ESTADÃO - 04/02
Uma mutação toma corpo no sentido de submeter a sociedade a um governo de juízes
O que nos está faltando para adotarmos, ao som de fanfarras cívicas, a pena de morte como remédio heroico para o combate contra a corrupção e os demais males que nos afligem? Já contamos com a condução sob ferros dos nossos prisioneiros, assim expostos publicamente nesse arremedo do pelourinho dos tempos da escravidão, resta dar o passo seguinte, a que parece faltar apenas a iniciativa de um dos nossos justiceiros.
Por onde paira o espírito de um Sobral Pinto, que na defesa do líder comunista Luís Carlos Prestes, encarcerado em condições cruéis pelo regime fascista do Estado Novo, de 1937, invocou em defesa do seu cliente a lei protetora dos animais, embora discordasse de tudo o que ele então professava. Sobral Pinto não pode ser reduzido a um retrato na parede, pois sua advocacia deixou o legado da intransigência na luta pelos direitos humanos, que não pode ser abandonado. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), até então em silêncio, fora personagens isolados, com o tratamento cruel dado a Sérgio Cabral, não se vai pronunciar institucionalmente a respeito da violação da dignidade humana de que ele foi vítima?
Verdade que do Judiciário já se levantaram algumas vozes de protesto, como a do ex-ministro Ayres Britto, mas, como se diz, uma andorinha não faz verão, e é a corporação que tem de falar. O Brasil não é isso que está aí. Nascemos sob o compromisso de fidelidade aos ideais da civilização, nas palavras de Euclides da Cunha, e mal ou bem somos hoje parte relevante do Ocidente político. Passar a limpo a nossa História, como pontificam os pretensos salvadores da pátria que estão aí, não pode ter como ponto de partida a recusa acrítica à obra das gerações que nos antecederam, mas a missão de interpretá-la a fim de imprimir continuidade a seus resultados felizes e expurgar o que de negativo ainda persiste, como a desigualdade social reinante entre grupos e classes sociais, obstáculo maior ao adensamento entre nós da coesão social.
Na cultura política que forjamos ao longo do tempo contamos com a herança inspiradora do humanismo de um José Bonifácio, sempre reverenciado como um dos fundadores do nosso Estado-nação, artefato político cuja unidade soube ser conservada em meio às turbulências naturais a uma sociedade ainda em construção, obra singular no cenário balcanizado sul-americano, processo bem estudado por José Murilo de Carvalho em obra clássica.
Se a nossa cultura material foi construída ao sabor das circunstâncias, sempre em resposta do agente colonizador às oportunidades abertas pelo emergente capitalismo na economia-mundo, para usar categorias caras a Immanuel Wallerstein, no plano dos valores, ao contrário, pode-se falar na existência de uma linha de continuidade desde o processo da independência até os dias de hoje, de vigência da Carta de 88. Florestan Fernandes, em páginas vigorosas do seu A Revolução Burguesa, argumentou no sentido de que a independência, animada pelo liberalismo, importou numa revolução encapuzada, que teria deixado raízes na nossa formação.
Decerto que a modalidade fraca de liberalismo que praticamos coexistiu desde o Império com um Estado que se sobrepunha à sociedade civil, considerada como refratária aos valores da civilização e, como tal, devendo ser exposta a uma longa e pertinaz ação pedagógica da parte do Estado, na forma da argumentação do visconde de Uruguai em seus textos sobre Direito Administrativo, cuja influência persistiu por gerações, como no caso de Oliveira Vianna, ideólogo que desempenhou papel central no processo de modernização desencadeado pela Revolução de 1930.
O tema-chave dessa política consistia no diagnóstico de que o Estado tinha braços curtos, que não lhe permitiriam agir de modo eficaz sobre uma população dispersa num território imenso e, em boa parte, ainda sujeita a costumes bárbaros. Se A Democracia na América, de Alexis de Tocqueville, era reverenciada por boa parte dos estadistas da época, suas lições seriam consideradas intempestivas aqui, por falta de uma sociedade ainda incapaz de assimilá-las.
O remédio institucional concebido para avizinhar o Estado do hinterland foi criar uma magistratura selecionada politicamente a fim de exercer sobre ele uma ação civilizatória. Na República, já no contexto de uma sociedade que se industrializava e conhecia conflitos no mundo do trabalho e sindicatos expressivos, adotou-se, por inspiração de Oliveira Vianna, a fórmula da ordenação corporativa, então em voga no mundo do trabalho europeu, que instalava o Judiciário como forte personagem no mercado de trabalho a fim de exercer controle sobre seus conflitos. Essa modelagem persistiu ao longo do tempo, reforçada pela criação, em 1932, da Justiça Eleitoral.
Seguiu-se à montagem desses novos instrumentos institucionais a construção de uma rede corporativa que, com o tempo, vai firmar uma identidade em torno dos interesses desses profissionais, cuja ação de início obedecia aos comandos e diretivas dos seus vértices institucionais. A Carta de 88, redigida por constituintes descrentes no poder reformador do Legislativo, confiou a novos institutos judiciais papéis quase legislativos, como no mandado de injunção, entre outros, e ampliou o número de agentes com papel ativo no controle de constitucionalidade das leis. Como a experiência vai demonstrar, essas inovações irão afetar o poder soberano, rebaixando sua capacidade discricionária e de governar o País.
Sem querer, silenciosamente uma mutação toma corpo na sociedade e na política no sentido de submetê-la a um governo de juízes. As eleições que se avizinham são o momento oportuno para que a sociedade retome seu destino em suas mãos e avive os partidos e a política, cortando pela raiz esse experimento nefasto a que estamos sendo submetidos.
* Sociólogo da PUC-Rio
domingo, fevereiro 04, 2018
Vamos vestir a carapuça? - MARCOS LISBOA
FOLHA DE SP - 04/02
Demora para iniciar o ajuste das contas pública pode elevar o custo social
O ano começa com boas notícias em meio a velhos problemas. A taxa de desemprego cai, assim como a inflação, e a renda pode crescer cerca de 3% neste ano. Frente à deterioração da economia desde 2011, trata-se de uma notável reversão. A última boa nova foi que o deficit das contas públicas em 2017 ficou em R$ 118 bilhões, menor do que os esperados R$ 159 bilhões.
Entretanto, como enfatizou a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, não há o que celebrar. A receita do governo é menor do que os gastos que devem ser realizados por força de lei, como o pagamento da remuneração dos servidores públicos e da Previdência. O resultado é a redução dos gastos em serviços essenciais, como a manutenção de estradas.
Neste ano, o governo conta com receitas extraordinárias para manter, ainda que precariamente, alguns desses serviços, como a devolução dos empréstimos concedidos ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Em 2019, porém, a falta de recursos poderá levar à paralisia de serviços públicos.
A incapacidade do governo em chegar a um acordo com o Congresso sobre como fazer o ajuste das contas públicas reflete resistências da própria sociedade. Lideranças empresariais rejeitam aumentos de impostos ou a redução dos subsídios. Alguns reclamam dos cortes em Ciência e Tecnologia ao mesmo tempo que rejeitam a reforma da Previdência. Servidores públicos defendem reajustes salariais acima da inflação e benefícios como o auxílio-moradia. O resultado é a degradação das demais políticas públicas. No país da meia-entrada, todos se consideram merecedores de tratamento preferencial.
Muitos argumentam corretamente que um novo governo terá mais legitimidade para negociar o ajuste de modo que os benefícios concedidos pelo Estado caibam no seu orçamento. Esse ajuste será inevitavelmente traumático, pois implicará rever direitos que se acreditam adquiridos, afinal o dinheiro acabou. Contudo, quanto mais demorado for iniciar o ajuste, maior será o custo social, com a degradação de serviços essenciais, como em saúde e em segurança. Muitos eleitos em 2018 talvez não tenham recursos nem mesmo para pagar a conta de luz.
O Rio de Janeiro está na esquina. A natureza concedeu a sua beleza exuberante enquanto a elite deitava em berço esplêndido, ainda que insustentável. A janela de oportunidade de recuperação da economia para o país vai se fechar a menos que aceitemos os sacrifícios inevitáveis, a começar por nós da elite do setor privado e dos servidores públicos. Detalhe: no Brasil, em que a renda por habitante é de R$ 3.000 por mês, quem ganha mais de R$ 20 mil está no grupo dos 2% adultos mais ricos, e acima de R$ 28 mil, no grupo dos 1%.
Marcos de Barros Lisboa, 52, é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia. Foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e é Presidente do Insper.
Cadastro positivo - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 04/02
Mudanças que reduzam o custo de concessão de crédito levam a queda dos spreads
Tramita no Congresso o projeto de lei do Senado de número 212, de 2017, que avança no cadastro positivo.
O cadastro positivo é um serviço prestado por empresas especializadas que avaliam o risco de crédito de pessoas e empresas de acordo com seu histórico de crédito.
Já há no Brasil cadastros negativos, isto é, cadastros que informam às instituições financeiras se a pessoa está inadimplente em algum crédito ou outros compromissos financeiros (água, luz, escola etc.).
No entanto não há um cadastro abrangente que mantenha um resultado de um histórico mais longo de crédito. Por exemplo, um financiamento de veículos já quitado ou uma conta de luz paga.
O maior efeito da inexistência de um bom cadastro positivo é que os grandes bancos têm, particularmente no crédito à pessoa física, forte poder de mercado. Como a informação do histórico de crédito não é pública, o banco que não atende uma pessoa tem dificuldade de avaliar o risco da concessão de crédito a ela. Dada essa dificuldade dos bancos que não atendem essa pessoa, o poder de barganha do banco que a atende é muito maior.
A falta de competição, estimulada pelo alto custo de informação dos bancos concorrentes para avaliar o risco de crédito das pessoas, é um fator de elevação do spread bancário.
O cadastro positivo, ao reduzir muito o custo informacional dos concorrentes, contribui para a elevação da competição bancária. Esse fato será agora mais verdadeiro, quando inúmeras empresas fintechs entram no mercado de concessão de crédito.
Estudo da OCDE de 2010 sugere que a existência de cadastros de crédito abrangentes pode elevar a concessão de crédito em quase 50%.
De fato, já temos um cadastro positivo, mas que não decolou. Na forma atual, a entrada no cadastro ocorre após a autorização prévia do cliente. O prof. Thaler, da Universidade de Chicago, vencedor do Nobel de Economia de 2017, mostrou que comportamentos como a inércia fazem toda a diferença para a economia.
Para fazer parte do cadastro, o cliente precisa dar expressa autorização prévia. A inércia e o custo de solicitar a inclusão de seu nome no Cadastro fazem o consumidor não agir. Em um universo de mais de 100 milhões de clientes, há apenas 5 milhões no cadastro.
A reforma inverte a lógica. Todos estão no cadastro positivo, a não ser que expressem sua vontade de não fazer parte.
A negativação não requer consentimento prévio. O cadastro positivo é a oportunidade de os consumidores hoje negativados reconstruírem seus históricos de bom pagador. Hoje há apenas o registro de que o indivíduo não pagou uma prestação de crediário. Com a nova lei, ficará registrado que ele não pagou essa prestação, mas que paga em dia a água, a luz, as mensalidades escolares e várias outras prestações. Tudo isso estará refletido em uma nota de crédito.
A reforma traz salvaguardas para proteger a privacidade do consumidor. Apenas o escore de crédito, uma nota atribuída por agências de crédito, estará disponível sem o consentimento prévio. A informação detalhada de adimplência de cada compromisso financeiro importa para o cálculo do escore de crédito, mas não por si mesma.
Trata-se de uma importante reforma microeconômica. A experiência recente por exemplo, com crédito em consignação indica que mudanças institucionais que reduzam o custo de concessão de crédito redundam em queda dos spreads bancários.
Oxalá o projeto seja aprovado.
Samuel Pessôa
É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.
Mudanças que reduzam o custo de concessão de crédito levam a queda dos spreads
Tramita no Congresso o projeto de lei do Senado de número 212, de 2017, que avança no cadastro positivo.
O cadastro positivo é um serviço prestado por empresas especializadas que avaliam o risco de crédito de pessoas e empresas de acordo com seu histórico de crédito.
Já há no Brasil cadastros negativos, isto é, cadastros que informam às instituições financeiras se a pessoa está inadimplente em algum crédito ou outros compromissos financeiros (água, luz, escola etc.).
No entanto não há um cadastro abrangente que mantenha um resultado de um histórico mais longo de crédito. Por exemplo, um financiamento de veículos já quitado ou uma conta de luz paga.
O maior efeito da inexistência de um bom cadastro positivo é que os grandes bancos têm, particularmente no crédito à pessoa física, forte poder de mercado. Como a informação do histórico de crédito não é pública, o banco que não atende uma pessoa tem dificuldade de avaliar o risco da concessão de crédito a ela. Dada essa dificuldade dos bancos que não atendem essa pessoa, o poder de barganha do banco que a atende é muito maior.
A falta de competição, estimulada pelo alto custo de informação dos bancos concorrentes para avaliar o risco de crédito das pessoas, é um fator de elevação do spread bancário.
O cadastro positivo, ao reduzir muito o custo informacional dos concorrentes, contribui para a elevação da competição bancária. Esse fato será agora mais verdadeiro, quando inúmeras empresas fintechs entram no mercado de concessão de crédito.
Estudo da OCDE de 2010 sugere que a existência de cadastros de crédito abrangentes pode elevar a concessão de crédito em quase 50%.
De fato, já temos um cadastro positivo, mas que não decolou. Na forma atual, a entrada no cadastro ocorre após a autorização prévia do cliente. O prof. Thaler, da Universidade de Chicago, vencedor do Nobel de Economia de 2017, mostrou que comportamentos como a inércia fazem toda a diferença para a economia.
Para fazer parte do cadastro, o cliente precisa dar expressa autorização prévia. A inércia e o custo de solicitar a inclusão de seu nome no Cadastro fazem o consumidor não agir. Em um universo de mais de 100 milhões de clientes, há apenas 5 milhões no cadastro.
A reforma inverte a lógica. Todos estão no cadastro positivo, a não ser que expressem sua vontade de não fazer parte.
A negativação não requer consentimento prévio. O cadastro positivo é a oportunidade de os consumidores hoje negativados reconstruírem seus históricos de bom pagador. Hoje há apenas o registro de que o indivíduo não pagou uma prestação de crediário. Com a nova lei, ficará registrado que ele não pagou essa prestação, mas que paga em dia a água, a luz, as mensalidades escolares e várias outras prestações. Tudo isso estará refletido em uma nota de crédito.
A reforma traz salvaguardas para proteger a privacidade do consumidor. Apenas o escore de crédito, uma nota atribuída por agências de crédito, estará disponível sem o consentimento prévio. A informação detalhada de adimplência de cada compromisso financeiro importa para o cálculo do escore de crédito, mas não por si mesma.
Trata-se de uma importante reforma microeconômica. A experiência recente por exemplo, com crédito em consignação indica que mudanças institucionais que reduzam o custo de concessão de crédito redundam em queda dos spreads bancários.
Oxalá o projeto seja aprovado.
Samuel Pessôa
É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.
Brasil horror show - FERNANDO GABEIRA
O Globo - 04/02
Talvez tenhamos sofrido um transplante de consciência, mas não deu certo
Vendo o anúncio da série “Altered Carbon” tive uma estranha intuição sobre o que acontece no Brasil. A ideia central é o transplante de consciência de um corpo para outro. Creio que o filme deve levar a refletir também sobre o tema do momento: a inteligência artificial. Talvez tenhamos sofrido um transplante de consciência, só que foi uma operação que não deu certo. Alguns mecanismos deixaram de funcionar ou foram rejeitados pelo cérebro receptor.
Um exemplo: a decisão de Michel Temer de nomear Cristiane Brasil como ministra do Trabalho. Ela foi processada duas vezes na Justiça do Trabalho. Sua nomeação foi bloqueada. Temer insiste.
Com o caso prestes a ser julgado no Supremo, Cristiane Brasil aparece num barco dizendo barbaridades. O que mais repercutiu foi a forma de sua aparição, cercada de homens sem camisa, gritando “É isso aí, doutora”.
Mesmo se estivesse num convento cercada de piedosos frades, ela simplesmente mostrou que não conhece o tema para o qual foi designada: “Não sei quem passa na cabeça dessas pessoas que entraram na justiça contra mim.”
Ao dizer isso, revelou uma falha abissal na sua consciência política. Não ficou claro se ao pronunciar “quem” no lugar de “o que”, ela estava se referindo a uma possível entidade que baixa na cabeça das pessoas — um exu, uma pombajira — quando decidem reclamar seus direitos.
Temer diz que é uma escolha política. Entende por política apenas a relação com o Congresso. Falta nele a dimensão da sociedade. Acredita que basta frequentar programas populares de tevê. Falhas na operação de transplante.
A consciência de Itamar Franco, transplantada com êxito, não hesitaria diante do problema. Ele afastava ministros apenas por aceitarem hotel pago pela Odebrecht.
Foi tudo muito alterado no carbono político brasileiro. Os trabalhadores são insultados com uma escolha de uma ministra processada na Justiça do Trabalho, que nem sabe que santo baixa nas pessoas que reclamam direitos trabalhistas.
No passado, as entidades sindicais protestariam. Mas não se ouvem seus lamentos, nem nas ruas nem no Congresso. Algumas se concentram na defesa de seu líder condenado; outras estão envolvidas no toma-ládá-cá de Brasília.
A alteração transforma a cena política brasileira num show de horror. Uma ministra indicada dizendo aquilo e os homens sem camisa afirmando: todo mundo é processado na Justiça do Trabalho.
Quando digo show de horror não estou fazendo nenhuma alusão aos problemas que preocupam Temer. Ele confessou que sofria muito com a história de que estava ligado a práticas satânicas.
Tudo isso é uma bobagem. Assim como também acho injusto o apelido que ACM deu a Temer: mordomo de filme de terror.
Convivi com Temer alguns anos e o acho uma pessoa tranquila. Ele se parece com uma pessoa cordial. Não há nada de errado externamente. O problema foi esse possível transplante de consciência que não deu certo. Alguns reflexos desapareceram.
As evidências mostram como seu projeto de investir em Cristiane Brasil é um equívoco político. Mas em vez de dar graças a Deus porque juízes bloquearam a nomeação, decide lutar até o fim.
Vão morrer abraçados, Cristiane, Temer, os quatro homens sem camisa e até o ministro Carlos Marun, que, desde o tempo em que defendia Eduardo Cunha, não tem a tecla contato com a realidade social.
“Vocês queriam que ela estivesse de burka?”, perguntou Marun aos repórteres. Ninguém a quer usando burka ou biquíni. O que a consciência dos políticos precisa incorporar é simplesmente isto: é errado nomear não apenas acusados de corrupção mas também pessoas que ignorem o conteúdo de sua pasta.
Marun está para Temer como estava para Cunha: pronto para defender o chefe, não importa se as circunstâncias são constrangedoras.
Com a mesma expressão séria com que afirmava a inocência de Eduardo Cunha, agora se dedica não só a atacar procuradores mas a defender o direito de Temer de indicar seus ministros, sejam quem forem.
Neurônios se perderam na operação, sinapses tornaram-se impossíveis. Interessante é que chamam isso de política. Não percebem que para a própria sociedade, política é algo muito mais amplo e aberto.
O aliado maior de Temer, o PT, queria nos convencer que o objetivo último da vida é consumir eletrodomésticos e viajar de avião. Em nome dele, valia tudo. A parte da quadrilha que sobreviveu quer nos fazer crer que o objetivo central da vida é uma aposentadoria segura. Em nome dela, vale tudo.
O vírus chamado fins justificam os meios acabou se introduzindo na consciência com tanta força na cena política, e talvez seja ele que acionou a degradação do programa mental, tornando a política algo tão vulgar quanto uma pornochanchada.
Talvez tenhamos sofrido um transplante de consciência, mas não deu certo
Vendo o anúncio da série “Altered Carbon” tive uma estranha intuição sobre o que acontece no Brasil. A ideia central é o transplante de consciência de um corpo para outro. Creio que o filme deve levar a refletir também sobre o tema do momento: a inteligência artificial. Talvez tenhamos sofrido um transplante de consciência, só que foi uma operação que não deu certo. Alguns mecanismos deixaram de funcionar ou foram rejeitados pelo cérebro receptor.
