, ele acaba – absurdo dos absurdos – sendo uma referência para seus pares, um símbolo de esperteza, como se Macunaíma tivesse se transformado em patrono dos advogados brasileiros.
É um terreno perigoso mas não custa especular até onde vai o direito de defesa – legítimo e parte essencial da democracia – e a associação entre defensor e cliente. É ético um advogado elaborar conscientemente uma linha de defesa para encobrir um ato criminoso do seu cliente e lesivo ao interesse público? É ético receber honorários de um cliente sabidamente corrupto? É ético participar de um julgamento como advogado de um réu acusado de ter cometido diversos crimes que envolveram autoridades de um governo que o defensor participou?
A indústria dos recursos acabou ganhando legitimidade. As diversas corporações que fazem parte do mundo do Direito não desejam qualquer mudança de fundo na legislação. Esporadicamente fazem alguma declaração criticando a proliferação dos recursos simplesmente para “cumprir tabela”, pois sabem que, neste ponto, contam com a simpatia da opinião pública. Da forma como vigoram no Brasil os recursos e a impunidade caminham juntos. E cabe ao Congresso Nacional aprovar novos códigos que permitam uma tramitação mais rápida dos processos e o efetivo cumprimento das penas. Caso contrário, continuaremos com a Justiça de mentirinha que temos – e que desmoraliza a democracia.
O STF ao longo da sua história, infelizmente, não foi um exemplo de defesa do Estado Democrático de Direito. Basta recordar o silêncio frente à violência estatal na República Velha, no Estado Novo ou na ditadura militar. Daí a importância do julgamento do mensalão. Pode ser uma ruptura com o passado. Demonstrar que o tribunal não é suscetível às pressões políticas, especialmente aquelas advindas do Executivo. Que julga de acordo com os autos e não pela importância política dos réus. Quem repudia a impunidade e a chicana. Que não tem compromisso com os marginais do poder. Que, enfim, cumpre suas atribuições constitucionais.
Todas estas observações só foram possíveis graças à transmissão das sessões pela televisão. Foi uma sábia medida. Ver como funciona a Suprema Corte, acompanhar os debates, as altercações, polêmicas, pilhérias. A transmissão tem ajudado a explicar o funcionamento do STF, suas mazelas, seus momentos de encontro com a cidadania, suas qualidades e fraquezas. É um ensinamento do papel e da importância do Judiciário.
Gota d'água - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 27/08
BRASÍLIA - O chanceler Antonio Patriota não tinha para onde correr. Se dissesse que a operação para retirar o senador Roger Pinto da Bolívia tinha sido articulada pelo Itamaraty, teria de admitir que a ameaça de inquérito era só teatro. Ao alegar que o diplomata Eduardo Saboia tinha agido por conta e risco, admitiu que não tinha comando sobre a diplomacia.
A insubordinação de Saboia, porém, foi apenas a gota d'água, pois Patriota era um típico caso de pessoa desconfortável dentro da própria casa e do próprio cargo e que jamais chegou a ser assimilado e respeitado por Dilma como chanceler.
Apesar de primeiro de turma e de bastante respeitado intelectualmente, Patriota foi derrotado pela própria personalidade, excessivamente cautelosa, até um tanto medrosa, incompatível com o estilo duro, às vezes agressivo, de Dilma.
Ele foi escolha pessoal de Dilma, mas o casamento nunca engrenou e a política externa do novo governo jamais teve uma marca, atolada em perda de protagonismo, em notas oficiais amorfas, em manifestações desimportantes.
Foi-se a era excessivamente afirmativa e polêmica de Celso Amorim no governo Lula, veio a era demasiadamente em cima do muro e sem rumo de Patriota no governo Dilma.
A própria Bolívia é um festival de exemplos, ora inspecionando o avião oficial do ministro da Defesa do Brasil, ora jogando cães farejadores em outro avião oficial com parlamentares do Brasil, por fim negando-se a conceder o salvo-conduto --instituto previsto em tratados e respeitado pela tradição no continente-- ao senador asilado na embaixada brasileira. E qual foi a reação do Itamaraty? Sempre cedendo, indiferente.
A reação um tanto esdrúxula do diplomata Saboia não foi um gesto pequeno. Foi um enorme gesto de coragem que expôs toda a covardia da política externa, que ganha no novo ministro, Luiz Figueiredo, a expectativa de menos mesmice e mais ação.
BRASÍLIA - O chanceler Antonio Patriota não tinha para onde correr. Se dissesse que a operação para retirar o senador Roger Pinto da Bolívia tinha sido articulada pelo Itamaraty, teria de admitir que a ameaça de inquérito era só teatro. Ao alegar que o diplomata Eduardo Saboia tinha agido por conta e risco, admitiu que não tinha comando sobre a diplomacia.
A insubordinação de Saboia, porém, foi apenas a gota d'água, pois Patriota era um típico caso de pessoa desconfortável dentro da própria casa e do próprio cargo e que jamais chegou a ser assimilado e respeitado por Dilma como chanceler.
Apesar de primeiro de turma e de bastante respeitado intelectualmente, Patriota foi derrotado pela própria personalidade, excessivamente cautelosa, até um tanto medrosa, incompatível com o estilo duro, às vezes agressivo, de Dilma.
Ele foi escolha pessoal de Dilma, mas o casamento nunca engrenou e a política externa do novo governo jamais teve uma marca, atolada em perda de protagonismo, em notas oficiais amorfas, em manifestações desimportantes.
Foi-se a era excessivamente afirmativa e polêmica de Celso Amorim no governo Lula, veio a era demasiadamente em cima do muro e sem rumo de Patriota no governo Dilma.
A própria Bolívia é um festival de exemplos, ora inspecionando o avião oficial do ministro da Defesa do Brasil, ora jogando cães farejadores em outro avião oficial com parlamentares do Brasil, por fim negando-se a conceder o salvo-conduto --instituto previsto em tratados e respeitado pela tradição no continente-- ao senador asilado na embaixada brasileira. E qual foi a reação do Itamaraty? Sempre cedendo, indiferente.
A reação um tanto esdrúxula do diplomata Saboia não foi um gesto pequeno. Foi um enorme gesto de coragem que expôs toda a covardia da política externa, que ganha no novo ministro, Luiz Figueiredo, a expectativa de menos mesmice e mais ação.
Tudo a mesma coisa - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 27/08
O caso do resgate do senador boliviano que acabou determinando a demissão do ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota tem a ver com o dos médicos cubanos, tudo junto e misturado cabe na mesma geleia geral da concepção de política internacional dos governos petistas, que não se pejam de serem usados por seus parceiros regionais de ideologia.
É evidente que o encarregado de negócios da embaixada brasileira na Bolívia, Eduardo Saboia, que por conta própria decidiu dar fim ao cativeiro de mais de um ano do senador Roger Molina, não poderia tê-lo feito à revelia de seus chefes hierárquicos, por mais razão que tivesse para indignar-se com a situação.
Cabia a ele a tarefa indigna de proibir o contato de Molina com outras pessoas, e assistiu de perto à angústia e à depressão tomarem conta de uma espécie de prisioneiro do governo brasileiro por obra e graça de uma decisão política do governo boliviano.
O governo da Bolívia age exatamente como o da Inglaterra, que impede a saída do país do mentor do WikiLeaks, Julian Assange, apesar de o Equador ter concedido asilo político a ele. Mas o presidente equatoriano, Rafael Correa, não mede esforços para defender o direito de asilo, enquanto o governo brasileiro, pelos relatos do próprio Saboia, colabora com o da Bolívia, montando um grupo de trabalho fictício para tratar do assunto, enquanto o tempo vai passando.
Enquanto Assange dá entrevistas no interior da embaixada do Equador em Londres, o senador Molina estava praticamente em cárcere privado. Não foi a mesma a atitude tomada pelo governo brasileiro quando Manuel Zelaya, deposto da presidência de Honduras dentro das regras constitucionais, bolou um plano, apoiado na época por Hugo Chávez, para tentar voltar ao poder.
Usou para isso a embaixada brasileira, onde passou a fazer reuniões políticas e a dar entrevistas para o mundo contra o novo governo. A subserviência do governo brasileiro aos países alinhados à ideologia esquerdista não tem limites e geralmente está ligada a tentativas de golpes institucionais.
O apoio a Zelaya não deu certo porque o povo hondurenho não o queria de volta ao poder, mas, dentro das organizações regionais que dominam, como o Mercosul, o golpe no Paraguai surtiu o efeito desejado: abrir caminho para a entrada da Venezuela no bloco.
O governo brasileiro utilizou-se de um pretexto, a deposição do presidente Lugo, para não aceitar as regras constitucionais daquele país e puni-lo com a suspensão do Mercosul, para alegadamente defender a "cláusula democrática" do bloco. E quem acabou sendo aprovado para integrá-lo?
A Venezeula de Chávez, que, como dizia o ex-presidente Lula, tinha "democracia até demais". Conseguido o objetivo, agora o Mercosul já aceita o Paraguai de volta, mas quem não quer agora é o presidente Horácio Cartes, que já se aproxima do bloco da Aliança Atlântica e diz que não se sente bem ao lado da Venezuela.
O caso dos médicos cubanos tem a mesma raiz ideológica. Cuba ganha mais com a exportação de médicos do que com o turismo, isso porque o dinheiro do pagamento individual é feito direto ao governo cubano, que repassa quantia ínfima aos médicos. Tudo já estava acertado, sabe-se agora, há mais de um ano, e as manifestações de junho foram o pretexto para pôr em prática a ajuda ao governo cubano.
O governo brasileiro não apenas aceita essa mercantilização de pessoas como dá apoios suplementares: enquanto as famílias de médicos de outras nacionalidades podem vir para o Brasil, o governo brasileiro aceita que o governo cubano mantenha os parentes dos médicos enviados ao Brasil como reféns na ilha dos Castro. E, para dar outra garantia adicional, adianta, através do advogado-geral da União, que o médico que porventura pedir asilo político não o receberá.
Muito mais do que discutir a qualidade dos médicos cubanos, criticada pelas associações médicas brasileiras, interessa discutir as imposições que o governo brasileiro aceita por parte de seus parceiros ideológicos no continente, o que o faz abrir mão de valores que sempre foram predominantes na nossa política internacional: a proteção dos direitos humanos, a garantia da liberdade de ir e vir, que não podem ser abandonados por um país que (ainda) defende os valores democráticos.
É evidente que o encarregado de negócios da embaixada brasileira na Bolívia, Eduardo Saboia, que por conta própria decidiu dar fim ao cativeiro de mais de um ano do senador Roger Molina, não poderia tê-lo feito à revelia de seus chefes hierárquicos, por mais razão que tivesse para indignar-se com a situação.
Cabia a ele a tarefa indigna de proibir o contato de Molina com outras pessoas, e assistiu de perto à angústia e à depressão tomarem conta de uma espécie de prisioneiro do governo brasileiro por obra e graça de uma decisão política do governo boliviano.
O governo da Bolívia age exatamente como o da Inglaterra, que impede a saída do país do mentor do WikiLeaks, Julian Assange, apesar de o Equador ter concedido asilo político a ele. Mas o presidente equatoriano, Rafael Correa, não mede esforços para defender o direito de asilo, enquanto o governo brasileiro, pelos relatos do próprio Saboia, colabora com o da Bolívia, montando um grupo de trabalho fictício para tratar do assunto, enquanto o tempo vai passando.
Enquanto Assange dá entrevistas no interior da embaixada do Equador em Londres, o senador Molina estava praticamente em cárcere privado. Não foi a mesma a atitude tomada pelo governo brasileiro quando Manuel Zelaya, deposto da presidência de Honduras dentro das regras constitucionais, bolou um plano, apoiado na época por Hugo Chávez, para tentar voltar ao poder.
