segunda-feira, maio 10, 2010

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Fornecedores do pré-sal criam centros de pesquisa no país

Maria Cristina Frias
Folha de S. Paulo - 10/05/2010
 
O esforço da Petrobras em atrair empresas para o Brasil vem acompanhado de outro movimento da cadeia de fornecedores: os que já estão instalados aqui correm para montar centros de pesquisas no país para desenvolver tecnologias específicas para o pré-sal.
A francesa Schlumberger, supridora de componentes e prestadora de serviços na área de petróleo, anunciou a construção de centro tecnológico na ilha do Fundão, no Rio, onde estão o Cenpes (centro de pesquisa da Petrobras) e a UFRJ.
Também já está na fila para erguer seus laboratórios a sua concorrente norte-americana Halliburton. Como a área do Fundão pertence à União, as empresas têm que disputar uma concessão para se instalarem no local.
Na área de dutos, a Tcnip (França) e a Tenaris Confab (Argentina) também já decidiram construir centros de pesquisa no Brasil.
Um dos maiores desafios do pré-sal na área de equipamentos é a alta corrosão do aço e de outros materiais por causa da grande concentração de gás carbônico, segundo o diretor de tecnologia e inovação da Coppe/UFRJ, Segen Estefen.
"Todos querem estar perto da Petrobras. O pré-sal gera uma demanda muito grande, mas também enormes desafios tecnológicos", diz Estefen.
Muitos dos laboratórios já instalados no Fundão -e alguns dos que virão- contam com a parceria com a Coppe.
A siderúrgica brasileira Usiminas é outra que vai abrir um centro tecnológico ao lado do Cenpes, da Petrobras, para desenvolver aços especiais para a construção naval.
A Wellstream, de dutos e outros equipamentos submarinos, e a Clarent, de produtos químicos para combate à corrosão, também pretendem abrir unidades de pesquisa na ilha do Fundão.
NAVEGAR É PRECISO 
Com o deficit de infraestrutura portuária, o Brasil precisaria investir cerca de US$ 30 bilhões em portos até 2020, segundo o Centronave, que reúne 32 armadores de longo curso das maiores empresas de navegação do mundo em atuação no Brasil. A entidade calcula que precise de cerca de 50 novos berços de atracação em até dez anos para eliminar os gargalos portuários. Para o Centronave, contudo, o decreto 6.620, de 2008, considerado o novo marco regulatório dos portos, inibiu investidores por obrigar o empreendedor de terminais privativos a movimentar carga própria de forma preponderante em relação à de terceiros. "O interessado em operar portos não possui carga própria", diz Elias Gedeon, diretor-executivo da entidade. Os custos portuários no Brasil são em média 30% maiores do que na Ásia, Europa e nos EUA, segundo a entidade. Os navios chegam a ficar dias à espera de atracação, o que gera um custo para toda a economia, diz Gedeon. A maior parte do comércio externo é feito pelo mar. A dragagem de oito portos deve ser concluída neste ano. "Mas, mesmo com as obras prontas, grandes navios ainda não vão operar no Brasil pela limitação dos portos."
CONSELHEIRO 1 
O ministro Guido Mantega (Fazenda) em reunião com o ministro das Finanças da Grécia, George Papaconstantinou, na sede do FMI (Fundo Monetário Internacional), ouviu um pedido de apoio do Brasil em relação a acordo com o Fundo. Papaconstantinou, que faz parte de um governo socialista e herdou a conta da gestão conservadora anterior, pediu um conselho.
CONSELHEIRO 2 
O colega grego das Finanças quis saber de Mantega o que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que ele considera de centro-esquerda, fez para atingir o atual patamar, de melhora da relação dívida/PIB e com grandes reservas. Mantega recomendou a Papaconstantinou adotar grande austeridade e agir logo no início do governo. O conselho foi dado há cerca de duas semanas.
SEGURADO 
O mercado de seguros para pessoas, que engloba seguros prestamistas, educacionais, vida individual e grupo, entre outros produtos, cresceu 15,6% no primeiro trimestre deste ano. O segmento acumulou R$ 3,7 bilhões em prêmios no período, segundo levantamento da Fenaprevi (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida). Dentre os produtos que tiveram maior crescimento relativo estão o seguro turístico e o de vida individual. O turístico cresceu 134% e movimentou R$ 8,2 milhões no trimestre. Já o seguro de vida individual alcançou R$ 268,9 milhões, alta de 27%. O terceiro mais comercializado foi o prestamista, aquele contratado pelo segurado para garantir prestações em caso de morte, invalidez ou desemprego.
SEGMENTADA 
Diretora de "ratings" corporativos e líder global da área de mídia e entretenimento da Standard & Poor's, Heather Goodchild veio ao Brasil na semana passada para acompanhar trabalhos que a agência classificadora de risco faz para o setor no país. O segmento brasileiro de mídia vive uma situação muito diferente daquela observada nos Estados Unidos, onde a crise coincidiu com dificuldades em algumas companhias já endividadas. A S&P analisa apenas dois grupos do setor no país, que atuam com televisão, e Goodchild não comenta a indústria no Brasil. A publicidade em internet vem crescendo no mundo todo, mas não bate as mídias tradicionais por ter audiência segmentada, segundo a analista. "A internet é altamente direcionada a diferentes alvos", diz ela. Como tendência, ela estima que a mídia e a indústria de entretenimento nos EUA ainda tenham um longo caminho para recuperação.

MARCO ANTONIO ROCHA

Da pirambeira à frente, o governo nem quer saber...

