sexta-feira, março 10, 2017

Contradições do modo de corrupção petista - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O GLOBO - 10/03
Os desembolsos cresceram vertiginosamente ao longo do segundo governo Lula e do primeiro governo Dilma Rousseff


Brasília vive dias cada vez mais tensos. Com a perspectiva de divulgação da lista de Janot e de parte substancial das delações da Odebrecht, os nervos estão à flor da pele. Temendo que os complexos desdobramentos das delações possam paralisar de vez o Congresso, o Planalto vem tentando correr contra o tempo para, na medida do possível, adiantar o avanço da reforma da Previdência.

O clima de alta tensão vem tornando o debate mais confuso ainda do que já era. Em meio à crescente preocupação com a contenção de danos, não têm faltado esforços contorcionistas de racionalização antecipada do que vem por aí.

Os tucanos apressam-se a esclarecer que palavra de delator não é prova. E que é preciso todo cuidado para não confundir os vários tipos de caixa 2. O PMDB já não sabe mais o que alegar. E, na oposição, há agora quem argua que o centralismo do modo de corrupção petista não deve ser razão para que o partido seja injustamente execrado.

O que se alega é que, em contraste com o PMDB, que deixou que a corrupção se distribuísse pelo amplo arquipélago de forças políticas regionais de que é formado, o PT optou por um comando centralizado da corrupção. Opção que, agora, fará o Partido dos Trabalhadores aparecer na foto como muito mais corrupto, em termos relativos, do que supostamente seria. Por surreal que pareça a alegação, é mais do que compreensível que o PT esteja alarmado com a foto que vem sendo formada a partir dos fragmentos das delações que, aos poucos, têm sido vazadas.

O que agora foi revelado, em depoimento de Marcelo Odebrecht ao TSE, é que, por meio de uma conta corrente mantida ao longo dos governos Lula e Dilma, a Odebrecht teria posto à disposição do PT um total de R$ 300 milhões, em troca de favores acertados com o ministro da Fazenda de turno (O GLOBO, 3 de março). Entre tais favores, merece destaque uma providencial medida provisória relacionada a um programa de recuperação fiscal (Refis), especialmente benéfica ao braço petroquímico do grupo, pela qual a Odebrecht teria concordado em transferir R$ 50 milhões ao partido (“Estadão”, 2 de março).

Para sorte do país, quis o destino que os Odebrecht — não se sabe se pelo resquício de meticulosidade germânica que ainda possam ter mantido, ou por soberbo senso de impunidade que possam ter adquirido — insistissem em manter, ano após ano, registros contábeis perfeitamente acurados de todas as transações do operoso “Departamento de Operações Estruturadas”do grupo, responsável pelos pagamentos de propinas.

Em depoimento recente prestado ao TSE, o executivo responsável pela gestão do “Departamento de Operações Estruturadas” revelou que, entre 2006 e 2014, nada menos que US$ 3,4 bilhões (isso mesmo, dólares) foram mobilizados pelo grupo para abastecimento de campanhas eleitorais com caixa 2 e pagamento de propinas, no Brasil e no exterior.

Os desembolsos cresceram vertiginosamente ao longo do segundo governo Lula e do primeiro governo Dilma. De US$ 60 milhões, em 2006, passaram a US$ 420 milhões, em 2010, saltaram a US$ 750 milhões, em 2013, e só recuaram para US$ 450 milhões, em 2014, porque a Lava-Jato já havia sido deflagrada.

À medida que o exato teor das delações dos 77 executivos da Odebrecht vier a público, a foto que, aos poucos, vem sendo composta a partir dos fragmentos de informações vazadas, ganhará constrangedora nitidez. E logo se transformará em longo, circunstanciado e deprimente documentário do espantoso surto de corrupção que tomou de assalto o país desde meados da década passada.

Diz bem do desespero delirante em que caiu o PT que, a esta altura dos acontecimentos, o partido esteja dando asas à fantasia de que, na cena final desse documentário, Lula possa aparecer alçado, mais uma vez, à Presidência da República.

Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

O Brasil e os direitos humanos - MICHEL TEMER

FOLHA DE SP - 10/03

O Brasil volta ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. A eleição do país é o reconhecimento da importância de uma das maiores democracias do mundo e do compromisso inequívoco de nossa nação com os direitos humanos.

Trabalharemos ao longo de nosso mandato no conselho, guiados pela Constituição e por demandas da sociedade por um país mais justo.

Honramos esse mandato ao enfrentar, com desassombro, nossos desafios. O Brasil tem problemas, todos reconhecemos. É preciso reconhecer também que, sim, o Brasil enfrenta esses problemas.

Avançamos com base no diálogo e no entendimento de que as soluções são construídas, em parceria, pela sociedade e pelo governo. Nosso país estende convite permanente para que todos os relatores especiais da ONU nos visitem -e estamos entre os países do mundo que mais os receberam. Assim deve ser em sociedades democráticas.

A presença do Brasil no Conselho de Direitos Humanos possibilitará apresentar nossa conjuntura e contribuir para que a comunidade internacional possa dela extrair lições.

Muito se diz acerca do impacto de medidas de austeridade fiscal sobre os direitos humanos. No entanto, pouco se comenta que o custo de economias desorganizadas recai desproporcionalmente sobre os mais pobres. Sabemos, e no Brasil muito agudamente, que a irresponsabilidade no manejo das contas públicas e o populismo fiscal trazem consigo elevado risco.

A situação que vivemos no Brasil é sintomática do impacto da irresponsabilidade fiscal sobre o exercício dos direitos humanos. A crise econômica que agora começamos a superar tem origem sobretudo fiscal.

O desarranjo das contas públicas nos últimos anos levou à maior recessão de nossa história, ao desemprego de cerca de 12 milhões de pessoas. Pôs em sério risco a sobrevivência de programas sociais. Pôs em sério risco a viabilidade de nossos sistemas de educação e saúde.

Essa crise autoinfligida pôs em sério risco, em suma, direitos humanos que são conquistas dos brasileiros, alcançadas pelo esforço de gerações.

A verdadeira responsabilidade social pressupõe responsabilidade fiscal. Compromisso efetivo com os direitos humanos requer planejamento, progressos sustentáveis, cuidado com a coisa pública.

Essa postura nos permitiu, ainda em 2016, aumentar o Bolsa Família, depois de dois anos e meio sem reajuste. Permitiu, igualmente, que o orçamento para 2017 trouxesse mais recursos para saúde e educação. Permitiu retomar e ampliar programas como o Fies e o Minha Casa, Minha Vida, cuja sobrevivência vinha comprometida. Permitiu, enfim, ver o início da recuperação econômica.

Essa mesma postura de responsabilidade está por trás de nossa proposta de reforma da Previdência Social. Deixá-la como está não é atitude aceitável e consequente.

Temos dialogado com o Congresso Nacional e com a sociedade brasileira sobre tema que, admita-se, não é fácil. Mas se nada fizermos, os jovens de hoje não terão aposentadoria amanhã. Mais do que isso: os aposentados de hoje já terão seus benefícios em xeque.

Propusemos reforma em linha com a prática em outros países que passaram pela transição demográfica que atravessamos, de forma a buscar a convergência entre regimes, eliminando privilégios. Nosso objetivo é uma Previdência Social sustentável e equânime.

No conselho da ONU, caberá também ao Brasil contribuir para debates internacionais sobre a promoção e a proteção dos direitos humanos no mundo. Em tudo, o que nos anima são os compromissos fundamentais de nosso povo com o respeito à dignidade humana. Nossa posição será sempre a do diálogo sem omissão, não a dos discursos vazios.

Diálogo desarmado para falar de si e engajamento na agenda internacional. Com esse binômio, daremos, no conselho, nossa contribuição. Sempre pautados por sentido maior de responsabilidade com a promoção verdadeira, sustentável e de longo prazo dos direitos humanos no Brasil e no mundo.

