domingo, dezembro 08, 2013

O Livro bomba - ROBSON BONIN

REVISTA VEJA 




As impressionantes afirmações do ex-secretário nacional de Justiça Romeu Tuma Junior sobre a fábrica de dossiês dos petistas contra os adversários, o assassinato do prefeito Celso Daniel, o mensalão e o passado do ex-presidente Lula
A Secretaria Nacional de Justiça é um posto estratégico no organograma de poder em Brasília. Os arquivos do órgão guardam informações confidenciais de outros países, listas de contas bancárias de investigados e documentos protegidos por rigorosos acordos internacionais. Cercado por poderosos interesses, esse universo de informações confere ao seu controlador acesso aos mais restritos gabinetes de ministros e a responsabilidade sobre assuntos caros ao próprio presidente da República. Durante três anos, o delegado de polícia Romeu Tuma Junior conviveu diariamente com as pressões de comandar essa estrutura, cuja mais delicada tarefa era coordenar as equipes para rastrear e recuperar no exterior dinheiro desviado por políticos e empresários corruptos. Pela natureza de suas atividades, Tuma ouviu confidências e teve contato com alguns dos segredos mais bem guardados do país, mas também experimentou um outro lado do poder - um lado sem escrúpulos, sem lei, no qual o governo é usado para proteger os amigos e triturar aqueles que são considerados inimigos. Entre 2007 e 2010, período em que comandou a secretaria, o delegado testemunhou o funcionamento desse aparelho clandestino que usava as engrenagens oficiais do Estado paia fustigar os adversários.
As revelações de Tuma sobre esse lado escuro do governo estão reunidas no livro Assassinato de Reputações - Um Crime de Estado (Topbooks: 557 páginas; 69,90 reais), que chega às livrarias nesta semana. Lançado no momento em que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, enfrenta acusações de ter usado a estrutura da pasta para vazar detalhes de uma investigação que comprometeria líderes da oposição, o livro mostra que esse procedimento, mais que uma coincidência, é um método dos petistas para perseguir e difamar desafetos do governo. Segundo o ex-secretário, a máquina de moer reputações seguia um padrão. O Ministério da Justiça recebia um documento apócrifo, um dossiê ou um informe qualquer sobre a existência de conta secreta no exterior em nome do inimigo a ser destruído. A ordem era abrir imediatamente uma investigação oficial. Depois, alguém dava uma dica sobre o caso a um jornalista. A divulgação se encarregava de cumprir o resto da missão. Instado a se explicar, o ministério confirmava que, de fato, a investigação existia, mas dizia que ela era sigilosa e ele não poderia fornecer os detalhes. O "investigado", é claro, negava tudo. Em situações assim, culpados e inocentes sempre agem da mesma forma. O estrago, porém, já estará feito.

No livro, o autor apresenta documentos inéditos de alguns casos emblemáticos desse modus operandi que ele reuniu para comprovar a existência de uma "fábrica de dossiês" no coração do Ministério da Justiça. Uma das primeiras vítimas dessa engrenagem foi o governador de Goiás. Marconi Perillo (PSDB). Senador à época dos fatos, Perillo entrou na mira do petismo quando revelou à imprensa que tinha avisado Lula da existência do mensalão. O autor conta que em 2010 o então ministro da Justiça Luiz Paulo Barreto entregou em suas mãos um dossiê apócrifo sobre contas no exterior do tucano. As ordens eram expressas: Tuma deveria abrir uma investigação formal. O trabalho contra Perillo, revela o autor, havia sido encomendado por Gilberto Carvalho, então chefe de gabinete do presidente Lula. Contrariado, Tuma Junior refutou a "missão" e ainda denunciou o caso ao Senado. Esse ato, diz o livro, foi o primeiro passo do autor para o cadafalso no governo, mas não impediu novas investidas. A fábrica de dossiês voltou então a sua artilharia contra o então senador Tasso Jereissati (PSDB), severo opositor de Lula no Congresso. A fórmula era a mesma. Tuma Junior relata que foi chamado ao Congresso para uma conversa com o então senador Aloizio Mercadante (PT). No encontro, recebeu dele um pen drive e um pedido para que investigasse Jereissati. O autor abriu o dispositivo e constatou que se tratava de outro dossiê apócrifo. O livro conta que até o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), também chefiado por Tuma Junior, chegou a ser usado clandestinamente na tentativa de obter informações desabonadoras sobre despesas sigilosas da ex-primeira-dama Ruth Cardoso.