Usou para isso a embaixada brasileira, onde passou a fazer reuniões políticas e a dar entrevistas para o mundo contra o novo governo. A subserviência do governo brasileiro aos países alinhados à ideologia esquerdista não tem limites e geralmente está ligada a tentativas de golpes institucionais.
O apoio a Zelaya não deu certo porque o povo hondurenho não o queria de volta ao poder, mas, dentro das organizações regionais que dominam, como o Mercosul, o golpe no Paraguai surtiu o efeito desejado: abrir caminho para a entrada da Venezuela no bloco.
O governo brasileiro utilizou-se de um pretexto, a deposição do presidente Lugo, para não aceitar as regras constitucionais daquele país e puni-lo com a suspensão do Mercosul, para alegadamente defender a "cláusula democrática" do bloco. E quem acabou sendo aprovado para integrá-lo?
A Venezeula de Chávez, que, como dizia o ex-presidente Lula, tinha "democracia até demais". Conseguido o objetivo, agora o Mercosul já aceita o Paraguai de volta, mas quem não quer agora é o presidente Horácio Cartes, que já se aproxima do bloco da Aliança Atlântica e diz que não se sente bem ao lado da Venezuela.
O caso dos médicos cubanos tem a mesma raiz ideológica. Cuba ganha mais com a exportação de médicos do que com o turismo, isso porque o dinheiro do pagamento individual é feito direto ao governo cubano, que repassa quantia ínfima aos médicos. Tudo já estava acertado, sabe-se agora, há mais de um ano, e as manifestações de junho foram o pretexto para pôr em prática a ajuda ao governo cubano.
O governo brasileiro não apenas aceita essa mercantilização de pessoas como dá apoios suplementares: enquanto as famílias de médicos de outras nacionalidades podem vir para o Brasil, o governo brasileiro aceita que o governo cubano mantenha os parentes dos médicos enviados ao Brasil como reféns na ilha dos Castro. E, para dar outra garantia adicional, adianta, através do advogado-geral da União, que o médico que porventura pedir asilo político não o receberá.
Muito mais do que discutir a qualidade dos médicos cubanos, criticada pelas associações médicas brasileiras, interessa discutir as imposições que o governo brasileiro aceita por parte de seus parceiros ideológicos no continente, o que o faz abrir mão de valores que sempre foram predominantes na nossa política internacional: a proteção dos direitos humanos, a garantia da liberdade de ir e vir, que não podem ser abandonados por um país que (ainda) defende os valores democráticos.
Mal na foto - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 27/08
SÃO PAULO - As reações destemperadas de órgãos e conselhos médicos à vinda dos cubanos quase dão razão ao governo brasileiro. Quase.
O ponto alto do desvario corporativo foi o presidente do CRM mineiro afirmando que orientaria os médicos das Alterosas a não atender eventuais erros cometidos pelos cubanos --o que dá bem a medida da conta em que o CRM-MG tem o paciente.
O governo, porém, não fica muito melhor na foto. A ideia de levar médicos às áreas desassistidas é correta. Melhor ainda se levasse também a estrutura para fazer boa medicina, mas, como sabemos que isso não acontecerá tão cedo, que haja ao menos um profissional capaz de tratar diarreias, infecções e verminoses.
Como essas doenças têm alta prevalência nas áreas remotas e são relativamente fáceis de diagnosticar, é improvável que os cubanos, mesmo que tenham menor preparo técnico que os brasileiros, como dizem os conselhos, matem mais pessoas por iatrogenias variadas do que salvem.
O argumento de que é errado os cubanos receberem bem menos do que seus colegas brasileiros para fazer a mesma coisa tem certo apelo. É incômodo ver o governo brasileiro se desdobrando para ajudar financeiramente uma ditadura. Mas diferenças no pagamento de médicos não são novidade. Quem entrar num hospital paulista vai se deparar com muitas camadas arqueológicas de médicos, atuando sob variados regimes e remunerações. Há estatutários, celetistas concursados, celetistas em contrato de emergência, profissionais vinculados a OSs etc. É estranho que as diferenças só mobilizem conselhos e procuradores agora.
O que é imperdoável mesmo é a declaração da AGU de que, se algum cubano requisitar asilo ao Brasil, terá seu pedido negado. Fazer negócios com ditaduras é uma coisa. Até a mais ética das democracias comercia com China, Arábia Saudita etc. Mas atuar como carcereiro para os irmãos Castro vai muito além da conta.
SÃO PAULO - As reações destemperadas de órgãos e conselhos médicos à vinda dos cubanos quase dão razão ao governo brasileiro. Quase.
O ponto alto do desvario corporativo foi o presidente do CRM mineiro afirmando que orientaria os médicos das Alterosas a não atender eventuais erros cometidos pelos cubanos --o que dá bem a medida da conta em que o CRM-MG tem o paciente.
O governo, porém, não fica muito melhor na foto. A ideia de levar médicos às áreas desassistidas é correta. Melhor ainda se levasse também a estrutura para fazer boa medicina, mas, como sabemos que isso não acontecerá tão cedo, que haja ao menos um profissional capaz de tratar diarreias, infecções e verminoses.
Como essas doenças têm alta prevalência nas áreas remotas e são relativamente fáceis de diagnosticar, é improvável que os cubanos, mesmo que tenham menor preparo técnico que os brasileiros, como dizem os conselhos, matem mais pessoas por iatrogenias variadas do que salvem.
O argumento de que é errado os cubanos receberem bem menos do que seus colegas brasileiros para fazer a mesma coisa tem certo apelo. É incômodo ver o governo brasileiro se desdobrando para ajudar financeiramente uma ditadura. Mas diferenças no pagamento de médicos não são novidade. Quem entrar num hospital paulista vai se deparar com muitas camadas arqueológicas de médicos, atuando sob variados regimes e remunerações. Há estatutários, celetistas concursados, celetistas em contrato de emergência, profissionais vinculados a OSs etc. É estranho que as diferenças só mobilizem conselhos e procuradores agora.
O que é imperdoável mesmo é a declaração da AGU de que, se algum cubano requisitar asilo ao Brasil, terá seu pedido negado. Fazer negócios com ditaduras é uma coisa. Até a mais ética das democracias comercia com China, Arábia Saudita etc. Mas atuar como carcereiro para os irmãos Castro vai muito além da conta.
Reforço para o 'soft power' brasileiro - RUBENS BARBOSA
O Estado de S.Paulo - 27/08
Um dos aspectos da nossa política externa que pouco têm merecido atenção é o da assistência técnica e financeira prestada pelo Brasil a dezenas de países, em especial da África e da América Latina. São gestos políticos que tentam reforçar nossa solidariedade. Discretamente, e aumentando gradualmente seu soft power, o Brasil, nos últimos anos, tornou-se um dos maiores doadores e prestadores de assistência técnica e financeira a países de menor desenvolvimento relativo.
Recente relatório elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores, reúne dados e informações sobre as principais iniciativas implementadas pelo Brasil, de forma bilateral ou multilateral, no contexto da cooperação brasileira com outros países em desenvolvimento. Em 2010 o País investiu aproximadamente R$ 1,6 bilhão na cooperação para o desenvolvimento, representando um aumento nominal de 91% em relação a 2009. Desse total, R$ 548 milhões foram gastos a título de contribuição para 143 organismos internacionais; outros R$ 490 milhões tiveram como destino ações de cooperação técnica, científica, tecnológica, educacional ou ajuda humanitária; 68,1% dos processos bilaterais de cooperação foram com países da América Latina e do Caribe e 22,6%, com países do Continente Africano.
Os recursos são em parte oriundos da ABC. Provêm também de outras instituições, como Embrapa, Conab e BNDES; e do Tesouro Nacional para ajuda humanitária a países afetados por desastres naturais, para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, para o programa de alimentação da FAO, para ajuda à Faixa de Gaza e ao Haiti. Com essa finalidade foram criados escritórios de pesquisas agrícolas em Gana, fazenda-modelo de algodão no Mali, fábrica de medicamentos antirretrovirais em Moçambique e centros de formação profissional em cinco países africanos.
Por iniciativa da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) promoveu recentemente encontro em que foram examinados diferentes aspectos do soft power brasileiro. Nessa oportunidade, o papel da ABC foi ressaltado como de grande relevância e se sugeriu o fortalecimento da agência e o reforço dos recursos financeiros postos à sua disposição, já que o orçamento disponível para 2011, US$ 52 milhões, foi reduzido para US$ 36 milhões em 2012 e 2013.
Durante a visita da presidente Dilma Rousseff à Etiópia para reunião da União Africana foi criado o Grupo África, para estudar medidas com vista a ampliar a assistência técnica e de desenvolvimento do Brasil aos países desse continente. Foi noticiado na ocasião que uma das medidas em estudo pelo governo brasileiro seria transformar a ABC numa autarquia, com mais autonomia e maiores recursos financeiros (da ordem de R$ 300 milhões). A estrutura dessa nova agência ainda não está definida e um grupo de trabalho analisa diversos modelos internacionais. A ABC continuaria com a vinculação ao Itamaraty, embora com autonomia orçamentária, e seria criada uma carreira própria para seus funcionários.
O fortalecimento da ABC é uma notícia alvissareira, que deve ser apoiada com entusiasmo. Virá aperfeiçoar e reforçar um importante instrumento da política externa a serviço da projeção do Brasil no exterior (soft power). A agência só não pode executar sua missão de forma mais eficiente e atuante pela absoluta falta de recursos.
Caso essas providências sejam tomadas, ficaria afastada a ideia em estudo de atribuir à ABC competência para tratar de comércio internacional, com o suposto objetivo de favorecer a balança comercial do País. Além dessa vertente comercial com a função adicional de financiar a compra de produtos brasileiros e de promoção de negócios na África e na América Latina, a agência teria ainda competência para apoiar os investimentos de empresas nacionais no exterior. Essa possibilidade, também noticiada pela imprensa, poria em perigo o braço de assistência técnica do Itamaraty, com repercussão negativa sobre nossa projeção externa.
Para as funções que poderiam ser atribuídas a essa nova agência já existem outros órgãos públicos: a Agência Brasileira de Exportações (Apex), que cuida da promoção de produtos brasileiros no exterior, com participação em feiras e organização de eventos; a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), que cuida de buscar investimentos produtivos e inovação; e o próprio Itamaraty, por meio do Departamento de Promoção Comercial. Por outro lado, o governo discute há mais de dois anos a criação do Banco de Importação e Exportação (Eximbank), que deveria financiar os compradores de produtos brasileiros. O banco está paralisado por disputa interna entre diversos órgãos do governo.
O comércio exterior brasileiro não precisa de mais outro órgão para aumentar sua eficiência e maior participação no intercâmbio global. Quase 20 ministérios e agências interferem direta ou indiretamente no processo de exportação; a burocracia e a ineficiência desses órgãos são fatores que alimentam o custo Brasil e tornam nossos produtos menos competitivos.
O setor externo necessita de menos interferência do governo e mais coordenação no processo decisório. No documento Agenda de Integração Externa, recentemente divulgado, a Fiesp pede a reforma do processo decisório para tornar mais efetiva a ação do governo via fortalecimento da Câmara de Comércio Exterior (Camex) como ponto focal da formulação da política de comércio exterior e da negociação externa. Para alcançar esse objetivo a Fiesp propõe vincular a Camex diretamente ao presidente da República, a fim de dar um peso político maior no contexto da política econômica e ampliar a coordenação interna.