Um exemplo: a decisão de Michel Temer de nomear Cristiane Brasil como ministra do Trabalho. Ela foi processada duas vezes na Justiça do Trabalho. Sua nomeação foi bloqueada. Temer insiste.
Com o caso prestes a ser julgado no Supremo, Cristiane Brasil aparece num barco dizendo barbaridades. O que mais repercutiu foi a forma de sua aparição, cercada de homens sem camisa, gritando “É isso aí, doutora”.
Mesmo se estivesse num convento cercada de piedosos frades, ela simplesmente mostrou que não conhece o tema para o qual foi designada: “Não sei quem passa na cabeça dessas pessoas que entraram na justiça contra mim.”
Ao dizer isso, revelou uma falha abissal na sua consciência política. Não ficou claro se ao pronunciar “quem” no lugar de “o que”, ela estava se referindo a uma possível entidade que baixa na cabeça das pessoas — um exu, uma pombajira — quando decidem reclamar seus direitos.
Temer diz que é uma escolha política. Entende por política apenas a relação com o Congresso. Falta nele a dimensão da sociedade. Acredita que basta frequentar programas populares de tevê. Falhas na operação de transplante.
A consciência de Itamar Franco, transplantada com êxito, não hesitaria diante do problema. Ele afastava ministros apenas por aceitarem hotel pago pela Odebrecht.
Foi tudo muito alterado no carbono político brasileiro. Os trabalhadores são insultados com uma escolha de uma ministra processada na Justiça do Trabalho, que nem sabe que santo baixa nas pessoas que reclamam direitos trabalhistas.
No passado, as entidades sindicais protestariam. Mas não se ouvem seus lamentos, nem nas ruas nem no Congresso. Algumas se concentram na defesa de seu líder condenado; outras estão envolvidas no toma-ládá-cá de Brasília.
A alteração transforma a cena política brasileira num show de horror. Uma ministra indicada dizendo aquilo e os homens sem camisa afirmando: todo mundo é processado na Justiça do Trabalho.
Quando digo show de horror não estou fazendo nenhuma alusão aos problemas que preocupam Temer. Ele confessou que sofria muito com a história de que estava ligado a práticas satânicas.
Tudo isso é uma bobagem. Assim como também acho injusto o apelido que ACM deu a Temer: mordomo de filme de terror.
Convivi com Temer alguns anos e o acho uma pessoa tranquila. Ele se parece com uma pessoa cordial. Não há nada de errado externamente. O problema foi esse possível transplante de consciência que não deu certo. Alguns reflexos desapareceram.
As evidências mostram como seu projeto de investir em Cristiane Brasil é um equívoco político. Mas em vez de dar graças a Deus porque juízes bloquearam a nomeação, decide lutar até o fim.
Vão morrer abraçados, Cristiane, Temer, os quatro homens sem camisa e até o ministro Carlos Marun, que, desde o tempo em que defendia Eduardo Cunha, não tem a tecla contato com a realidade social.
“Vocês queriam que ela estivesse de burka?”, perguntou Marun aos repórteres. Ninguém a quer usando burka ou biquíni. O que a consciência dos políticos precisa incorporar é simplesmente isto: é errado nomear não apenas acusados de corrupção mas também pessoas que ignorem o conteúdo de sua pasta.
Marun está para Temer como estava para Cunha: pronto para defender o chefe, não importa se as circunstâncias são constrangedoras.
Com a mesma expressão séria com que afirmava a inocência de Eduardo Cunha, agora se dedica não só a atacar procuradores mas a defender o direito de Temer de indicar seus ministros, sejam quem forem.
Neurônios se perderam na operação, sinapses tornaram-se impossíveis. Interessante é que chamam isso de política. Não percebem que para a própria sociedade, política é algo muito mais amplo e aberto.
O aliado maior de Temer, o PT, queria nos convencer que o objetivo último da vida é consumir eletrodomésticos e viajar de avião. Em nome dele, valia tudo. A parte da quadrilha que sobreviveu quer nos fazer crer que o objetivo central da vida é uma aposentadoria segura. Em nome dela, vale tudo.
O vírus chamado fins justificam os meios acabou se introduzindo na consciência com tanta força na cena política, e talvez seja ele que acionou a degradação do programa mental, tornando a política algo tão vulgar quanto uma pornochanchada.
É preciso separar comportamento de Neymar fora e dentro de campo - TOSTÃO
FOLHA DE SP - 04/02
Como maioria das celebridades, craque curte prazeres e breguices do estrelato
Os grandes talentos, em todas as áreas, são especiais pelo que fazem em seus trabalhos. Fora disso, são pessoas comuns, com virtudes e defeitos, em variadas proporções. Querer que eles sejam cidadãos exemplares está fora da realidade. Há exceções.
Neymar é um supercraque. Fora dos gramados, não me desperta curiosidade, admiração ou rancor. Como a maioria das celebridades, ele curte os prazeres, as breguices e as idiotices do estrelato. A fama costuma empobrecer o ser humano.
Como Messi é um raro craque sombrio e discreto, muitos querem que Neymar seja como ele. Apesar de ser vaidoso e gostar dos elogios, como todos os humanos, Messi é fascinado somente pelo que faz nos gramados. É indiferente ao estrelismo. Mesmo o narcisista Cristiano Ronaldo possui uma relação com a fama mais profissional que Neymar.
Vejo como exageradas as milhares de críticas e polêmicas sobre Neymar. Misturam também o craque com o personagem. A antipatia que muitos têm sobre ele chega ao ponto de, em uma eleição, feita pela internet, da seleção da Uefa, Neymar ser preterido por Hazard, apenas um excelente jogador. A diferença entre os dois é enorme.
Dentro de campo, os possíveis atritos e as fofocas sobre Neymar e Cavani continuam nos noticiários. Mesmo sendo o cobrador oficial do PSG, Neymar poderia ter sido generoso e deixar Cavani bater o pênaltique daria a ele o título de maior artilheiro da história do clube. Prevaleceu a ambição de Neymar, sentimento frequente entre os grandes craques de todas as épocas. Cavani comemorou o gol com Neymar e atingiu a marca no jogo seguinte. Nenhuma grande desavença entre os dois.
Nelson Rodrigues, com suas hipérboles, exageros, dizia que a maior qualidade de Pelé era a imodéstia absoluta, por, em campo, ter a certeza de que era muito melhor que todos.
O que me preocupa são a irreverência, as reações agressivas e os chiliques de Neymar contra os duros marcadores. Ele já foi expulso oito vezes na carreira, até o fim de 2017, quase uma expulsão por ano, além de receber 138 cartões amarelos, segundo reportagem do Globoesporte.com. Imagine se Neymar for expulso em um jogo decisivo da Copa. Tite vai tentar catequizá-lo.
Se o PSG for eliminado pelo Real Madrid na Liga dos Campeões, um resultado normal, o comentário inoportuno já está pronto, de que o plano de Neymar de ser o melhor do mundo fracassou. Mesmo se isso ocorrer e Neymar não for bem na Copa, ele continuará entre os grandes do futebol. Se o Real for eliminado, outros comentários prontos serão os de que Zidane não domina mais o vestiário —chavão muito usado nas derrotas e nas vitórias—, que o Real vai contratar Neymar para o lugar de Cristiano Ronaldo e que o português está decadente.
Muitos jogadores inferiores a Neymar já foram eleitos os melhores do mundo, como Figo, Cannavaro, Kaká e outros. Se não existissem Messi e Cristiano Ronaldo, Neymar já teria ganhado o título. O que Neymar precisa alcançar é se tornar um forte e habitual candidato a essa conquista.
O maior compromisso de um artista é com sua arte. Neymar, quando entra em campo, quase sempre está muito bem preparado e com enorme gana de brilhar e de vencer. Grave seria se Neymar, em seu comportamento, nos treinos e jogos, fosse desconcentrado e acomodado.
Tostão
Médico e ex-jogador, é um dos heróis da conquista da Copa de 1970. Afastou-se dos campos devido a um problema de descolamento da retina.
Como maioria das celebridades, craque curte prazeres e breguices do estrelato
Os grandes talentos, em todas as áreas, são especiais pelo que fazem em seus trabalhos. Fora disso, são pessoas comuns, com virtudes e defeitos, em variadas proporções. Querer que eles sejam cidadãos exemplares está fora da realidade. Há exceções.
Neymar é um supercraque. Fora dos gramados, não me desperta curiosidade, admiração ou rancor. Como a maioria das celebridades, ele curte os prazeres, as breguices e as idiotices do estrelato. A fama costuma empobrecer o ser humano.
Como Messi é um raro craque sombrio e discreto, muitos querem que Neymar seja como ele. Apesar de ser vaidoso e gostar dos elogios, como todos os humanos, Messi é fascinado somente pelo que faz nos gramados. É indiferente ao estrelismo. Mesmo o narcisista Cristiano Ronaldo possui uma relação com a fama mais profissional que Neymar.
Vejo como exageradas as milhares de críticas e polêmicas sobre Neymar. Misturam também o craque com o personagem. A antipatia que muitos têm sobre ele chega ao ponto de, em uma eleição, feita pela internet, da seleção da Uefa, Neymar ser preterido por Hazard, apenas um excelente jogador. A diferença entre os dois é enorme.
Dentro de campo, os possíveis atritos e as fofocas sobre Neymar e Cavani continuam nos noticiários. Mesmo sendo o cobrador oficial do PSG, Neymar poderia ter sido generoso e deixar Cavani bater o pênaltique daria a ele o título de maior artilheiro da história do clube. Prevaleceu a ambição de Neymar, sentimento frequente entre os grandes craques de todas as épocas. Cavani comemorou o gol com Neymar e atingiu a marca no jogo seguinte. Nenhuma grande desavença entre os dois.
Nelson Rodrigues, com suas hipérboles, exageros, dizia que a maior qualidade de Pelé era a imodéstia absoluta, por, em campo, ter a certeza de que era muito melhor que todos.
O que me preocupa são a irreverência, as reações agressivas e os chiliques de Neymar contra os duros marcadores. Ele já foi expulso oito vezes na carreira, até o fim de 2017, quase uma expulsão por ano, além de receber 138 cartões amarelos, segundo reportagem do Globoesporte.com. Imagine se Neymar for expulso em um jogo decisivo da Copa. Tite vai tentar catequizá-lo.
Se o PSG for eliminado pelo Real Madrid na Liga dos Campeões, um resultado normal, o comentário inoportuno já está pronto, de que o plano de Neymar de ser o melhor do mundo fracassou. Mesmo se isso ocorrer e Neymar não for bem na Copa, ele continuará entre os grandes do futebol. Se o Real for eliminado, outros comentários prontos serão os de que Zidane não domina mais o vestiário —chavão muito usado nas derrotas e nas vitórias—, que o Real vai contratar Neymar para o lugar de Cristiano Ronaldo e que o português está decadente.
Muitos jogadores inferiores a Neymar já foram eleitos os melhores do mundo, como Figo, Cannavaro, Kaká e outros. Se não existissem Messi e Cristiano Ronaldo, Neymar já teria ganhado o título. O que Neymar precisa alcançar é se tornar um forte e habitual candidato a essa conquista.
O maior compromisso de um artista é com sua arte. Neymar, quando entra em campo, quase sempre está muito bem preparado e com enorme gana de brilhar e de vencer. Grave seria se Neymar, em seu comportamento, nos treinos e jogos, fosse desconcentrado e acomodado.
Tostão
Médico e ex-jogador, é um dos heróis da conquista da Copa de 1970. Afastou-se dos campos devido a um problema de descolamento da retina.
O sentido da vida dos Estaduais - MARCELO BARRETO
O Globo - 04/01
Eu tenho saudade do Estadual. Sei que é preciso relativizar: ouvi outro dia, de um integrante do grupo de comédia inglês Monty Python, num documentário sobre sua obra, que as pessoas não sonhavam reunir novamente os Beatles só por causa da música, mas movidas por um desejo inconsciente de voltar a ser o que eram quando John, Paul, George e Ringo estavam juntos — em resumo, jovens.
Sei também que a memória é seletiva: as primeiras imagens que vêm à mente quando bate o saudosismo são de ídolos como Zico e Roberto Dinamite, de gols marcantes como o da barriga de Renato Gaúcho e o de Maurício encerrando o jejum; o Ladrilheiro e a volta olímpica da caravela ficam guardados na prateleira do esquecimento, em meio a tantos outros momentos que não merecem mais do que a poeira do tempo.
Então, talvez eu precise reformular: tenho saudade do tempo em que o Estadual era relevante. Organizado, quase nunca foi — como de resto ainda não é o futebol nacional. Mas não precisava brigar contra a própria desimportância. Nasci pouco antes da criação do Brasileiro, que levou um bom tempo para rivalizar com os regionais na preferência de clubes e torcidas. No caso específico do Rio, não bastou o primeiro título de um clube do Estado, o Vasco de Dinamite em 1974, para que o interesse migrasse para o país. A sequência de títulos do Flamengo nos anos 80, que levou à conquista da Libertadores, foi mais importante para mudar esse padrão — embora não tenha diminuído a rivalidade local, como os já citados Maurício e Renato provariam em 89 e 95, respectivamente.
O golpe de misericórdia veio com a adoção do sistema de pontos corridos, em 2003. O Brasileiro passou a ocupar mais datas de um calendário já inchado, que precisava acomodar ainda competições mais importantes para os clubes, como a Libertadores e a Copa do Brasil. Os Estaduais ficaram espremidos no começo da temporada, sujeitos aos problemas da época no futebol nacional, como por exemplo o fato de que os times ainda não estão montados. Iniciativas como a do AtléticoPR, que passou a escalar a equipe sub-23 para disputar o Paranaense, marcaram essa nova etapa, e passou a ser mais comum ver pequenos conquistando títulos – caso do Novo Hamburgo no último Gauchão.
Hoje, os Estaduais existem basicamente por uma razão: eleger o presidente da CBF. Como os votos das 27 federações, somados, valem mais do que os dos 40 maiores clubes do país, é preciso manter os eleitores satisfeitos. O Campeonato Carioca pode ter o Fluminense jogando para pouco mais de 400 testemunhas num estádio praguejado por formigas, onde o gandula precisa acender a lanterna do celular para buscar a bola que cai no matagal atrás do gol. Se for para garantir o resultado nas urnas, bola pro mato que o jogo é de campeonato!
Retrato da desimportância
Veja-se, agora, o falso dilema do Vasco: escalar ou não os titulares para o jogo de hoje, contra o Volta Redonda? Digo falso porque na vida real ele não existe. Tudo indica que Zé Ricardo vai botar 11 reservas em campo, poupando o time para receber o Universidad Concepción pela Libertadores — num confronto, na prática, já decidido, depois dos 4 a 0 no Chile.
A análise de cenário não é muito complicada: garantir a vaga na semifinal da Taça Guanabara significa acrescentar um ou dois jogos decisivos antes dos confrontos da próxima fase da Libertadores, na Bolívia (e se o adversário for o Jorge Wilstermann, como parece provável, um deles será nos 2.830m de altitude de Sucre). É vantagem?
Continuo acreditando que ninguém joga para perder. Mas a cada ano estamos vendo mais cenários em que não vale muito a pena vencer. Talvez esteja na hora de ver o lado bom da morte dos Estaduais.
Basquete na cabeça
Anderson Varejão estreou com festa no basquete do Flamengo. Diego, Julio Cesar, Vinicius Júnior e Lucas Paquetá, astros do time de futebol, juntaram-se ao bom público que foi à Arena Olímpica assistir à fácil vitória sobre o Campo Mourão. Perucas cacheadas homenagearam o pivô, que volta também à seleção brasileira, ao lado de Leandrinho, outro repatriado da NBA, convocados pelo técnico Aleksandar Petrovic para dois jogos das eliminatórias do Mundial.
É o começo de uma longa trajetória para salvar um exesporte olímpico brasileiro, que tenta se modernizar com outra iniciativa importante: agora, os atletas também votam para eleger o presidente da CBB. Por enquanto, só os que já defenderam a seleção estão aptos, o que já gerou críticas ao modelo. Mas é um começo.
Correção
Na última coluna, escrevi que Nenê se despediu do Vasco com status de ídolo sem ter conquistado nenhum título. Errei: ele foi campeão estadual invicto em 2016, marcando 7 gols e sendo eleito o craque da competição. Peço desculpas ao jogador e aos leitores.
Eu tenho saudade do Estadual. Sei que é preciso relativizar: ouvi outro dia, de um integrante do grupo de comédia inglês Monty Python, num documentário sobre sua obra, que as pessoas não sonhavam reunir novamente os Beatles só por causa da música, mas movidas por um desejo inconsciente de voltar a ser o que eram quando John, Paul, George e Ringo estavam juntos — em resumo, jovens.
Sei também que a memória é seletiva: as primeiras imagens que vêm à mente quando bate o saudosismo são de ídolos como Zico e Roberto Dinamite, de gols marcantes como o da barriga de Renato Gaúcho e o de Maurício encerrando o jejum; o Ladrilheiro e a volta olímpica da caravela ficam guardados na prateleira do esquecimento, em meio a tantos outros momentos que não merecem mais do que a poeira do tempo.
Então, talvez eu precise reformular: tenho saudade do tempo em que o Estadual era relevante. Organizado, quase nunca foi — como de resto ainda não é o futebol nacional. Mas não precisava brigar contra a própria desimportância. Nasci pouco antes da criação do Brasileiro, que levou um bom tempo para rivalizar com os regionais na preferência de clubes e torcidas. No caso específico do Rio, não bastou o primeiro título de um clube do Estado, o Vasco de Dinamite em 1974, para que o interesse migrasse para o país. A sequência de títulos do Flamengo nos anos 80, que levou à conquista da Libertadores, foi mais importante para mudar esse padrão — embora não tenha diminuído a rivalidade local, como os já citados Maurício e Renato provariam em 89 e 95, respectivamente.
O golpe de misericórdia veio com a adoção do sistema de pontos corridos, em 2003. O Brasileiro passou a ocupar mais datas de um calendário já inchado, que precisava acomodar ainda competições mais importantes para os clubes, como a Libertadores e a Copa do Brasil. Os Estaduais ficaram espremidos no começo da temporada, sujeitos aos problemas da época no futebol nacional, como por exemplo o fato de que os times ainda não estão montados. Iniciativas como a do AtléticoPR, que passou a escalar a equipe sub-23 para disputar o Paranaense, marcaram essa nova etapa, e passou a ser mais comum ver pequenos conquistando títulos – caso do Novo Hamburgo no último Gauchão.
Hoje, os Estaduais existem basicamente por uma razão: eleger o presidente da CBF. Como os votos das 27 federações, somados, valem mais do que os dos 40 maiores clubes do país, é preciso manter os eleitores satisfeitos. O Campeonato Carioca pode ter o Fluminense jogando para pouco mais de 400 testemunhas num estádio praguejado por formigas, onde o gandula precisa acender a lanterna do celular para buscar a bola que cai no matagal atrás do gol. Se for para garantir o resultado nas urnas, bola pro mato que o jogo é de campeonato!
Retrato da desimportância
Veja-se, agora, o falso dilema do Vasco: escalar ou não os titulares para o jogo de hoje, contra o Volta Redonda? Digo falso porque na vida real ele não existe. Tudo indica que Zé Ricardo vai botar 11 reservas em campo, poupando o time para receber o Universidad Concepción pela Libertadores — num confronto, na prática, já decidido, depois dos 4 a 0 no Chile.
A análise de cenário não é muito complicada: garantir a vaga na semifinal da Taça Guanabara significa acrescentar um ou dois jogos decisivos antes dos confrontos da próxima fase da Libertadores, na Bolívia (e se o adversário for o Jorge Wilstermann, como parece provável, um deles será nos 2.830m de altitude de Sucre). É vantagem?
Continuo acreditando que ninguém joga para perder. Mas a cada ano estamos vendo mais cenários em que não vale muito a pena vencer. Talvez esteja na hora de ver o lado bom da morte dos Estaduais.