MICHEL TEMER é presidente da República. Foi vice-presidente (governo Dilma) e ocupou por três vezes a presidência da Câmara dos Deputados

Marolinhas no fim da recessão - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 10/03

BASTA UMA tremida na finança do mundo lá fora para que pareça maior o risco de que a economia brasileira se enrede na estagnação. Estamos com água pelo nariz. Marolinhas podem nos afogar de novo, por um tempo, pelo menos.

Não que tenha acontecido algo de grave nos últimos dias. Foi apenas o suficiente para a gente levar um susto de alerta.

Taxas de juros de longo prazo subiram um tanto. O dólar saiu da casa dos R$ 3,10 para R$ 3,20. Entre as moedas de países mais relevantes, uns 30, o real marcou a maior desvalorização. A tremida em boa parte se deveu àquela já velha história de que uma alta acelerada de juros nos Estados Unidos pode balançar o nosso pequeno coreto.

No mercado lá fora, se discute também se chegou ao fim a ondinha de alta de commodities que, desde o ano passado, tirava do chão o preço do petróleo e, bem mais importante, para nós, o do minério de ferro. Era o pacote de estímulo econômico chinês fazendo efeito.

No caso do petróleo, a alta se deveu em parte a um acordo de corte na produção. Com o preço melhor, voltaram ao mercado os produtores americanos, se diz, o que deve pelo menos colocar um teto para a alta do barril.
A melhora relativa do preço das exportações brasileiras contribuiu para baixar o dólar, um quê de alívio para a inflação e para algumas empresas. A perspectiva de elevação paulatina e ordenada das taxas de juros americanas, enfim, ajudava a aliviar a nossa situação financeira.

Agora, pelo quarto ano seguido, volta a onda de boatos a respeito de uma alta acelerada dos juros americanos -na semana que vem, o banco central deles indica o que vai fazer a respeito.

Além do mais, voltou a crescer a onda de boatos de atitudes lunáticas de Donald Trump. No caso, de um aumento geral de imposto sobre importações. Caso o aumento da tarifa ocorra e seja relevante, as importações ficariam mais caras para os americanos.

O efeito provável no resto do mundo, em países ditos "emergentes" em especial, seria uma desvalorização das moedas, entre outros transtornos de previsão mais complexa.

No entanto, a especulação mais razoável diz respeito ao ritmo talvez mais rápido do que o previsto da alta de juros nos EUA. Ainda assim, o pacote de rumores da semana bastou para provocar a maior desvalorização das moedas "emergentes" desde o paniquito da eleição de Trump, em novembro.

Os boatos podem se dissipar como tantos desses fumacês de mercado. Podem ser apenas uma daquelas "correções", como diz o clichê, de preços que estavam na verdade animados demais nos mercados financeiros centrais do planeta.

Serve de alerta, ressalte-se, que deve ser retransmitido à turba de parlamentares, que costumam viver numa roça mental. Mesmo em um ambiente de calmaria enorme no mercado financeiro internacional, estamos nos debatendo com imensa dificuldade para apenas voltar à tona, sair da recessão. Se vier marola, tomamos um caldo.

Não é, claro, impossível que saiamos do buraco, mesmo com mudança maior da política monetária americana. Tende apenas a ficar um tanto mais difícil. O risco letal é desconversarmos sobre o que ainda precisa ser feito no conserto das contas públicas, mas não só.

Verdades que têm de ser ditas - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 10/03

Meirelles sublinhou que alterar as regras das aposentadorias não é 'objeto de decisão, de desejo de alguém', mas sim uma necessidade



O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não podia ser mais claro quanto à urgência da reforma da Previdência. Ao abrir ontem o Fórum Estadão dedicado ao assunto, Meirelles sublinhou que alterar as regras das aposentadorias não é “objeto de decisão, de desejo de alguém”, mas sim uma necessidade. “A questão não é se a reforma é boa ou ruim. A questão fundamental é se a sociedade brasileira pode pagar os custos crescentes de um sistema que já não tem racionalidade”, disse o ministro, deixando claro que não realizar a reforma, tal como apresentada pelo governo, é comprometer o próprio futuro do País.