Um dos aspectos da nossa política externa que pouco têm merecido atenção é o da assistência técnica e financeira prestada pelo Brasil a dezenas de países, em especial da África e da América Latina. São gestos políticos que tentam reforçar nossa solidariedade. Discretamente, e aumentando gradualmente seu soft power, o Brasil, nos últimos anos, tornou-se um dos maiores doadores e prestadores de assistência técnica e financeira a países de menor desenvolvimento relativo.
Recente relatório elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores, reúne dados e informações sobre as principais iniciativas implementadas pelo Brasil, de forma bilateral ou multilateral, no contexto da cooperação brasileira com outros países em desenvolvimento. Em 2010 o País investiu aproximadamente R$ 1,6 bilhão na cooperação para o desenvolvimento, representando um aumento nominal de 91% em relação a 2009. Desse total, R$ 548 milhões foram gastos a título de contribuição para 143 organismos internacionais; outros R$ 490 milhões tiveram como destino ações de cooperação técnica, científica, tecnológica, educacional ou ajuda humanitária; 68,1% dos processos bilaterais de cooperação foram com países da América Latina e do Caribe e 22,6%, com países do Continente Africano.
Os recursos são em parte oriundos da ABC. Provêm também de outras instituições, como Embrapa, Conab e BNDES; e do Tesouro Nacional para ajuda humanitária a países afetados por desastres naturais, para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, para o programa de alimentação da FAO, para ajuda à Faixa de Gaza e ao Haiti. Com essa finalidade foram criados escritórios de pesquisas agrícolas em Gana, fazenda-modelo de algodão no Mali, fábrica de medicamentos antirretrovirais em Moçambique e centros de formação profissional em cinco países africanos.
Por iniciativa da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) promoveu recentemente encontro em que foram examinados diferentes aspectos do soft power brasileiro. Nessa oportunidade, o papel da ABC foi ressaltado como de grande relevância e se sugeriu o fortalecimento da agência e o reforço dos recursos financeiros postos à sua disposição, já que o orçamento disponível para 2011, US$ 52 milhões, foi reduzido para US$ 36 milhões em 2012 e 2013.
Durante a visita da presidente Dilma Rousseff à Etiópia para reunião da União Africana foi criado o Grupo África, para estudar medidas com vista a ampliar a assistência técnica e de desenvolvimento do Brasil aos países desse continente. Foi noticiado na ocasião que uma das medidas em estudo pelo governo brasileiro seria transformar a ABC numa autarquia, com mais autonomia e maiores recursos financeiros (da ordem de R$ 300 milhões). A estrutura dessa nova agência ainda não está definida e um grupo de trabalho analisa diversos modelos internacionais. A ABC continuaria com a vinculação ao Itamaraty, embora com autonomia orçamentária, e seria criada uma carreira própria para seus funcionários.
O fortalecimento da ABC é uma notícia alvissareira, que deve ser apoiada com entusiasmo. Virá aperfeiçoar e reforçar um importante instrumento da política externa a serviço da projeção do Brasil no exterior (soft power). A agência só não pode executar sua missão de forma mais eficiente e atuante pela absoluta falta de recursos.
Caso essas providências sejam tomadas, ficaria afastada a ideia em estudo de atribuir à ABC competência para tratar de comércio internacional, com o suposto objetivo de favorecer a balança comercial do País. Além dessa vertente comercial com a função adicional de financiar a compra de produtos brasileiros e de promoção de negócios na África e na América Latina, a agência teria ainda competência para apoiar os investimentos de empresas nacionais no exterior. Essa possibilidade, também noticiada pela imprensa, poria em perigo o braço de assistência técnica do Itamaraty, com repercussão negativa sobre nossa projeção externa.
Para as funções que poderiam ser atribuídas a essa nova agência já existem outros órgãos públicos: a Agência Brasileira de Exportações (Apex), que cuida da promoção de produtos brasileiros no exterior, com participação em feiras e organização de eventos; a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), que cuida de buscar investimentos produtivos e inovação; e o próprio Itamaraty, por meio do Departamento de Promoção Comercial. Por outro lado, o governo discute há mais de dois anos a criação do Banco de Importação e Exportação (Eximbank), que deveria financiar os compradores de produtos brasileiros. O banco está paralisado por disputa interna entre diversos órgãos do governo.
O comércio exterior brasileiro não precisa de mais outro órgão para aumentar sua eficiência e maior participação no intercâmbio global. Quase 20 ministérios e agências interferem direta ou indiretamente no processo de exportação; a burocracia e a ineficiência desses órgãos são fatores que alimentam o custo Brasil e tornam nossos produtos menos competitivos.
O setor externo necessita de menos interferência do governo e mais coordenação no processo decisório. No documento Agenda de Integração Externa, recentemente divulgado, a Fiesp pede a reforma do processo decisório para tornar mais efetiva a ação do governo via fortalecimento da Câmara de Comércio Exterior (Camex) como ponto focal da formulação da política de comércio exterior e da negociação externa. Para alcançar esse objetivo a Fiesp propõe vincular a Camex diretamente ao presidente da República, a fim de dar um peso político maior no contexto da política econômica e ampliar a coordenação interna.
O percurso - JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 27/08
Vinda de médicos cubanos anexou à reação corporativa uma utilização ideológica
Dos argumentos polêmicos contra a vinda de médicos do exterior, dirigentes corporativos da classe médica brasileira passaram a um histerismo gaiato e primário e já estão em atitudes fronteiriças de crimes, com a incitação aos médicos a "não socorrerem erros" que, imaginam, os estrangeiros cometerão. Sem trocadilho: trata-se de um processo nitidamente doentio.
A vinda de médicos cubanos anexou à reação corporativa a sua utilização ideológica pelos comentaristas conservadores. Já se acumulam bastantes indicações, aliás, de que também as exasperações de vários dos dirigentes corporativos da classe médica não são apenas corporativas. Seu recheio é ideológico, ainda tão nostálgico da guerra fria que não consegue disfarçar-se o suficiente, assim como se dá com os comentaristas. Quanto a isso, nada de novo, portanto. Nem de importante.
Mas, em tanta e tão descomposta reação em nome da classe médica, como ficam os carentes da atenção de um médico nas lonjuras onde nem um só foi jamais visto? Esses numerosos conselhos de medicina, essas inúmeras associações de médicos, esses incontáveis dirigentes corporativos nada têm a dizer que não seja contra o preenchimento estrangeiro dos buracos de sofrimento deixados por brasileiros pelo Brasil afora?
Não têm nem uma palavra proponente, alguma preliminar de plano, uma iniciativa viável, para intercalar nas reações vociferadas à vinda de estrangeiros? Não, não têm. Nunca tiveram, desde que as urgências da saúde pública voltaram a ser um problema de consciência nacional, perdida com as primeiras décadas do século passado.
O nível tão baixo em que está a ação dos dirigentes corporativos não é justo com a classe médica. As referências, digamos, domésticas a esse episódio parecem largamente favoráveis à vinda dos estrangeiros. E, nelas, os criticados por suas reações são "os médicos", assim generalizados.
GARANTIAS
Em artigo na Folha do dia 23, o jornalista Mário Chimanovitch define ironicamente como "almas sensíveis" e "almas bem-intencionadas" os jornalistas que repudiam as práticas do Estado, qualquer Estado, como as reveladas por Snowden, Assange e o recém-condenado Manning. Acha ele que a liberdade de informação não pode "se sobrepor ao direito do Estado de garantir a segurança do seu território e de seus cidadãos diante da ameaça letal, onipresente, do terrorismo islâmico inspirado em organizações como a Al Qaeda" (...).
Nada do divulgado pelos três implicou "ameaça letal" nem alimentou terrorismo. Mas Chimanovitch indaga, já explicitada sua resposta: "Que direitos, enfim, foram outorgados ao jornalista para que ele, como senhor absoluto da verdade, se empenhe em burlar os mecanismos do país onde trabalha ou que se configura em alvo de suas investigações', para expor dados que fatalmente vão comprometer medidas e pessoas empenhadas na proteção de seres humanos e bens nacionais?"
O jornalista a que Chimanovitch se refere não é menos "senhor absoluto da verdade" do que ele próprio mostra considerar-se, embora não tenha "alma sensível" nem "alma bem-intencionada".
Mesmo tal carência não impede de saber, porém, que na Alemanha nazista não era possível publicar nada sobre campos de concentração e outros crimes do Estado e do governo, a título de "garantir a segurança do seu território e de seus cidadãos diante da ameaça letal" de ciganos, homossexuais, deficientes físicos e, mais do que todos, judeus.
Vinda de médicos cubanos anexou à reação corporativa uma utilização ideológica
Dos argumentos polêmicos contra a vinda de médicos do exterior, dirigentes corporativos da classe médica brasileira passaram a um histerismo gaiato e primário e já estão em atitudes fronteiriças de crimes, com a incitação aos médicos a "não socorrerem erros" que, imaginam, os estrangeiros cometerão. Sem trocadilho: trata-se de um processo nitidamente doentio.
A vinda de médicos cubanos anexou à reação corporativa a sua utilização ideológica pelos comentaristas conservadores. Já se acumulam bastantes indicações, aliás, de que também as exasperações de vários dos dirigentes corporativos da classe médica não são apenas corporativas. Seu recheio é ideológico, ainda tão nostálgico da guerra fria que não consegue disfarçar-se o suficiente, assim como se dá com os comentaristas. Quanto a isso, nada de novo, portanto. Nem de importante.
Mas, em tanta e tão descomposta reação em nome da classe médica, como ficam os carentes da atenção de um médico nas lonjuras onde nem um só foi jamais visto? Esses numerosos conselhos de medicina, essas inúmeras associações de médicos, esses incontáveis dirigentes corporativos nada têm a dizer que não seja contra o preenchimento estrangeiro dos buracos de sofrimento deixados por brasileiros pelo Brasil afora?
Não têm nem uma palavra proponente, alguma preliminar de plano, uma iniciativa viável, para intercalar nas reações vociferadas à vinda de estrangeiros? Não, não têm. Nunca tiveram, desde que as urgências da saúde pública voltaram a ser um problema de consciência nacional, perdida com as primeiras décadas do século passado.
O nível tão baixo em que está a ação dos dirigentes corporativos não é justo com a classe médica. As referências, digamos, domésticas a esse episódio parecem largamente favoráveis à vinda dos estrangeiros. E, nelas, os criticados por suas reações são "os médicos", assim generalizados.
GARANTIAS
Em artigo na Folha do dia 23, o jornalista Mário Chimanovitch define ironicamente como "almas sensíveis" e "almas bem-intencionadas" os jornalistas que repudiam as práticas do Estado, qualquer Estado, como as reveladas por Snowden, Assange e o recém-condenado Manning. Acha ele que a liberdade de informação não pode "se sobrepor ao direito do Estado de garantir a segurança do seu território e de seus cidadãos diante da ameaça letal, onipresente, do terrorismo islâmico inspirado em organizações como a Al Qaeda" (...).
Nada do divulgado pelos três implicou "ameaça letal" nem alimentou terrorismo. Mas Chimanovitch indaga, já explicitada sua resposta: "Que direitos, enfim, foram outorgados ao jornalista para que ele, como senhor absoluto da verdade, se empenhe em burlar os mecanismos do país onde trabalha ou que se configura em alvo de suas investigações', para expor dados que fatalmente vão comprometer medidas e pessoas empenhadas na proteção de seres humanos e bens nacionais?"
O jornalista a que Chimanovitch se refere não é menos "senhor absoluto da verdade" do que ele próprio mostra considerar-se, embora não tenha "alma sensível" nem "alma bem-intencionada".