Marco Antonio Rocha
O Estado de S. Paulo - 10/05/2010
 
"Um espectro ronda a Europa." Cabe parafrasear o início do Manifesto Comunista de Karl Marx, de 1848. Só que, desta feita, não é o espectro do comunismo ? como ele vaticinava ?, mas o do capitalismo financeiro em desordem e desgovernado, que ronda a Europa e o mundo todo, e com tudo o que se pode qualificar de mais selvagem, na opinião de muitos críticos modernos.
Uma senhora aposentada, de cabelos brancos, entra no elevador do prédio onde mora o jornalista, empurrando seu carrinho de feira, e indaga com o semblante preocupado: "O que o senhor acha que vai acontecer? Essa situação da Grécia vai prejudicar o Brasil e bater no nosso bolso?"
Tudo indica, pelas conversas de rua, que o noticiário sobre o que acontece com a Grécia, na Grécia e na Europa em geral, já "não é grego" para o entendimento do brasileiro comum. Até pouco tempo atrás era raro o cidadão ou a cidadã, no Brasil, se inquietar com o que se passava em paragens distantes no mundo das altas finanças internacionais. Nós vivemos "tão apertadas" ? diria a dona de casa nas TVs ? com coisas miúdas como o preço do feijão e da cesta básica (que aliás teve bom aumento em abril), que não podemos perder tempo para tomar conhecimento dessas confusões de gente rica ? é melhor que eles mesmos se entendam...
Não é essa a reação que mais se podia esperar do comum dos brasileiros?
Parece que não é mais tão assim. O fantasma que ronda a Europa começou a rondar também o espírito de boa parte dos brasileiros, devido, pensamos nós, à lição oferecida pela recente crise que começou com os créditos imobiliários podres nos Estados Unidos e se espalhou pelo mundo. Os brasileiros, embora menos afetados, sentiram que o Brasil não esteve tão "blindado" nem escapou tão ileso daquela crise ? como gostam de proclamar os porta-vozes do governo e os fâmulos do presidente Lula, tentando incutir na cabeça do povo que foi graças a eles e aos seus iluminados tirocínios que o País passou incólume (sic) pelo vendaval. O povo percebeu, no entanto, que houve queda da produção, do PIB, do emprego, da renda, etc. ? mesmo que, a bem da verdade, a recuperação tenha sido rápida.
Mas ficou a lição. E por isso os acontecimentos na Grécia não estão sendo olhados com a indiferença popular que se costumava constatar.
E é oportuna essa nova atitude de alerta, até para evitar que Lula se refugie no seu habitual otimismo galopante e saia a falar de novo em "marolinha".
O clima de alarma e quase pânico que varreu a Europa na semana passada, a pancadaria e as mortes nas ruas de Atenas e os protestos e passeatas na Alemanha, França, Espanha e Portugal abriram caminho para todo tipo de menções relacionadas com a rica epopeia grega. Presente de grego, olimpíada do calote, cavalo de Troia, etc.
Uma delas me chamou a atenção: "A Ágora assalta a Acrópole" ? imagem chique das manifestações em Atenas contra o FMI e os financistas europeus e que levaria Marx a escrever: "Esbulhados de todo o mundo, uni-vos!", uma vez que, de fato, os esbulhados de todo o mundo deveriam se unir para pôr fim à farra desse financismo virtual que circula pelo planeta com a velocidade da luz graças à internet. Em busca do quê? Rigorosamente, de nada, pois apenas procura o maior lucro possível nas próximas 24 horas, e só! Dinheiro correndo atrás de dinheiro.
Esse jogo improdutivo sempre existiu, seja dito. Mas hoje, além de avassalador, não é apenas improdutivo, mas também destrutivo, como se viu na crise de três anos atrás e como se verá nesta. O capital produtivo, que constroi empresas, empregos progresso cultural e riquezas, de fato se vê deslocado e esmagado pelo tsunami diário de uma especulação que, aparentemente, os bancos centrais e os governos não conseguem controlar ? admitindo que queiram de fato controlá-la.
A crise da Grécia não é só dela, já se disse. É da Europa toda, do euro, da administração dessa moeda inadministrável, como mostrou objetivamente o artigo Mais Europa, e não menos, do nosso colunista Celso Ming, na quinta-feira passada. E do sistema financeiro mundial.
O desgoverno financeiro é o motor de partida de crises, como foi na dos Estados Unidos, com a incúria de um Fed otimista demais e leniente demais com a alta finança. Ou na da Grécia, com a incúria de políticas fiscal e monetária demagógicas. Crises previsíveis pelos economistas que pensam com autonomia e, de fato, previstas. Mas nenhuma medida acauteladora foi tomada.
Como no Brasil, agora, pois até a Ata do Copom (governista) já fala em "deterioração do cenário prospectivo". A crise do subprime nos pegou com divisas em alta, balança comercial em alta, transações correntes superavitárias, inflação aquietada, demanda em crescimento sustentável e contas fiscais sob controle. Já agora isso tudo está com sinal trocado. E é nesse cenário desfavorável que a crise da União Europeia (UE) pode nos pegar.
Não obstante, todo mundo no governo só tem olhos na nuca para ver a boa velocidade que a economia vinha desenvolvendo até agora, sem querer saber da pirambeira pela frente.

O ABILOLADO E A MENTIROSA

FERNANDO DE BARROS E SILVA

O samba do xerife da China
FERNANDO DE BARROS E SILVA

FOLHA DE SÃO PAULO - 10/05/10

SÃO PAULO - "O chefe da polícia pelo telefone mandou me avisar/ Que na Carioca tem uma roleta para se jogar". Era o ano de 1917. O samba carnavalesco "Pelo Telephone", que iria se tornar o marco inaugural do gênero e fazer história, debochava então das ligações escusas do chefe da polícia do Rio de Janeiro da época, Aureliano Leal.
Em 1997, 80 anos depois, Gilberto Gil reaproveitou o trecho da canção de Donga na fantástica "Pela Internet": "Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular/ Que lá na Praça Onze tem um videopôquer para se jogar..."
Estamos em 2010. Daqui a pouco, "Pelo Telefone" completará cem anos. Permanece muito atual.
O "chefe da polícia" se chama Romeu Tuma Júnior. É o secretário nacional de Justiça. Preside também o Conselho Nacional de Combate à Pirataria. É responsável pelo reastreamento do dinheiro ilegal no exterior. E controla, por ofício, a situação de estrangeiros no país.
Ficamos sabendo que Tuma Júnior manteve relações estreitas com Li Kwok Kwen, o chinês Paulo Li. Ele foi preso no ano passado, acusado de chefiar uma quadrilha que contrabandeava... celulares. Ao ser detido, Li telefonou para o xerife amigo na frente dos agentes da PF. Queria uma mão.
Outras gravações mostram que a conversa entre os dois era intensa. Tuma Júnior encomendava ao amigo da China celulares, computadores, videogames. A PF também diz que Paulo Li faturava vendendo facilidades a chineses em situação irregular no país que precisavam apressar seus vistos permanentes.
Condenar ou não Tuma Júnior é uma tarefa da Justiça -só dela. Já afastá-lo do cargo é uma atribuição que cabe ao presidente da República. Lula promove a confusão proposital entre as duas coisas para proteger o aliado enquanto puder.
O país do lulismo às vezes lembra mais um samba carnavalesco do que uma República. Já temos o melô do Tuma Júnior: "Pelo Celular". É o samba do xerife da China.

ANCELMO GÓIS

O drama de dr. Ida 
Ancelmo Góis 
O Globo - 10/05/2010

Lembra aquele caso do médico travesti Roberto Ida, de um posto de saúde de Búzios, craque em medicina de família, cuja história saiu aqui em 2003? Pois ele (ela) marcou agora uma cirurgia de neovagina (mudança de sexo) e entrará com a papelada para trocar de nome.