Basquete na cabeça
Anderson Varejão estreou com festa no basquete do Flamengo. Diego, Julio Cesar, Vinicius Júnior e Lucas Paquetá, astros do time de futebol, juntaram-se ao bom público que foi à Arena Olímpica assistir à fácil vitória sobre o Campo Mourão. Perucas cacheadas homenagearam o pivô, que volta também à seleção brasileira, ao lado de Leandrinho, outro repatriado da NBA, convocados pelo técnico Aleksandar Petrovic para dois jogos das eliminatórias do Mundial.
É o começo de uma longa trajetória para salvar um exesporte olímpico brasileiro, que tenta se modernizar com outra iniciativa importante: agora, os atletas também votam para eleger o presidente da CBB. Por enquanto, só os que já defenderam a seleção estão aptos, o que já gerou críticas ao modelo. Mas é um começo.
Correção
Na última coluna, escrevi que Nenê se despediu do Vasco com status de ídolo sem ter conquistado nenhum título. Errei: ele foi campeão estadual invicto em 2016, marcando 7 gols e sendo eleito o craque da competição. Peço desculpas ao jogador e aos leitores.
A dúvida - UGO GIORGETTI
ESTADÃO - 04/02
O incerto e o duvidoso são parte do fascínio contido no esporte. E também na vida
De vez em quando vejo partidas de campeonatos internacionais. Ultimamente tem me chamado a atenção nas transmissões o número e a variedade de câmeras que, de quase todos os ângulos possíveis e imagináveis, seguem o jogo. Algo me diz que esse fenômeno é mais notado no Inglês, mas não tenho certeza. O que é claro é que a missão das transmissões é transformar o futebol numa atividade acima de qualquer dúvida.
A tecnologia dá a impressão de estar a serviço de uma exatidão e perfeição, não só das imagens, mas sobretudo das decisões que determinam o resultado das partidas. O futebol não é a única modalidade sob mira dos fanáticos da verdade. O basquete, principalmente o americano, sofre bastante desse mal, não fossem os Estados Unidos os primeiros inventores de refinadas técnicas para descobrir enganos e puni-los sem piedade. São tão sofisticados na NBA que, apesar dos três juízes na quadra, ainda contam com uma central de vídeo, com sede em Seattle, capaz de dirimir qualquer dúvida.
Os três juízes frequentemente confabulam e, dada a incrível rapidez do jogo, mesmo com auxílio das câmeras de quadra que repetem o lance inúmeras vezes, ainda assim ficam em dúvida. E não pode haver mais dúvidas. O espetáculo não pode mais ser prejudicado por meros seres humanos falíveis. Apelam então para as frias máquinas de Seattle, que dão seu voto decisivo. Não sei bem o que vêm em Seattle, mas é como se fosse a palavra de Deus: ninguém contesta o que determinam.
No tênis já inventaram uma maquininha que apita estridentemente se uma bola bate sobre a linha. Imaginem a precisão da engenhoca, dada a velocidade com que são arremessadas as bolas. Em suma, há uma verdadeira caça ao lance duvidoso, polêmico, incerto.
Essa incerteza, que sempre fez parte do futebol, parece ter seus dias contados. Temos agora a profusão de câmeras e seus expedientes para tentar achar a verdade do lance, aquilo que se oculta e dá margem a dúvidas. Esquecem essas pessoas que o incerto e o duvidoso são parte do fascínio contido no esporte. E não só no esporte. O incerto, o que não temos certeza, é que nos mantém vivos e alertas do momento em que nascemos ao último dia.
A vida é fascinante exatamente porque sabemos muito pouco sobre ela. Quase todos os fatos que se apresentam na nossa vida diária são vagos e admitem várias maneiras de interpretá-los. Assim, o desafio à capacidade do ser humano de decifrar o que se passa é parte da grandeza de qualquer competição esportiva. Se essa missão for deixada à máquina, grande parte, para não dizer o total de seu charme e encantamento, vão se esvaziar.
E mais, é a dúvida que fixa jogos na memória. Lembro de um jogo entre Corinthians e São Paulo de épocas mais do que passadas, e minha lembrança é mais notável porque não torço para nenhum dos dois times. Um deles ganhou por 1 a 0 se lembro bem, e o gol até hoje não se sabe se foi legal ou não. Havia um buraco, que ninguém notou, na rede de uma das traves do Pacaembu, num dos cantos baixos. A bola entrou talvez pelo buraco, mas pode ter entrado direto no gol.
A velocidade do lance turvou o julgamento preciso e o jogo acabou 1 a 0. Durante semanas só se falou nisso. Teria a bola entrado por fora, ou não? O que vale dizer que foi o duvidoso, o improvável, que conservou por tantas décadas na minha memória um jogo morto e esquecido.
Talvez alguém atingido pela mania de exatidão dos dias de hoje prefira consultar o Google sobre esse Corinthians e São Paulo. Vai saber o ano exato, a renda exata e as escalações exatas do jogo e, creio, nenhuma palavra sobre o lance que decidiu a partida. Teria informações boas para a exatidão dos fatos, mas péssimas para a poesia da memória.
O incerto e o duvidoso são parte do fascínio contido no esporte. E também na vida
De vez em quando vejo partidas de campeonatos internacionais. Ultimamente tem me chamado a atenção nas transmissões o número e a variedade de câmeras que, de quase todos os ângulos possíveis e imagináveis, seguem o jogo. Algo me diz que esse fenômeno é mais notado no Inglês, mas não tenho certeza. O que é claro é que a missão das transmissões é transformar o futebol numa atividade acima de qualquer dúvida.
A tecnologia dá a impressão de estar a serviço de uma exatidão e perfeição, não só das imagens, mas sobretudo das decisões que determinam o resultado das partidas. O futebol não é a única modalidade sob mira dos fanáticos da verdade. O basquete, principalmente o americano, sofre bastante desse mal, não fossem os Estados Unidos os primeiros inventores de refinadas técnicas para descobrir enganos e puni-los sem piedade. São tão sofisticados na NBA que, apesar dos três juízes na quadra, ainda contam com uma central de vídeo, com sede em Seattle, capaz de dirimir qualquer dúvida.
Os três juízes frequentemente confabulam e, dada a incrível rapidez do jogo, mesmo com auxílio das câmeras de quadra que repetem o lance inúmeras vezes, ainda assim ficam em dúvida. E não pode haver mais dúvidas. O espetáculo não pode mais ser prejudicado por meros seres humanos falíveis. Apelam então para as frias máquinas de Seattle, que dão seu voto decisivo. Não sei bem o que vêm em Seattle, mas é como se fosse a palavra de Deus: ninguém contesta o que determinam.
No tênis já inventaram uma maquininha que apita estridentemente se uma bola bate sobre a linha. Imaginem a precisão da engenhoca, dada a velocidade com que são arremessadas as bolas. Em suma, há uma verdadeira caça ao lance duvidoso, polêmico, incerto.
Essa incerteza, que sempre fez parte do futebol, parece ter seus dias contados. Temos agora a profusão de câmeras e seus expedientes para tentar achar a verdade do lance, aquilo que se oculta e dá margem a dúvidas. Esquecem essas pessoas que o incerto e o duvidoso são parte do fascínio contido no esporte. E não só no esporte. O incerto, o que não temos certeza, é que nos mantém vivos e alertas do momento em que nascemos ao último dia.
A vida é fascinante exatamente porque sabemos muito pouco sobre ela. Quase todos os fatos que se apresentam na nossa vida diária são vagos e admitem várias maneiras de interpretá-los. Assim, o desafio à capacidade do ser humano de decifrar o que se passa é parte da grandeza de qualquer competição esportiva. Se essa missão for deixada à máquina, grande parte, para não dizer o total de seu charme e encantamento, vão se esvaziar.
E mais, é a dúvida que fixa jogos na memória. Lembro de um jogo entre Corinthians e São Paulo de épocas mais do que passadas, e minha lembrança é mais notável porque não torço para nenhum dos dois times. Um deles ganhou por 1 a 0 se lembro bem, e o gol até hoje não se sabe se foi legal ou não. Havia um buraco, que ninguém notou, na rede de uma das traves do Pacaembu, num dos cantos baixos. A bola entrou talvez pelo buraco, mas pode ter entrado direto no gol.
A velocidade do lance turvou o julgamento preciso e o jogo acabou 1 a 0. Durante semanas só se falou nisso. Teria a bola entrado por fora, ou não? O que vale dizer que foi o duvidoso, o improvável, que conservou por tantas décadas na minha memória um jogo morto e esquecido.
Talvez alguém atingido pela mania de exatidão dos dias de hoje prefira consultar o Google sobre esse Corinthians e São Paulo. Vai saber o ano exato, a renda exata e as escalações exatas do jogo e, creio, nenhuma palavra sobre o lance que decidiu a partida. Teria informações boas para a exatidão dos fatos, mas péssimas para a poesia da memória.
Agronegócio e expansão industrial - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
ESTADÃO - 04/02
Um substancial parque industrial suporta e amplifica nossa competitividade
O agronegócio, com sua sofisticação tecnológica, traz muitas oportunidades de expansão industrial.
A mais evidente está ligada ao processo produtivo: máquinas, como tratores, colheitadeiras e implementos de todos os tipos para a produção agrícola; insumos, entre os quais se destacam os fertilizantes e os defensivos; equipamentos de diversas naturezas como os utilizados na produção florestal e no tratamento da madeira; para tratamento de resíduos e efluentes, que permitem a produção de materiais úteis e energia elétrica; sistemas de irrigação; para a produção leiteira (que, hoje, inclui até robôs); para produção de energia; fábricas de ração para animais; sais, vitaminas e produtos veterinários, para listar os mais relevantes. A imensa maioria desses bens são produzidos aqui.
Nas tecnologias mais recentes, há ainda a combinação de bens e serviços decorrentes da digitalização do setor, como drones, sistemas automatizados de alimentação de animais, sistemas de controle de irrigação, sistemas de gestão da propriedade e da empresa etc.
Uma área enorme se abre no que tange ao processamento, embalagem e a armazenagem dos produtos agrícolas e de uma extensa cadeia ligada à produção de alimentos e fibras e à exportação.
Coisas novas estão ocorrendo na produção de energia e combustíveis. Aqui, muito já se fez, como o desenvolvimento de motores flexíveis e os programas do etanol e do biodiesel. Entretanto, muito mais está por acontecer, como por exemplo, a possibilidade de desenvolvimento de carros híbridos movidos a etanol e combustíveis de segunda geração.
Ainda falando de inovações, estamos em meio a grandes avanços na produção de novos materiais, decorrentes de tecnologias, que permitem manipulação até o nível atômico. Em futuro breve, voltaremos a esse tema.
A reconhecida competitividade do agronegócio brasileiro não decorre apenas do seu povo, de seus recursos naturais e do avanço das pesquisas. Um substancial parque industrial participa, suporta e amplifica nossa posição.
Esses segmentos industriais e muitos serviços não pararam de crescer e investir, mesmo em meio a enorme crise que se abateu sobre o País. Grandes oportunidades estão ainda por ser aproveitadas ou desenvolvidas.
Exemplo. Um belo exemplo de inovação industrial associada ao agronegócio ocorreu na nova fábrica de celulose da Suzano, recém-instalada em Imperatriz do Maranhão.
No fim do ano passado foi inaugurada, dentro do complexo da celulose, uma unidade satélite da Peróxidos do Brasil (joint venture do grupo Solvay e da Produtos Químicos Makay), produtora de peróxido de hidrogênio, a primeira do mundo desse tipo.
Esse projeto tem várias características especiais. Sendo uma planta dedicada, é de escala relativamente baixa, de 12 mil toneladas/ano. Apenas para comparar, as escalas usuais para produção do produto chegam até a 300 mil toneladas/ano.
Entretanto, para que essa planta tivesse custo competitivo foram necessários revisão e redesenho da química de processo e do design de equipamentos. A unidade combina uma gama única de novas tecnologias proprietárias e inovadoras, com um processo simplificado e intensificado, um layout modular e compacto e um projeto pré-moldado e montado em plataforma. Foram totalmente desenvolvidas no Brasil e algumas dessas inovações foram patenteadas.
A operação é remota, mas não independente, uma vez que é totalmente controlada pela planta-mãe que se localiza em Curitiba.
Reforça a competitividade do novo projeto, o fato de se utilizar da infraestrutura industrial, das utilidades e matérias-primas já disponíveis no site do cliente, em Imperatriz do Maranhão.
Finalmente, a original solução desenvolvida para esse projeto tem um forte apelo ambiental, pois a planta evita centenas de viagens de caminhão que teriam de ocorrer se o suprimento do produto tivesse que ser feito da fábrica no centro-sul do País.
O novo desenho deverá ser exportado para outros locais do mundo.
*ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS.
Um substancial parque industrial suporta e amplifica nossa competitividade
O agronegócio, com sua sofisticação tecnológica, traz muitas oportunidades de expansão industrial.
A mais evidente está ligada ao processo produtivo: máquinas, como tratores, colheitadeiras e implementos de todos os tipos para a produção agrícola; insumos, entre os quais se destacam os fertilizantes e os defensivos; equipamentos de diversas naturezas como os utilizados na produção florestal e no tratamento da madeira; para tratamento de resíduos e efluentes, que permitem a produção de materiais úteis e energia elétrica; sistemas de irrigação; para a produção leiteira (que, hoje, inclui até robôs); para produção de energia; fábricas de ração para animais; sais, vitaminas e produtos veterinários, para listar os mais relevantes. A imensa maioria desses bens são produzidos aqui.
Nas tecnologias mais recentes, há ainda a combinação de bens e serviços decorrentes da digitalização do setor, como drones, sistemas automatizados de alimentação de animais, sistemas de controle de irrigação, sistemas de gestão da propriedade e da empresa etc.
Uma área enorme se abre no que tange ao processamento, embalagem e a armazenagem dos produtos agrícolas e de uma extensa cadeia ligada à produção de alimentos e fibras e à exportação.
Coisas novas estão ocorrendo na produção de energia e combustíveis. Aqui, muito já se fez, como o desenvolvimento de motores flexíveis e os programas do etanol e do biodiesel. Entretanto, muito mais está por acontecer, como por exemplo, a possibilidade de desenvolvimento de carros híbridos movidos a etanol e combustíveis de segunda geração.
Ainda falando de inovações, estamos em meio a grandes avanços na produção de novos materiais, decorrentes de tecnologias, que permitem manipulação até o nível atômico. Em futuro breve, voltaremos a esse tema.
A reconhecida competitividade do agronegócio brasileiro não decorre apenas do seu povo, de seus recursos naturais e do avanço das pesquisas. Um substancial parque industrial participa, suporta e amplifica nossa posição.
Esses segmentos industriais e muitos serviços não pararam de crescer e investir, mesmo em meio a enorme crise que se abateu sobre o País. Grandes oportunidades estão ainda por ser aproveitadas ou desenvolvidas.
Exemplo. Um belo exemplo de inovação industrial associada ao agronegócio ocorreu na nova fábrica de celulose da Suzano, recém-instalada em Imperatriz do Maranhão.
No fim do ano passado foi inaugurada, dentro do complexo da celulose, uma unidade satélite da Peróxidos do Brasil (joint venture do grupo Solvay e da Produtos Químicos Makay), produtora de peróxido de hidrogênio, a primeira do mundo desse tipo.
Esse projeto tem várias características especiais. Sendo uma planta dedicada, é de escala relativamente baixa, de 12 mil toneladas/ano. Apenas para comparar, as escalas usuais para produção do produto chegam até a 300 mil toneladas/ano.
Entretanto, para que essa planta tivesse custo competitivo foram necessários revisão e redesenho da química de processo e do design de equipamentos. A unidade combina uma gama única de novas tecnologias proprietárias e inovadoras, com um processo simplificado e intensificado, um layout modular e compacto e um projeto pré-moldado e montado em plataforma. Foram totalmente desenvolvidas no Brasil e algumas dessas inovações foram patenteadas.
A operação é remota, mas não independente, uma vez que é totalmente controlada pela planta-mãe que se localiza em Curitiba.
Reforça a competitividade do novo projeto, o fato de se utilizar da infraestrutura industrial, das utilidades e matérias-primas já disponíveis no site do cliente, em Imperatriz do Maranhão.
Finalmente, a original solução desenvolvida para esse projeto tem um forte apelo ambiental, pois a planta evita centenas de viagens de caminhão que teriam de ocorrer se o suprimento do produto tivesse que ser feito da fábrica no centro-sul do País.
O novo desenho deverá ser exportado para outros locais do mundo.
*ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS.
Perdendo (mais) uma oportunidade - AFFONSO CELSO PASTORE
ESTADÃO - 04/02
País precisava aproveitar ‘janela favorável’ vinda da economia mundial
Olhando para as cotações das ações e do CDS brasileiro tem-se a sensação de que a economia vai muito bem. O otimismo se reforça quando lembramos que a recessão terminou, e que graças à competente ação do Banco Central a inflação despencou, com as expectativas se mantendo ancoradas vários anos à frente, permitindo que as taxas de juros se mantenham baixas por todo o ano de 2018.
Porém, quando se olha para o lado fiscal, a situação está longe de ser tranquila. A dívida pública bruta saltou de pouco mais de 50% do PIB no início de 2014 para perto de 75% do PIB atualmente, e continua a crescer. Um exercício de dinâmica de dívida com hipóteses conservadoras sobre a taxa real de juros e o crescimento do PIB indica que para estabilizar a relação dívida/PIB são necessários superávits primários de, no mínimo, 2% do PIB. No entanto, atualmente há déficits não recorrentes próximos de 2,5% do PIB, o que significa que é necessário um esforço em torno de 4,5% do PIB. Não é uma tarefa fácil nem algo que possa ser realizado em um curto período.
Parte importante da consolidação fiscal é a aprovação de uma reforma da Previdência. Se for aprovada a versão elaborada por Marcelo Caetano, que leva a uma economia bem maior do que a da proposta que o governo vem negociando com o Congresso, os déficits da Previdência se estabilizariam em proporção ao PIB, crescendo em termos reais, e a menos de uma contínua elevação da carga tributária, a totalidade das demais despesas primárias teria de cair continuamente em termos reais. Em resumo, a consolidação fiscal requer bem mais do que a aprovação de uma reforma da Previdência: são necessárias reformas que reduzam as demais despesas e levem a ganhos de arrecadação, cuja intensidade requer um grande apoio político.
Por que, diante desse quadro fiscal, há um grande otimismo nos investimentos em ativos brasileiros? Uma primeira hipótese é que o novo governo conseguirá implementar a tarefa necessária, mas para que essa aposta fizesse algum sentido precisaríamos, no mínimo, saber: de que governo estamos falando? Quem ganhará as eleições? A segunda hipótese é que há alguma força exógena no Brasil levando a esse comportamento dos preços dos ativos. Os dados nos mostram que as cotações dos CDS da grande maioria dos países emergentes estão em queda; que há uma valorização dos preços das ações de suas empresas; e que as suas taxas cambiais estão ou estáveis ou em trajetória de valorização.
De onde vem essa força? O último World Economic Oulook nos revela acelerações importantes nos crescimentos de EUA, Europa e Japão. Para chegar a esse resultado, esses países usaram os estímulos monetários em doses jamais vistas. Apesar de as taxas dos fed funds, nos EUA, já estarem se elevando, tanto lá quanto na Europa e no Japão, as taxas de juros estão em níveis historicamente muito baixos e, ao lado disso, indicadores de risco (como o VIX e os spreads dos high-yield-bonds vêm se mantendo em patamares baixos. A combinação de juros baixos no mundo desenvolvido com baixa aversão ao risco eleva a demanda por ativos de países emergentes, produzindo uma queda generalizada das cotações de seus CDS; e a valorização de suas moedas e das ações de suas empresas.
Os preços dos ativos no Brasil não têm um comportamento favorável porque a situação fiscal do País está sob controle, criando as condições para o aumento da confiança mantendo baixas as taxas de juros e assegurando a continuidade do crescimento. Seu comportamento se deve predominantemente a uma situação internacional extremamente favorável.
Não tenho nenhum motivo para prever que esse quadro da economia internacional deva terminar abruptamente em um futuro próximo. Mas tenho obrigação de lembrar que os ciclos econômicos continuam existindo, e que a atual situação da economia mundial não pode ser tomada como “um novo paradigma” que se manterá para sempre. Caberia ao Brasil aproveitar-se dessa “janela favorável” vinda da economia mundial para progredir na agenda de reformas, mas o tempo está passando e não trabalha a nosso favor.
*EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS.
País precisava aproveitar ‘janela favorável’ vinda da economia mundial
Olhando para as cotações das ações e do CDS brasileiro tem-se a sensação de que a economia vai muito bem. O otimismo se reforça quando lembramos que a recessão terminou, e que graças à competente ação do Banco Central a inflação despencou, com as expectativas se mantendo ancoradas vários anos à frente, permitindo que as taxas de juros se mantenham baixas por todo o ano de 2018.
Porém, quando se olha para o lado fiscal, a situação está longe de ser tranquila. A dívida pública bruta saltou de pouco mais de 50% do PIB no início de 2014 para perto de 75% do PIB atualmente, e continua a crescer. Um exercício de dinâmica de dívida com hipóteses conservadoras sobre a taxa real de juros e o crescimento do PIB indica que para estabilizar a relação dívida/PIB são necessários superávits primários de, no mínimo, 2% do PIB. No entanto, atualmente há déficits não recorrentes próximos de 2,5% do PIB, o que significa que é necessário um esforço em torno de 4,5% do PIB. Não é uma tarefa fácil nem algo que possa ser realizado em um curto período.
Parte importante da consolidação fiscal é a aprovação de uma reforma da Previdência. Se for aprovada a versão elaborada por Marcelo Caetano, que leva a uma economia bem maior do que a da proposta que o governo vem negociando com o Congresso, os déficits da Previdência se estabilizariam em proporção ao PIB, crescendo em termos reais, e a menos de uma contínua elevação da carga tributária, a totalidade das demais despesas primárias teria de cair continuamente em termos reais. Em resumo, a consolidação fiscal requer bem mais do que a aprovação de uma reforma da Previdência: são necessárias reformas que reduzam as demais despesas e levem a ganhos de arrecadação, cuja intensidade requer um grande apoio político.
Por que, diante desse quadro fiscal, há um grande otimismo nos investimentos em ativos brasileiros? Uma primeira hipótese é que o novo governo conseguirá implementar a tarefa necessária, mas para que essa aposta fizesse algum sentido precisaríamos, no mínimo, saber: de que governo estamos falando? Quem ganhará as eleições? A segunda hipótese é que há alguma força exógena no Brasil levando a esse comportamento dos preços dos ativos. Os dados nos mostram que as cotações dos CDS da grande maioria dos países emergentes estão em queda; que há uma valorização dos preços das ações de suas empresas; e que as suas taxas cambiais estão ou estáveis ou em trajetória de valorização.
De onde vem essa força? O último World Economic Oulook nos revela acelerações importantes nos crescimentos de EUA, Europa e Japão. Para chegar a esse resultado, esses países usaram os estímulos monetários em doses jamais vistas. Apesar de as taxas dos fed funds, nos EUA, já estarem se elevando, tanto lá quanto na Europa e no Japão, as taxas de juros estão em níveis historicamente muito baixos e, ao lado disso, indicadores de risco (como o VIX e os spreads dos high-yield-bonds vêm se mantendo em patamares baixos. A combinação de juros baixos no mundo desenvolvido com baixa aversão ao risco eleva a demanda por ativos de países emergentes, produzindo uma queda generalizada das cotações de seus CDS; e a valorização de suas moedas e das ações de suas empresas.
Os preços dos ativos no Brasil não têm um comportamento favorável porque a situação fiscal do País está sob controle, criando as condições para o aumento da confiança mantendo baixas as taxas de juros e assegurando a continuidade do crescimento. Seu comportamento se deve predominantemente a uma situação internacional extremamente favorável.
Não tenho nenhum motivo para prever que esse quadro da economia internacional deva terminar abruptamente em um futuro próximo. Mas tenho obrigação de lembrar que os ciclos econômicos continuam existindo, e que a atual situação da economia mundial não pode ser tomada como “um novo paradigma” que se manterá para sempre. Caberia ao Brasil aproveitar-se dessa “janela favorável” vinda da economia mundial para progredir na agenda de reformas, mas o tempo está passando e não trabalha a nosso favor.
*EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS.
Por que Bolsonaro não vai para o segundo turno - ASCÂNIO SELEME
O GLOBO - 04/02
O candidato representa tudo o que a maioria dos seus seguidores odeia: a desordem, o desmando, a violência
O que querem aqueles brasileiros que apoiam Bolsonaro? Não é preciso fazer uma pesquisa para saber. Eles querem ordem e respeito às leis. Os homens e mulheres, muito mais homens, é verdade, que carregam nos ombros em aeroportos e shoppings aquele que chamam de “mito”, querem justiça. Que os corruptos, os ladrões, os assassinos sejam presos e permaneçam presos. Querem Segurança, Saúde e Educação. Como querem todos os demais.
Eles estão cansados da classe política e se embruteceram. Se de um modo geral os brasileiros não confiam nos políticos, estes que seguem Bolsonaro não conseguem vislumbrar alternativas. Os outros sabem que a saída é eleitoral. A eleição de 2018 será a mais importante do país desde a indireta de 15 de janeiro de 1985, que elegeu Tancredo Neves, empossou José Sarney e pôs fim à ditadura militar. Se errarmos em outubro, patinaremos pelos próximos 10, 15 anos.
A solução para a crise política, econômica e administrativa que o país enfrenta atende por alguns nomes, como democracia, eleição direta, respeito à vontade popular e às instituições, responsabilidade fiscal, tolerância e generosidade. Essa turma que apoia Bolsonaro acabará se dando conta de que ele é o oposto a isso tudo suficientemente cedo. Falta a ela um pouco de luz sobre o que o seu candidato representa. E essa luz já está sendo feita.
Bolsonaro é o contrário do que querem seus seguidores. Bolsonaro não irá para o segundo turno em outubro porque os seus eleitores vão minguar à medida que sua personalidade ficar mais evidente. Embora o brasileiro seja conservador, ele não é fascista. Ele não apoia injustiças. Ele não tolera a brutalidade e não aceita a tortura. Refiro-me ao brasileiro médio, não estou falando dos idiotas e dos boçais, que ficam com Bolsonaro, mas estes são minoria e não contam. Ou não elegem ninguém para cargo majoritário
Mas o brasileiro não é bonzinho. Ele pode ser tudo, até gentil, mas bonzinho ele não é. Ele gosta que as coisas sejam feitas como manda o figurino. E o figurino manda que as demandas sejam resolvidas de acordo com a lei e não ao seu arrepio. O brasileiro não admite que o mandem calar a boca. Detesta que humilhem a si ou a outro qualquer, sobretudo quando o outro é mais frágil.
O nosso compatriota gosta que seus direitos sejam respeitados. Aliás, o brasileiro adora direitos, bem mais do que deveres, e vai para rua defendê-los se for preciso. E o que Bolsonaro menos respeita é o direito do outro. Sobretudo o direito do outro se manifestar e se expressar. E se o outro for outra, aí sim que ele não respeita mesmo.
Se houve uma única unanimidade no Brasil desde o seu descobrimento, foi justamente contra a ditadura que Bolsonaro defende e representa. Esse homem que apoia a tortura e torturadores, como o coronel Brilhante Ulstra, está do outro lado da paz e da harmonia. Ditadura interrompe a ordem jurídica, política e social. Escolhe caminhos sem fazer consultas. Censura a Imprensa. Prende, tortura e mata adversários.
Sua única saída seria aplicar “o maior truque já realizado pelo diabo”, que, como explicou Mário Quintana, “foi convencer o mundo de que ele não existe”. Bolsonaro vai tentar mudar seu discurso daqui para frente, já está tentando. Ele terá de convencer o Brasil de que não é o rei do cala-a-boca, do quem-manda-aqui-sou-eu, do te-quebro-a-cara, do o-meu-pirão-primeiro. Mas não vai colar. Adeus, Bolsonaro!
NÚMEROS RUINS DA PREFEITURA
O ano passado, o primeiro da gestão de Marcelo Crivella, foi um desastre para as contas municipais. Estudo feito pelo Ministério Público do Rio sobre os relatórios fiscais do município revela o seguinte: 1) A dívida consolidada cresceu R$ 1 bi; 2) O resultado entre receitas e despesas teve déficit de R$ 816 milhões; 3) A arrecadação ficou 18% menor do que o orçado, mais ou menos R$ 4 bilhões abaixo do esperado; 4) A despesa de pessoal foi de R$ 10,3 bi, R$ 320 milhões a mais do que em 2016.
PREVIDÊNCIA MUNICIPAL
O mesmo estudo revela que o resultado do regime previdenciário municipal foi deficitário em R$ 340 milhões no ano passado. Uma projeção atuarial apresenta déficit de R$ 100 bilhões na Previdência do Rio até 2092. Já passou da hora de se fazer alguma coisa.
CONTA OUTRA
Tem alguma coisa errada na Secretaria de Administração Penitenciária do Rio. Em 2017, 71,2% dos seus empenhos foram feitos sem licitação. A Seap alegou emergência para não fazer pregões mesmo em contratos cujos valores exigiam a medida. Outros 22,8% foram na rubrica Termo de Ajuste de Contas, que são empenhos sem cobertura contratual. Vai ver que é por isso que os presídios do Rio são tão bacanas.
BOA PROMESSA
Em solenidade com o ministro de Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, o governador Luiz Fernando Pezão garantiu na última semana que vai voltar a investir na Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio (Faperj) e nas universidades estaduais. O governador conta com a retomada no crescimento da arrecadação e aponta no rumo certo, priorizar e apoiar a educação, a ciência e a pesquisa. Resta saber se conseguirá cumprir o prometido.
REI ARTHUR
Aparentemente, o foragido da Justiça Arthur Soares está colaborando com procuradores americanos nas investigações sobre compra de votos e lavagem de dinheiro em grandes eventos esportivos, como Copa do Mundo e Olimpíadas. Esta é a única explicação por ele ainda não ter sido repatriado, já que todo mundo sabe que vive nos EUA. Novas intimações foram expedidas esta semana em Nova York para tomada de depoimentos.
TECNOLOGIA BURRA
Para recuperar um cliente perdido, o telemarketing do Citibank liga para ele três, quatro, cinco vezes por dia, começando às 8h30m. O sujeito reclama que aquilo é assédio, e o banco diz que sua Tecnologia vai fazer um bloqueio digital. Agora, o telefone toca três, quatro, cinco vezes por dia, o sujeito atende, a pessoa do Citi se apresenta e quando vai dizer a que veio, a linha cai. Alguém conhece tecnologia mais burra?
DE OLHO NA TV
O marqueteiro João Santana, condenado a sete anos e meio de prisão, mas em casa por ter feito delação na Lava-Jato, quer comprar uma TV na Bahia. Está negociando com a TV Aratu, repetidora do SBT, e com a Band local. Enquanto isso, escreve um romance. Tem tanta coisa íntima na história que o livro poderia ser catalogado como “ficção autobiográfica”.
QUERIDO EMBAIXADOR
Será hoje, no auditório da Florida Atlantic University, a première do filme “Querido embaixador”, que conta a história de Luiz Martins de Souza Dantas, embaixador do Brasil na França na II Guerra Mundial. Conhecido como o “justo entre os justos”, Dantas concedeu centenas de vistos a judeus e a outros foragidos do nazismo durante a ocupação. O filme estreia no Brasil em julho.
WOODY ALLEN
“Tiros na Broadway”, “Desconstruindo Harry”, “Celebridades”, “Ponto final”, “Vicky Barcelona”, “Meia-noite em Paris”, “Blue jasmine”, “Café Society”, “Roda gigante”. Estes são alguns dos 27 filmes que Woody Allen fez desde 1992, ano em que se separou de Mia Farrow e foi viver com a enteada dela, Soon Yi. Imagine só.
PRAIA SUJA
A nota mais comentada desta coluna na semana passada foi a das praias sujas. Leitores escreveram para culpar o carioca mal-educado que não recolhe seu lixo e deixa a praia imunda quando sai. Os leitores têm razão. O usuário é mesmo o responsável pela sujeira das praias, e de todos os logradouros públicos do Rio. E a Comlurb é responsável pela sua limpeza. Um dos dois não está funcionando.
ALGEMAS
Na quarta-feira, a polícia desbaratou uma quadrilha que desviava remédios de hospitais. Um homem, membro do grupo criminoso, foi filmado e fotografado sendo levado para o camburão. Estava algemado. Não li, não vi nem ouvi qualquer reação indignada contra a humilhação imposta ao pobre ladrão. Nem da mãe dele.
O que querem aqueles brasileiros que apoiam Bolsonaro? Não é preciso fazer uma pesquisa para saber. Eles querem ordem e respeito às leis. Os homens e mulheres, muito mais homens, é verdade, que carregam nos ombros em aeroportos e shoppings aquele que chamam de “mito”, querem justiça. Que os corruptos, os ladrões, os assassinos sejam presos e permaneçam presos. Querem Segurança, Saúde e Educação. Como querem todos os demais.
Eles estão cansados da classe política e se embruteceram. Se de um modo geral os brasileiros não confiam nos políticos, estes que seguem Bolsonaro não conseguem vislumbrar alternativas. Os outros sabem que a saída é eleitoral. A eleição de 2018 será a mais importante do país desde a indireta de 15 de janeiro de 1985, que elegeu Tancredo Neves, empossou José Sarney e pôs fim à ditadura militar. Se errarmos em outubro, patinaremos pelos próximos 10, 15 anos.
A solução para a crise política, econômica e administrativa que o país enfrenta atende por alguns nomes, como democracia, eleição direta, respeito à vontade popular e às instituições, responsabilidade fiscal, tolerância e generosidade. Essa turma que apoia Bolsonaro acabará se dando conta de que ele é o oposto a isso tudo suficientemente cedo. Falta a ela um pouco de luz sobre o que o seu candidato representa. E essa luz já está sendo feita.
Bolsonaro é o contrário do que querem seus seguidores. Bolsonaro não irá para o segundo turno em outubro porque os seus eleitores vão minguar à medida que sua personalidade ficar mais evidente. Embora o brasileiro seja conservador, ele não é fascista. Ele não apoia injustiças. Ele não tolera a brutalidade e não aceita a tortura. Refiro-me ao brasileiro médio, não estou falando dos idiotas e dos boçais, que ficam com Bolsonaro, mas estes são minoria e não contam. Ou não elegem ninguém para cargo majoritário
Mas o brasileiro não é bonzinho. Ele pode ser tudo, até gentil, mas bonzinho ele não é. Ele gosta que as coisas sejam feitas como manda o figurino. E o figurino manda que as demandas sejam resolvidas de acordo com a lei e não ao seu arrepio. O brasileiro não admite que o mandem calar a boca. Detesta que humilhem a si ou a outro qualquer, sobretudo quando o outro é mais frágil.
O nosso compatriota gosta que seus direitos sejam respeitados. Aliás, o brasileiro adora direitos, bem mais do que deveres, e vai para rua defendê-los se for preciso. E o que Bolsonaro menos respeita é o direito do outro. Sobretudo o direito do outro se manifestar e se expressar. E se o outro for outra, aí sim que ele não respeita mesmo.
Se houve uma única unanimidade no Brasil desde o seu descobrimento, foi justamente contra a ditadura que Bolsonaro defende e representa. Esse homem que apoia a tortura e torturadores, como o coronel Brilhante Ulstra, está do outro lado da paz e da harmonia. Ditadura interrompe a ordem jurídica, política e social. Escolhe caminhos sem fazer consultas. Censura a Imprensa. Prende, tortura e mata adversários.
Sua única saída seria aplicar “o maior truque já realizado pelo diabo”, que, como explicou Mário Quintana, “foi convencer o mundo de que ele não existe”. Bolsonaro vai tentar mudar seu discurso daqui para frente, já está tentando. Ele terá de convencer o Brasil de que não é o rei do cala-a-boca, do quem-manda-aqui-sou-eu, do te-quebro-a-cara, do o-meu-pirão-primeiro. Mas não vai colar. Adeus, Bolsonaro!
NÚMEROS RUINS DA PREFEITURA
O ano passado, o primeiro da gestão de Marcelo Crivella, foi um desastre para as contas municipais. Estudo feito pelo Ministério Público do Rio sobre os relatórios fiscais do município revela o seguinte: 1) A dívida consolidada cresceu R$ 1 bi; 2) O resultado entre receitas e despesas teve déficit de R$ 816 milhões; 3) A arrecadação ficou 18% menor do que o orçado, mais ou menos R$ 4 bilhões abaixo do esperado; 4) A despesa de pessoal foi de R$ 10,3 bi, R$ 320 milhões a mais do que em 2016.
PREVIDÊNCIA MUNICIPAL
O mesmo estudo revela que o resultado do regime previdenciário municipal foi deficitário em R$ 340 milhões no ano passado. Uma projeção atuarial apresenta déficit de R$ 100 bilhões na Previdência do Rio até 2092. Já passou da hora de se fazer alguma coisa.
CONTA OUTRA
Tem alguma coisa errada na Secretaria de Administração Penitenciária do Rio. Em 2017, 71,2% dos seus empenhos foram feitos sem licitação. A Seap alegou emergência para não fazer pregões mesmo em contratos cujos valores exigiam a medida. Outros 22,8% foram na rubrica Termo de Ajuste de Contas, que são empenhos sem cobertura contratual. Vai ver que é por isso que os presídios do Rio são tão bacanas.
BOA PROMESSA
Em solenidade com o ministro de Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, o governador Luiz Fernando Pezão garantiu na última semana que vai voltar a investir na Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio (Faperj) e nas universidades estaduais. O governador conta com a retomada no crescimento da arrecadação e aponta no rumo certo, priorizar e apoiar a educação, a ciência e a pesquisa. Resta saber se conseguirá cumprir o prometido.
REI ARTHUR
Aparentemente, o foragido da Justiça Arthur Soares está colaborando com procuradores americanos nas investigações sobre compra de votos e lavagem de dinheiro em grandes eventos esportivos, como Copa do Mundo e Olimpíadas. Esta é a única explicação por ele ainda não ter sido repatriado, já que todo mundo sabe que vive nos EUA. Novas intimações foram expedidas esta semana em Nova York para tomada de depoimentos.
TECNOLOGIA BURRA
Para recuperar um cliente perdido, o telemarketing do Citibank liga para ele três, quatro, cinco vezes por dia, começando às 8h30m. O sujeito reclama que aquilo é assédio, e o banco diz que sua Tecnologia vai fazer um bloqueio digital. Agora, o telefone toca três, quatro, cinco vezes por dia, o sujeito atende, a pessoa do Citi se apresenta e quando vai dizer a que veio, a linha cai. Alguém conhece tecnologia mais burra?
DE OLHO NA TV
O marqueteiro João Santana, condenado a sete anos e meio de prisão, mas em casa por ter feito delação na Lava-Jato, quer comprar uma TV na Bahia. Está negociando com a TV Aratu, repetidora do SBT, e com a Band local. Enquanto isso, escreve um romance. Tem tanta coisa íntima na história que o livro poderia ser catalogado como “ficção autobiográfica”.
QUERIDO EMBAIXADOR
Será hoje, no auditório da Florida Atlantic University, a première do filme “Querido embaixador”, que conta a história de Luiz Martins de Souza Dantas, embaixador do Brasil na França na II Guerra Mundial. Conhecido como o “justo entre os justos”, Dantas concedeu centenas de vistos a judeus e a outros foragidos do nazismo durante a ocupação. O filme estreia no Brasil em julho.
WOODY ALLEN
“Tiros na Broadway”, “Desconstruindo Harry”, “Celebridades”, “Ponto final”, “Vicky Barcelona”, “Meia-noite em Paris”, “Blue jasmine”, “Café Society”, “Roda gigante”. Estes são alguns dos 27 filmes que Woody Allen fez desde 1992, ano em que se separou de Mia Farrow e foi viver com a enteada dela, Soon Yi. Imagine só.
PRAIA SUJA
A nota mais comentada desta coluna na semana passada foi a das praias sujas. Leitores escreveram para culpar o carioca mal-educado que não recolhe seu lixo e deixa a praia imunda quando sai. Os leitores têm razão. O usuário é mesmo o responsável pela sujeira das praias, e de todos os logradouros públicos do Rio. E a Comlurb é responsável pela sua limpeza. Um dos dois não está funcionando.