Assassinato de Reputações é um livro cujas revelações não podem simplesmente ser varridas para debaixo do tapete. Seu autor afirma relatar apenas fatos e situações vividas por ele próprio. E é rigoroso. Não se vale de depoimentos de terceiros nem passa adiante boatos ou insinuações. "Eu conto aquilo que vi", disse Tuma Junior a VEJA. Ele viu muita coisa. Seu livro traz documentos que deixam o governo Lula em péssima luz. Alguns deles mostram que o governo agiu para engavetar uma investigação que identificara uma suposta conta do mensalâo no exterior. O ex-secretário revela que todos os ministros do Supremo tribunal Federal foram grampeados ilegalmente pela Polícia Federal e pela Abin em 2007. Um dos capítulos é dedicado ao ainda misterioso assassinato do prefeito petista Celso Daniel, em 2002. Tuma Junior reproduz um diálogo entre ele e Gilberto Carvalho no qual o ministro confessa que entregava o dinheiro desviado da prefeitura de Santo André nas mãos do mensaleiro José Dirceu. O autor se convenceu de que Celso Daniel foi mono em uma operação de queima de arquivo.

Idealizado inicialmente para desconstruir a campanha de difamação de que o autor foi vítima (Tuma foi demitido do governo sob a acusação de manter relações com contrabandistas), o livro, escrito em parceria com o jornalista Cláudio Tognolli, professor de duas universidades em São Paulo, pescou mais fundo das memórias do autor: "Entrevistei Tuma Junior seis dias por semana durante dois anos. Ele queria uma obra baseada na revelação de fatos, queria que a publicação do livro o levasse ao Congresso para depor nas comissões, onde ele poderia mostrar documentos que não tiveram lugar no livro na sua inteireza". Fica a sugestão.


"HAVIA UMA FÁBRICA DE DOSSIÊS NO GOVERNO"

Por que Assassinato de Reputações?

Durante todo o tempo em que estive na Secretaria Nacional de Justiça, recebi ordens para produzir e esquentar dossiês contra uma lista inteira de adversários do governo. 0 PT do Lula age assim. Persegue seus inimigos da maneira mais sórdida. Mas sempre me recusei. Tentaram me usar para esquentar um dossiê contra o governador de Goiás, Marconi Perillo, só porque ele avisou o Lula da existência do mensalão. Depois, quiseram incriminar o ex-senador Tasso Jereissati servindo-se do meu departamento para forjar uma investigação sobre contas no exterior. Havia uma fábrica de dossiês no governo. Sempre refutei essa prática e mandei apurar a origem de todos os dossiês fajutos que chegaram até mim. Por causa disso, virei vítima dessa mesma máquina de difamação. Assassinaram minha reputação. Mas eu sempre digo: não se vira uma página em branco na vida. Meu bem mais valioso é a minha honra.

De onde vinham as ordens para atacar os adversários do PT?

Do Palácio do Planalto, da Casa Civil, do próprio Ministério da Justiça... No livro, conto tudo isso em detalhes, com nomes, datas e documentos. Recebi dossiês de parlamentares, de ministros e assessores petistas que hoje são figuras importantes no atual governo. Conto isso para revelar o motivo de terem me tirado da função, por meio de ataque cerrado à minha reputação, o que foi feito de forma sórdida.Tudo apenas porque não concordei com o modus operandi petista e mandei apurar o que de irregular e ilegal encontrei.

O senhor queria denunciar a fábrica de dossiês do PT ou atingir o próprio partido quando escreveu o livro?

