Sinal dos tempos
ALON FEUERWERKER
CORREIO BRAZILIENSE - 30/08/11
Pelo menos num detalhe o governo parece admitir suas limitações. Nos bons tempos, esses R$ 10 bilhões teriam ido para o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Agora vão para os juros
Não faz uma semana o governo batia bumbo sobre o superavit primário de julho, recorde. E sobre o acumulado nos primeiros sete meses do ano. Por ter poupado quatro em cada cinco reais que se dispusera a reservar em 2011 para o pagamento de juros.
Tudo estava bem.
Agora as autoridades econômicas anunciam uma meta adicional de R$ 10 bilhões no esforço fiscal. Não somos governados pelo Tea Party, mas a ideia é similar: em vez de o governo gastar mais, vai conter a própria despesa e, assim, a demanda por recursos privados para alimentar a máquina pública.
O keynesianismo já era.
Com a medida, o governo revela ter concluído que cada real mandado de volta aos investidores gera mais crescimento e emprego do que se for investido ou gasto pelo próprio governo.
Houvesse no Brasil uma oposição de esquerda, ressurgiriam as críticas ao neoliberalismo.
Alguém recordaria os argumentos do Palácio do Planalto quando impôs dar ao salário mínimo e às aposentadorias no começo do ano só a inflação, e olha lá. Dizia que faltava dinheiro para mais. Que aumentos reais iriam quebrar o Brasil.
E foi ecoado pela turma sempre disposta a gritar que o país vai à breca se mais dinheiro for dado para os pobres.
Na época levantei duas hipóteses.
1) O governo enlouquecera ao contratar para o começo de 2012 um senhor aumento real do mínimo e das aposentadorias. Ou 2) o governo tinha como dar mais agora mas preferiu beneficiar os credores em vez de melhorar imediatamente a vida dos mais necessitados.
Deu a alternativa 2, devido ao belo desempenho na arrecadação. Fenômeno que o governo já previa, e por isso aceitou o compromisso com um gordo aumento real em 2012.
Foi uma cruel conta de chegada, pois quem vive do mínimo ou de aposentadoria ficou condenado a atravessar sem proteção o ano inflacionário de 2011. Matematicamente, a área embaixo da curva recebeu uma lipoaspiração e tanto.
Mas o governo não enfrentará dificuldades políticas em decorrência disso.
Espertamente antecipou-se e correu a oferecer o excesso de arrecadação aos banqueiros e a quem tem dinheiro em banco. Nem deu tempo de a turma pendurada no orçamento, no custeio ou nos investimentos, pensar em dar uma mordida no pedaço do filé que sobrou para fora do sanduíche.
E a opinião pública aplaudirá, pois austeridade nos olhos dos outros é um colírio.
Vamos ver o que faz agora o Banco Central. Este mesmo BC perdeu em 2008 a espetacular oportunidade de trazer os juros brasileiros a patamar civilizado, quando a demanda caiu a zero na eclosão da crise.
Foi o corolário perverso da ficção da marolinha. Já que a onda chegaria aqui como marola, o BC teve legitimidade para, num ambiente econômico sem demanda, manter nossos juros reais na liderança do ranking mundial.
Será bom se o movimento fiscal anunciado ontem resultar em atitude diferente agora no Comitê de Política Monetária. Ainda que o cenário da demanda seja bem distinto. Há um desaquecimento, mas nada que se compare ao mergulho de 2008 na piscina vazia.
Do episódio, por enquanto, fica a lição de que bons números trazidos pelo governo devem merecer saudável desconfiança. O superavit primário da semana passada tinha diversos problemas.
Havia um baita pagamento de imposto da Vale, pontual. O resultado brilhante fora conseguido à custa do aumento do imposto, e não de conter gasto. E o custeio permanecia intocado, enquanto o investimento tinha ido para o beleléu.
Veremos se haverá competência e " como se dizia " vontade política agora para mexer no vespeiro.
Pelo menos num detalhe o Palácio do Planalto parece admitir suas limitações. Nos bons tempos esses R$ 10 bilhões teriam ido para o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Agora vão para os juros. Não deixa de ser mesmo um sinal dos tempos.