ALGEMAS
Na quarta-feira, a polícia desbaratou uma quadrilha que desviava remédios de hospitais. Um homem, membro do grupo criminoso, foi filmado e fotografado sendo levado para o camburão. Estava algemado. Não li, não vi nem ouvi qualquer reação indignada contra a humilhação imposta ao pobre ladrão. Nem da mãe dele.
STF de jatinho - ELIANE CANTANHÊDE
ESTADÃO - 04/02
Em confronto com governo, Congresso e opinião pública, só de FAB mesmo
Na sexta-feira, dia seguinte à abertura do ano judiciário, o ex-presidente Lula e o ex-governador Sérgio Cabral já sacudiam o Supremo, confirmando que o foco está na Justiça. Enquanto o presidente Michel Temer se esfalfa para melhorar a popularidade e os deputados e senadores põem os pé na estrada e nas suas campanhas, os 11 ministros do Supremo estão atolados de casos cabeludos, com a expectativa de plenário e turmas pegando fogo.
Lula entrou com habeas corpus preventivo para não ser preso e tenta, assim, driblar a decisão da ministra Cármen Lúcia de não por em pauta a revisão do cumprimento de pena após condenação em segunda instância. Ela anunciou que não põe “em pauta”, mas o relator da Lava Jato, Edson Fachin, pode por “em mesa” o HC de Lula e criar um atalho para a revisão, rejeitada por Raquel Dodge e por entidades de juízes, procuradores e advogados. Será um escândalo, mas escândalos andam tão comuns...
Quanto a Cabral: réu pela 21ª vez, um espanto!, ele entrou com habeas corpus para sair do Complexo Penal dos Pinhais, em Curitiba, e voltar à Penitenciária de Bangu, no Rio, onde tem visitas fora de hora, bons colchões, comidinhas bacanas e um home theater de Zona Sul. Quem analisa é o ministro Gilmar Mendes, que cuida de casos correlatos e bem pode devolver Cabral para a Cidade Maravilhosa. Um escândalo a mais, um a menos...
Isso, porém, é só parte da pesada pauta do Supremo neste ano eleitoral. A questão número um é o julgamento dos políticos com mandato e envolvidos na Lava Jato, mas, até lá, muita água e muitas decisões vão rolar, a começar do próprio foro privilegiado para parlamentares. A maioria do Supremo já decidiu pelo fim do privilégio e a favor de enviar os processos deles para outras instâncias, mas o ministro Dias Toffoli pediu vistas e o resultado ficou no limbo.
Também não falta tensão com o Executivo e, já no primeiro dia de trabalho, o ministro Luiz Roberto Barroso manteve a suspensão de trechos do indulto de Natal decretado pelo presidente Michel Temer para ampliar, bem, o universo de beneficiários. No segundo dia, o placar voltou ao zero a zero, quando o ministro Alexandre de Moraes derrubou uma decisão de primeira instância contra a privatização da Eletrobrás.
E a pergunta que não quer calar, desde o início de janeiro: a deputada Cristiane Brasil, do PTB do Rio, vai ou não tomar posse no Ministério do Trabalho, apesar das multas justamente na Justiça do Trabalho, do vídeo na hora errada, no lugar errado, com as companhias erradas e, agora, essa história de envolvimento com o tráfico? A coisa só piora e foi parar no STF, que vai julgar também se mantém o reajuste do funcionalismo, suspenso pelo governo e garantido por liminar.
Há também uma questão que não opõe o Judiciário apenas ao Legislativo e ao Executivo, mas à própria opinião pública: o auxílio-moradia indiscriminado, como subterfúgio para aumentar os salários de juízes e magistrados para (muito) além do teto constitucional de R$ 33.700,00. O ministro Luis Fux, agora presidente do TSE, manteve o privilégio em 2014 e nunca mais se falou nisso. Mas o plenário vai ter de falar, até porque nem ícones como Sergio Moro e Marcelo Bretas escapam do constrangimento.
É por essas questões e tensões que Gilmar Mendes reivindica o uso de jatos da FAB e essa reivindicação não é exclusividade dele. Outros ministros também andam temerosos de enfrentar voos de carreira, passageiros irados e até gente descontrolada e sem limites que parte para ataques pessoais.
Expostos nas votações em plenário pela TV Justiça, os Meretíssimos não querem se expor ao vivo. E, cá pra nós, não é nada mal se preservar no escurinho de jatinhos.
Em confronto com governo, Congresso e opinião pública, só de FAB mesmo
Na sexta-feira, dia seguinte à abertura do ano judiciário, o ex-presidente Lula e o ex-governador Sérgio Cabral já sacudiam o Supremo, confirmando que o foco está na Justiça. Enquanto o presidente Michel Temer se esfalfa para melhorar a popularidade e os deputados e senadores põem os pé na estrada e nas suas campanhas, os 11 ministros do Supremo estão atolados de casos cabeludos, com a expectativa de plenário e turmas pegando fogo.
Lula entrou com habeas corpus preventivo para não ser preso e tenta, assim, driblar a decisão da ministra Cármen Lúcia de não por em pauta a revisão do cumprimento de pena após condenação em segunda instância. Ela anunciou que não põe “em pauta”, mas o relator da Lava Jato, Edson Fachin, pode por “em mesa” o HC de Lula e criar um atalho para a revisão, rejeitada por Raquel Dodge e por entidades de juízes, procuradores e advogados. Será um escândalo, mas escândalos andam tão comuns...
Quanto a Cabral: réu pela 21ª vez, um espanto!, ele entrou com habeas corpus para sair do Complexo Penal dos Pinhais, em Curitiba, e voltar à Penitenciária de Bangu, no Rio, onde tem visitas fora de hora, bons colchões, comidinhas bacanas e um home theater de Zona Sul. Quem analisa é o ministro Gilmar Mendes, que cuida de casos correlatos e bem pode devolver Cabral para a Cidade Maravilhosa. Um escândalo a mais, um a menos...
Isso, porém, é só parte da pesada pauta do Supremo neste ano eleitoral. A questão número um é o julgamento dos políticos com mandato e envolvidos na Lava Jato, mas, até lá, muita água e muitas decisões vão rolar, a começar do próprio foro privilegiado para parlamentares. A maioria do Supremo já decidiu pelo fim do privilégio e a favor de enviar os processos deles para outras instâncias, mas o ministro Dias Toffoli pediu vistas e o resultado ficou no limbo.
Também não falta tensão com o Executivo e, já no primeiro dia de trabalho, o ministro Luiz Roberto Barroso manteve a suspensão de trechos do indulto de Natal decretado pelo presidente Michel Temer para ampliar, bem, o universo de beneficiários. No segundo dia, o placar voltou ao zero a zero, quando o ministro Alexandre de Moraes derrubou uma decisão de primeira instância contra a privatização da Eletrobrás.
E a pergunta que não quer calar, desde o início de janeiro: a deputada Cristiane Brasil, do PTB do Rio, vai ou não tomar posse no Ministério do Trabalho, apesar das multas justamente na Justiça do Trabalho, do vídeo na hora errada, no lugar errado, com as companhias erradas e, agora, essa história de envolvimento com o tráfico? A coisa só piora e foi parar no STF, que vai julgar também se mantém o reajuste do funcionalismo, suspenso pelo governo e garantido por liminar.
Há também uma questão que não opõe o Judiciário apenas ao Legislativo e ao Executivo, mas à própria opinião pública: o auxílio-moradia indiscriminado, como subterfúgio para aumentar os salários de juízes e magistrados para (muito) além do teto constitucional de R$ 33.700,00. O ministro Luis Fux, agora presidente do TSE, manteve o privilégio em 2014 e nunca mais se falou nisso. Mas o plenário vai ter de falar, até porque nem ícones como Sergio Moro e Marcelo Bretas escapam do constrangimento.
É por essas questões e tensões que Gilmar Mendes reivindica o uso de jatos da FAB e essa reivindicação não é exclusividade dele. Outros ministros também andam temerosos de enfrentar voos de carreira, passageiros irados e até gente descontrolada e sem limites que parte para ataques pessoais.
Expostos nas votações em plenário pela TV Justiça, os Meretíssimos não querem se expor ao vivo. E, cá pra nós, não é nada mal se preservar no escurinho de jatinhos.
A creolina de Temer e a agonia do PT - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 04/02
Governistas querem largar reforma da Previdência e começar campanha
Michel Temer e os líderes do governismo estão quase impacientes para começar a campanha eleitoral, a deles mesmos ou a de seus grupos, deixando a reforma da Previdência à morte, sem foguete, sem retrato e sem bilhete, sem luar, sem violão.
Lula e o PT tentam atravessar as pinguelas de ligação que restam com o mundo judiciário a fim de conseguir um acordão: Lula fora da prisão, mas também da eleição.
Os poucos financistas e políticos graúdos adeptos de Luciano Huck voltaram a discutir o modo e o tempo de relançar e tutelar o apresentador de TV, ainda mais depois da constatação de desnorteio e indiferença do eleitor em relação aos presidenciáveis, vide o Datafolha.
O resultado das duas batalhas políticas relevantes do início do ano, o caso Lula e a reforma, é ainda mais indeciso do que se previa. Força nova e ora sem direção é o efeito da recuperação econômica, pequeno, mas que será cada vez mais notável até a prévia de definição de candidaturas, em abril. O governismo, PSDB inclusive, por ora não leva jeito de se aproveitar das melhorias.
É difícil acreditar que Temer tenha alguma ilusão presidencial em 2019, mas o presidente vai lançar em março campanha de propaganda com o objetivo de passar creolina na sua imagem e na de seu governo. Não quer ser tratado como repelente pelos candidatos. A propósito, creolina é um odorífero desinfetante do tempo do onça e da mesóclise.
Temer e a turma do Planalto estão animados também com a possibilidade de gastar um pouco mais de dinheiro do Orçamento neste ano em que, dizem, o arrocho seria mais contábil do que real.
Rodrigo Maia, presidente da Câmara e um semi-primeiro-ministro de Temer, quer se livrar do bodum da reforma previdenciária que estrebucha e começar também em março isso que se chama de agenda positiva no Congresso. É o programa de campanha de sua chapa, seja lá o que venha a ser sua candidatura, mas de qualquer modo propaganda de seu grupo e de fortalecimento da imagem do novo líder nacional.
A cúpula do PT continua a apresentar rachaduras. Passa a demonstrar dificuldade de abafar os gemidos de irritação e agonia com o risco de indefinição duradoura do partido. O petismo de elite nem sabe o que falar às ruas nem tem estratégia nova de campanha e aliança políticas em um ano que provavelmente já seria de dizimação eleitoral, mesmo sem o atual desnorteio partidário.
Constrangidas, lideranças mais amenas do partido mandaram mensagens de arrego e conciliação a ministros do Supremo, que nem todos vêm com maus olhos esse arremedo de beija-mão petista, como foi possível apurar. Além do mais, há o rumor de que esses petistas procuram decanos e eméritos da política brasileira a fim de conseguir apoio para o alívio das penas de Lula, mas este jornalista não conseguiu ouvir nada de concreto a respeito.
Henrique Meirelles, o outro semi-primeiro-ministro de Temer, continua na luta. Quer crer para ver o que se passa até março, abril, como, aliás, o diz em público. Pelo menos em conversas reservadas diz que se vai bater pela reforma da Previdência até novembro. Suas esperanças são as últimas que morrem.
Lá fora, de vez em quando, passam nuvens de crise financeira. Tomara que não chova.
Governistas querem largar reforma da Previdência e começar campanha
Michel Temer e os líderes do governismo estão quase impacientes para começar a campanha eleitoral, a deles mesmos ou a de seus grupos, deixando a reforma da Previdência à morte, sem foguete, sem retrato e sem bilhete, sem luar, sem violão.
Lula e o PT tentam atravessar as pinguelas de ligação que restam com o mundo judiciário a fim de conseguir um acordão: Lula fora da prisão, mas também da eleição.
Os poucos financistas e políticos graúdos adeptos de Luciano Huck voltaram a discutir o modo e o tempo de relançar e tutelar o apresentador de TV, ainda mais depois da constatação de desnorteio e indiferença do eleitor em relação aos presidenciáveis, vide o Datafolha.
O resultado das duas batalhas políticas relevantes do início do ano, o caso Lula e a reforma, é ainda mais indeciso do que se previa. Força nova e ora sem direção é o efeito da recuperação econômica, pequeno, mas que será cada vez mais notável até a prévia de definição de candidaturas, em abril. O governismo, PSDB inclusive, por ora não leva jeito de se aproveitar das melhorias.
É difícil acreditar que Temer tenha alguma ilusão presidencial em 2019, mas o presidente vai lançar em março campanha de propaganda com o objetivo de passar creolina na sua imagem e na de seu governo. Não quer ser tratado como repelente pelos candidatos. A propósito, creolina é um odorífero desinfetante do tempo do onça e da mesóclise.
Temer e a turma do Planalto estão animados também com a possibilidade de gastar um pouco mais de dinheiro do Orçamento neste ano em que, dizem, o arrocho seria mais contábil do que real.
Rodrigo Maia, presidente da Câmara e um semi-primeiro-ministro de Temer, quer se livrar do bodum da reforma previdenciária que estrebucha e começar também em março isso que se chama de agenda positiva no Congresso. É o programa de campanha de sua chapa, seja lá o que venha a ser sua candidatura, mas de qualquer modo propaganda de seu grupo e de fortalecimento da imagem do novo líder nacional.
A cúpula do PT continua a apresentar rachaduras. Passa a demonstrar dificuldade de abafar os gemidos de irritação e agonia com o risco de indefinição duradoura do partido. O petismo de elite nem sabe o que falar às ruas nem tem estratégia nova de campanha e aliança políticas em um ano que provavelmente já seria de dizimação eleitoral, mesmo sem o atual desnorteio partidário.
Constrangidas, lideranças mais amenas do partido mandaram mensagens de arrego e conciliação a ministros do Supremo, que nem todos vêm com maus olhos esse arremedo de beija-mão petista, como foi possível apurar. Além do mais, há o rumor de que esses petistas procuram decanos e eméritos da política brasileira a fim de conseguir apoio para o alívio das penas de Lula, mas este jornalista não conseguiu ouvir nada de concreto a respeito.
Henrique Meirelles, o outro semi-primeiro-ministro de Temer, continua na luta. Quer crer para ver o que se passa até março, abril, como, aliás, o diz em público. Pelo menos em conversas reservadas diz que se vai bater pela reforma da Previdência até novembro. Suas esperanças são as últimas que morrem.
Lá fora, de vez em quando, passam nuvens de crise financeira. Tomara que não chova.
Eleição sem Lula é fraude? - VERA MAGALHÃES
ESTADÃO - 04/02
Afirmação zomba das leis, da Justiça e do próprio passado não tão remoto de ditaduras
Desde 24 de janeiro, os defensores do ex-presidente Lula mudaram o disco da cantilena, segundo a qual não existem provas contra ele nos vários e diversificados processos aos quais responde, para outra segundo a qual as eleições de outubro, sem o petista na cédula, não serão legítimas.
Trata-se de uma afirmação, repetida com diferentes graus de histeria, que zomba das leis, da Justiça e do próprio passado não tão remoto de ditaduras do Brasil.
Das leis porque a aprovação de alguns dispositivos que impedem a candidatura de Lula se deu não apenas em seu governo e do de sua sucessora, como com a participação de muitos parlamentares que agora repetem esse despautério.
A Lei Complementar 135 foi aprovada em 5 de maio de 2010 pela Câmara e no dia 19 pelo Senado, nos dois casos em votação unânime. Foi sancionada por Lula em 4 de junho daquele ano. Ela proíbe que políticos condenados em decisões colegiadas de segunda instância sejam condenados. Em sucessivos julgamentos, o Supremo Tribunal Federal consagrou sua constitucionalidade e o Tribunal Superior Eleitoral a aplicou. Qual a fraude existente em aplicar a Lula a mesma lei que ele sancionou? E que já foi usada para impedir candidaturas em todo o País inúmeras vezes nas últimas eleições?
Ver fraude onde há aplicação da lei afronta a Justiça porque implica fazer ouvidos moucos e vista grossa ao extenso e profundo arrazoado feito por três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, que confirmaram a condenação de Lula e estenderam por unanimidade sua pena, por entender que havia circunstância agravantes.
Os que gritam “fraude!” se esquecem de que este é apenas o primeiro processo contra Lula a ser julgado, e que os demais – que tratam do sítio de Atibaia, do aluguel da cobertura contígua à da família Lula da Silva por um parente de José Carlos Bumlai e de outros fatos nebulosos envolvendo seu período na Presidência e depois – ainda serão julgados, sempre por várias instâncias do Judiciário, e podem resultar no mesmo impedimento pela Ficha Limpa.
De forma bovina, adoradores de um político – algo que o século 21 já deveria ter banido, pelas demonstrações históricas de que não resulta nunca em avanço para uma Nação – preferem desqualificar instituições em série, juízes de diferentes graus e até mesmo leis antes festejadas a raciocinar que provavelmente não há conluio contra Lula, mas investigações que envolveram agentes da Polícia Federal, delegados, servidores da Receita, procuradores, juízes, funcionários de prédios, ex-amigos, empreiteiros, ex-ministros do petista, engenheiros, funcionários de lojas de cozinhas planejadas, caseiros.
Todos em um conluio macabro contra a democracia e um homem acima de qualquer suspeita? Alguém minimamente informado sobre o que aconteceu no País nos últimos quatro anos consegue afirmar isso sem hesitar e se perguntar se talvez não seja bem assim?
A legalidade de uma candidatura não pode ser determinada pela popularidade do candidato, pois isso sim é relativizar a democracia.
Falar em fraude ou golpe e propor desobediência civil diante de uma condenação que se deu na vigência do estado democrático de direito é, por fim, desrespeitoso com a história do País, da qual muitos dos atuais atores participaram. Estes sabem o que é, de fato, conviver com arbítrio, a falta de eleições diretas e a tortura. Eles atuaram para que a democracia voltasse e as leis de combate à corrupção fossem aprimoradas. Pedir que sejam revogadas para dar um salvo-conduto a Lula é se divorciar da própria trajetória.
Afirmação zomba das leis, da Justiça e do próprio passado não tão remoto de ditaduras
Desde 24 de janeiro, os defensores do ex-presidente Lula mudaram o disco da cantilena, segundo a qual não existem provas contra ele nos vários e diversificados processos aos quais responde, para outra segundo a qual as eleições de outubro, sem o petista na cédula, não serão legítimas.
Trata-se de uma afirmação, repetida com diferentes graus de histeria, que zomba das leis, da Justiça e do próprio passado não tão remoto de ditaduras do Brasil.
Das leis porque a aprovação de alguns dispositivos que impedem a candidatura de Lula se deu não apenas em seu governo e do de sua sucessora, como com a participação de muitos parlamentares que agora repetem esse despautério.
A Lei Complementar 135 foi aprovada em 5 de maio de 2010 pela Câmara e no dia 19 pelo Senado, nos dois casos em votação unânime. Foi sancionada por Lula em 4 de junho daquele ano. Ela proíbe que políticos condenados em decisões colegiadas de segunda instância sejam condenados. Em sucessivos julgamentos, o Supremo Tribunal Federal consagrou sua constitucionalidade e o Tribunal Superior Eleitoral a aplicou. Qual a fraude existente em aplicar a Lula a mesma lei que ele sancionou? E que já foi usada para impedir candidaturas em todo o País inúmeras vezes nas últimas eleições?
Ver fraude onde há aplicação da lei afronta a Justiça porque implica fazer ouvidos moucos e vista grossa ao extenso e profundo arrazoado feito por três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, que confirmaram a condenação de Lula e estenderam por unanimidade sua pena, por entender que havia circunstância agravantes.
Os que gritam “fraude!” se esquecem de que este é apenas o primeiro processo contra Lula a ser julgado, e que os demais – que tratam do sítio de Atibaia, do aluguel da cobertura contígua à da família Lula da Silva por um parente de José Carlos Bumlai e de outros fatos nebulosos envolvendo seu período na Presidência e depois – ainda serão julgados, sempre por várias instâncias do Judiciário, e podem resultar no mesmo impedimento pela Ficha Limpa.