Mesmo tal carência não impede de saber, porém, que na Alemanha nazista não era possível publicar nada sobre campos de concentração e outros crimes do Estado e do governo, a título de "garantir a segurança do seu território e de seus cidadãos diante da ameaça letal" de ciganos, homossexuais, deficientes físicos e, mais do que todos, judeus.
Os médicos que vêm - LUIZ GARCIA
O GLOBO - 27/08
Estamos importando médicos. É uma situação curiosa. No comércio internacional, os países importam o que não têm e equilibram o mercado, ou tentam fazê-lo, vendendo o que produzem em casa.
Contratar médicos lá fora mostra uma de duas situações: ou a profissão não atrai número suficiente de jovens, ou o ensino da medicina por aqui não tem qualidade ou quantidade suficiente para a demanda. Não há informações oficiais a respeito. Mas a extensão do território aponta para a segunda hipótese. E também a boa reputação da maioria das escolas – pelo menos nos estados mais prósperos.
Inteligentemente, o projeto de importação foi batizado como "Mais médicos" – e não, o que seria uma ofensa aos profissionais brasileiros, "Melhores médicos". Seja como for, o programa é o reconhecimento de um déficit, cujas causas não foram anunciadas, mas não podem deixar de incluir a inexistência de um programa oficial de estímulo à uma profissão de grande importância para qualquer país.
Não foi anunciado se o déficit de médicos no Brasil é um fenômeno histórico, só agora reconhecido pelo poder público, ou consequência de um desinteresse recente pela profissão, por motivos não identificados ou não revelados. Não se deve excluir a hipótese de que a carência de médicos foi provocada pelo aumento da população em áreas do interior – na Amazônia, por exemplo. Nesse caso, certamente há déficit de outros profissionais. Como professores, dentistas e outros.
A recepção da primeira leva de médicos importados foi cuidadosamente preparada. Houve, inclusive, um esquema especial para afastá-los da imprensa. O que não se compreende, a não ser pela necessidade, por parte das autoridades brasileiras, de evitar perguntas embaraçosas. O que sugere que a mídia nativa continue a se preocupar com os motivos da importação de profissionais por um país que dispõem de escolas de medicina de bom nível e nenhum problema para construir outras.
Seja como for, sejamos otimistas. Ter mais médicos é sempre bom, principalmente num país com as dimensões do Brasil. Foi uma boa idéia importá-los de países sem grandes problemas de idioma, como Portugal, Argentina, Espanha e Uruguai. Mas também há russos no grupo. Podem ser profissionais excepcionais – mas a barreira do idioma vai dar um trabalhão
Estamos importando médicos. É uma situação curiosa. No comércio internacional, os países importam o que não têm e equilibram o mercado, ou tentam fazê-lo, vendendo o que produzem em casa.
Contratar médicos lá fora mostra uma de duas situações: ou a profissão não atrai número suficiente de jovens, ou o ensino da medicina por aqui não tem qualidade ou quantidade suficiente para a demanda. Não há informações oficiais a respeito. Mas a extensão do território aponta para a segunda hipótese. E também a boa reputação da maioria das escolas – pelo menos nos estados mais prósperos.
Inteligentemente, o projeto de importação foi batizado como "Mais médicos" – e não, o que seria uma ofensa aos profissionais brasileiros, "Melhores médicos". Seja como for, o programa é o reconhecimento de um déficit, cujas causas não foram anunciadas, mas não podem deixar de incluir a inexistência de um programa oficial de estímulo à uma profissão de grande importância para qualquer país.
Não foi anunciado se o déficit de médicos no Brasil é um fenômeno histórico, só agora reconhecido pelo poder público, ou consequência de um desinteresse recente pela profissão, por motivos não identificados ou não revelados. Não se deve excluir a hipótese de que a carência de médicos foi provocada pelo aumento da população em áreas do interior – na Amazônia, por exemplo. Nesse caso, certamente há déficit de outros profissionais. Como professores, dentistas e outros.
A recepção da primeira leva de médicos importados foi cuidadosamente preparada. Houve, inclusive, um esquema especial para afastá-los da imprensa. O que não se compreende, a não ser pela necessidade, por parte das autoridades brasileiras, de evitar perguntas embaraçosas. O que sugere que a mídia nativa continue a se preocupar com os motivos da importação de profissionais por um país que dispõem de escolas de medicina de bom nível e nenhum problema para construir outras.
Seja como for, sejamos otimistas. Ter mais médicos é sempre bom, principalmente num país com as dimensões do Brasil. Foi uma boa idéia importá-los de países sem grandes problemas de idioma, como Portugal, Argentina, Espanha e Uruguai. Mas também há russos no grupo. Podem ser profissionais excepcionais – mas a barreira do idioma vai dar um trabalhão
Dilma vai a Washington - PAULO SOTERO
O Estado de S.Paulo - 27/08
A dois meses da visita que a presidente Dilma Rousseff fará à Casa Branca em outubro, a expectativa de que o evento viesse a marcar um aprofundamento das relações com os Estados Unidos se dissipou após a cobrança pública de explicações que o chanceler Antonio Patriota fez há duas semanas ao secretário de Estado, John Kerry, sobre o monitoramento de comunicações de brasileiros pela National Security Agency (NSA), o serviço americano de espionagem eletrônica. O clima azedou um pouco mais com a detenção pela Scotland Yard, em Londres, com base em lei antiterrorismo, de David Miranda, o companheiro brasileiro de Glenn Greenwald, o jornalista americano residente no Rio de Janeiro que vem revelando as informações sobre as atividades de NSA coletadas pelo ex-analista da CIA Edward Snowden. Nesse ambiente, complicaram-se entendimentos que Brasília e Washington vinham alinhavando para anunciar em 23 de outubro, quando o presidente Barack Obama receberá a colega brasileira ao som de trombetas, nos jardins da Casa Branca.
O episódio certamente reduziu o espaço para os exageros retóricos que costumam marcar esses eventos. Isso não é mau. Realismo e transparência no diálogo entre Washington e Brasília são um bom caminho para tornar a visita de Dilma Rousseff um acontecimento substantivo, que ajude a tornar a relação bilateral mais produtiva. São positivas, nesse sentido, a decisão de Barack Obama de reavaliar as práticas da NSA, hoje alvo de fortes críticas nos EUA, e o reconhecimento por Kerry da necessidade de responder às dúvidas do governo brasileiro. Funcionários das áreas técnica e política dos dois países já iniciaram reuniões sobre as atividades da NSA. Fontes americanas admitem que uma maior transparência com países amigos abrangidos pela espionagem eletrônica da NSA teria neutralizado os efeitos das revelações.
O aprofundamento das relações entre os dois países depende de uma atmosfera de confiança mútua que permita a troca de informações sigilosas entre agências de ambos os governos. O Acordo de Assistência Legal Mútua, assinado há 12 anos, por exemplo, funcionou bem no começo, mas perdeu efetividade diante da dificuldade de acesso pela Justiça brasileira a informações relevantes para investigações criminais guardadas em bases de dados de mídias sociais nos EUA. O uso efetivo do Acordo de Intercâmbio de Informações Tributárias, em vigor desde maio deste ano, depende de confiança. Essa é também a condição para a finalização de entendimentos sobre iniciativas que estão na pauta da visita de Dilma, como um programa experimental de acesso de brasileiros ao sistema Global Entry, para facilitar o ingresso de viajantes brasileiros aos EUA, e a revisão de um acordo de 2000 sobre o uso da Base de Alcântara para lançamento de satélites de comunicação dos EUA.
Da confiança mútua dependem, obviamente, iniciativas mais ambiciosas e de interesse estratégico de Washington e Brasília. Uma delas é uma eventual decisão do Palácio do Planalto de reequipar a Força Aérea Brasileira com caças americanos F18 Hornet. Outra é ampliação do mercado de aviões militares da Embraer nos EUA, aberta no ano passado com a aquisição de Super Tucanos pela Usaf. Outra, ainda, passa pelo apoio de Washington à aspiração brasileira a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Improváveis no curto prazo, todas são ingredientes de uma possível negociação que pode avançar na visita de Dilma e dar lastro à relação bilateral reconstruída no atual governo, depois do curto-circuito provocado pelos episódios de Honduras e do Irã, no final da administração Lula.
Uma boa notícia, nesse aspecto, é a esperada continuação do envolvimento do embaixador dos EUA, Thomas Shannon, que se está despedindo de Brasília, no diálogo entre os dois governos. Shannon, que se ocupa do assunto há 12 anos, continuará esse trabalho num alto cargo que assumirá no Departamento de Estado depois da visita de Dilma. Ele terá, agora, um influente aliado no vice-presidente Joseph Biden, que visitou Brasília no final de maio e abriu um canal de diálogo político com o Planalto. Em 19 de julho Biden telefonou para Dilma para falar sobre as atividades da NSA. Ao receber Kerry, há duas semanas, a presidente indicou que o governo continua aberto à proposta dos caças americanos. "Seu vice-presidente pode me vender qualquer coisa", teria dito a presidente ao secretário de Estado, numa mostra de sua simpatia por Biden.
Como costuma afirmar, Shannon acredita que os interesses permanentes dos EUA e do Brasil, a começar pela estabilidade nas Américas, são mais convergentes do que divergentes. O crescente número de voos entre os dois países, os 10 mil bolsistas do Ciência sem Fronteiras - 25% do total - que escolheram estudar em universidades dos EUA, a expansão da presença de empresas brasileiras no mercado americano e as variadas e crescentes interligações das duas sociedades respaldam essa avaliação. Na ótica de Washington, mais cedo ou mais tarde as pressões internas por uma abertura da economia brasileira, sua integração a cadeias produtivas de alto valor, à la Embraer, e a redução dos entraves ao investimento estrangeiro produzirão resultados, por uma razão principal: sem políticas de liberalização econômica o País não sairá do atoleiro do crescimento medíocre e de baixa qualidade em que se meteu.
Segundo altos funcionários, o governo Obama aposta que Dilma Rousseff deseja desenvolver laços mais próximos e eficazes com os EUA e continuará empenhado em construir canais de diálogo e ampliar os já existentes, à espera de que a dinâmica interna do País faça sua mágica.
A dois meses da visita que a presidente Dilma Rousseff fará à Casa Branca em outubro, a expectativa de que o evento viesse a marcar um aprofundamento das relações com os Estados Unidos se dissipou após a cobrança pública de explicações que o chanceler Antonio Patriota fez há duas semanas ao secretário de Estado, John Kerry, sobre o monitoramento de comunicações de brasileiros pela National Security Agency (NSA), o serviço americano de espionagem eletrônica. O clima azedou um pouco mais com a detenção pela Scotland Yard, em Londres, com base em lei antiterrorismo, de David Miranda, o companheiro brasileiro de Glenn Greenwald, o jornalista americano residente no Rio de Janeiro que vem revelando as informações sobre as atividades de NSA coletadas pelo ex-analista da CIA Edward Snowden. Nesse ambiente, complicaram-se entendimentos que Brasília e Washington vinham alinhavando para anunciar em 23 de outubro, quando o presidente Barack Obama receberá a colega brasileira ao som de trombetas, nos jardins da Casa Branca.
O episódio certamente reduziu o espaço para os exageros retóricos que costumam marcar esses eventos. Isso não é mau. Realismo e transparência no diálogo entre Washington e Brasília são um bom caminho para tornar a visita de Dilma Rousseff um acontecimento substantivo, que ajude a tornar a relação bilateral mais produtiva. São positivas, nesse sentido, a decisão de Barack Obama de reavaliar as práticas da NSA, hoje alvo de fortes críticas nos EUA, e o reconhecimento por Kerry da necessidade de responder às dúvidas do governo brasileiro. Funcionários das áreas técnica e política dos dois países já iniciaram reuniões sobre as atividades da NSA. Fontes americanas admitem que uma maior transparência com países amigos abrangidos pela espionagem eletrônica da NSA teria neutralizado os efeitos das revelações.