Mas...

Segundo o dr. Ida, o Conselho Regional de Medicina, careta, consultado, disse que não aceitará mudar seu registro.

Determinou, diz Ida, que, se ele (ela) quiser mudar o gênero no registro, “terá de entrar novamente na faculdade de medicina e se formar com o novo nome”.

Festa da democracia

O TSE se prepara para as eleições deste ano. Semana passada foi autorizada a compra, por R$ 616 mil, de 22 mil embalagens de papelão que vão proteger as urnas eletrônicas.

Em número de habitantes, o Brasil é a quarta maior democracia do mundo.

Vai que é tua, Silva

Quarta agora, Lula faz festa para assinar a MP que cria a APO (Autoridade Pública Olímpica).

O titular, como se sabe, será o ministro Orlando Silva.

De novo

Na relação dos 387 deputados que aprovaram terça o texto-base do projeto Ficha Limpa, não constam Marina Magessi e Adilson Soares.

Soares (irmão do pastor R. R.

Soares) votou a favor da emenda que tungou os royalties do Rio, e Marina faltou à sessão.

Faz sentido

Ouvido sexta-feira agora, por volta de 15h30m, num vagão superlotado do Metrô do Rio: — O Metrô, quem diria?, virou trem da Central do Brasil.

Nada contra... a Central.

AS CHUVAS que espalharam estragos pelo estado em abril fizeram transbordar a Lagoa de Maricá (veja na imagem ao lado) e levaram o prefeito da cidade da Região dos Lagos, Washington Quaquá, a reviver uma solução dos anos 1950: abrir este imenso canal (acima), para escoar o excesso de água.

A prática era comum na metade do século passado. Os pescadores abriam o canal com pás para facilitar a entrada da água do mar na lagoa. O objetivo, à época, era garantir a renovação das águas e das espécies de peixes no sistema lagunar da cidade. Agora, a entrada da água do mar vai fortalecer a economia local

Custo político

O colapso que se abateu sobre a Grécia, hoje, lembra a crise brasileira de 1998 e 99, diz um personagem que viveu o terremoto financeiro caboclo, iniciado na Ásia e na Rússia: — Naquela época, também o custo político de fazer ajustes não era pequeno. Teve eleição, calote do governo mineiro, troca de comando do BC etc.

Rubéola no palanque

Lula deve bater bumbo este ano com a esperada decisão da Organização Mundial de Saúde de certificar o Brasil como País Livre da Rubéola.

Quem se interessa?

Uma churrascaria em fase de inauguração, em Dubai, está selecionando uma dupla de músicos para tocar MPB e clássicos internacionais (www.empregosemdubai.com.br).

Salário: US$ 1 mil por mês.

Combate à máfia

O MP Federal em Niterói determinou à PF a abertura de dois novos inquéritos derivados da Operação Alvará, de combate ao jogo ilegal no estado.

O alvo de um deles é Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, acusado de guardar em seu escritório selos para máquinas caça-níqueis.

Tira-gosto carioca

Um chefe de cozinha especializado na típica comida de boteco carioca será enviado à África do Sul, durante a Copa, para cozinhar por lá iguarias servidas em bares tradicionais do Rio.

A ação é do Rio Convention & Visitors Bureau, em conjunto com a Riotur e a Turisrio.

Avião carregado

Quinta, no Santos Dumont, no Rio, um Boeing da Webjet já a ponto de decolar teve de voltar à área de embarque porque um passageiro passou mal.

Desembarcado o doente, o avião se preparava de novo para voar quando... outro passageiro teve um piripaque. O piloto, mais uma vez, voltou ao embarque.

Aldeia global

No morro Dona Marta, o programa Rio Estado Digital já registra 2.500 acessos diários.

Saliência eleitoral

Juízes e funcionários da Justiça Eleitoral foram semana passada à carceragem da Polinter, em São João de Meriti, entregar títulos de eleitores aos presos.

Ficaram, entretanto, esperando que dois detentos terminassem suas... visitas íntimas.

Uma causa nobre.

A DONA DO sorriso que ilumina a foto é Carolina Ferraz, que voltará assim à TV, como Maria Clara, a mulher do vilão Maurício Viegas (Márcio Garcia), em “Na Forma da Lei”, nova minissérie da Globo

FERNANDA ABREU, a cantora, abraça Diego Hypolito, nosso campeão da ginástica, no lançamento de uma coleção de moda num shopping do Rio

MARCIA PATERMAN Brookey, autora do livro “História e Utopia: o cinema de Silvio Tendler”, posa com o homenageado, durante o lançamento da obra, na Lapa

GOSTOSA

RUY CASTRO

Paz para abanar o rabo
RUY CASTRO

FOLHA DE SÃO PAULO - 10/05/10

RIO DE JANEIRO - Um dos melhores indicadores do clima de uma favela são os cachorros. Sua atitude diante de pessoas estranhas ao morro define se a comunidade está pacificada ou não. Nas favelas conflagradas, os cachorros saem correndo à menor visão de um par de botas -as botas da PM. Sabem que, se não ficarem espertos, serão chutados para sair da frente ou pisados por gente em fuga, o que acontece quando a polícia sobe o morro.
Outro aferidor seguro são as crianças. Nas comunidades em guerra, as crianças se mostram pouco, e as que aparecem, amadurecidas a pulso, olham duro para os de fora. Suas brincadeiras são condicionadas pelas facções em luta, que demarcam os territórios e, quando abrem fogo entre si, não ligam para inocentes na linha de tiro. Ou pelas milícias, que também não sabem usar talher de peixe.
Outro dia, ao subir a uma favela no Catete, vi uma cadela amamentando sua ninhada no meio da passagem principal. As pessoas se desviavam para não perturbar a função. Mas, claro, era o morro Tavares Bastos, onde, há anos, o Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) inaugurou uma nova relação entre polícia e moradores, que está agora se espalhando com as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora).
Um dos vários morros recém-premiados com uma UPP e reintegrados ao Rio foi o da Providência, histórico, secular, ex-da Favela. Um fotógrafo nascido e criado lá me disse que aquela era a sexta ocupação da Providência desde que ele usava fraldas. Mas a primeira em que estava levando fé.
Perguntei-lhe pelos cachorros e crianças da Providência. Respondeu que, depois de muito tempo, os cachorros estavam abanando o rabo para os estranhos e os garotos jogavam pelada contra os dos morros vizinhos e pareciam ter a idade que efetivamente tinham.