Tem muita gente do PT que eu respeito. Não escrevi este livro para atacar o PT. 0 maior problema do PT está nas facções do partido. Muitas vezes por disputas internas é que surgem os dossiês. As disputas são legítimas, mas fazer dossiê é incompatível com qualquer prática republicana. Levantar falso testemunho contra alguém é uma prática violenta que enoja. 0 pior é que as coisas continuam exatamente iguais. Se você trocar os personagens do livro, vai ver que os fatos continuam ocorrendo da mesma forma. É só olhar o que está acontecendo com o Cade nesse escândalo do metrô de São Paulo.

O Cade era um dos instrumentos da fábrica de dossiês?

Conto isso no livro em detalhes. Desde 2008, o PT queria que eu vazasse os documentos enviados pela Suíça para atingir os tucanos na eleição municipal. 0 ministro da Justiça, Tarso Genro, me pressionava pessoalmente para deixar isso vazar para a imprensa. Deputados petistas também queriam ver os dados na mídia. Não dei os nomes no livro porque quero ver se eles vão ter coragem de negar.

O senhor é afirmativo quando fala do caso Celso Daniel. Diz que militantes do partido estão envolvidos no crime.

Aquilo foi um crime de encomenda. Não tenho nenhuma dúvida. Os empresários que pagavam propina ao PT em Santo André não queriam matar, mas assumiram claramente esse risco. Era para ser um sequestro, mas virou homicídio.

Por que o senhor sabe tanto sobre a morte de Celso Daniel?

Eu era o delegado da área onde o crime aconteceu. Fui o primeiro a chegar ao local quando o corpo foi encontrado. Tanto que fui eu que reconheci oficialmente que era o Celso Daniel e mandei abrir a investigação para apurar a morte. Só que, naquela época, nem o PSDB nem o PT quiseram prolongar o caso por causa das eleições. Fui afastado das investigações, mas apurei tudo. Eu encontrei o carro e fotografei os cabelos que, depois, os peritos disseram que eram pelos de cachorro. Mas eu sei que não eram. Só que nunca quiseram apurar a fundo. Ponho no livro o que descobri e não foi considerado.

O ministro Gilberto Carvalho disse ao senhor que havia um esquema de cobrança de propina na prefeitura?

Foi num momento de emoção, quando eu estava sob fogo cruzado na imprensa e fui falar com o Gilberto Carvalho. Desabafei, chorei e ele começou a chorar comigo. Aí ele falou: "Veja, Tuma, quanto fui injustiçado no caso Celso Daniel. Quando saiu aquela história de que havia desvios na prefeitura, eu, na maior boa-fé, procurei a família dele para levar um conforto. Fui dizer que o Celso nunca desviou um centavo para o bolso dele, e que todo recurso que arrecadávamos eu levava para o Zé Dirceu, pois era para ajudar o partido nas eleições". Fiquei paralisado quando isso aconteceu. Pensei comigo: estou ouvindo uma confissão mesmo?

Com que convicção o senhor afirma que todos os ministros do STF foram grampeados?

Minha convicção está em tudo o que vivi e descobri conversando com alguns personagens dentro do governo na época. Eu não tenho dúvida de que os ministros foram grampeados. Se isso for investigado a fundo, com seriedade, será provado facilmente.

O senhor também diz no livro que descobriu a conta do mensalão no exterior.

Eu descobri a conta do mensalão nas Ilhas Cayman, mas o governo e a Polícia Federal não quiseram investigar. Quando entrei no DRCI, encontrei engavetado um pedido de cooperação internacional do governo brasileiro às Ilhas Cayman para apurar a existência de uma conta do José Dirceu no Caribe. Nesse pedido, o governo solicitava informações sobre a conta não para investigar o mensalão, mas para provar que o Dirceu tinha sido vítima de calúnia, porque a VEJA tinha publicado uma lista do Daniel Dantas com contas dos petistas no exterior. O que o governo não esperava é que Cayman respondesse confirmando a possibilidade de existência da conta. Quer dizer: a autoridade de Cayman fala que está disposta a cooperar e aí o governo brasileiro recua? É um absurdo.

Quem engavetou a investigação?