O aprofundamento das relações entre os dois países depende de uma atmosfera de confiança mútua que permita a troca de informações sigilosas entre agências de ambos os governos. O Acordo de Assistência Legal Mútua, assinado há 12 anos, por exemplo, funcionou bem no começo, mas perdeu efetividade diante da dificuldade de acesso pela Justiça brasileira a informações relevantes para investigações criminais guardadas em bases de dados de mídias sociais nos EUA. O uso efetivo do Acordo de Intercâmbio de Informações Tributárias, em vigor desde maio deste ano, depende de confiança. Essa é também a condição para a finalização de entendimentos sobre iniciativas que estão na pauta da visita de Dilma, como um programa experimental de acesso de brasileiros ao sistema Global Entry, para facilitar o ingresso de viajantes brasileiros aos EUA, e a revisão de um acordo de 2000 sobre o uso da Base de Alcântara para lançamento de satélites de comunicação dos EUA.
Da confiança mútua dependem, obviamente, iniciativas mais ambiciosas e de interesse estratégico de Washington e Brasília. Uma delas é uma eventual decisão do Palácio do Planalto de reequipar a Força Aérea Brasileira com caças americanos F18 Hornet. Outra é ampliação do mercado de aviões militares da Embraer nos EUA, aberta no ano passado com a aquisição de Super Tucanos pela Usaf. Outra, ainda, passa pelo apoio de Washington à aspiração brasileira a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Improváveis no curto prazo, todas são ingredientes de uma possível negociação que pode avançar na visita de Dilma e dar lastro à relação bilateral reconstruída no atual governo, depois do curto-circuito provocado pelos episódios de Honduras e do Irã, no final da administração Lula.
Uma boa notícia, nesse aspecto, é a esperada continuação do envolvimento do embaixador dos EUA, Thomas Shannon, que se está despedindo de Brasília, no diálogo entre os dois governos. Shannon, que se ocupa do assunto há 12 anos, continuará esse trabalho num alto cargo que assumirá no Departamento de Estado depois da visita de Dilma. Ele terá, agora, um influente aliado no vice-presidente Joseph Biden, que visitou Brasília no final de maio e abriu um canal de diálogo político com o Planalto. Em 19 de julho Biden telefonou para Dilma para falar sobre as atividades da NSA. Ao receber Kerry, há duas semanas, a presidente indicou que o governo continua aberto à proposta dos caças americanos. "Seu vice-presidente pode me vender qualquer coisa", teria dito a presidente ao secretário de Estado, numa mostra de sua simpatia por Biden.
Como costuma afirmar, Shannon acredita que os interesses permanentes dos EUA e do Brasil, a começar pela estabilidade nas Américas, são mais convergentes do que divergentes. O crescente número de voos entre os dois países, os 10 mil bolsistas do Ciência sem Fronteiras - 25% do total - que escolheram estudar em universidades dos EUA, a expansão da presença de empresas brasileiras no mercado americano e as variadas e crescentes interligações das duas sociedades respaldam essa avaliação. Na ótica de Washington, mais cedo ou mais tarde as pressões internas por uma abertura da economia brasileira, sua integração a cadeias produtivas de alto valor, à la Embraer, e a redução dos entraves ao investimento estrangeiro produzirão resultados, por uma razão principal: sem políticas de liberalização econômica o País não sairá do atoleiro do crescimento medíocre e de baixa qualidade em que se meteu.
Segundo altos funcionários, o governo Obama aposta que Dilma Rousseff deseja desenvolver laços mais próximos e eficazes com os EUA e continuará empenhado em construir canais de diálogo e ampliar os já existentes, à espera de que a dinâmica interna do País faça sua mágica.
Arte fora da moda - VLADIMIR SAFATLE
FOLHA DE SP - 27/08
"Quando um amigo estilista se denomina artista, eu sempre lhe pergunto: Como assim? Você parou de desenhar vestidos?'." Essa é uma das frases de Karl Lagerfeld, que tem ao menos a virtude de possuir um cinismo capaz de se voltar contra os arroubos de sua própria profissão.
Seria bom que alguém no Ministério da Cultura tivesse lembrado dela antes de permitir que desfiles de modas fossem autorizados a captar R$ 2,8 milhões por meio da Lei Rouanet.
Claro que haverá sempre os que afirmarão que moda é cultura, já que é expressão da criatividade de um povo em sua produção simbólica. Mas, seguindo essa noção demasiado larga e pouco operacional de cultura, teríamos que colocar no mesmo conjunto a culinária, a publicidade e até mesmo o jornalismo.
Sendo assim, por que não usar as leis de incentivo cultural para financiar agências de publicidade, restaurantes glamourosos e jornais?
Se um desfile de moda pode, uma agência de publicidade formada por "criativos" teria o mesmo direito. No entanto, se for para assumir tal lógica, melhor seria transformar o Ministério da Cultura em uma "secretaria especial de produção de glamour e de gestão da economia criativa", ligada ao Ministério da Indústria e Comércio. Ao menos seria mais barato para o contribuinte.
Essa descoberta recente da possível natureza artística da moda nos leva a perguntar se não haveria um equívoco maior referente às políticas culturais aplicadas por uma certa esquerda.
Presa entre exigências genéricas de integração social e o fascínio pelo uso econômico do conceito de cultura, ela acabou por aprisionar os debates sobre cultura às planilhas de economistas que louvam a força do "imaterial" e ao bom coração das ONGs, com seus discursos de assistência social.
Há de perguntar se uma política cultural não estaria mais bem assistida se estivesse focada na multiplicação de equipamentos de formação para a cultura, assim como na defesa daquela produção artística que tem dificuldade em circular por não fazer parte dos circuitos da rentabilização financeira e da indústria do entretenimento.
Pois talvez seja a hora de perguntar, depois de tanto tempo, quantos conservatórios foram abertos, quantos polos de cinema foram criados, quantas escolas de artes visuais existem hoje em nossas periferias frutos de políticas federais.
O mais engraçado nisso tudo é que lembrar disso será considerado, por alguns, "elitista". Em minha época, "elitista" era financiar desfiles de moda em Paris com dinheiro público.
"Quando um amigo estilista se denomina artista, eu sempre lhe pergunto: Como assim? Você parou de desenhar vestidos?'." Essa é uma das frases de Karl Lagerfeld, que tem ao menos a virtude de possuir um cinismo capaz de se voltar contra os arroubos de sua própria profissão.
Seria bom que alguém no Ministério da Cultura tivesse lembrado dela antes de permitir que desfiles de modas fossem autorizados a captar R$ 2,8 milhões por meio da Lei Rouanet.
Claro que haverá sempre os que afirmarão que moda é cultura, já que é expressão da criatividade de um povo em sua produção simbólica. Mas, seguindo essa noção demasiado larga e pouco operacional de cultura, teríamos que colocar no mesmo conjunto a culinária, a publicidade e até mesmo o jornalismo.
Sendo assim, por que não usar as leis de incentivo cultural para financiar agências de publicidade, restaurantes glamourosos e jornais?
Se um desfile de moda pode, uma agência de publicidade formada por "criativos" teria o mesmo direito. No entanto, se for para assumir tal lógica, melhor seria transformar o Ministério da Cultura em uma "secretaria especial de produção de glamour e de gestão da economia criativa", ligada ao Ministério da Indústria e Comércio. Ao menos seria mais barato para o contribuinte.
Essa descoberta recente da possível natureza artística da moda nos leva a perguntar se não haveria um equívoco maior referente às políticas culturais aplicadas por uma certa esquerda.
Presa entre exigências genéricas de integração social e o fascínio pelo uso econômico do conceito de cultura, ela acabou por aprisionar os debates sobre cultura às planilhas de economistas que louvam a força do "imaterial" e ao bom coração das ONGs, com seus discursos de assistência social.
Há de perguntar se uma política cultural não estaria mais bem assistida se estivesse focada na multiplicação de equipamentos de formação para a cultura, assim como na defesa daquela produção artística que tem dificuldade em circular por não fazer parte dos circuitos da rentabilização financeira e da indústria do entretenimento.
Pois talvez seja a hora de perguntar, depois de tanto tempo, quantos conservatórios foram abertos, quantos polos de cinema foram criados, quantas escolas de artes visuais existem hoje em nossas periferias frutos de políticas federais.
O mais engraçado nisso tudo é que lembrar disso será considerado, por alguns, "elitista". Em minha época, "elitista" era financiar desfiles de moda em Paris com dinheiro público.
A coragem de um diplomata - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 27/08
A diferença entre a teoria e a prática pode ser eliminada por um ato de desassombro. Foi o que aconteceu no fim da semana, quando um diplomata brasileiro resolveu aplicar, por sua conta e risco, os princípios humanitários dados como indissociáveis da política externa do País. Em toda parte, o Itamaraty exorta a comunidade internacional a dar prioridade aos direitos humanos. Faltou fazer o mesmo dentro da própria casa - a embaixada em La Paz. A omissão levou o encarregado de negócios da representação, ministro Eduardo Saboia, a tomar uma iniciativa inédita. Ela pode ter salvado a vida do senador boliviano Roger Pinto Molina, de 53 anos, que completaria na última sexta-feira 452 dias de confinamento numa dependência da embaixada onde se asilou, em maio do ano passado.
Eleito pela Convergência Nacional, partido de oposição ao presidente Evo Morales, ele tem contra si uma vintena de processos por alegados delitos que incluem corrupção, desacato (ao acusar Evo de proteger o narcotráfico), dano ambiental, desvio de recursos e até assassínio. O asilo foi concedido pela presidente Dilma Rousseff dias depois. Evo criticou a decisão, recusou-se a dar ao asilado o salvo-conduto para viajar ao Brasil e acusou o então embaixador brasileiro de "pressionar" o país. À medida que o impasse se arrastava, mais evidente ficava que o Itamaraty não só não pressionava o líder bolivariano, como o tratava com um descabido temor reverencial. Essa política de luvas de pelica foi inaugurada, como se recorda, pelo então presidente Lula.
No Primeiro de Maio de 2006, começando o seu primeiro mandato sob uma barragem de protestos pelo não cumprimento de promessas eleitorais, Evo nacionalizou o setor de gás e petróleo, e mandou invadir militarmente uma refinaria da Petrobrás. Em plena sintonia com o à época chanceler Celso Amorim e com o assessor de relações internacionais do Planalto, Marco Aurélio Garcia, Lula só faltou cumprimentar o vizinho pela violência. Mudaram os nomes, mas a tibieza persiste. Na conturbada história do continente, asilo político e salvo-conduto representam uma tradição secular - uma ou outra exceção apenas confirmam a regra. Mas a diplomacia brasileira não há de ter tido a coragem de invocar essa realidade para mostrar a Evo que a sua atitude era insustentável, além de ofensiva à política brasileira de direitos humanos.
Salvo prova em contrário, o Itamaraty não se abalou nem ao ser informado dos exames que constataram a deterioração física e mental do senador - que falava em suicídio. Não era para menos. Como Saboia desabafaria numa entrevista à Rede Globo, "eu me sentia como se tivesse um DOI-Codi ao lado da minha sala de trabalho", em alusão ao aposento em que vivia o asilado. "E sem (que houvesse) um verdadeiro empenho para solucionar o problema." Duas vezes ele foi a Brasília alertar, em vão, o Itamaraty. Chegou a pedir para ser removido de La Paz. Enfim, diante do "risco iminente à vida e à dignidade de uma pessoa", agiu. Acompanhado de dois fuzileiros navais que serviam na embaixada, em dois carros com placas diplomáticas, ele transportou Roger Pinto a Corumbá, do lado brasileiro da fronteira, numa viagem de 22 horas iniciada na sexta à tarde.