MARCOS CINTRA

Bordão "démodé"
MARCOS CINTRA
FOLHA DE SÃO PAULO - 10/05/10

No mundo globalizado, Estado grande e forte, como deseja o PT em seu discurso, enfraquece os setores privados e gera desconfiança


UM CLICHÊ fora de moda foi ressuscitado no começo do ano pelo presidente Lula, ao declarar que, para gerar desenvolvimento econômico, os governos devem ser grandes e fortes. Para lastrear sua afirmação, citou vários países desenvolvidos que possuem cargas tributárias tão elevadas ou mais do que a brasileira.
Dilma Rousseff corroborou a crença de seu chefe, ao afirmar que, caso seja eleita, pretenderia implantar um Estado forte, para instalar no país um novo "desenvolvimentismo".
O discurso do PT em defesa da maior presença do Estado na economia revela que o partido resolveu resgatar do baú um modelo de gestão que a história havia sepultado há décadas.
A empolgação a favor do intervencionismo estatal exacerbado levou o governo a pensar em recriar empresas como a Telebrás, para tocar o programa de massificação de banda larga, e em criar novas estatais nos setores de fertilizantes e de energia. Esse afã de expandir o poder do Estado-produtor é uma leitura equivocada, ou oportunista, das operações de socorro financeiro executadas pelos países ricos para minimizar os efeitos da crise global, intensificada no final de 2008.
Fui aluno na Universidade Harvard de um famoso historiador econômico, professor Alexander Gerschenkron. Ele mostrou que países como França e Alemanha construíram Estados grandes e fortes para complementar o setor privado no deslanche do processo de crescimento de suas economias.
Tais governos investiram em bancos, indústrias e serviços de transportes e comunicação tendo como padrão comparativo a Inglaterra, onde tais investimentos eram privados.
Mas isso foi no século 19. Naquele momento, a presença pública tornou-se necessária para suprir a falta de capitais privados, que eram escassos na Europa continental. Assim, o papel substitutivo do Estado foi essencial para alavancar o desenvolvimento naquelas economias.
No Brasil, ocorreu algo semelhante. O processo de desenvolvimento econômico com base na intervenção estatal direta foi utilizado no governo de Getulio Vargas, nos anos 40, quando foram criadas a CSN, a Vale e outras. Naquela época, seria impossível dar impulso à industrialização brasileira sem a ação do Estado.
Esse modelo de desenvolvimento, ocorrido há um século e meio na Europa e há mais de 60 anos no Brasil, não pode ser resgatado para a economia brasileira nos dias atuais, pois não condiz com o cenário econômico contemporâneo.
No mundo globalizado, Estado grande e forte, como deseja o PT em seu discurso, enfraquece os setores privados e gera desconfiança nos investidores ao redor do mundo. Quando a economia fica à mercê do poder público, exposta a interesses de natureza predominantemente políticos, recursos estrangeiros que poderiam ser canalizados para alavancar o crescimento econômico se retraem, deixando de gerar emprego e renda.
Hoje, os conceitos de força e grandeza se aplicam mais adequadamente às empresas particulares do que ao setor público. Tanto no Brasil como em outros países há setores privados capitalizados e prontos para investir.
Já para o setor público, o conceito-chave é o da eficiência, e não o da potência bruta. Hoje, para alavancar o desenvolvimento, compete ao Estado um papel supletivo: o da indução e da regulação.
Estados grandes e fortes, em geral, tornam-se opressores em termos fiscais, endividam-se em excesso e extraem cargas tributárias muito além da capacidade contributiva do setor produtivo privado.
Tentam exercer um papel para o qual não possuem nem recursos e menos ainda habilidades, comparativamente aos capitais privados. Ademais, cabe lembrar que as empresas estatais sempre foram disputadas por políticos brasileiros em busca de fontes de financiamento para suas campanhas eleitorais, para acomodar familiares e apaniguados e distribuir favores à custa da viúva.
No passado, setores importantes da atividade produtiva nacional foram loteados entre velhos caciques da política nacional, com resultados desastrosos para o país. É indispensável que a sociedade fique atenta para o discurso que prega um Estado grande e forte.
Cabe repetir que, hoje, quem tem recursos e competência para produzir e gerar empregos é o setor privado. Historicamente, o poder público no Brasil demonstrou inusitado apetite pelo endividamento e por impor ônus tributário excessivo.
O defunto redivivo da estatização implica risco de tolher o desenvolvimento do país, além de custar muito caro ao contribuinte.
MARCOS CINTRA, 64, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, é secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e do Trabalho de São Paulo.

BANDALHEIRA

MARCELO ANDRADE FÉRES

Fumante 2010 %u2013 Mais econômico e menos poluente
Marcelo Andrade Féres
ESTADO DE MINAS - 10/05/10

O título acima imprime ao fumante mineiro feições de objeto, assim como um anúncio publicitário abordaria um novo modelo automotivo. Seria cômico se não fosse, no entanto, a realidade experimentada por sujeitos, outrora livres e respeitados em sua autodeterminação e sua dignidade como seres humanos, e hoje coisificados pela inconfidente Lei Anti-Fumo (Lei. 18.552/2009), cuja vigência se iniciou há alguns dias, revolucionando a Lei 12.903/1998, que já definia medidas de combate ao tabagismo em Minas Gerais.

Do mesmo modo, e aí sem problemas, que as normas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre os produtos fumígeros, de regime seletivo, qualificam esses bens como indesejados e supérfluos, atribuindo-lhes alíquotas elevadas, as alterações promovidas pela nova lei tornam o tabagista um cidadão de segunda categoria. Intervêm na esfera privada e indevassável do indivíduo, subtraindo seu livre-arbítrio e rotulando-o como uma coisa marginalizada e execrável no âmbito do convívio social.

Nesse contexto repressivo, supõe-se a proximidade da escassez da bupropiona no território mineiro. Sim, da nicotina à bupropiona, substância presente nos atuais medicamentos usados na luta contra a dependência do tabaco.

Com efeito, a lei em análise proíbe fumar em recintos fechados públicos e privados, destinados ao uso permanente e simultâneo por diversas pessoas, excluindo as tabacarias e, por óbvio, os locais abertos e ao ar livre. Nos recintos fechados, porém, ela permite o fumo em “áreas isoladas por barreira física, que tenham arejamento suficiente ou sejam equipadas com aparelhos que garantam a exaustão do ar para o ambiente externo”, isso é, os conhecidos fumódromos, verdadeiros espaços de confinamento dos fumantes.