De forma bovina, adoradores de um político – algo que o século 21 já deveria ter banido, pelas demonstrações históricas de que não resulta nunca em avanço para uma Nação – preferem desqualificar instituições em série, juízes de diferentes graus e até mesmo leis antes festejadas a raciocinar que provavelmente não há conluio contra Lula, mas investigações que envolveram agentes da Polícia Federal, delegados, servidores da Receita, procuradores, juízes, funcionários de prédios, ex-amigos, empreiteiros, ex-ministros do petista, engenheiros, funcionários de lojas de cozinhas planejadas, caseiros.
Todos em um conluio macabro contra a democracia e um homem acima de qualquer suspeita? Alguém minimamente informado sobre o que aconteceu no País nos últimos quatro anos consegue afirmar isso sem hesitar e se perguntar se talvez não seja bem assim?
A legalidade de uma candidatura não pode ser determinada pela popularidade do candidato, pois isso sim é relativizar a democracia.
Falar em fraude ou golpe e propor desobediência civil diante de uma condenação que se deu na vigência do estado democrático de direito é, por fim, desrespeitoso com a história do País, da qual muitos dos atuais atores participaram. Estes sabem o que é, de fato, conviver com arbítrio, a falta de eleições diretas e a tortura. Eles atuaram para que a democracia voltasse e as leis de combate à corrupção fossem aprimoradas. Pedir que sejam revogadas para dar um salvo-conduto a Lula é se divorciar da própria trajetória.
Lula pode evitar a prisão asilando-se - ELIO GASPARI
FOLHA DE SP/O GLOBO - 04/02
"Nosso Guia" poderá achar que é melhor chorar no exílio do que em Curitiba
Lula vai preso? Quando? Existe uma outra possibilidade. Diante da prisão inevitável e próxima, Lula entra numa embaixada latino-americana, declara-se perseguido político e pede asilo diplomático. Não há nenhuma indicação de que ele pretenda fazer isso, mas a realidade ensina que esse caminho existe.
Pelo andar da carruagem, Lula será preso para cumprir a pena que lhe foi imposta pelo TRF-4. Está condenado a 12 anos de cadeia, e dois outros processos poderão render novas penas. Aos 72 anos, ralará alguns anos anos em regime fechado até sair para o semiaberto.
Como é melhor chorar no exterior do que rir na carceragem de Curitiba. Lula sabe que dispõe do caminho do asilo diplomático. Considerando-se perseguido político, conseguiria essa proteção em pelo menos duas embaixadas, a da Bolívia e a do Equador. Pedir proteção aos cubanos ou aos venezuelanos só serviria para queimar seu filme.
Para deixar o Brasil, Lula precisaria de um salvo-conduto do governo de Michel Temer. Bastariam algumas semanas de espera, esfriando o noticiário, e ele voaria. Uma vez instalado no país que lhe deu asilo, ele poderia viajar pelo mundo. Mesmo que voltem a lhe tomar o passaporte, isso seria uma irrelevância. Até 1976, João Goulart, asilado no Uruguai, viajava com passaporte paraguaio.
O asilo de Lula poderia agradar ao governo, pois, preso, ele seria defendido por uma constrangedora campanha internacional. (Guardadas as proporções, como aconteceu com o chefe comunista Luís Carlos Prestes entre 1936 e 1945.)
A vitimização de Lula perderia um pouco de dramaticidade, mas as cadeias ensinam que com o tempo a mobilização murcha, e a solidão da cela toma conta da cena.
A gambiarra tem um inconveniente. Ele só poderia voltar ao país nas asas de uma anistia.
SURGIU UM KENNEDY NO TRUMPISTÃO
O partido Democrata designou o deputado Joseph Kennedy III para discursar na contradita à fala de Donald Trump na sessão de reabertura do Congresso americano. Ele falou durante 13 minutos e, quando terminou, o partido Democrata tinha uma nova estrela.
Com algum exagero, a cena foi comparada ao discurso de um senador pouco conhecido na convenção democrata de 2004. Chamava-se Barack Obama e tinha 43 anos. Quatro anos depois ele foi eleito presidente dos Estados Unidos.
Joseph Kennedy III tem 37 anos, está no segundo mandato de deputado e é neto de Robert Kennedy, o senador assassinado em 1968, aos 43 anos, quando estava na bica para ser eleito presidente. Cinco anos antes, seu irmão John morrera em Dallas. (O mais velho da prole, Joseph, explodiu com seu avião durante a Segunda Guerra.)
O breve discurso de Kennedy o colocou na lista de notáveis do partido. Respondeu ao septuagenário Donald Trump com uma peça de perfeita oratória. Unificadora num país dividido, benevolente numa sociedade crispada, ele apontou para o futuro numa época de intransigências vindas do passado. Condenou o muro que Trump quer construir na fronteira com o México com um toque da maestria retórica de Ronald Reagan em Berlim: “Minha geração vai derrubá-lo”. Surpreendeu, dirigindo-se aos imigrantes em espanhol: “Vamos a luchar por ustedes”. (Ele passou dois anos na República Dominicana fazendo trabalho voluntário.)
Foi um discurso de candidato a muito mais. Pela primeira vez um Kennedy vai para a cabeceira da pista com chances de decolar. Seu pai foi um deputado medíocre, alguns de seus primos se meteram em escândalos. Com um currículo de primeira (diplomado pelas universidades de Stanford e Harvard), Joseph é abstêmio, casou-se com uma colega de faculdade e tem uma cabeleira normal, que lembra um pouco a do avô, nada a ver com a marquise laqueada de Trump.
FHC E HUCK
Um tucano sábio e bem informado desconfia, e tem razões para isso, que Luciano Huck é o candidato que Fernando Henrique Cardoso guarda na manga.
Um pedaço da banca torce o nariz para um candidato vindo da telinha, mas outro assegura que esse detalhe pode ser compensado colocando-se um tutor na vice. Para começo de conversa, poderia ser Paulo Hartung, atual governador do Espírito Santo.
É sempre bom recordar que em 1989 o PSDB cogitou colocar o ator Lima Duarte como candidato a vice de Mário Covas. À época ele era o grande astro da novela "O Salvador da Pátria". Como se sabe, a pátria acabou entregue a Fernando Collor.
A PF E O REITOR
Passaram-se quatro meses da manhã em que o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina Luiz Carlos Cancellier matou-se, jogando-se do sétimo andar de um shopping de Florianópolis.
Anunciou-se que se investigava um desvio de R$ 80 milhões. Sabe-se que isso era fantasia, e já se sabe que Lula foi condenado pelo TRF-4. Passados quatro meses, não se sabe quais irregularidades foram cometidas pelo reitor, ou por quem quer que seja.
Ele seria culpado de tentar obstruir a ação dos investigadores, mas ainda não apareceu um só depoimento convincente para sustentar essa acusação.
RISCO ALCKMIN
Se a ventania da Lava Jato ou as investigações das roubalheiras ocorridas no setor metroferroviário de São Paulo jogarem um cisco na candidatura de Geraldo Alckmin, ela sai dos trilhos.
ASTÚCIA CRUEL
O TRF-4 elevou a pena de Lula para 12 anos e um mês. Esse mês adicional pode ter parecido uma crueldade irrelevante numa sentença para um homem de 72 anos.
Irrelevante não foi. Se Lula tivesse sido condenado a apenas 12 anos, seus advogados poderiam sustentar que seu crime estaria prescrito em 2017, oito anos depois do fato. Quando os desembargadores apensaram mais um mês, mudaram Lula de patamar, e a prescrição só poderia ser arguida em 2019.
GAVETA
Terminadas as férias do Judiciário, a Procuradoria-Geral da República deverá devolver ao Supremo Tribunal Federal o processo em que Rodrigo Janot pediu que o ministro Gilmar Mendes fosse impedido de julgar casos envolvendo o empresário Jacob Barata Filho.
"Nosso Guia" poderá achar que é melhor chorar no exílio do que em Curitiba
Lula vai preso? Quando? Existe uma outra possibilidade. Diante da prisão inevitável e próxima, Lula entra numa embaixada latino-americana, declara-se perseguido político e pede asilo diplomático. Não há nenhuma indicação de que ele pretenda fazer isso, mas a realidade ensina que esse caminho existe.
Pelo andar da carruagem, Lula será preso para cumprir a pena que lhe foi imposta pelo TRF-4. Está condenado a 12 anos de cadeia, e dois outros processos poderão render novas penas. Aos 72 anos, ralará alguns anos anos em regime fechado até sair para o semiaberto.
Como é melhor chorar no exterior do que rir na carceragem de Curitiba. Lula sabe que dispõe do caminho do asilo diplomático. Considerando-se perseguido político, conseguiria essa proteção em pelo menos duas embaixadas, a da Bolívia e a do Equador. Pedir proteção aos cubanos ou aos venezuelanos só serviria para queimar seu filme.
Para deixar o Brasil, Lula precisaria de um salvo-conduto do governo de Michel Temer. Bastariam algumas semanas de espera, esfriando o noticiário, e ele voaria. Uma vez instalado no país que lhe deu asilo, ele poderia viajar pelo mundo. Mesmo que voltem a lhe tomar o passaporte, isso seria uma irrelevância. Até 1976, João Goulart, asilado no Uruguai, viajava com passaporte paraguaio.
O asilo de Lula poderia agradar ao governo, pois, preso, ele seria defendido por uma constrangedora campanha internacional. (Guardadas as proporções, como aconteceu com o chefe comunista Luís Carlos Prestes entre 1936 e 1945.)
A vitimização de Lula perderia um pouco de dramaticidade, mas as cadeias ensinam que com o tempo a mobilização murcha, e a solidão da cela toma conta da cena.
A gambiarra tem um inconveniente. Ele só poderia voltar ao país nas asas de uma anistia.
SURGIU UM KENNEDY NO TRUMPISTÃO
O partido Democrata designou o deputado Joseph Kennedy III para discursar na contradita à fala de Donald Trump na sessão de reabertura do Congresso americano. Ele falou durante 13 minutos e, quando terminou, o partido Democrata tinha uma nova estrela.
Com algum exagero, a cena foi comparada ao discurso de um senador pouco conhecido na convenção democrata de 2004. Chamava-se Barack Obama e tinha 43 anos. Quatro anos depois ele foi eleito presidente dos Estados Unidos.
Joseph Kennedy III tem 37 anos, está no segundo mandato de deputado e é neto de Robert Kennedy, o senador assassinado em 1968, aos 43 anos, quando estava na bica para ser eleito presidente. Cinco anos antes, seu irmão John morrera em Dallas. (O mais velho da prole, Joseph, explodiu com seu avião durante a Segunda Guerra.)
O breve discurso de Kennedy o colocou na lista de notáveis do partido. Respondeu ao septuagenário Donald Trump com uma peça de perfeita oratória. Unificadora num país dividido, benevolente numa sociedade crispada, ele apontou para o futuro numa época de intransigências vindas do passado. Condenou o muro que Trump quer construir na fronteira com o México com um toque da maestria retórica de Ronald Reagan em Berlim: “Minha geração vai derrubá-lo”. Surpreendeu, dirigindo-se aos imigrantes em espanhol: “Vamos a luchar por ustedes”. (Ele passou dois anos na República Dominicana fazendo trabalho voluntário.)
Foi um discurso de candidato a muito mais. Pela primeira vez um Kennedy vai para a cabeceira da pista com chances de decolar. Seu pai foi um deputado medíocre, alguns de seus primos se meteram em escândalos. Com um currículo de primeira (diplomado pelas universidades de Stanford e Harvard), Joseph é abstêmio, casou-se com uma colega de faculdade e tem uma cabeleira normal, que lembra um pouco a do avô, nada a ver com a marquise laqueada de Trump.
FHC E HUCK
Um tucano sábio e bem informado desconfia, e tem razões para isso, que Luciano Huck é o candidato que Fernando Henrique Cardoso guarda na manga.
Um pedaço da banca torce o nariz para um candidato vindo da telinha, mas outro assegura que esse detalhe pode ser compensado colocando-se um tutor na vice. Para começo de conversa, poderia ser Paulo Hartung, atual governador do Espírito Santo.
É sempre bom recordar que em 1989 o PSDB cogitou colocar o ator Lima Duarte como candidato a vice de Mário Covas. À época ele era o grande astro da novela "O Salvador da Pátria". Como se sabe, a pátria acabou entregue a Fernando Collor.
A PF E O REITOR
Passaram-se quatro meses da manhã em que o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina Luiz Carlos Cancellier matou-se, jogando-se do sétimo andar de um shopping de Florianópolis.
Anunciou-se que se investigava um desvio de R$ 80 milhões. Sabe-se que isso era fantasia, e já se sabe que Lula foi condenado pelo TRF-4. Passados quatro meses, não se sabe quais irregularidades foram cometidas pelo reitor, ou por quem quer que seja.
Ele seria culpado de tentar obstruir a ação dos investigadores, mas ainda não apareceu um só depoimento convincente para sustentar essa acusação.
RISCO ALCKMIN
Se a ventania da Lava Jato ou as investigações das roubalheiras ocorridas no setor metroferroviário de São Paulo jogarem um cisco na candidatura de Geraldo Alckmin, ela sai dos trilhos.
ASTÚCIA CRUEL
O TRF-4 elevou a pena de Lula para 12 anos e um mês. Esse mês adicional pode ter parecido uma crueldade irrelevante numa sentença para um homem de 72 anos.
Irrelevante não foi. Se Lula tivesse sido condenado a apenas 12 anos, seus advogados poderiam sustentar que seu crime estaria prescrito em 2017, oito anos depois do fato. Quando os desembargadores apensaram mais um mês, mudaram Lula de patamar, e a prescrição só poderia ser arguida em 2019.
GAVETA
Terminadas as férias do Judiciário, a Procuradoria-Geral da República deverá devolver ao Supremo Tribunal Federal o processo em que Rodrigo Janot pediu que o ministro Gilmar Mendes fosse impedido de julgar casos envolvendo o empresário Jacob Barata Filho.
O processo foi pedido para vista pela procuradora Raquel Dodge no final de setembro e enviado para exame por cinco dias.
GOLPE EM CARACAS
O secretário de Estado americano, Rex Tillerson, acha que uma das soluções para a crise venezuelana seria um golpe militar.
Ele e todos os defensores de soluções militares para a América Latina se esquecem que o coronel Hugo Chávez celebrizou-se em 1992 liderando um golpe militar fracassado.
Segundo o doutor, “na História da Venezuela e dos países sul-americanos, às vezes o Exército é o agente da mudança quando as coisas estão tão ruins e a liderança não mais serve ao povo”.
O penúltimo militar golpista a governar a Venezuela foi o general Pérez Jiménez. Larápio, foi deposto em 1958, fugiu para os Estados Unidos e lá viveu até 1963, quando foi devolvido aos venezuelanos e passou cinco anos na cadeia.
GOLPE EM CARACAS
O secretário de Estado americano, Rex Tillerson, acha que uma das soluções para a crise venezuelana seria um golpe militar.
Ele e todos os defensores de soluções militares para a América Latina se esquecem que o coronel Hugo Chávez celebrizou-se em 1992 liderando um golpe militar fracassado.
Segundo o doutor, “na História da Venezuela e dos países sul-americanos, às vezes o Exército é o agente da mudança quando as coisas estão tão ruins e a liderança não mais serve ao povo”.
O penúltimo militar golpista a governar a Venezuela foi o general Pérez Jiménez. Larápio, foi deposto em 1958, fugiu para os Estados Unidos e lá viveu até 1963, quando foi devolvido aos venezuelanos e passou cinco anos na cadeia.
Cultura do estupro ou histeria? - RODRIGO CONSTANTINO
GAZETA DO POVO - PR - 04/02
Todos os homens, de preferência os brancos, passaram a ser vistos como predadores, estupradores em potencial, culpados já ao nascimento
Vivemos em tempos estranhos, de muita afetação e histeria, na era do vitimismo em que o homem branco parece ter se transformado no grande vilão da humanidade. Entre os movimentos atrelados a esse Zeitgeist, o feminismo radical é o que mais cresce e ameaça os pilares de nossa civilização. Ao levar o conceito marxista de luta de classes para dentro da família, para o relacionamento entre homem e mulher, esse feminismo tem criado um ambiente terrível no convívio entre os diferentes sexos.
A paranoia com o “assédio sexual” é reflexo disso. Todos os homens, de preferência os brancos, passaram a ser vistos como predadores, estupradores em potencial, culpados já ao nascimento, só por ter um pênis. E tudo passou a ser considerado “abuso sexual”, desde o ato do estupro até uma cantada mais inocente. As feministas falam numa “cultura do estupro”, como se o Ocidente fosse o Afeganistão. Ela serviria para preservar o modelo patriarcal de domínio e opressão. Mas existe mesmo isso?
A quem se interessa pelo assunto – e acho que ele deveria interessar a todos – recomendo o excelente Rape Culture Hysteria, de Wendy McElroy. Ela demonstra de forma minuciosa, com fatos e argumentos, que não existe uma cultura de estupro na América, e sim uma histeria sobre a tal cultura do estupro, fruto de uma estratégia deliberada do movimento feminista.
As acusações não são baseadas em evidências, estatísticas sérias ou na razão, e sim em ideologia, em mentiras e manipulações dos dados para que ajudem na narrativa que demoniza os homens brancos. A histeria impede justamente um debate mais sério, calcado nas evidências. Ela produz muito calor, mas pouca luz.
As feministas radicais usam as vítimas de abuso como mascotes em seu jogo ideológico de poder
O objetivo final do feminismo politicamente correto é ambicioso, e passa pela desconstrução das instituições, da cultura e dos valores ocidentais, para reconstruí-los do zero de acordo com um conceito completamente distinto de “justiça social”. Homens inocentes que têm suas vidas destruídas no processo são apenas “dano colateral” sem importância, pois os “nobres” fins justificam quaisquer meios. Esse sempre foi o mantra das revoluções.
A essa altura, algumas feministas já podem objetar: como um homem branco pretende falar sobre estupro? Essa tática é antiga, e sempre foi usada pela esquerda. O rico não poderia falar sobre políticas sociais pois não passara fome, sendo que foi o ex-operário quem mais espalhou fome e desemprego no Brasil. O branco não pode falar de cotas raciais, pois não é negro e não sofreu preconceito. E por aí vai.
Essa estratégia já impede um debate objetivo, mas erra duplamente o alvo. Afinal, os pontos que trago aqui foram retirados do livro de uma mulher, feminista libertária, e que foi vítima de estupro e violência doméstica. Essas características fazem com que a autora seja realmente odiada pelo movimento feminista, pois as típicas acusações para intimidar ou calar o oponente não colam em seu caso.
Apesar de ter sido estuprada e agredida, McElroy não quis apelar para a vitimização, e nunca considerou ter sido abusada pelo “homem”, uma abstração coletiva, e sim por homens concretos, de carne e osso. Ela está ciente de que a maioria dos homens que conhece estaria disposta a se colocar em perigo para defendê-la. Nada pode ser mais injusto, portanto, do que coletivizar a culpa, o que inclusive retira a responsabilidade dos indivíduos que cometeram os crimes.
As feministas radicais não querem saber disso, pois usam as vítimas de abuso como mascotes em seu jogo ideológico de poder. A autora mostra vários casos em que a cautela na hora de averiguar os fatos foi abandonada, com consequências terríveis para os envolvidos. Vidas foram destroçadas porque alguém mentiu ou se enganou. O que uma mulher diz, hoje em dia, tem de ser verdade e ponto. Valores básicos de nossa civilização, como o benefício da dúvida e o “inocente até prova em contrário”, têm sido abandonados.
Uma guerra entre os sexos tem sido promovida, principalmente nas universidades, destruindo o reconhecimento de que somos todos seres humanos com uma humanidade compartilhada. A diversidade entre os sexos, que deveria ser celebrada, é tida como um instrumento de opressão masculina. As próprias mulheres que não aceitam participar desse jogo feminista são atacadas, comprovando que o feminismo não tem nada a ver com a defesa da mulher ou da diversidade.
