Podia ser diferente
BENJAMIN STEINBRUCH
FOLHA DE SÃO PAULO - 18/01/11
OS CULPADOS PELAS OCUPAÇÕES IRREGULARES NÃO SÃO OS OCUPANTES, E SIM A AUTORIDADE PÚBLICA
Passados mais de 40 anos, ainda estão em minha memória imagens que vi nos jornais e na televisão da tragédia do deslizamento de morros de Caraguatatuba, no litoral norte de São Paulo. Em 1967, morreram ali 436 pessoas, uma catástrofe para o país e um episódio aterrador para meus olhos de 14 anos.
Infelizmente, nesses anos todos que se passaram desde o deslizamento em Caraguatatuba, tragédias semelhantes se repetiram em vários pontos do país, culminando com a da semana passada na região serrana do Rio de Janeiro, com mais de 600 mortos até agora em quatro municípios.
A memória mais recente nos leva a Blumenau e outros municípios de Santa Catarina, em novembro de 2008; a Angra do Reis, no Réveillon de 2009/2010; a Pernambuco e Alagoas, em junho de 2010; ao Morro do Bumba, Niterói, em abril de 2010; ao Jardim Pantanal, bairro localizado na várzea do rio Tietê, em São Paulo, e a recorrentes enchentes nas marginais de São Paulo, as últimas há duas semanas, que já se tornaram um triste espetáculo para a mídia mundial pelos congestionamentos espetaculares que provocam.
Todos esses eventos terríveis deixaram milhares de desabrigados e centenas de mortos. Em todos ou quase todos há uma marca: o homem ocupando irregularmente espaço que deveria ser preservado para a natureza. Ou seja, pessoas morando em áreas de risco. Só na região metropolitana da Grande São Paulo estima-se que existam mais de 400 dessas áreas com moradias.
Os culpados pelas ocupações irregulares não são os ocupantes, e sim a autoridade pública que permite as construções.
Para administradores de cidades, é politicamente mais interessante -rende mais votos- incentivar obras irregulares, às vezes até fornecendo tijolos e cimento, do que impedi-las. Quando sobrevêm as catástrofes, em geral, os responsáveis pela negligência que levou à tragédia já estão fora da administração.
O país precisa, portanto, de um megaprograma nacional para estimular, ensinar e obrigar as autoridades municipais a cuidar desse problema.
Essa é a atitude que se espera para o futuro a partir de agora, além do uso de tecnologias para sistemas de alerta à população que, em muitas cidades, já estão até instalados, mas muitas vezes não são usados na forma desejada por desleixo ou falta de pessoal qualificado.
De outra parte, será preciso também corrigir erros do passado. Milhares e milhares de residências terão de ser interditadas e as pessoas removidas para habitações seguras.
Trata-se de uma tarefa extraordinariamente difícil, especialmente nas grandes metrópoles, porém necessária em praticamente todas as cidades do país, a cargo das administrações municipais, com apoio estadual e federal.
Perdas de pessoas provocam traumas familiares e não podem ser reparadas. Mas perdas materiais podem. A TV e os jornais mostraram, nos últimos dias, depoimentos dramáticos de pessoas que levaram até 40 anos construindo sua casa, agora aniquilada pela tromba d'água junto com móveis, eletrodomésticos e demais pertences da família.
O Brasil, pela sua performance macroeconômica, vai aos poucos adquirindo status de novo rico na esfera internacional. E, como membro aspirante a essa comunidade, também começa a receber duras cobranças.
Uma consultora da ONU, por exemplo, observou que o Brasil não pode alegar desconhecimento desse problema, que se torna cada vez mais frequente. Não pode ser surpreendido por chuvas que, a despeito de sua virulência tropical, são previsíveis. Lembrou, ainda, que o país tem dinheiro para fazer o que é preciso nessa área. É preciso admitir: a consultora tem razão.