Afora a Lei Federal 9.294/1996, que restringe a publicidade de produtos fumígeros e regula a prática do tabagismo em espaços públicos, a insurreição radical quanto à temática, todavia, não se iniciou nas Minas Gerais dessa vez. Outros estados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, notabilizam-se por recentes disciplinas legais de semelhantes conteúdo e rigor.

Aponte-se, ilustrativamente, a Lei 13.541/2009, do estado de São Paulo, questionada na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.249, proposta pela Confederação Nacional do Turismo (CNTur) perante o 
Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse processo pendente de julgamento, o então advogado-geral da União e hoje Ministro do STF, José Antonio Dias Toffoli, manifestou-se pela inconstitucionalidade formal daquela lei, entendendo, em síntese, que o estado de São Paulo extrapolou os limites de sua competência concorrente para legislar sobre saúde, por contrariar os condicionamentos ao tabagismo em locais públicos estabelecidos pela Lei Federal 9.294/1996.

A par de similares e discutíveis inconstitucionalidades formais da sistemática mineira, seu maior pecado reside no desrespeito à liberdade e à igualdade de todos perante a lei, asseguradas pelo caput do artigo 5º da Constituição.

No caso, liberdade e igualdade são indissociáveis. Liberdade de conviver e igualdade para conviver, como fumante, em espaços públicos fechados. A própria lei mineira considera locais de uso coletivo aqueles em que há pessoas diversas e, como se sabe, diversas não apenas significa algumas ou muitas, mas também se traduz por variadas e distintas. No espaço público, de fato, coexistem e convivem diversas e distintas pessoas, com diversos e distintos modos e projetos de vidas, e a igualdade somente se concretiza pela aceitação harmônica dessas diferenças.

A liberdade ora discriminada e reprimida pela lei é a de fumar e, portanto, a de ser fumante, em ambientes públicos fechados. Mas quais serão as próximas liberdades a serem exterminadas pelo Estado? Lembre-se, por exemplo, da abominável lei francesa que proibiu o uso ostensivo de sinais religiosos, como o véu islâmico, os crucifixos cristãos ou a “kippa” judaica nas escolas públicas. Tudo que é diferente aos sentidos ou à ideologia de alguém pode gerar incômodos e, em havendo esses, caberia ao Estado suprimi-los ou às pessoas aceitarem o pretenso diferente?

A propósito, enfatizando a compreensão do fumante como verdadeiro autômato, a lei mineira exonera-o de qualquer responsabilidade pelo ato de fumar. Fixa multa a ser paga pelo titular do estabelecimento privado em que ocorrer a infração, valendo-se de padrão frequentemente empregado no direito civil para a fixação da responsabilidade por danos causados por coisas, animais ou incapazes.

Além disso, a lei, supostamente vocacionada à questão da saúde, desinteressa-se da sanidade do tabagista. A única consequência direta para o fato de ele fumar em local proibido é a multa cominada em desfavor de terceiro. Não é associada a tal conduta qualquer medida imediata preventiva ou educativa a cargo dos órgãos estatais. O indivíduo é flagrado fumando, o estabelecimento é multado e pronto.

Não se defende aqui o tabaco nem seu consumo, mas sim o respeito às liberdades. O fumo faz mal à saúde. O Ministério da Saúde adverte e todos sabem. Contudo, a opção por não fumar deve ser exercida pelo indivíduo voluntariamente, como expressão de sua auto-determinação e não por imposição legal.

Cada sacrifício de liberdade individual revela um dano irreparável à liberdade humana de convivência. Nenhum fumante é uma ilha isolada e, dessa maneira, na famosa imagem poética de John Donne, não perguntes hoje, em Minas Gerais, for whom the bell tolls, pois os sinos dobram por ti, fumante ou não.


Marcelo Andrade Féres - Procurador federal, professor adjunto de direito comercial da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

MÔNICA BERGAMO

Gangorra 
Mônica Bergamo 

Folha de S.Paulo - 10/05/2010

Caiu o número de estrangeiros que visitaram o país no ano passado. Foram 4,8 milhões, uma queda de cerca de 5% em relação a 2008, quando 5 milhões de turistas desembarcaram no país. Os dados foram coletados pelo Ministério do Turismo e devem ser divulgados hoje. O governo credita a queda à crise econômica mundial.
América
O mercado português, de onde costumam vir muitos visitantes por causa das relações históricas com o Brasil, apresentou a maior queda: 17,4%. Entre os espanhóis a retração foi de 13,8%. Já o fluxo de turistas argentinos surpreendeu: 1,2 milhão visitaram o país em 2009, ou 193 mil a mais do que no ano anterior. Boa parte dos novos turistas vieram ao Brasil de ônibus ou de carro.
De Volta
Neste ano, a situação até agora se inverteu. O número de desembarques aéreos internacionais cresceu cerca de 16% em relação ao ano passado. O gasto de turistas estrangeiros no país aumentou o mesmo tanto (16%) no primeiro trimestre, de acordo com dados do Banco Central.
Os Amigos
Ronaldo só chegou no segundo tempo à reunião com a Claro, na sexta, para discutir seu novo contrato com a empresa, de um ano. Como seu empresário, Fabiano Farah, estava no Rio, ele foi representado, durante todo o tempo, pelo amigo Marcus Buaiz, padrinho de batismo de sua filha Maria Alice.
Palpite
O craque, que até agora estava fora das redes sociais na internet, terá um Twitter para comentar os jogos da Copa de 2014. Há quem diga que a orelha de Ricardo Teixeira, o poderoso da CBF, vai arder.
Primeira Divisão
O diretor Maurício Farias escalou os "jogadores" do time de futebol Apolo no longa "Apolo - Reis da Malandragem": os atores Bruno Mazzeo, Lúcio Mauro Filho, Leandro Hassun, Fernando Caruso e Gregório Duvivier. Amigos, eles jogam bola juntos e se envolvem no assalto de um banco.
Funil
Os chefs Bel Coelho, do Dui, Helena Rizzo, do Maní, Benny Novak, do Ici Bistrô, Tappo Trattoria e 210 Diner, e Roberta Sudbrack são os finalistas da categoria principal do prêmio Melhores do Ano, da revista "Prazeres da Mesa". A escolha foi feita por meio de voto popular, entre março e abril, pela internet. O vencedor, apontado por um júri especializado, será anunciado no dia 8 de junho.
França no Brasil
O violoncelista francês Yo-Yo Ma colocou uma obra brasileira no repertório de seus concertos de junho em SP. Além de Brahms e Rachmaninov, vai executar "Cristal", de Cesar Camargo Mariano.
Samba e Futebol
O bloco de Carnaval Acadêmicos do Baixo Augusta volta a animar a rua Augusta durante a Copa do Mundo. Os músicos do bloco se apresentarão no Studio SP após os jogos da seleção brasileira contra a Coreia do Norte e a Costa do Marfim.
Teatral
Mariana Ximenes, que viverá uma vilã em "Passione", novela das oito da Globo que estreia no dia 17, já tem planos para quando acabar a trama. Afastada há quatro anos dos palcos, a atriz estuda dois textos para representar no teatro. "Não posso contar ainda o que é", diz.
Meu nome era Jonas 
Luiz Antônio de Medeiros, fundador da Força Sindical e ex-secretário de relações institucionais do Ministério do Trabalho, lança livro de memórias amanhã, em São Paulo. Entre outras curiosidades, ele conta que durante seu exílio em Moscou, de 1975 a 1978, adotou o nome de Jonas Furtado, um amigo de Manaus.
À Beira-mar
A Nike espera abrir até o final do ano, em Ipanema, a primeira filial brasileira da Niketown, megaloja semelhante à que a marca possui na Quinta Avenida, em Nova York. A empresa pretende investir US$ 600 milhões em varejo nos próximos cinco anos no mundo todo, com foco no Brasil e na China.
Curto-circuito
A EXPOSIÇÃO "Aguilar- 50 Anos de Arte" será inaugurada hoje, às 19h30, no Centro Cultural Banco do Brasil.