Eu levei o processo para o Tarso Genro e disse: olha, tem de apurar isso. Mas, quando veio essa resposta de Cayman, os caras pararam tudo. Isso foi para a gaveta da Polícia Federal e do ministro Tarso Genro. Estou esperando até hoje o retorno. Eu tenho certeza de que era a conta do mensalão. Eu publico no livro o documento para dizer isto: o governo não deixou investigar isso em 2007.

No livro, o senhor escreve que um dos réus confirmou que essa era a conta do mensalão.

Não posso revelar o nome, mas, quando ele soube, disse-me: "Você matou na mosca. Ainda bem que você não estava investigando isso". Seis meses depois da minha demissão, esse personagem me disse que eu tinha caído por mandar investigar a conta do mensalão, a conta que pagava as viagens para Portugal. Eu falei para ele: os caras vão mandar me matar.

Como surgiu a ideia de fazer o livro?

Quando a imprensa publicou todos aqueles fatos inverídicos sobre o meu envolvimento com uma suposta máfia chinesa, busquei toda as instâncias para me defender, mas não consegui contar a minha versão. Fui defenestrado do governo por fatos baseados numa investigação arquivada na qual eu não tinha sido denunciado nem processado. Quando aconteceu tudo aquilo comigo na Secretaria Nacional de Justiça, percebi que não teria espaço para me defender em nenhuma instância, muito menos no governo ou na própria Justiça. Conversando com dois jornalistas, meus conhecidos e amigos, resolvi escrever o livro para contar a minha história sobre os fatos que vi em três anos de governo, para explicar por que isso aconteceu comigo, por que tentaram me defenestrar, por que acabaram tentando assassinar a minha reputação.

É uma espécie de vingança pessoal?

De forma alguma. Quem ler o livro vai perceber que o que escrevo são fatos. Eu precisava explicar por que cheguei ao governo, por que havia a confiança do presidente Lula em mim. Só dá para fazer isso contando as histórias que vivi com as pessoas, os fatos, e como a minha reputação foi construída para depois ser destruída. 0 livro é uma prestação de contas às pessoas que me querem bem, que sempre me honraram com sua confiança. É a forma que encontrei de tornar pública a minha história para aqueles que têm o interesse de conhecer esse retrato da minha vida profissional. Para que eles possam compreender o motivo pelo qual virei alvo do governo do PT.

As pessoas podem interpretar como vingança ou ressentimento, não?

É lógico que tem a mágoa. Eu vi meu pai, o senador Romeu Tuma, morrer por causa do que fizeram comigo no governo. Mas isso é diferente de vingança. Eu descrevo fatos no livro, conto a minha história, exponho a minha vida e até corro riscos. Vingança não se faz assim. Eu não seria burro de praticar uma vingança dessa forma. As colocações podem ser fortes, mas é o meu jeito. Não tem nada ali que seja leviandade. São fatos verdadeiros.

Por que o senhor decidiu fazer essas revelações só agora?

De tudo que vivi em três anos de governo, não há nada relatado no livro que eu não tenha denunciado imediatamente aos órgãos adequados. O livro só vai ser publicado agora porque demorei a escrever e porque precisei me aposentar da carreira de Estado para ter liberdade de tornar públicos os fatos sem ser acusado de oportunismo político ou eleitoral. Eu sei que neste momento vão querer me atacar, dizer que estou a serviço de interesses escusos. Mas não sou de me prestar a servir ninguém. Quem me conhece sabe que falo o que penso e presto contas do que faço.

O senhor afirma no livro que o ex-presidente Lula foi informante da ditadura. É uma acusação muito grave.

Não considero uma acusação. Quero deixar isso bem claro. O que conto no livro é o que vivi no Dops. Eu era investigador subordinado ao meu pai e vivi tudo isso. Eu e o Lula vivemos juntos esse momento. Ninguém me contou. Eu vi o Lula dormir no sofá da sala do meu pai. Presenciei tudo. Conto esses fatos agora até para demonstrar que a confiança que o presidente tinha em mim no governo, quando me nomeou secretário nacional de Justiça, não vinha do nada. Era de muito tempo. O Lula era informante do meu pai no Dops (veja o quadro ao lado).