Finalmente parece que o Brasil tem autoridades dispostas a dizer o que a sociedade tem de ouvir, verdades que foram escamoteadas por governos e políticos irresponsáveis na última década. O populismo que marcou o mandarinato lulopetista interditou, como um tabu, qualquer discussão séria sobre os problemas graves do sistema previdenciário. Mesmo hoje, diante das evidências de que um desastre se avizinha rapidamente, o PT e seu chefão, Lula da Silva, continuam a tratar do tema de maneira inconsequente, procurando incutir na opinião pública a ideia segundo a qual a reforma proposta pelo governo de Michel Temer é desnecessária e, ademais, prejudicial aos trabalhadores. “Essa proposta parece que remonta aos tempos da escravidão”, disse Lula em encontro com sindicalistas no final do ano passado, indicando desde então que continuaria a apelar para a desinformação como arma contra o governo.

Justamente para tirar a discussão do terreno da mistificação, que só interessa aos irresponsáveis, e trazê-la para a dura realidade, único lugar onde os problemas são de fato resolvidos, Michel Temer e seus principais auxiliares devem ser francos, como foi Meirelles em sua fala no Fórum Estadão, ao abordarem publicamente a questão da Previdência.

Assim, o ministro da Fazenda tocou, sem meias-palavras, no delicado tema da idade mínima para a aposentadoria. Ao lembrar que tem um amigo que comemorou recentemente 20 anos como aposentado, Meirelles disse que tal situação é, por óbvio, insustentável. “É bom para ele, mas isso custa caro. Já existem pessoas que têm quase o mesmo tempo de aposentadoria do que o tempo trabalhado.”

Não se pode condenar quem queira se aposentar o quanto antes, com o maior benefício possível, mas essas pessoas precisam ser informadas de que isso gera efeitos negativos para a sociedade, comprometendo as gerações futuras. “Idealmente manteríamos a Previdência como está, mais generosa”, disse Meirelles. “Mas isso tem um custo para a sociedade, e o custo tem de ser compatível com a capacidade contributiva dos cidadãos.”

Esse custo foi traduzido pelo ministro por meio de diversos números e projeções de forte impacto. Os gastos com a Previdência saltaram de 3,3% do Produto Interno Bruto em 1991 para 8,1% hoje. Se nada for feito, essas despesas chegarão a 17% do PIB em 2060, e “a Previdência vai ocupar cada vez mais os gastos públicos, considerando que agora temos o teto dos gastos”. Segundo o ministro, todas as demais despesas do governo representam hoje 45% do total, mas mesmo que fossem reduzidas para 33%, naquele cenário não seria possível cobrir os gastos com a Previdência. “Todas as outras despesas teriam de ser reduzidas para 20%”, advertiu Meirelles.

Tudo isso significa, conforme disse o ministro, que sem a reforma imediata da Previdência outras despesas públicas fundamentais, como saúde e educação, perderão recursos para o pagamento de aposentadorias. Além disso, como lembrou o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, também presente ao Fórum Estadão, se a reforma não for aprovada pelo Congresso tal como foi encaminhada pelo Executivo, será necessário “realizar reformas mais fortes no futuro para compensar o que deixou de ser feito agora”. E o futuro ao qual o secretário se refere é imediato – segundo ele, caberia já ao próximo presidente da República, em 2019, encaminhar essa reforma mais drástica.

Como bem disse o ministro Meirelles, “na reforma da Previdência, a linha divisória não é quem é contra ou a favor do governo”, e sim “aqueles que são preocupados com as contas públicas e aqueles preocupados em defender algumas categorias específicas”. Não pode haver dúvida sobre qual lado o País deve escolher.