O BAR NÚMERO, de Fernanda Barbosa, Marcos Campos e Marcos Maria, será inaugurado hoje, às 20h, na rua da Consolação, nos Jardins.

O MÚSICO George Israel lança o CD "13 Parcerias com Cazuza" com show na sexta-feira, às 21h, no Sesc Pompeia. 18 anos.

A MOSTRA "Brecheret - Mulheres de Corpo e Alma" tem vernissage hoje, às 19h, no MuBE, nos Jardins.

O LIVRO "Sérgio Ricardo - Canto Vadio", de Eliana Pace, tem lançamento hoje, a partir das 19h, na Casa das Rosas.

A BANDA de rock Mop Top participa da campanha de 35 anos do grupo Multiplan, dono dos shoppings Morumbi, Anália Franco e Vila Olímpia.

DENIS LERRER ROSENFIELD

A captura da constituição
Denis Lerrer Rosenfield 
O Estado de S.Paulo - 10/05/10

O País está atravessando uma onda do politicamente correto que, em nome da justiça, está se tornando uma fonte de injustiça. Em nome da reparação de injustiças históricas, indivíduos e grupos sociais estão sendo vítimas de uma outra forma de injustiça. Em nome da justiça, o arbítrio está sendo considerado legal, numa interpretação enviesada da Constituição e das leis de nosso país. Processos de identificação e demarcação de terras indígenas e quilombolas se situam precisamente dentro desse contexto, com desrespeito sistemático ao princípio constitucional do direito ao contraditório e ao direito de propriedade, atingindo mesmo a soberania nacional.

O processo de ressemantização da palavra quilombo vem a abarcar um amplo leque de significações, incluindo realidades tão distintas como comunidades negras em geral e terras de preto, até bairros no entorno dos terreiros de umbanda e de candomblé. Abarca virtualmente qualquer centro de cultura negra em zona urbana e rural. Se assim não fosse, boa parte dos relatórios de identificação e laudos antropológicos daria uma resposta negativa a demandas quilombolas, pela pura e simples inexistência de quilombos. Graças à ressemantização do termo quilombo por meio de uma "interpretação étnica" baseada na "autoidentificação", laudos e relatórios de identificação e demarcação vêm a criar um quilombo lá onde este não existia. Relatórios e laudos não reconheceriam um fato existente (quilombo), historicamente determinado, mas criariam um fato (o quilombo inexistente, renomeado quilombo conceitual).

A Revista Palmares ? Cultura Afro-Brasileira de março expressa bem esse novo ponto de vista, de natureza claramente ideológica. Note-se que a Fundação Palmares é um órgão do Ministério da Cultura, encarregado dos primeiros estudos de identificação de áreas quilombolas, que depois são encaminhados ao Incra, a quem cabe o trabalho de identificação e demarcação propriamente dito, com as desapropriações correspondentes. Cito: "Os grupos que hoje são considerados comunidades de quilombolas se constituem a partir de uma grande diversidade de processos, que incluem não apenas as "fugas" com ocupação de terras livres e geralmente "isoladas" ? visão esta já superada ?, mas as heranças, doações, recebimento de terras como pagamento de serviços prestados ao Estado, a simples permanência nas terras que ocupavam e cultivavam no interior das grandes propriedades para continuarem a servir de mão de obra, bem como a compra de terras, tanto durante a vigência do sistema escravocrata quanto após a sua extinção."

Observe-se, primeiramente, o reconhecimento do quilombo histórico, acepção corrente quando da promulgação da Constituição de 1988, à qual se segue uma outra significação, a do quilombo conceitual. No primeiro caso, temos um significado muito preciso, que abrange um número restrito de casos, perfeitamente delimitado, referente, mormente, a terras "livres", ou seja, terras públicas, a partir de um processo de fuga e opressão. Ora, tal significação é declarada superada, como se coubesse a uma fundação estatal, a antropólogos e promotores simplesmente desconsiderar o texto constitucional. Isso seria o equivalente a declarar ultrapassada a própria Constituição.

No segundo caso, temos uma ressemantização que visa a um sem-número de casos possíveis, abrangendo, praticamente, qualquer relação social, trabalhista ou outra em que negros estejam ou tenham estado em maior ou menor medida envolvidos. Assim, doações de terras e heranças, contempladas no Código Civil, vêm a ser consideradas como "quilombolas", quando uma cadeia dominial pode perfeitamente ser traçada conforme as diferentes responsabilidades. Da mesma maneira, relações de trabalho, previstas na legislação trabalhista, tornam-se também quilombolas, porque assim o quiseram aqueles que se apropriaram da nova significação de quilombo. Compra de terras, outra transação comercial normal, igualmente prevista em lei, torna-se, ela também, quilombola. Os marcos temporais igualmente desaparecem. Parece não haver limites para tal ampliação do conceito de quilombo.

O objetivo da ressemantização consiste na criação de um objeto inexistente com vista a enquadrá-lo num artigo constitucional. Como não haveria forma de fazê-lo na acepção corrente de quilombo, a tarefa que se impôs um grupo de antropólogos foi a de criar um "fato conceitual", algo artificial, não existente, com o intuito de que viesse a ter validade jurídica. Dito de outra maneira, a ressemantização teve como objetivo a captura da Constituição, fazendo com que a Carta Maior passe simplesmente a responder a demandas criadas por "movimentos sociais", que atuam como verdadeiras organizações políticas, com braços internacionais, via apoios financeiros, por meio de ONGs e governos, além de redes globais de formação da opinião pública. Trata-se, portanto, de uma captura política da Constituição.