No final da noite de sábado seguiram para Brasília, a bordo de um avião obtido pelo senador capixaba Ricardo Ferraço, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Casa, mobilizado pelo diplomata. Apanhado no contrapé, o Itamaraty anunciou que tomará "as medidas administrativas e disciplinares cabíveis". Melhor não. No clima que o País anda respirando, Saboia pode virar herói - e o governo, carrasco. De seu lado, La Paz pediu que o Brasil recambie o "fugitivo da Justiça" - o que ele não é, porque em momento algum deixou tecnicamente território brasileiro. Autoridades bolivianas ressalvaram que o caso não afetará a relação bilateral. Mas, para Evo, provocar o Brasil sempre serviu para fazer boa figura junto às suas bases, a custo zero.
Cabe ao Itamaraty, até para se penitenciar da dignidade esquecida durante o confinamento do senador, reagir com dureza a uma nova bravata de Evo. E aprender com o seu diplomata a ser mais coerente com o que apregoa.
A diferença entre a teoria e a prática pode ser eliminada por um ato de desassombro. Foi o que aconteceu no fim da semana, quando um diplomata brasileiro resolveu aplicar, por sua conta e risco, os princípios humanitários dados como indissociáveis da política externa do País. Em toda parte, o Itamaraty exorta a comunidade internacional a dar prioridade aos direitos humanos. Faltou fazer o mesmo dentro da própria casa - a embaixada em La Paz. A omissão levou o encarregado de negócios da representação, ministro Eduardo Saboia, a tomar uma iniciativa inédita. Ela pode ter salvado a vida do senador boliviano Roger Pinto Molina, de 53 anos, que completaria na última sexta-feira 452 dias de confinamento numa dependência da embaixada onde se asilou, em maio do ano passado.
Eleito pela Convergência Nacional, partido de oposição ao presidente Evo Morales, ele tem contra si uma vintena de processos por alegados delitos que incluem corrupção, desacato (ao acusar Evo de proteger o narcotráfico), dano ambiental, desvio de recursos e até assassínio. O asilo foi concedido pela presidente Dilma Rousseff dias depois. Evo criticou a decisão, recusou-se a dar ao asilado o salvo-conduto para viajar ao Brasil e acusou o então embaixador brasileiro de "pressionar" o país. À medida que o impasse se arrastava, mais evidente ficava que o Itamaraty não só não pressionava o líder bolivariano, como o tratava com um descabido temor reverencial. Essa política de luvas de pelica foi inaugurada, como se recorda, pelo então presidente Lula.
No Primeiro de Maio de 2006, começando o seu primeiro mandato sob uma barragem de protestos pelo não cumprimento de promessas eleitorais, Evo nacionalizou o setor de gás e petróleo, e mandou invadir militarmente uma refinaria da Petrobrás. Em plena sintonia com o à época chanceler Celso Amorim e com o assessor de relações internacionais do Planalto, Marco Aurélio Garcia, Lula só faltou cumprimentar o vizinho pela violência. Mudaram os nomes, mas a tibieza persiste. Na conturbada história do continente, asilo político e salvo-conduto representam uma tradição secular - uma ou outra exceção apenas confirmam a regra. Mas a diplomacia brasileira não há de ter tido a coragem de invocar essa realidade para mostrar a Evo que a sua atitude era insustentável, além de ofensiva à política brasileira de direitos humanos.
Salvo prova em contrário, o Itamaraty não se abalou nem ao ser informado dos exames que constataram a deterioração física e mental do senador - que falava em suicídio. Não era para menos. Como Saboia desabafaria numa entrevista à Rede Globo, "eu me sentia como se tivesse um DOI-Codi ao lado da minha sala de trabalho", em alusão ao aposento em que vivia o asilado. "E sem (que houvesse) um verdadeiro empenho para solucionar o problema." Duas vezes ele foi a Brasília alertar, em vão, o Itamaraty. Chegou a pedir para ser removido de La Paz. Enfim, diante do "risco iminente à vida e à dignidade de uma pessoa", agiu. Acompanhado de dois fuzileiros navais que serviam na embaixada, em dois carros com placas diplomáticas, ele transportou Roger Pinto a Corumbá, do lado brasileiro da fronteira, numa viagem de 22 horas iniciada na sexta à tarde.
No final da noite de sábado seguiram para Brasília, a bordo de um avião obtido pelo senador capixaba Ricardo Ferraço, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Casa, mobilizado pelo diplomata. Apanhado no contrapé, o Itamaraty anunciou que tomará "as medidas administrativas e disciplinares cabíveis". Melhor não. No clima que o País anda respirando, Saboia pode virar herói - e o governo, carrasco. De seu lado, La Paz pediu que o Brasil recambie o "fugitivo da Justiça" - o que ele não é, porque em momento algum deixou tecnicamente território brasileiro. Autoridades bolivianas ressalvaram que o caso não afetará a relação bilateral. Mas, para Evo, provocar o Brasil sempre serviu para fazer boa figura junto às suas bases, a custo zero.
Cabe ao Itamaraty, até para se penitenciar da dignidade esquecida durante o confinamento do senador, reagir com dureza a uma nova bravata de Evo. E aprender com o seu diplomata a ser mais coerente com o que apregoa.
Desconfiança internacional - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 27/08
A manipulação recorrente dos dados sobre a política fiscal, ajudada pelos demais indicadores ruins, está jogando no lixo a credibilidade da contabilidade pública e das informações econômicas do Brasil
Para um país do tamanho do Brasil, com população se aproximando dos 200 milhões de habitantes, o crescimento da economia e o desenvolvimento dependem, em larga medida, da inserção internacional, da capacidade de atrair investimentos estrangeiros e da absorção das inovações tecnológicas mundiais. Para isso, é preciso expandir seu comércio exterior e conquistar a confiança dos agentes econômicos internacionais.
A conquista da confiança externa depende de estabilidade política interna e de sólidos fundamentos macroeconômicos, coisas que, por sua vez, dependem de um governo competente, reconhecido no resto do mundo como adepto de políticas de abertura e respeito às regras de boa condução da economia. A solidez dos fundamentos econômicos começa com controle da inflação, crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), equilíbrio das contas públicas, respeito aos contratos juridicamente válidos e transparência das informações e dos indicadores.
O Brasil demorou para obter a confiança dos agentes econômicos externos e ser visto como um país seguro para negócios e investimentos. Faz poucos anos que as agências de classificação de risco atribuíram ao país a condição de “grau de investimento”, classificação que estimula os investidores mundiais a enviar seus capitais financeiros para abertura de empresas e compra de ativos financeiros brasileiros.
Com o sucesso no combate à inflação obtido após o Plano Real, implantado em 1994, o prosseguimento que Lula deu à política econômica de Fernando Henrique e a melhoria substancial de suas contas externas, a confiança internacional em relação ao Brasil cresceu e favoreceu o crescimento da economia nacional. Assim que assumiu o governo, a presidente Dilma passou a impressão de que seguiria a mesma cartilha e, assim, estaria garantida a continuação da boa vontade do mundo para com a economia brasileira. Entre suas promessas estavam o rigor nos gastos públicos, a transparência e o combate à corrupção.
Entretanto, o que se tem visto nos últimos meses é a corrosão acelerada da confiança internacional no Brasil. A insistência da inflação em ficar próxima ao teto superior da meta – que é de 6,5% ao ano –, o aumento dos gastos correntes do governo, a redução do superávit primário, a baixa taxa de investimento público na infraestrutura, o pífio crescimento do PIB nos últimos dois anos, a piora na balança comercial do país e o represamento dos preços dos combustíveis são alguns dos elementos responsáveis pelo desânimo dos agentes internacionais em relação ao Brasil.
Há algumas semanas, quando a agência de risco Standard&Poor’s (S&P) anunciou que havia colocado a nota do Brasil em perspectiva negativa, vozes do governo se levantaram para criticar a atitude da agência e dizer que o país continua sendo um lugar seguro para investimentos estrangeiros. Infelizmente, as autoridades não tiveram a honestidade de reconhecer que o governo contribuiu para piorar as coisas quando o Ministério da Fazenda manipulou pela terceira vez a contabilidade pública, lançando dúvidas em relação à veracidade das informações.
O ministro Guido Mantega tornou-se personagem desacreditado no mundo e sua demissão chegou a ser sugerida pela prestigiada revista The Economist, que comparou o mau comportamento brasileiro às práticas da Argentina e da Venezuela, países cujas estatísticas oficiais não são mais publicadas por aquela revista, por serem consideradas falsas e manipuladas pelo governo.
A manipulação recorrente dos dados sobre a política fiscal, ajudada pelos demais indicadores ruins, está jogando no lixo a credibilidade da contabilidade pública e das informações econômicas do país. Talvez os governantes brasileiros acabem aprendendo pelo pior caminho que comportamentos supostamente aceitáveis aqui dentro são considerados deploráveis e inaceitáveis pela cultura internacional.
A fuga dos investidores estrangeiros e a saída de dólares do Brasil, numa inversão do fluxo de entrada de moeda estrangeira, são apenas alguns dos sintomas de tantos desacertos. Nesse sentido, a presidente Dilma está causando certa decepção, pois, embora ela não tenha sido brindada, como Lula, pelos bons ventos da economia mundial, esperava-se que sua administração não viesse a contribuir para piorar a situação.
A manipulação recorrente dos dados sobre a política fiscal, ajudada pelos demais indicadores ruins, está jogando no lixo a credibilidade da contabilidade pública e das informações econômicas do Brasil
Para um país do tamanho do Brasil, com população se aproximando dos 200 milhões de habitantes, o crescimento da economia e o desenvolvimento dependem, em larga medida, da inserção internacional, da capacidade de atrair investimentos estrangeiros e da absorção das inovações tecnológicas mundiais. Para isso, é preciso expandir seu comércio exterior e conquistar a confiança dos agentes econômicos internacionais.
A conquista da confiança externa depende de estabilidade política interna e de sólidos fundamentos macroeconômicos, coisas que, por sua vez, dependem de um governo competente, reconhecido no resto do mundo como adepto de políticas de abertura e respeito às regras de boa condução da economia. A solidez dos fundamentos econômicos começa com controle da inflação, crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), equilíbrio das contas públicas, respeito aos contratos juridicamente válidos e transparência das informações e dos indicadores.
O Brasil demorou para obter a confiança dos agentes econômicos externos e ser visto como um país seguro para negócios e investimentos. Faz poucos anos que as agências de classificação de risco atribuíram ao país a condição de “grau de investimento”, classificação que estimula os investidores mundiais a enviar seus capitais financeiros para abertura de empresas e compra de ativos financeiros brasileiros.
Com o sucesso no combate à inflação obtido após o Plano Real, implantado em 1994, o prosseguimento que Lula deu à política econômica de Fernando Henrique e a melhoria substancial de suas contas externas, a confiança internacional em relação ao Brasil cresceu e favoreceu o crescimento da economia nacional. Assim que assumiu o governo, a presidente Dilma passou a impressão de que seguiria a mesma cartilha e, assim, estaria garantida a continuação da boa vontade do mundo para com a economia brasileira. Entre suas promessas estavam o rigor nos gastos públicos, a transparência e o combate à corrupção.