A “cultura do estupro” é uma construção social que deriva do conceito de “patriarcado”, um sistema de opressão em que as mulheres se tornam a classe vítima. É assim que uma poderosa e bilionária Oprah Winfrey, ou mesmo Hillary Clinton, esposa de alguém que realmente abusou de mulheres, podem posar de defensoras das vítimas oprimidas.
No afã de produzir esse clima de histeria, as feministas precisam de altas taxas de “abuso sexual”. É por isso que o conceito se tornou tão elástico, e as estatísticas passaram a ser utilizadas sem qualquer critério científico. Elas falam em uma em cada cinco estudantes abusadas nas universidades, o que é simplesmente absurdo e desprovido de base factual. Os dados reais apontam para dez vezes menos, ou seja, uma em cada 50 – e, dessas, uma em cada três sofreram estupro de fato.
O número ainda incomoda, claro, pois o ideal é zero. Mas é bem diferente falar que uma em cada cinco alunas serão estupradas, ou uma em cada 150! A taxa geral de estupro nos Estados Unidos estava numa mínima histórica de 40 anos em 2013. São dados que não corroboram a paranoia intencional, e por isso são ignorados.
Mas não é a realidade que move esse movimento, e sim a ideologia. É por isso que os indivíduos culpados não são o foco das feministas, mas sim todos os homens. No primeiro caso, a resposta adequada é criminal, uma punição legal; no segundo caso, é uma transformação de todo o sistema, da própria sociedade, dos conceitos de gênero, família, linguagem etc. A “estrutura de poder” precisa ser revolucionada, e eis a meta real das feministas.
Admitir que não existe no Ocidente uma “cultura do estupro”, que o estupro não é a norma, mas a exceção, condenada pela imensa maioria dos homens, seria abrir mão de uma poderosa narrativa revolucionária. É por isso que a razão precisa ser substituída pela histeria.
Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
Todos os homens, de preferência os brancos, passaram a ser vistos como predadores, estupradores em potencial, culpados já ao nascimento
Vivemos em tempos estranhos, de muita afetação e histeria, na era do vitimismo em que o homem branco parece ter se transformado no grande vilão da humanidade. Entre os movimentos atrelados a esse Zeitgeist, o feminismo radical é o que mais cresce e ameaça os pilares de nossa civilização. Ao levar o conceito marxista de luta de classes para dentro da família, para o relacionamento entre homem e mulher, esse feminismo tem criado um ambiente terrível no convívio entre os diferentes sexos.
A paranoia com o “assédio sexual” é reflexo disso. Todos os homens, de preferência os brancos, passaram a ser vistos como predadores, estupradores em potencial, culpados já ao nascimento, só por ter um pênis. E tudo passou a ser considerado “abuso sexual”, desde o ato do estupro até uma cantada mais inocente. As feministas falam numa “cultura do estupro”, como se o Ocidente fosse o Afeganistão. Ela serviria para preservar o modelo patriarcal de domínio e opressão. Mas existe mesmo isso?
A quem se interessa pelo assunto – e acho que ele deveria interessar a todos – recomendo o excelente Rape Culture Hysteria, de Wendy McElroy. Ela demonstra de forma minuciosa, com fatos e argumentos, que não existe uma cultura de estupro na América, e sim uma histeria sobre a tal cultura do estupro, fruto de uma estratégia deliberada do movimento feminista.
As acusações não são baseadas em evidências, estatísticas sérias ou na razão, e sim em ideologia, em mentiras e manipulações dos dados para que ajudem na narrativa que demoniza os homens brancos. A histeria impede justamente um debate mais sério, calcado nas evidências. Ela produz muito calor, mas pouca luz.
As feministas radicais usam as vítimas de abuso como mascotes em seu jogo ideológico de poder
O objetivo final do feminismo politicamente correto é ambicioso, e passa pela desconstrução das instituições, da cultura e dos valores ocidentais, para reconstruí-los do zero de acordo com um conceito completamente distinto de “justiça social”. Homens inocentes que têm suas vidas destruídas no processo são apenas “dano colateral” sem importância, pois os “nobres” fins justificam quaisquer meios. Esse sempre foi o mantra das revoluções.
A essa altura, algumas feministas já podem objetar: como um homem branco pretende falar sobre estupro? Essa tática é antiga, e sempre foi usada pela esquerda. O rico não poderia falar sobre políticas sociais pois não passara fome, sendo que foi o ex-operário quem mais espalhou fome e desemprego no Brasil. O branco não pode falar de cotas raciais, pois não é negro e não sofreu preconceito. E por aí vai.
Essa estratégia já impede um debate objetivo, mas erra duplamente o alvo. Afinal, os pontos que trago aqui foram retirados do livro de uma mulher, feminista libertária, e que foi vítima de estupro e violência doméstica. Essas características fazem com que a autora seja realmente odiada pelo movimento feminista, pois as típicas acusações para intimidar ou calar o oponente não colam em seu caso.
Apesar de ter sido estuprada e agredida, McElroy não quis apelar para a vitimização, e nunca considerou ter sido abusada pelo “homem”, uma abstração coletiva, e sim por homens concretos, de carne e osso. Ela está ciente de que a maioria dos homens que conhece estaria disposta a se colocar em perigo para defendê-la. Nada pode ser mais injusto, portanto, do que coletivizar a culpa, o que inclusive retira a responsabilidade dos indivíduos que cometeram os crimes.
As feministas radicais não querem saber disso, pois usam as vítimas de abuso como mascotes em seu jogo ideológico de poder. A autora mostra vários casos em que a cautela na hora de averiguar os fatos foi abandonada, com consequências terríveis para os envolvidos. Vidas foram destroçadas porque alguém mentiu ou se enganou. O que uma mulher diz, hoje em dia, tem de ser verdade e ponto. Valores básicos de nossa civilização, como o benefício da dúvida e o “inocente até prova em contrário”, têm sido abandonados.
Uma guerra entre os sexos tem sido promovida, principalmente nas universidades, destruindo o reconhecimento de que somos todos seres humanos com uma humanidade compartilhada. A diversidade entre os sexos, que deveria ser celebrada, é tida como um instrumento de opressão masculina. As próprias mulheres que não aceitam participar desse jogo feminista são atacadas, comprovando que o feminismo não tem nada a ver com a defesa da mulher ou da diversidade.
A “cultura do estupro” é uma construção social que deriva do conceito de “patriarcado”, um sistema de opressão em que as mulheres se tornam a classe vítima. É assim que uma poderosa e bilionária Oprah Winfrey, ou mesmo Hillary Clinton, esposa de alguém que realmente abusou de mulheres, podem posar de defensoras das vítimas oprimidas.
No afã de produzir esse clima de histeria, as feministas precisam de altas taxas de “abuso sexual”. É por isso que o conceito se tornou tão elástico, e as estatísticas passaram a ser utilizadas sem qualquer critério científico. Elas falam em uma em cada cinco estudantes abusadas nas universidades, o que é simplesmente absurdo e desprovido de base factual. Os dados reais apontam para dez vezes menos, ou seja, uma em cada 50 – e, dessas, uma em cada três sofreram estupro de fato.
O número ainda incomoda, claro, pois o ideal é zero. Mas é bem diferente falar que uma em cada cinco alunas serão estupradas, ou uma em cada 150! A taxa geral de estupro nos Estados Unidos estava numa mínima histórica de 40 anos em 2013. São dados que não corroboram a paranoia intencional, e por isso são ignorados.
Mas não é a realidade que move esse movimento, e sim a ideologia. É por isso que os indivíduos culpados não são o foco das feministas, mas sim todos os homens. No primeiro caso, a resposta adequada é criminal, uma punição legal; no segundo caso, é uma transformação de todo o sistema, da própria sociedade, dos conceitos de gênero, família, linguagem etc. A “estrutura de poder” precisa ser revolucionada, e eis a meta real das feministas.
Admitir que não existe no Ocidente uma “cultura do estupro”, que o estupro não é a norma, mas a exceção, condenada pela imensa maioria dos homens, seria abrir mão de uma poderosa narrativa revolucionária. É por isso que a razão precisa ser substituída pela histeria.
Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
Política e eleições - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
O GLOBO/ESTADÃO - 04/02
A Pátria precisa de um eleitorado que leve ao poder quem tenha visão de País e do mundo
O País vive dias politicamente agitados. Mas para quem imaginava que uma segunda condenação de Lula levantaria as massas em protesto, o pós-julgamento, independentemente de se estar ou não de acordo com o veredicto, foi decepcionante. Na verdade, a maioria da população continuou imersa no dia a dia. A fagulha que viria dos “movimentos populares” não veio. O que não quer dizer que no transcorrer do tempo, por outras razões e pelas consequências da eventual prisão de Lula, o ânimo das pessoas não possa levá-las às ruas.
Nada disso muda o panorama: a movimentação confina-se aos meios políticos e jornalísticos e ao mercado financeiro. A eventualidade de quem estava à frente das preferências ser impedido de concorrer por uma lei que, ironicamente, ele próprio sancionou, chamada “da Ficha Limpa”, produz certo alvoroço para saber como se distribuirão seus votos. E assim será a cada nova pesquisa eleitoral que apareça. As eleições, entretanto, virão. O calendário não será alterado. Os partidos e candidatos, todos eles, passado o alvoroço, procurarão adaptar-se à realidade.
É cedo para prognósticos. Quando deixei o Ministério da Fazenda para ser candidato (em outras circunstâncias, é verdade), tinha 12% das intenções de voto e Lula, três vezes mais. Em julho, depois de o real virar moeda, a tendência começou a mudar, mas a mudança só se tornou nítida quando teve início o horário eleitoral na TV e no rádio, atraindo parte importante da atenção da maioria das pessoas. Os eleitores olharam os candidatos e optaram por quem lhes pareceu mais capaz de conduzi-los a um futuro melhor.
Naquela época a questão central era o controle da inflação. Hoje não há uma, mas várias questões centrais. Além disso, a mídia social, a da internet, abre maiores espaços para todos os candidatos.
Política é circunstância, mas é também esperança, e esta depende de o candidato encarnar uma mensagem consistente com o que a maioria do eleitorado sente e deseja. Hoje o tema central não é mais a inflação. O desemprego – e, portanto, o crescimento da economia –, o crime e a insegurança das pessoas, bem como a corrupção, que provoca o clamor por decência, são os novos pontos sensíveis.
A vitória eleitoral depende de se construir e saber transmitir uma mensagem que toque a sensibilidade popular e dê resposta às principais preocupações da maioria da população. O eleitorado avalia a seu modo as possibilidades de dias melhores que o candidato lhe oferece. Essa avaliação, a rigor, ainda não se iniciou. A grande maioria das pessoas só começará a fazê-la bem mais à frente.
Na escolha do candidato, a economia conta, mas não os dados puros e duros. Os americanos falam do feel good factor, ou seja, do sentimento de bem-estar. Não basta que os dados mostrem aos especialistas que a economia está melhorando, é preciso que as pessoas sintam que a vida melhorou para si e para os mais próximos.
O discurso “técnico” ajuda pouco a obter votos. Dados sem alma são como pedras que rolam dos morros, não formam caminhos. É preciso oferecer bons motivos para que a escolha do eleitorado recaia sobre A e não sobre B. Daí que sejam importantes a campanha, a mensagem, a capacidade do candidato de ter uma fala coerente com sua trajetória. Antes dos embates reais entre os candidatos, as apostas são arriscadas.
Está na moda, dada a dispersão de preferências de votos, imaginar possível repetir o “fenômeno Macron”. Sim, podem-se despertar esperanças e juntar segmentos de uma sociedade fragmentada e desiludida com os políticos. Mas as circunstâncias aqui são outras.
Na França a eleição presidencial é solitária e candidatos independentes podem concorrer. As eleições para a Assembleia Nacional se dão um mês depois, o que dá ao presidente vitorioso, mesmo um outsider, enorme chance de “formar a maioria”. No Brasil só podem concorrer candidatos filiados a partidos. As alianças partidárias para a eleição são importantes para assegurar tempo de TV e recursos de financiamento de campanha. Depois de eleito, porém, o presidente não terá a maioria congressual assegurada, dada a fragmentação do sistema partidário.
Só a partir de abril, quando termina o prazo para a filiação a partidos, pré-requisito para disputar a eleição, poderemos ver se haverá mesmo outsiders. Até as convenções partidárias, que se devem realizar entre julho e início de agosto, o jogo político se concentrará na montagem das alianças partidárias para a Presidência, os governos estaduais e o Congresso, um quebra-cabeças em três camadas que se afetam reciprocamente. Por mais importante que seja montá-lo, quem queira vencer a eleição presidencial não se pode descuidar da construção da sua narrativa, desde já.
A dispersão do eleitorado mostra que entre nós os “partidos” não são condutores do voto, com as exceções conhecidas. Os líderes contam mais do que eles. Essa é uma das fragilidades da nossa democracia. Com a desmoralização da “classe política”, se houver alguém capaz de comover as massas e de significar para elas um futuro melhor, pode ganhar. Nesse caso, como governará? Com quem e a que custo?
Desmoralizados ou não, fragmentados ou não, mesmo em crise, como estão, os partidos são instrumentos básicos nas democracias representativas. Sua substituição pela mensagem do líder é possível, mas, em geral, as consequências são negativas. Melhor tratar de reinventar os partidos e abrir espaços para que as pessoas opinem e participem das decisões do que imaginar que “alguém” salvará a Pátria. A Pátria precisa tanto de líderes como de instituições. E, principalmente, de um eleitorado que leve ao poder quem tenha visão de País e do mundo e, sustentando os valores da decência e da democracia, possa oferecer maior bem-estar ao povo.
* Sociólogo, foi presidente da República
A Pátria precisa de um eleitorado que leve ao poder quem tenha visão de País e do mundo
O País vive dias politicamente agitados. Mas para quem imaginava que uma segunda condenação de Lula levantaria as massas em protesto, o pós-julgamento, independentemente de se estar ou não de acordo com o veredicto, foi decepcionante. Na verdade, a maioria da população continuou imersa no dia a dia. A fagulha que viria dos “movimentos populares” não veio. O que não quer dizer que no transcorrer do tempo, por outras razões e pelas consequências da eventual prisão de Lula, o ânimo das pessoas não possa levá-las às ruas.
Nada disso muda o panorama: a movimentação confina-se aos meios políticos e jornalísticos e ao mercado financeiro. A eventualidade de quem estava à frente das preferências ser impedido de concorrer por uma lei que, ironicamente, ele próprio sancionou, chamada “da Ficha Limpa”, produz certo alvoroço para saber como se distribuirão seus votos. E assim será a cada nova pesquisa eleitoral que apareça. As eleições, entretanto, virão. O calendário não será alterado. Os partidos e candidatos, todos eles, passado o alvoroço, procurarão adaptar-se à realidade.
É cedo para prognósticos. Quando deixei o Ministério da Fazenda para ser candidato (em outras circunstâncias, é verdade), tinha 12% das intenções de voto e Lula, três vezes mais. Em julho, depois de o real virar moeda, a tendência começou a mudar, mas a mudança só se tornou nítida quando teve início o horário eleitoral na TV e no rádio, atraindo parte importante da atenção da maioria das pessoas. Os eleitores olharam os candidatos e optaram por quem lhes pareceu mais capaz de conduzi-los a um futuro melhor.
Naquela época a questão central era o controle da inflação. Hoje não há uma, mas várias questões centrais. Além disso, a mídia social, a da internet, abre maiores espaços para todos os candidatos.
Política é circunstância, mas é também esperança, e esta depende de o candidato encarnar uma mensagem consistente com o que a maioria do eleitorado sente e deseja. Hoje o tema central não é mais a inflação. O desemprego – e, portanto, o crescimento da economia –, o crime e a insegurança das pessoas, bem como a corrupção, que provoca o clamor por decência, são os novos pontos sensíveis.
A vitória eleitoral depende de se construir e saber transmitir uma mensagem que toque a sensibilidade popular e dê resposta às principais preocupações da maioria da população. O eleitorado avalia a seu modo as possibilidades de dias melhores que o candidato lhe oferece. Essa avaliação, a rigor, ainda não se iniciou. A grande maioria das pessoas só começará a fazê-la bem mais à frente.
Na escolha do candidato, a economia conta, mas não os dados puros e duros. Os americanos falam do feel good factor, ou seja, do sentimento de bem-estar. Não basta que os dados mostrem aos especialistas que a economia está melhorando, é preciso que as pessoas sintam que a vida melhorou para si e para os mais próximos.
O discurso “técnico” ajuda pouco a obter votos. Dados sem alma são como pedras que rolam dos morros, não formam caminhos. É preciso oferecer bons motivos para que a escolha do eleitorado recaia sobre A e não sobre B. Daí que sejam importantes a campanha, a mensagem, a capacidade do candidato de ter uma fala coerente com sua trajetória. Antes dos embates reais entre os candidatos, as apostas são arriscadas.
Está na moda, dada a dispersão de preferências de votos, imaginar possível repetir o “fenômeno Macron”. Sim, podem-se despertar esperanças e juntar segmentos de uma sociedade fragmentada e desiludida com os políticos. Mas as circunstâncias aqui são outras.
Na França a eleição presidencial é solitária e candidatos independentes podem concorrer. As eleições para a Assembleia Nacional se dão um mês depois, o que dá ao presidente vitorioso, mesmo um outsider, enorme chance de “formar a maioria”. No Brasil só podem concorrer candidatos filiados a partidos. As alianças partidárias para a eleição são importantes para assegurar tempo de TV e recursos de financiamento de campanha. Depois de eleito, porém, o presidente não terá a maioria congressual assegurada, dada a fragmentação do sistema partidário.
Só a partir de abril, quando termina o prazo para a filiação a partidos, pré-requisito para disputar a eleição, poderemos ver se haverá mesmo outsiders. Até as convenções partidárias, que se devem realizar entre julho e início de agosto, o jogo político se concentrará na montagem das alianças partidárias para a Presidência, os governos estaduais e o Congresso, um quebra-cabeças em três camadas que se afetam reciprocamente. Por mais importante que seja montá-lo, quem queira vencer a eleição presidencial não se pode descuidar da construção da sua narrativa, desde já.
A dispersão do eleitorado mostra que entre nós os “partidos” não são condutores do voto, com as exceções conhecidas. Os líderes contam mais do que eles. Essa é uma das fragilidades da nossa democracia. Com a desmoralização da “classe política”, se houver alguém capaz de comover as massas e de significar para elas um futuro melhor, pode ganhar. Nesse caso, como governará? Com quem e a que custo?
Desmoralizados ou não, fragmentados ou não, mesmo em crise, como estão, os partidos são instrumentos básicos nas democracias representativas. Sua substituição pela mensagem do líder é possível, mas, em geral, as consequências são negativas. Melhor tratar de reinventar os partidos e abrir espaços para que as pessoas opinem e participem das decisões do que imaginar que “alguém” salvará a Pátria. A Pátria precisa tanto de líderes como de instituições. E, principalmente, de um eleitorado que leve ao poder quem tenha visão de País e do mundo e, sustentando os valores da decência e da democracia, possa oferecer maior bem-estar ao povo.
* Sociólogo, foi presidente da República
A farsa da campanha contra a reforma da Previdência - EDITORIAL O GLOBO
O Globo - 04/02
O governo perde feio a guerra da informação. Corporações, em especial de servidores públicos, conseguem passar a ideia de que se trata de reforma contra ‘os pobres’
O governo Temer acumula avanços importantes, por exemplo, na reforma trabalhista e na aprovação da emenda constitucional que instituiu o teto para o total dos gastos públicos primários, barreira essencial para forçar a contenção das despesas.
Porém, a mais importante das reformas, a da Previdência, principal causa da impossibilidade de se equilibrarem as contas públicas, para conter o crescimento da dívida em proporção do PIB, tem sérias dificuldades para decolar. É um tema difícil em qualquer país, mas no Brasil tem enfrentado especial resistência.
Pelo desregramento fiscal do lulopetismo, iniciado no final do segundo governo Lula e aprofundado por Dilma Rousseff até o impeachment, a dívida, que estava em 50% do PIB, em quatro anos chegou a 74%, enquanto o bloco de economias emergentes oscila na faixa dos 45%. E, até ser iniciada a reforma da Previdência, esta corrida para o precipício continuará.