A captura política da Constituição só é possível graças a esse processo de ressemantização, consistente em denominar quilombo algo que não o seja, por uma reinterpretação dita de ordem étnica. A nomeação visa a torná-la uma categoria jurídica, administrativa, com o verniz da colaboração antropológica, que assim lhe conferiria legitimidade. O conhecimento antropológico torna-se um mero meio de legitimação política, descomprometido com a verdade, a imparcialidade e a universalidade. O conhecimento antropológico torna-se um instrumento político, perdendo, dessa maneira, as características que deveriam ser próprias da ciência. Ele passa a ditar o que deveria ser o Estado, ganhando uma função propriamente normativa.

Resultado: a Fundação Cultural Palmares estimava, entre 1995 e1998, a existência no Brasil de 24 quilombos. Hoje, graças à "ressemantização", o número oscila entre 4 mil e 5 mil, crescendo a cada ano.

GOSTOSA

PAINEL DA FOLHA

Discurso focalizado
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 10/05/10

Na mesma semana em que José Serra declarou ter a intenção de, se eleito, convidar o PT a integrar seu governo, chamou a atenção o tom nada conciliatório dos tucanos -Serra incluído- no lançamento da candidatura de Geraldo Alckmin ao governo de São Paulo.
Quem estranhou ouviu a seguinte explicação: embora de maneira geral interesse a Serra fugir da imagem de um oposicionista extremado, concentrando-se na ideia do pós-Lula, em São Paulo a história é outra. No Estado onde a disputa com o PT é mais polarizada, é o PSDB, instalado no governo, que busca o tom plebiscitário, por acreditar que assim conseguirá abrir a necessária vantagem sobre o adversário.


Memória. A ênfase na questão ética, tão realçada nos discursos de sábado, é uma tentativa de constranger logo na largada o candidato do PT ao governo de SP, Aloizio Mercadante, cuja campanha em 2006 foi arranhada pelo escândalo dos "aloprados".
Por bem... A direção tucana informou ao PP que está superado o principal entrave à aliança com o partido no Rio Grande do Sul: o PSDB local aceitará a coligação também na chapa proporcional.
...ou por mal. Os tucanos sabem que tal concessão terá impacto sobre o tamanho de sua bancada gaúcha. Mas avaliam que é o preço a pagar pelo fortalecimento das chances de aliança nacional.
Termômetro 1. Se Francisco Dornelles for convidado a ser vice de José Serra, as resistências internas do PP à aliança, que acrescentaria cerca de um minuto e meio ao tempo de TV do tucano, "simplesmente desaparecerão", prevê um cacique.
Termômetro 2. E se o vice for Aécio Neves (PSDB), primo de Dornelles? "Dará mais trabalho, mas o PP provavelmente irá do mesmo jeito", aposta o dirigente.
Foi ele. Tucanos de Minas afirmam ter visto o petista Fernando Pimentel, um dos coordenadores da campanha de Dilma Rousseff, animar o princípio de vaia contra Serra ao final do debate de quinta passada em Belo Horizonte.
Eu não. Pimentel nega com veemência. "Quem me conhece sabe que não sou disso", afirma o ex-prefeito de BH.
Porém. Do prefeito de Santa Bárbara, Toninho Timbira (PTB), diante das faixas "Minas é Serra" estendidas no auditório do debate em BH: "Mas vota Dilma".
Efeito... Os problemas nos palanques estaduais fizeram do presidente do PT, José Eduardo Dutra, a bola da vez no quesito das críticas ao núcleo da campanha de Dilma.
...dominó. Há quem aponte falta de liderança no coordenador da campanha. Outros o livram de culpa. O que pega mesmo, diz esta última ala, é que todo mundo fica à espera de uma palavra de Lula.
Já pra diretoria! Em passagem por Mato Grosso do Sul, Lula disse que chamará o governador André Puccinelli, peemedebista com inclinação pró-Serra, para uma conversa com a presença de Michel Temer, presidente do PMDB e potencial vice de Dilma.
Deixa estar. Apesar dos rumores do assédio tucano sobre Anthony Garotinho (PR), Dilma desembarca hoje no Rio e participa de conversa com prefeitos articulada no gabinete do governador Sérgio Cabral (PMDB).
Escala. O forte apelo popular do projeto que exige "ficha limpa" dos candidatos, cujo término da votação está previsto para amanhã, influenciou a agenda de presidenciáveis. José Serra está em dúvida se mantém viagem ao Espírito Santo, pois muitos deputados locais fazem questão de estar em Brasília na data. Dilma, que estará no Rio Grande do Sul, já foi avisada de "baixas" em sua caravana sulista.

com LETÍCIA SANDER e GABRIELA GUERREIRO
Tiroteio
"É justo o governo vetar o reajuste dos aposentados depois de torrar R$ 1,2 bi com cargos de confiança?" 

De RICARDO TRIPOLI (PSDB-SP), relacionando os 7,7% aprovados pela Câmara e as despesas do Executivo com funções gratificadas. Correligionário do deputado, o candidato José Serra já disse que estará de acordo com o que Lula fizer nessa matéria, inclusive o veto.
Contraponto
Sabe com quem está falando?
Ao encerrar uma palestra para universitários em Cotia, município da Grande São Paulo, o presidente do PPS, Roberto Freire, foi abordado por duas alunas que lhe apresentaram um exemplar de livro e um pedido de autógrafo.
Freire, que no momento está sem mandato e em campanha por uma vaga na Câmara dos Deputados, ficou todo satisfeito, achando que se tratava de um dos volumes nos quais compilou seus discursos, até bater com o título na capa: "Sem Tesão Não Há Solução", de seu xará psiquiatra e escritor, morto em 2008. O político suspirou:
-Ah, eu gostaria muito de ter escrito este livro, mas infelizmente ele não é meu, é do outro...

PAULO CÉSAR RÉGIS DE SOUZA

Sanear o sistema
PAULO CÉSAR RÉGIS DE SOUZA
O GLOBO - 10/05/10

O debate sobre o futuro do pré-sal está esquentando. Se as reservas petrolíferas brasileiras se multiplicarão por alguns dígitos, é claro que os recursos decorrentes igualmente se multiplicarão.

Daí a sede de estados e municípios, produtores ou não, pelos royalties e pelo espólio do pré-sal, na maioria das vezes, para torrar no empreguismo, no assistencialismo e na corrupção! O que nos interessa é a estruturação do Fundo Social e a distribuição de seus recursos.