Entretanto, o que se tem visto nos últimos meses é a corrosão acelerada da confiança internacional no Brasil. A insistência da inflação em ficar próxima ao teto superior da meta – que é de 6,5% ao ano –, o aumento dos gastos correntes do governo, a redução do superávit primário, a baixa taxa de investimento público na infraestrutura, o pífio crescimento do PIB nos últimos dois anos, a piora na balança comercial do país e o represamento dos preços dos combustíveis são alguns dos elementos responsáveis pelo desânimo dos agentes internacionais em relação ao Brasil.
Há algumas semanas, quando a agência de risco Standard&Poor’s (S&P) anunciou que havia colocado a nota do Brasil em perspectiva negativa, vozes do governo se levantaram para criticar a atitude da agência e dizer que o país continua sendo um lugar seguro para investimentos estrangeiros. Infelizmente, as autoridades não tiveram a honestidade de reconhecer que o governo contribuiu para piorar as coisas quando o Ministério da Fazenda manipulou pela terceira vez a contabilidade pública, lançando dúvidas em relação à veracidade das informações.
O ministro Guido Mantega tornou-se personagem desacreditado no mundo e sua demissão chegou a ser sugerida pela prestigiada revista The Economist, que comparou o mau comportamento brasileiro às práticas da Argentina e da Venezuela, países cujas estatísticas oficiais não são mais publicadas por aquela revista, por serem consideradas falsas e manipuladas pelo governo.
A manipulação recorrente dos dados sobre a política fiscal, ajudada pelos demais indicadores ruins, está jogando no lixo a credibilidade da contabilidade pública e das informações econômicas do país. Talvez os governantes brasileiros acabem aprendendo pelo pior caminho que comportamentos supostamente aceitáveis aqui dentro são considerados deploráveis e inaceitáveis pela cultura internacional.
A fuga dos investidores estrangeiros e a saída de dólares do Brasil, numa inversão do fluxo de entrada de moeda estrangeira, são apenas alguns dos sintomas de tantos desacertos. Nesse sentido, a presidente Dilma está causando certa decepção, pois, embora ela não tenha sido brindada, como Lula, pelos bons ventos da economia mundial, esperava-se que sua administração não viesse a contribuir para piorar a situação.
Aumenta a censura judicial à imprensa - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 27/08
Mesmo que o Supremo tenha reafirmado o direito à liberdade de expressão, juízes de primeira instância agem como censores dos tempos do AI-5
Diante das aberrações contra as liberdades em geral e a de expressão e imprensa em particular, cometidas no continente, o Brasil desponta como destaque positivo. Mas este é um tipo de comparação que mascara dificuldades que enfrenta o jornalismo profissional no país.
Estar melhor que Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador, em que há governos autoritários e que trabalham com método para impedir a crítica e a veiculação de notícias objetivas que lhes desagradem, não significa viver no melhor dos mundos do ponto de vista da liberdade de imprensa.
Se o Executivo brasileiro não age contra a imprensa, o Poder Judiciário, quase sempre na sua primeira instância, tem posto sob censura diversos veículos, em todo o país. Do ponto de vista jurídico, vive-se uma bizarrice, uma jabuticaba legal, algo talvez só encontrado no Brasil: embora a Constituição garanta a liberdade de expressão e imprensa, juízes de primeiro grau têm aceitado reclamações contra a publicação de reportagens, e concedido liminares que em nada são diferentes dos atos de agentes públicos, da Polícia Federal ou militares, que, na ditadura militar, exerciam a censura prévia em redações.
A vítima mais recente desta censura togada é a “Gazeta do Povo”, do Paraná, impedida, por via judicial, de informar sobre investigações instauradas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o presidente do Tribunal de Justiça do estado, Clayton Camargo.
E quando o reclamante é do Poder Judiciário, o corporativismo entra em ação para tornar lépida a Justiça. Não são apenas pequenos veículos de cidades menores que vivem experiências dos tempos do AI-5. Também um dos grandes jornais brasileiros, “O Estado de S.Paulo”, está proibido, desde 2009, de noticiar a apuração feita pela Polícia Federal de denúncias contra Fernando Sarney, filho do ex-presidente da República e senador José Sarney (PMDB-AP). Em 2011, o Superior Tribunal de Justiça anulou as provas do inquérito. Mas o “Estadão” continua sob censura.
Os casos são disseminados pelo país: Espírito Santo (“Século Diário”), Pará (“Jornal Pessoal”), além de Mato Grosso, Amapá, etc. Há também ataques, bem sucedidos, à liberdade de imprensa por meio do Juizado de Pequenas Causas, até com o sequestro de receitas de editoras e ameaça de multas diárias.
Portanto, mesmo com seu banimento formal confirmado pelo Supremo Tribunal em abril de 2009, quando a Corte derrubou a Lei de Imprensa herdada da ditadura, a censura continua a existir. Entre o que está escrito na Carta e a realidade tem havido grande e dramática distância. Faz sentido que, já no ranking de 2012 da liberdade de expressão, divulgado pela ONG Repórteres sem Fronteiras, o Brasil tenha caído do 99º lugar — colocação nada brilhante — para o 108ª posição. E não há perspectiva de melhora.
Mesmo que o Supremo tenha reafirmado o direito à liberdade de expressão, juízes de primeira instância agem como censores dos tempos do AI-5
Diante das aberrações contra as liberdades em geral e a de expressão e imprensa em particular, cometidas no continente, o Brasil desponta como destaque positivo. Mas este é um tipo de comparação que mascara dificuldades que enfrenta o jornalismo profissional no país.
Estar melhor que Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador, em que há governos autoritários e que trabalham com método para impedir a crítica e a veiculação de notícias objetivas que lhes desagradem, não significa viver no melhor dos mundos do ponto de vista da liberdade de imprensa.
Se o Executivo brasileiro não age contra a imprensa, o Poder Judiciário, quase sempre na sua primeira instância, tem posto sob censura diversos veículos, em todo o país. Do ponto de vista jurídico, vive-se uma bizarrice, uma jabuticaba legal, algo talvez só encontrado no Brasil: embora a Constituição garanta a liberdade de expressão e imprensa, juízes de primeiro grau têm aceitado reclamações contra a publicação de reportagens, e concedido liminares que em nada são diferentes dos atos de agentes públicos, da Polícia Federal ou militares, que, na ditadura militar, exerciam a censura prévia em redações.
A vítima mais recente desta censura togada é a “Gazeta do Povo”, do Paraná, impedida, por via judicial, de informar sobre investigações instauradas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o presidente do Tribunal de Justiça do estado, Clayton Camargo.
E quando o reclamante é do Poder Judiciário, o corporativismo entra em ação para tornar lépida a Justiça. Não são apenas pequenos veículos de cidades menores que vivem experiências dos tempos do AI-5. Também um dos grandes jornais brasileiros, “O Estado de S.Paulo”, está proibido, desde 2009, de noticiar a apuração feita pela Polícia Federal de denúncias contra Fernando Sarney, filho do ex-presidente da República e senador José Sarney (PMDB-AP). Em 2011, o Superior Tribunal de Justiça anulou as provas do inquérito. Mas o “Estadão” continua sob censura.
Os casos são disseminados pelo país: Espírito Santo (“Século Diário”), Pará (“Jornal Pessoal”), além de Mato Grosso, Amapá, etc. Há também ataques, bem sucedidos, à liberdade de imprensa por meio do Juizado de Pequenas Causas, até com o sequestro de receitas de editoras e ameaça de multas diárias.
Portanto, mesmo com seu banimento formal confirmado pelo Supremo Tribunal em abril de 2009, quando a Corte derrubou a Lei de Imprensa herdada da ditadura, a censura continua a existir. Entre o que está escrito na Carta e a realidade tem havido grande e dramática distância. Faz sentido que, já no ranking de 2012 da liberdade de expressão, divulgado pela ONG Repórteres sem Fronteiras, o Brasil tenha caído do 99º lugar — colocação nada brilhante — para o 108ª posição. E não há perspectiva de melhora.
Indústria de invasões - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 27/08
Repete-se, em pelo menos sete Estados brasileiros, uma lamentável situação que apenas prejudica os beneficiários de programas habitacionais do governo federal.
Antes de serem entregues, condomínios de moradias populares do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) ou do Minha Casa Minha Vida têm sido invadidos por moradores das redondezas e, em alguns casos, traficantes.
Como consequência, pessoas contempladas pelos programas veem-se impedidas de se mudar para as unidades habitacionais que, por direito, deveriam ser suas.
Segundo reportagem desta Folha publicada no domingo, em Porto Velho (RO), por exemplo, três condomínios do PAC estão ocupados por mais de mil famílias que invadiram o local há cerca de um ano. Na parede de uma das casas, pode-se ler: "Tem dono".
Não está de todo equivocada a inscrição. O verdadeiro dono do imóvel, no entanto, não é a pessoa que hoje nele reside --frustração que se reproduz na Bahia, no Ceará, no Paraná, no Piauí, no Rio Grande do Norte e em São Paulo.
Enquanto aguardam decisão judicial para que os condomínios sejam retomados, muitas das pessoas contempladas por unidades que foram invadidas continuam morando em condições precárias.
Há, é claro, o outro lado dessa moeda. Salvo nas hipóteses em que criminosos estejam envolvidos, sempre será possível argumentar que os invasores são pessoas que tampouco desfrutavam de moradia satisfatória. O deficit habitacional do país hoje está em torno de 5,4 milhões de unidades.
Essa é, contudo, uma visão ingênua. Do ponto de vista de quem está na fila, a indústria das invasões apenas desvirtua qualquer racionalidade que possa haver nos critérios definidos pelo governo --seja para priorizar famílias mais carentes, seja para distribuir moradias adequadas a cada faixa de renda.
A rigor, a situação é ruim mesmo para os invasores. Além de não terem segurança jurídica de sua situação, ainda vivem em conjuntos habitacionais que, por não terem sido finalizados, permanecem sem energia elétrica e água encanada.
Não é segredo que essas invasões, em sua grande maioria, são articuladas por líderes comunitários. Pois eles deveriam perceber que, nesse caso, prestam enorme desserviço às pessoas que gostariam de ajudar.
Repete-se, em pelo menos sete Estados brasileiros, uma lamentável situação que apenas prejudica os beneficiários de programas habitacionais do governo federal.
Antes de serem entregues, condomínios de moradias populares do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) ou do Minha Casa Minha Vida têm sido invadidos por moradores das redondezas e, em alguns casos, traficantes.
Como consequência, pessoas contempladas pelos programas veem-se impedidas de se mudar para as unidades habitacionais que, por direito, deveriam ser suas.
Segundo reportagem desta Folha publicada no domingo, em Porto Velho (RO), por exemplo, três condomínios do PAC estão ocupados por mais de mil famílias que invadiram o local há cerca de um ano. Na parede de uma das casas, pode-se ler: "Tem dono".
Não está de todo equivocada a inscrição. O verdadeiro dono do imóvel, no entanto, não é a pessoa que hoje nele reside --frustração que se reproduz na Bahia, no Ceará, no Paraná, no Piauí, no Rio Grande do Norte e em São Paulo.
Enquanto aguardam decisão judicial para que os condomínios sejam retomados, muitas das pessoas contempladas por unidades que foram invadidas continuam morando em condições precárias.
Há, é claro, o outro lado dessa moeda. Salvo nas hipóteses em que criminosos estejam envolvidos, sempre será possível argumentar que os invasores são pessoas que tampouco desfrutavam de moradia satisfatória. O deficit habitacional do país hoje está em torno de 5,4 milhões de unidades.