Uma das imagens mais marcantes da tragédia da semana passada na região serrana do Rio saiu no caderno Cotidiano da Folha, mostrando um trator abrindo valas no cemitério municipal de Petrópolis. O país chora e enterra seus mortos. Dava para ser diferente. Desastres naturais e tempestades tropicais não podem ser evitados. Tragédias podem.
BENJAMIN STEINBRUCH, 57, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
Infelizmente, nesses anos todos que se passaram desde o deslizamento em Caraguatatuba, tragédias semelhantes se repetiram em vários pontos do país, culminando com a da semana passada na região serrana do Rio de Janeiro, com mais de 600 mortos até agora em quatro municípios.
A memória mais recente nos leva a Blumenau e outros municípios de Santa Catarina, em novembro de 2008; a Angra do Reis, no Réveillon de 2009/2010; a Pernambuco e Alagoas, em junho de 2010; ao Morro do Bumba, Niterói, em abril de 2010; ao Jardim Pantanal, bairro localizado na várzea do rio Tietê, em São Paulo, e a recorrentes enchentes nas marginais de São Paulo, as últimas há duas semanas, que já se tornaram um triste espetáculo para a mídia mundial pelos congestionamentos espetaculares que provocam.
Todos esses eventos terríveis deixaram milhares de desabrigados e centenas de mortos. Em todos ou quase todos há uma marca: o homem ocupando irregularmente espaço que deveria ser preservado para a natureza. Ou seja, pessoas morando em áreas de risco. Só na região metropolitana da Grande São Paulo estima-se que existam mais de 400 dessas áreas com moradias.
Os culpados pelas ocupações irregulares não são os ocupantes, e sim a autoridade pública que permite as construções.
Para administradores de cidades, é politicamente mais interessante -rende mais votos- incentivar obras irregulares, às vezes até fornecendo tijolos e cimento, do que impedi-las. Quando sobrevêm as catástrofes, em geral, os responsáveis pela negligência que levou à tragédia já estão fora da administração.
O país precisa, portanto, de um megaprograma nacional para estimular, ensinar e obrigar as autoridades municipais a cuidar desse problema.
Essa é a atitude que se espera para o futuro a partir de agora, além do uso de tecnologias para sistemas de alerta à população que, em muitas cidades, já estão até instalados, mas muitas vezes não são usados na forma desejada por desleixo ou falta de pessoal qualificado.
De outra parte, será preciso também corrigir erros do passado. Milhares e milhares de residências terão de ser interditadas e as pessoas removidas para habitações seguras.
Trata-se de uma tarefa extraordinariamente difícil, especialmente nas grandes metrópoles, porém necessária em praticamente todas as cidades do país, a cargo das administrações municipais, com apoio estadual e federal.
Perdas de pessoas provocam traumas familiares e não podem ser reparadas. Mas perdas materiais podem. A TV e os jornais mostraram, nos últimos dias, depoimentos dramáticos de pessoas que levaram até 40 anos construindo sua casa, agora aniquilada pela tromba d'água junto com móveis, eletrodomésticos e demais pertences da família.
O Brasil, pela sua performance macroeconômica, vai aos poucos adquirindo status de novo rico na esfera internacional. E, como membro aspirante a essa comunidade, também começa a receber duras cobranças.
Uma consultora da ONU, por exemplo, observou que o Brasil não pode alegar desconhecimento desse problema, que se torna cada vez mais frequente. Não pode ser surpreendido por chuvas que, a despeito de sua virulência tropical, são previsíveis. Lembrou, ainda, que o país tem dinheiro para fazer o que é preciso nessa área. É preciso admitir: a consultora tem razão.
Uma das imagens mais marcantes da tragédia da semana passada na região serrana do Rio saiu no caderno Cotidiano da Folha, mostrando um trator abrindo valas no cemitério municipal de Petrópolis. O país chora e enterra seus mortos. Dava para ser diferente. Desastres naturais e tempestades tropicais não podem ser evitados. Tragédias podem.
BENJAMIN STEINBRUCH, 57, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).