Desde o começo, o ex-ministro José Pimentel defendeu que a Previdência Social deveria participar do Fundo Social, para cobertura dos benefícios dos segurados especiais, como os rurais e os autônomos, os microempreendedores, cuja conta atuarial não fecha. As despesas são maiores que as receitas. Muito maiores.

O ex-ministro Pimentel não é irresponsável, muito pelo contrário. Por isso, na ocasião, foi surpreendido pela reação contrária do ex-ministro Antonio Palocci, relator do Fundo Social na Câmara, que em gesto grotesco excluiu do seu relatório a previdência dos beneficiários do Fundo, que contempla educação, ciência, tecnologia e inovação. O ministro insistiu na tese e acabou derrotado no plenário da Câmara, pela expressiva contagem de 356 votos a um.

O projeto está no Senado, e, estranhamente, até o presidente Lula manifestou-se de público, qualificando de “farra do boi” a previdência no pré-sal. Antes, o líder do PT na Câmara, Candido Vaccarezza, afirmara que a previdência no pré-sal não tinha “pé nem cabeça”.

O presidente Lula não poderia ter desautorizado seu então ministro com declarações infelizes. Ainda mais um ministro ético, competente e honrado e que, em seus 16 anos de Câmara dos Deputados, relatou todos os projetos sobre Previdência Social que por lá tramitaram, inclusive a segunda reforma.

Defendemos que o Fundo Social do Pré-Sal — um grande saco onde outros segmentos públicos estão amparados — deva acolher a Previdência com finalidades específicas.

É preciso que se entenda que o amplo esforço de ampliação da universalização previdenciária, com a inclusão previdenciária a qualquer preço, tem custo que não será coberto pela folha de salários das empresas.

Não que o modelo de repartição simples esteja esgotado.

O que está esgotado é o modelo de fiscalização e arrecadação, ainda mais quando o governo não deseja propor uma terceira reforma sobre o financiamento da Previdência.

Não é para jogar dinheiro no lixo. É para assegurar às gerações atuais e futuras benefícios mais compatíveis com a dignidade humana.

Não desconhecemos que as transferências do Tesouro são um Fundo Social. Não podemos concordar com uma Previdência que paga salário mínimo a 70% de seus beneficiários e acena com uma aposentadoria chinesa para 45 milhões de contribuintes (futuros aposentados) com menos de três salários mínimos, e que levou 13 milhões de brasileiros, no desespero, na incerteza e sem futuro, para os planos privados de previdência.

Os aposentados são submetidos muitas vezes a condições desumanas
PAULO CÉSAR RÉGIS DE SOUZA é presidente da Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social.

CLÁUDIO HUMBERTO


Governo Lula violou o sigilo fiscal
CLÁUDIO HUMBERTO

O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência fez a Receita Federal quebrar o sigilo fiscal de seis oficiais do Exército (três generais da ativa) que criticaram o Governo Lula ou seriam indicados a cargos. "Nada consta", disse a Receita. A ordem do GSI chegou ao Ministério da Fazenda pelo sistema "Note", de comunicação entre ministros, às 15h37 de 18 de janeiro. O pedido foi enviado à Receita às 13h08 de 23 de janeiro. GSI, Receita e Fazenda se recusaram a comentar a notícia.


Primeiro nome

Na lista do GSI estava o general Maynard Santa Rosa, que era o chefe de Pessoal do Exército e fez críticas à "Comissão da Verdade".


Outras vítimas

Raymundo Cerqueira Filho, hoje no Superior Tribunal Militar, crítico de gays na tropa, e Francisco Albuquerque, ex-comandante do Exército.


Ainda na ativa

Teve também a vida fiscal devassada o general Marius Luiz Carvalho Teixeira Neto, atual comandante Logístico do Exército.


Dois coronéis

Os coronéis Cid Canuzzo Ferreira, morto em dezembro durante assalto no Rio, e Carlos Alberto Brilhante Ustra também foram alvos da GSI.


Sem brioche

Na França, a ordem no governo é "apertar o cinto" para atingir déficit menor que 3% em 2013. Gasto extra, nem pensar. Esses franceses...


Limpeza

Aguardam-se fortes emoções na política fluminense, esta semana. Se tudo der certo, não vai sobrar panetone sobre panetone.


Ação rejeitada

Apesar do processo na Justiça sobre a violação do painel do Senado, o Supremo Tribunal Federal rejeitou por 10x1, em 2003, uma ação do MP contra José Roberto Arruda. Decidiu que não houve crime do então senador. Seu advogado foi Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.



Segue a novela
A Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara faz audiência pública amanhã com os cooperados que se dizem lesados pela Bancoop, a cooperativa petista suposta de desviar recursos para o PT.


Na geladeira

O ex-presidenciável Ciro Gomes (PSB-CE) está nos Estados Unidos, onde deve ficar por 20 dias. Já avisou que não vai se envolver este ano nas campanhas presidenciais. E descarta subir no palanque de Dilma.


O observador

É por (nossa) conta da Petrobras a viagem de um oficial da Marinha aos EUA, onde ficará oito dias "acompanhando" o resgate da plataforma da British Petroleum que provocou vazamento de petróleo.


Honrosa exceção

Em meio a algumas nulidades agraciadas com a Ordem do Rio Branco, do Itamaraty, uma foi muito elogiada: a grã-cruz atribuída ao Almirante-de-Esquadra João Afonso Prado Maia, secretário-geral da Marinha.


Exigência

Em Brasília, uma Taxa de Funcionamento de Estabelecimento, criada pela Agefis, agência de fiscalização, só pode ser paga pelo empresário no BRB, que não aceita cheques de outros bancos. Só dinheiro vivo.


Briga de gigantes

Está acirrada a disputa para uma vaga de ministro do Tribunal Superior do Trabalho: a desembargadora Doralice Novaes tem apoio do setor produtivo e o ministro do STF, Marco Aurélio, torce por Jane Granzoto.??



Pensando bem...
...será em outubro (ou novembro) o teste definitivo do pezinho-frio presidencial.


FRASE DO DIA


"O rico conhece a Justiça... o pobre conhece apenas a polícia"
Senador Pedro Simon, sobre o caso do motoboy torturado e morto por policiais em SP

PODER SEM PUDOR

Eu bebo, sim
Conhecido pelo seu apego a bebidas alcoólicas, o então presidente Jânio Quadros reagiu com bom humor ao falatório sobre suas bebedeiras:
- Bebo porque é líquido, meu bem. Se fosse sólido, comê-lo-ia...