Essa é, contudo, uma visão ingênua. Do ponto de vista de quem está na fila, a indústria das invasões apenas desvirtua qualquer racionalidade que possa haver nos critérios definidos pelo governo --seja para priorizar famílias mais carentes, seja para distribuir moradias adequadas a cada faixa de renda.
A rigor, a situação é ruim mesmo para os invasores. Além de não terem segurança jurídica de sua situação, ainda vivem em conjuntos habitacionais que, por não terem sido finalizados, permanecem sem energia elétrica e água encanada.
Não é segredo que essas invasões, em sua grande maioria, são articuladas por líderes comunitários. Pois eles deveriam perceber que, nesse caso, prestam enorme desserviço às pessoas que gostariam de ajudar.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Molina corria o risco de vida. Foi um ato de solidariedade”
Senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) sobre o resgate do senador asilado em La Paz
PATRIOTA FEZ DO ASILO DE MOLINA UMA PRISÃO POLÍTICA
O ex-chanceler Antonio Patriota interrompeu só uma vez sua atitude omissa e acovardada, durante os 452 dias de asilo do senador Roger Pinto Molina. Ainda assim, para atormentar a vítima, em nome do “bolivarianismo”. Ele foi a La Paz tornar o asilo do perseguido do regime de Evo Morales uma “prisão política”, ordenando restrições a banho de sol, proibindo visitas e segregando-o a cubículo sem janela.
QUE VERGONHA
Segundo diplomatas, a estratégia de Patriota, para bajular o regime de Evo Morales, era vencer Molina pelo cansaço e fazê-lo se entregar.
CRUEL COVARDIA
A ordem cruel do gabinete de Patriota para tomar celular e computador de Molina jamais foi confirmada por escrito, como exigiram diplomatas.
INSISTÊNCIA
Além das visitas pessoais ao Itamaraty, o diplomata Eduardo Sabóia enviou vários telegramas a Patriota pedindo a solução do caso Molina.
BONS PROFISSIONAIS
Como o pai, embaixador Gilberto Sabóia, o diplomata Eduardo Sabóia deixa admiradores por onde passa. Washington foi seu posto anterior.
COVARDIA E SUBMISSÃO MARCAM POLÍTICA EXTERNA
O ex-chanceler Antonio Patriota não recusava chance de mostrar como sua política externa era feita à sua imagem e semelhança: cabisbaixa e submissa diante da arrogância da Venezuela e das desfeitas da Argentina e do regime de Evo Morales. Em março, por exemplo, Evo criou um pretexto para inviabilizar o salvo-conduto ao senador Roger Molina, vetando na mesa de negociações o embaixador, Marcel Biato. Em vez de prestigiar o colega diplomata, Patriota cedeu ao cocaleiro.
PROCESSO NELE
O presidente da OAB-DF, Ibaneis Rocha, foi direto ao ponto: Patriota deveria ser processado por omissão, no caso do senador asilado.
‘COMPAÑEROS’
Além da simpatia do povo e da baixa qualidade da Saúde, brasileiros e cubanos dividem o desejo irrefreável de fazer compras em Miami.
CENÁRIOS DISTINTOS
Pesquisa no Rio Grande do Norte revela que 55,76% aprovam Dilma, enquanto 83,35% desaprovam a governadora Rosalba Ciarlini (DEM).
SEGURA A LÍNGUA
Aspirante a disputar a Presidência, o senador Aécio Neves (MG) foi orientado a “segurar a língua” para não inflamar o desafeto José Serra (SP), que pediu prévias no PSDB para definir o candidato em 2014.
O FUTURO É ONTEM
O esdrúxulo esquema de contratação de médicos cubanos lembra os “escravos de ganho” no Brasil Colônia: os pequenos faz-tudo davam parte do que ganhavam ao “dono”, mas compravam a futura liberdade.
CANA DURA
Escapou da morte, mas pegará perpétua o brasileiro José Oliveira Coutinho, 38, que matou por vingança o casal brasileiro Sczepanik com o filho de 7 anos em Omaha (EUA), em 2009. Lançou os corpos no rio.
ESTÁ EM OUTRA
Em plena articulação para criar o Partido Solidariedade, o deputado Paulo Pereira (PDT-SP), presidente da Força Sindical, não colocou os pés no 5° Congresso Nacional do PDT, no último fim de semana.
VEM NOVIDADE AÍ
Relatora da CPI da Violência contra Mulher, Ana Rita (PT-ES) recebeu telefonema entusiasmado da ministra Eleonora Menicucci (SPM) sobre entrega do relatório final à presidente Dilma, no Senado. A expectativa é de anúncio de verba ou de nova política para as mulheres.
ISOLADO
Sem espaço na base aliada de Dilma, o ministro Fernando Bezerra (Integração) agora tenta reconquistar a confiança do governador Eduardo Campos (PSB-PE), a quem ameaçou trair para se aliar ao PT.
DESDE A DITADURA
Presidente do PPS, Roberto Freire critica a regra que obriga políticos a estarem filiados a partido, durante no mínimo um ano, para disputar as eleições: “Isso foi criado na ditadura, quando governo controlava tudo”.
NA MOITA
O PSB já avisou ao senador Pedro Taques (PDT-MT) que está de braços abertos caso ele não consiga negociar espaço no PDT para sair candidato ao governo de Mato Grosso em 2014.
PENSANDO BEM...
...o senador Roger Pinto agora é o Battisti de Evo Morales.
PODER SEM PUDOR
O PULO DO GATO
Jânio Quadros passeava com d. Eloá nos jardins do Palácio Alvorada quando um gato passou à sua frente, levando-o a saltar para trás.
- Eloá, você viu o pulo do gato? - gabou-se o presidente.
- Jânio, o gato não pulou, ele passou por nós - desdenhou d. Eloá.
- Saltar para trás é o pulo do gato - retorquiu Jânio, sem relaxar - parecido com os deputados e senadores, amigos do poder. Só faltou uma miadinha...
Senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) sobre o resgate do senador asilado em La Paz
PATRIOTA FEZ DO ASILO DE MOLINA UMA PRISÃO POLÍTICA
O ex-chanceler Antonio Patriota interrompeu só uma vez sua atitude omissa e acovardada, durante os 452 dias de asilo do senador Roger Pinto Molina. Ainda assim, para atormentar a vítima, em nome do “bolivarianismo”. Ele foi a La Paz tornar o asilo do perseguido do regime de Evo Morales uma “prisão política”, ordenando restrições a banho de sol, proibindo visitas e segregando-o a cubículo sem janela.
QUE VERGONHA
Segundo diplomatas, a estratégia de Patriota, para bajular o regime de Evo Morales, era vencer Molina pelo cansaço e fazê-lo se entregar.
CRUEL COVARDIA
A ordem cruel do gabinete de Patriota para tomar celular e computador de Molina jamais foi confirmada por escrito, como exigiram diplomatas.
INSISTÊNCIA
Além das visitas pessoais ao Itamaraty, o diplomata Eduardo Sabóia enviou vários telegramas a Patriota pedindo a solução do caso Molina.
BONS PROFISSIONAIS
Como o pai, embaixador Gilberto Sabóia, o diplomata Eduardo Sabóia deixa admiradores por onde passa. Washington foi seu posto anterior.
COVARDIA E SUBMISSÃO MARCAM POLÍTICA EXTERNA
O ex-chanceler Antonio Patriota não recusava chance de mostrar como sua política externa era feita à sua imagem e semelhança: cabisbaixa e submissa diante da arrogância da Venezuela e das desfeitas da Argentina e do regime de Evo Morales. Em março, por exemplo, Evo criou um pretexto para inviabilizar o salvo-conduto ao senador Roger Molina, vetando na mesa de negociações o embaixador, Marcel Biato. Em vez de prestigiar o colega diplomata, Patriota cedeu ao cocaleiro.
PROCESSO NELE
O presidente da OAB-DF, Ibaneis Rocha, foi direto ao ponto: Patriota deveria ser processado por omissão, no caso do senador asilado.
‘COMPAÑEROS’
Além da simpatia do povo e da baixa qualidade da Saúde, brasileiros e cubanos dividem o desejo irrefreável de fazer compras em Miami.
CENÁRIOS DISTINTOS
Pesquisa no Rio Grande do Norte revela que 55,76% aprovam Dilma, enquanto 83,35% desaprovam a governadora Rosalba Ciarlini (DEM).
SEGURA A LÍNGUA
Aspirante a disputar a Presidência, o senador Aécio Neves (MG) foi orientado a “segurar a língua” para não inflamar o desafeto José Serra (SP), que pediu prévias no PSDB para definir o candidato em 2014.
O FUTURO É ONTEM
O esdrúxulo esquema de contratação de médicos cubanos lembra os “escravos de ganho” no Brasil Colônia: os pequenos faz-tudo davam parte do que ganhavam ao “dono”, mas compravam a futura liberdade.
CANA DURA
Escapou da morte, mas pegará perpétua o brasileiro José Oliveira Coutinho, 38, que matou por vingança o casal brasileiro Sczepanik com o filho de 7 anos em Omaha (EUA), em 2009. Lançou os corpos no rio.
ESTÁ EM OUTRA
Em plena articulação para criar o Partido Solidariedade, o deputado Paulo Pereira (PDT-SP), presidente da Força Sindical, não colocou os pés no 5° Congresso Nacional do PDT, no último fim de semana.
VEM NOVIDADE AÍ
Relatora da CPI da Violência contra Mulher, Ana Rita (PT-ES) recebeu telefonema entusiasmado da ministra Eleonora Menicucci (SPM) sobre entrega do relatório final à presidente Dilma, no Senado. A expectativa é de anúncio de verba ou de nova política para as mulheres.
ISOLADO
Sem espaço na base aliada de Dilma, o ministro Fernando Bezerra (Integração) agora tenta reconquistar a confiança do governador Eduardo Campos (PSB-PE), a quem ameaçou trair para se aliar ao PT.
DESDE A DITADURA
Presidente do PPS, Roberto Freire critica a regra que obriga políticos a estarem filiados a partido, durante no mínimo um ano, para disputar as eleições: “Isso foi criado na ditadura, quando governo controlava tudo”.
NA MOITA
O PSB já avisou ao senador Pedro Taques (PDT-MT) que está de braços abertos caso ele não consiga negociar espaço no PDT para sair candidato ao governo de Mato Grosso em 2014.
PENSANDO BEM...
...o senador Roger Pinto agora é o Battisti de Evo Morales.
PODER SEM PUDOR
O PULO DO GATO
Jânio Quadros passeava com d. Eloá nos jardins do Palácio Alvorada quando um gato passou à sua frente, levando-o a saltar para trás.
- Eloá, você viu o pulo do gato? - gabou-se o presidente.
- Jânio, o gato não pulou, ele passou por nós - desdenhou d. Eloá.
- Saltar para trás é o pulo do gato - retorquiu Jânio, sem relaxar - parecido com os deputados e senadores, amigos do poder. Só faltou uma miadinha...
TERÇA NOS JORNAIS
- Globo: Crise no Itamaraty – Apoio de diplomata a fuga de boliviano derruba Patriota
- Folha: Dilma demite chanceler após fuga de senador da Bolívia
- Estadão: Ação na Bolívia derruba Patriota e embaixador na ONU assume vaga
- Correio: Crise derruba Patriota. Diplomata é afastado
- Valor: Nova seca nos EUA eleva o risco de inflação no Brasil
- Estado de Minas: Crise derruba Patriota
- Jornal do Commercio: Crise com a Bolívia derruba ministro
- Zero Hora: Fuga de político boliviano derruba ministro Patriota
- Brasil Econômico: ICMS é o grande desafio da reforma tributária
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