As razões da inevitabilidade da reforma são sólidas e evidentes: a possibilidade da aposentadoria por tempo de contribuição permite a formação de um grande contingente de adultos de meia idade aposentados (na faixa dos 50 anos), com uma expectativa de vida adicional para além dos 80, sem que haja recursos para financiar os benefícios. Daí a imperiosidade da criação do limite de idade, como na expressiva maioria dos países, para que se requeira o benefício (65 anos, nos homens; 62, mulheres). Numa transição feita de forma escalonada, suave.
Mas o governo perde feio a guerra da informação. As corporações sindicais, principalmente de servidores públicos, conseguem passar a ideia de que se trata de uma reforma contra “os pobres”. Uma farsa. Na quarta, a “Folha de S.Paulo” trouxe foto de uma manifestação de sindicalistas contra a reforma, coreografada por idosos em cadeiras de rodas e em camas de hospital, supostas vítimas das mudanças na Previdência.
Ora, as pessoas com aposentadoria básica, de um salário mínimo, de baixa renda, procuram o INSS aos 60 anos, porque não ficam muito tempo em empregos formais. O limite de idade, na prática, já vale para elas. Quem não se interessa pela reforma são os que têm renda na faixa de seis e sete salários, e se aposentam aos 50 anos. Um grupo representado por sindicalizados que protestam em nome do “povo”. Basta observar quem lidera passeatas. Não há pobres.
Castas as mais diversas do funcionalismo também rejeitam a ideia, justa, de que a Previdência tem de ser igual para todos, e que cada pessoa/categoria deve constituir sua poupança em fundos de pensão, para complementar a futura aposentadoria. Desejam permanecer sustentados pelos contribuintes, o que não é mais possível.
No encontro promovido pelo GLOBO, quarta-feira, na série “E agora, Brasil?”, com o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, e o economista José Márcio Camargo, da PUC, foram apresentados números acachapantes. Por exemplo: o Brasil tem a parcela de 11% da população formada por idosos; o Japão, 30%, mas os dois países gastam os mesmos 14% do PIB em aposentadorias. Algo muito errado acontece na Previdência brasileira, mas o discurso de castas em geral e as do funcionalismo em particular não tem sido retrucado à altura pelo governo. Números não faltam.
O governo perde feio a guerra da informação. Corporações, em especial de servidores públicos, conseguem passar a ideia de que se trata de reforma contra ‘os pobres’
O governo Temer acumula avanços importantes, por exemplo, na reforma trabalhista e na aprovação da emenda constitucional que instituiu o teto para o total dos gastos públicos primários, barreira essencial para forçar a contenção das despesas.
Porém, a mais importante das reformas, a da Previdência, principal causa da impossibilidade de se equilibrarem as contas públicas, para conter o crescimento da dívida em proporção do PIB, tem sérias dificuldades para decolar. É um tema difícil em qualquer país, mas no Brasil tem enfrentado especial resistência.
Pelo desregramento fiscal do lulopetismo, iniciado no final do segundo governo Lula e aprofundado por Dilma Rousseff até o impeachment, a dívida, que estava em 50% do PIB, em quatro anos chegou a 74%, enquanto o bloco de economias emergentes oscila na faixa dos 45%. E, até ser iniciada a reforma da Previdência, esta corrida para o precipício continuará.
As razões da inevitabilidade da reforma são sólidas e evidentes: a possibilidade da aposentadoria por tempo de contribuição permite a formação de um grande contingente de adultos de meia idade aposentados (na faixa dos 50 anos), com uma expectativa de vida adicional para além dos 80, sem que haja recursos para financiar os benefícios. Daí a imperiosidade da criação do limite de idade, como na expressiva maioria dos países, para que se requeira o benefício (65 anos, nos homens; 62, mulheres). Numa transição feita de forma escalonada, suave.
Mas o governo perde feio a guerra da informação. As corporações sindicais, principalmente de servidores públicos, conseguem passar a ideia de que se trata de uma reforma contra “os pobres”. Uma farsa. Na quarta, a “Folha de S.Paulo” trouxe foto de uma manifestação de sindicalistas contra a reforma, coreografada por idosos em cadeiras de rodas e em camas de hospital, supostas vítimas das mudanças na Previdência.
Ora, as pessoas com aposentadoria básica, de um salário mínimo, de baixa renda, procuram o INSS aos 60 anos, porque não ficam muito tempo em empregos formais. O limite de idade, na prática, já vale para elas. Quem não se interessa pela reforma são os que têm renda na faixa de seis e sete salários, e se aposentam aos 50 anos. Um grupo representado por sindicalizados que protestam em nome do “povo”. Basta observar quem lidera passeatas. Não há pobres.
Castas as mais diversas do funcionalismo também rejeitam a ideia, justa, de que a Previdência tem de ser igual para todos, e que cada pessoa/categoria deve constituir sua poupança em fundos de pensão, para complementar a futura aposentadoria. Desejam permanecer sustentados pelos contribuintes, o que não é mais possível.
No encontro promovido pelo GLOBO, quarta-feira, na série “E agora, Brasil?”, com o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, e o economista José Márcio Camargo, da PUC, foram apresentados números acachapantes. Por exemplo: o Brasil tem a parcela de 11% da população formada por idosos; o Japão, 30%, mas os dois países gastam os mesmos 14% do PIB em aposentadorias. Algo muito errado acontece na Previdência brasileira, mas o discurso de castas em geral e as do funcionalismo em particular não tem sido retrucado à altura pelo governo. Números não faltam.
Solidez e recuperação - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 04/02
Os números do balanço de pagamentos em 2017 mostram uma situação confortável para o País. As transações externas, como mostrou o relatório do Banco Central (BC), tiveram uma evolução bastante favorável ao longo do ano passado, influenciadas pelo bom desempenho das exportações e pelo ingresso expressivo – embora inferior ao de anos anteriores – de investimentos diretos na economia. No que se refere às contas externas, o País parece preparado para a reversão do cenário internacional, que continua benéfico para os países emergentes. Mas mudanças anunciadas nas políticas monetárias das economias industrializadas podem reduzir o fluxo de capitais que os têm favorecido. Os números do BC mostram, porém, que o País reforçou sua capacidade de absorver impactos de uma eventual deterioração do cenário internacional.
Os números do setor externo, aos quais se acrescenta uma inflação baixa para os padrões históricos, mostram uma economia mais sólida do que a deixada pelo lulopetismo. E também em recuperação, visto que a piora de alguns itens do balanço de pagamentos decorre da maior demanda por serviços e bens importados, sinal de que as empresas retomam investimentos.
O Brasil encerrou 2017 com um déficit em conta corrente do balanço de pagamentos de US$ 9,762 bilhões, que corresponde a 0,48% do Produto Interno Bruto (PIB). É o melhor resultado desde 2007, quando a conta corrente teve saldo de US$ 408 milhões. Entre os itens que compõem as transações correntes do balanço de pagamentos, a balança comercial, com superávit de US$ 64,03 bilhões, foi o que mais contribuiu para o resultado do ano passado. O saldo comercial de 2017 foi bastante superior ao de 2016 graças ao crescimento das exportações.
Destaque-se, porém, que também as importações cresceram (9,9%), demonstrando a maior demanda do mercado interno que é característica da retomada do crescimento. Também o aumento do déficit na conta de serviços, de US$ 30,5 bilhões para US$ 33,9 bilhões, indica recuperação. Com o crescimento esperado do PIB em 2018, que fará crescer os gastos do País com serviços e importações, o déficit das transações correntes pode chegar a US$ 9,76 bilhões neste ano.
No ano passado, o investimento direto no País (IDP) ficou em US$ 70,3 bilhões, valor 10,1% menor do que o registrado em 2016. A queda poderia significar menor interesse de investidores estrangeiros em aplicações no setor produtivo, o que seria compreensível diante da crise iniciada no segundo semestre de 2014 e que se agravou com as incertezas políticas que marcaram o período que se seguiu ao início do processo de impeachment de Dilma Rousseff.
Mas, a despeito da queda do IDP em 2017, o que os números do BC mostram é o aumento do investimento destinado a participação no capital de empresas sediadas no Brasil (de US$ 54,1 bilhões para US$ 59,1 bilhões). O item que provou a queda do IDP foi o relativo às operações intercompanhias, que caiu de US$ 24,1 bilhões para US$ 11,2 bilhões. Esse fato, segundo alguns analistas do mercado financeiro, pode ser explicado por decisões das matrizes de reduzir suas remessas para o Brasil em razão do quadro político incerto.
Em resumo, a queda do IDP não reflete desinteresse crescente dos investidores. Economistas e analistas das principais instituições financeiras consultados semanalmente pelo BC estimam que o ingresso de IDP alcançará US$ 80 bilhões neste ano. Está é também a estimativa do BC. O valor é mais do que suficiente para financiar o déficit em transações correntes, como vem ocorrendo há anos.
O rebaixamento da nota de crédito do País pela Standard & Poor’s é um alerta para os desequilíbrios vigentes na economia brasileira e que precisam ser eliminados. Apesar disso, o País vem conseguindo captar recursos como se sua nota não tivesse sido rebaixada. A situação do balanço de pagamentos contribui para isso, mas a resistência no meio político às reformas, como a da Previdência, pode causar perdas.
Os números do balanço de pagamentos em 2017 mostram uma situação confortável para o País. As transações externas, como mostrou o relatório do Banco Central (BC), tiveram uma evolução bastante favorável ao longo do ano passado, influenciadas pelo bom desempenho das exportações e pelo ingresso expressivo – embora inferior ao de anos anteriores – de investimentos diretos na economia. No que se refere às contas externas, o País parece preparado para a reversão do cenário internacional, que continua benéfico para os países emergentes. Mas mudanças anunciadas nas políticas monetárias das economias industrializadas podem reduzir o fluxo de capitais que os têm favorecido. Os números do BC mostram, porém, que o País reforçou sua capacidade de absorver impactos de uma eventual deterioração do cenário internacional.
Os números do setor externo, aos quais se acrescenta uma inflação baixa para os padrões históricos, mostram uma economia mais sólida do que a deixada pelo lulopetismo. E também em recuperação, visto que a piora de alguns itens do balanço de pagamentos decorre da maior demanda por serviços e bens importados, sinal de que as empresas retomam investimentos.
O Brasil encerrou 2017 com um déficit em conta corrente do balanço de pagamentos de US$ 9,762 bilhões, que corresponde a 0,48% do Produto Interno Bruto (PIB). É o melhor resultado desde 2007, quando a conta corrente teve saldo de US$ 408 milhões. Entre os itens que compõem as transações correntes do balanço de pagamentos, a balança comercial, com superávit de US$ 64,03 bilhões, foi o que mais contribuiu para o resultado do ano passado. O saldo comercial de 2017 foi bastante superior ao de 2016 graças ao crescimento das exportações.
Destaque-se, porém, que também as importações cresceram (9,9%), demonstrando a maior demanda do mercado interno que é característica da retomada do crescimento. Também o aumento do déficit na conta de serviços, de US$ 30,5 bilhões para US$ 33,9 bilhões, indica recuperação. Com o crescimento esperado do PIB em 2018, que fará crescer os gastos do País com serviços e importações, o déficit das transações correntes pode chegar a US$ 9,76 bilhões neste ano.
No ano passado, o investimento direto no País (IDP) ficou em US$ 70,3 bilhões, valor 10,1% menor do que o registrado em 2016. A queda poderia significar menor interesse de investidores estrangeiros em aplicações no setor produtivo, o que seria compreensível diante da crise iniciada no segundo semestre de 2014 e que se agravou com as incertezas políticas que marcaram o período que se seguiu ao início do processo de impeachment de Dilma Rousseff.
Mas, a despeito da queda do IDP em 2017, o que os números do BC mostram é o aumento do investimento destinado a participação no capital de empresas sediadas no Brasil (de US$ 54,1 bilhões para US$ 59,1 bilhões). O item que provou a queda do IDP foi o relativo às operações intercompanhias, que caiu de US$ 24,1 bilhões para US$ 11,2 bilhões. Esse fato, segundo alguns analistas do mercado financeiro, pode ser explicado por decisões das matrizes de reduzir suas remessas para o Brasil em razão do quadro político incerto.
Em resumo, a queda do IDP não reflete desinteresse crescente dos investidores. Economistas e analistas das principais instituições financeiras consultados semanalmente pelo BC estimam que o ingresso de IDP alcançará US$ 80 bilhões neste ano. Está é também a estimativa do BC. O valor é mais do que suficiente para financiar o déficit em transações correntes, como vem ocorrendo há anos.
O rebaixamento da nota de crédito do País pela Standard & Poor’s é um alerta para os desequilíbrios vigentes na economia brasileira e que precisam ser eliminados. Apesar disso, o País vem conseguindo captar recursos como se sua nota não tivesse sido rebaixada. A situação do balanço de pagamentos contribui para isso, mas a resistência no meio político às reformas, como a da Previdência, pode causar perdas.
O que a Constituição manda - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 04/02
Tempos de ajuste fiscal deixam em evidência a escassez dos recursos públicos
Recentemente o presidente Michel Temer fez menção a um aspecto da Constituição de 1988 pouco lembrado e, principalmente, pouco aplicado pelo Poder Judiciário. “A Constituição diz que temas como saúde e educação são dever do Estado e de todos”, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico. Michel Temer ainda lembrou que o legislador constituinte, com a expressão “todos”, fez referência à iniciativa privada.
Tempos de ajuste fiscal deixam em evidência a escassez dos recursos públicos. Torna-se notório que o Estado é absolutamente incapaz de sustentar sozinho todas as frentes de desenvolvimento econômico e social do País. No entanto, mesmo nessas circunstâncias, há quem veja no reconhecimento das limitações do Estado uma espécie de concessão espúria, já que – segundo esse entendimento – haveria uma indevida restrição de direitos por força de vicissitudes econômicas.
Ainda que seja um tanto incongruente e ingênuo contrapor direito e realidade, tal modo de ver as coisas está bem difundido. Sua presença é tão marcante que não é exagero dizer que a maior parte da jurisprudência relativa à Constituição de 1988 foi construída sobre estas bases um tanto irreais. Não por outro motivo, o Judiciário tem uma especial responsabilidade quanto ao desequilíbrio fiscal estrutural que se verifica atualmente no Estado brasileiro.
Nesse sentido, é muito oportuna a menção feita pelo presidente Michel Temer à responsabilidade da sociedade – da iniciativa privada – no desenvolvimento econômico e social. Ainda que sejam graves e evidentes os erros da Constituição de 1988, que concedeu fartamente direitos sem a necessária contrapartida dos deveres, a situação atual não é responsabilidade apenas do texto constitucional. A interpretação feita pelo Poder Judiciário ignorou aspectos importantes da ordem jurídica fixada na Carta Magna. Tivessem sido levados em consideração, o momento presente seria bem melhor. Ou seja, o texto da Constituição é culpado, mas não é o único culpado. Frequentemente ele é lido e aplicado de forma equivocada.
Um exemplo de que a Constituição de 1988, mesmo com todos os seus enormes defeitos, não é irrealista em relação ao papel do Estado no desenvolvimento social do País é o seu art. 205, que abre o capítulo sobre a educação, a cultura e o desporto. O texto assegura que a educação é “direito de todos” e “dever do Estado e da família”. Consciente das limitações da atuação do Estado na área da educação – limitações que não decorrem apenas da economia do País, mas da própria essência do que é educação –, o legislador constituinte estabeleceu que a educação “será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
A Constituição reconhece que o Estado não é capaz de fazer tudo e que a participação da sociedade na empreitada da educação é essencial. A leitura do art. 205 joga muitas luzes sobre as limitações do debate acerca da educação brasileira nas últimas décadas.
Muitas vezes, a impressão era de que o volume de recursos públicos destinados à área era a questão fundamental para a melhoria do ensino.
Por exemplo, desde 1988, quais foram os incentivos para que a sociedade, também a iniciativa privada, aumentasse a sua participação e o seu protagonismo no ensino fundamental e médio? Quais foram as medidas de apoio por parte do Estado às iniciativas da população em prol da educação? Muita coisa foi realizada, mas quase sempre à revelia do Estado. Não se cumpriu integralmente a Constituição.
É preciso voltar a ler a Constituição. Ela não manda conceder direitos como se o Estado não tivesse limites, como alguns querem fazer crer. O texto constitucional está muito longe de um fundamentalismo cego às circunstâncias do presente. O ajuste fiscal – trazer o Estado para mais próximo da realidade – é, na verdade, fiel aplicação da Constituição, em sua concepção fundamental de Estado e de sociedade.
Tempos de ajuste fiscal deixam em evidência a escassez dos recursos públicos
Recentemente o presidente Michel Temer fez menção a um aspecto da Constituição de 1988 pouco lembrado e, principalmente, pouco aplicado pelo Poder Judiciário. “A Constituição diz que temas como saúde e educação são dever do Estado e de todos”, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico. Michel Temer ainda lembrou que o legislador constituinte, com a expressão “todos”, fez referência à iniciativa privada.
Tempos de ajuste fiscal deixam em evidência a escassez dos recursos públicos. Torna-se notório que o Estado é absolutamente incapaz de sustentar sozinho todas as frentes de desenvolvimento econômico e social do País. No entanto, mesmo nessas circunstâncias, há quem veja no reconhecimento das limitações do Estado uma espécie de concessão espúria, já que – segundo esse entendimento – haveria uma indevida restrição de direitos por força de vicissitudes econômicas.
Ainda que seja um tanto incongruente e ingênuo contrapor direito e realidade, tal modo de ver as coisas está bem difundido. Sua presença é tão marcante que não é exagero dizer que a maior parte da jurisprudência relativa à Constituição de 1988 foi construída sobre estas bases um tanto irreais. Não por outro motivo, o Judiciário tem uma especial responsabilidade quanto ao desequilíbrio fiscal estrutural que se verifica atualmente no Estado brasileiro.
Nesse sentido, é muito oportuna a menção feita pelo presidente Michel Temer à responsabilidade da sociedade – da iniciativa privada – no desenvolvimento econômico e social. Ainda que sejam graves e evidentes os erros da Constituição de 1988, que concedeu fartamente direitos sem a necessária contrapartida dos deveres, a situação atual não é responsabilidade apenas do texto constitucional. A interpretação feita pelo Poder Judiciário ignorou aspectos importantes da ordem jurídica fixada na Carta Magna. Tivessem sido levados em consideração, o momento presente seria bem melhor. Ou seja, o texto da Constituição é culpado, mas não é o único culpado. Frequentemente ele é lido e aplicado de forma equivocada.
Um exemplo de que a Constituição de 1988, mesmo com todos os seus enormes defeitos, não é irrealista em relação ao papel do Estado no desenvolvimento social do País é o seu art. 205, que abre o capítulo sobre a educação, a cultura e o desporto. O texto assegura que a educação é “direito de todos” e “dever do Estado e da família”. Consciente das limitações da atuação do Estado na área da educação – limitações que não decorrem apenas da economia do País, mas da própria essência do que é educação –, o legislador constituinte estabeleceu que a educação “será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
A Constituição reconhece que o Estado não é capaz de fazer tudo e que a participação da sociedade na empreitada da educação é essencial. A leitura do art. 205 joga muitas luzes sobre as limitações do debate acerca da educação brasileira nas últimas décadas.
Muitas vezes, a impressão era de que o volume de recursos públicos destinados à área era a questão fundamental para a melhoria do ensino.
Por exemplo, desde 1988, quais foram os incentivos para que a sociedade, também a iniciativa privada, aumentasse a sua participação e o seu protagonismo no ensino fundamental e médio? Quais foram as medidas de apoio por parte do Estado às iniciativas da população em prol da educação? Muita coisa foi realizada, mas quase sempre à revelia do Estado. Não se cumpriu integralmente a Constituição.
É preciso voltar a ler a Constituição. Ela não manda conceder direitos como se o Estado não tivesse limites, como alguns querem fazer crer. O texto constitucional está muito longe de um fundamentalismo cego às circunstâncias do presente. O ajuste fiscal – trazer o Estado para mais próximo da realidade – é, na verdade, fiel aplicação da Constituição, em sua concepção fundamental de Estado e de sociedade.
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