O senhor tem provas disso?

Não excluo a possibilidade de algum relatório do Dops da época registrar informações atribuídas a um certo informante de codinome Barba. Era esse o codinome dele. Os relatos do Lula motivaram inúmeras operações e fundamentaram vários relatórios de inteligência para evitar confusões maiores com os movimentos na época. Ademais, o livro por si só é uma prova. Existe na área policial prova documental e prova testemunhal. Eu sou uma testemunha viva. Não tem nada contado no livro que eu não tenha vivido. Ninguém me contou aquilo. Eu vivi e agora estou relatando. E digo mais: como informante do meu pai no Dops, o Lula prestou um grande serviço naquele período. Eu quero deixar isso muito claro. Graças às informações que o Lula prestava ao meu pai, muitos relatórios foram produzidos, muitas operações foram realizadas.

Uma afirmação dessas certamente vai gerar protestos e processos. É

uma forma de interpretação, mas eu não acho. Acho que o Lula prestou um grande serviço ao país. Por se portar dessa forma, ele chegou aonde chegou. Sabe essa violência nas manifestações de hoje com black blocs? Se fosse no tempo do Dops com o Lula, não se criava. O Lula combinava tudo com o Tumão (Romeu Tuma, ex-chefe do Dops e ex-senador). Quando fazia as manifestações dos metalúrgicos, era tudo tranquilo. O Lula conseguia manter a manifestação sob o controle dele.

Além do senhor e do próprio Lula, quem mais sabe dessa história? Meu pai está morto. Então, só eu e ele. Talvez alguma pessoa próxima a ele saiba. Digo e repito isso em público, pessoalmente e até no Estádio do Pacaembu. Quero que o Lula se sente na minha frente e diga que é mentira. Tenho fotos com ele desde a época do Dops. Ele e o meu pai tinham uma relação muito sigilosa. Se isso vazasse, os dois estariam mortos.


O CARTEL DOS TRENS

"Desde 2008 o PT queria que eu vazasse isso para atingir os tucanos na eleição municipal, e eu me negava por dois motivos: primeiro, por discordar do modus operandi; e, segundo, porque eu dizia que se aquilo vazasse nunca se chegaria ao final da investigação, à verdade dos fatos e a todos os envolvidos. 0 tempo mostrou que eu tinha razão, mas o PT nunca desistiu da tática. 0 ministro da Justiça, Tarso Genro, estava me pressionando pessoalmente, vinha à minha orelha como um grilo falante. Aliás, vinham também os deputados petistas, esperneantes, e com noções jurídicas e éticas muito vagas, estrilando que era para deixar sair essa história toda na mídia."


RUTH CARDOSO

"O PT usava o meu laboratório para fazer dossiês. A ex-ministra Erenice Guerra foi inocentada, em 2012, desse tipo de acusação. Mas eu sustento, com o nome que herdei do meu pai: havia, sim, uma fábrica de dossiês em via de ser normatizada, que inviabilizei com a mudança do laboratório para a estrutura da secretaria. Estavam usando o meu laboratório para fazer um dossiê contra a finada Ruth Cardoso, mulher do ex-presidente FHC, e obviamente contra o governo de seu marido."


DOSSIÊ TASSO JEREISSATI

"Em janeiro de 2009, fui chamado à liderança do governo no Senado, onde encontrei o senador Aloizio Mercadante e um deputado federal, para tratar de projeto de interesse do governo e do ministério. Lá me entregaram um pen drive com "seriíssimas denúncias" contra um adversário do governo. Pensei: "Outro dossiê para destruir um novo "alvo" do governo". Dessa feita, o alvo era o ex-governador do Ceará Tasso Jereissati, naquele momento um dos senadores líderes da oposição. A exigência era que eu plantasse uma investigação em cima do Jereissati. Disseram-me que naquele pen drive havia um dossiê".


FULMINE 0 PERILLO

"Um dos mais escandalosos pedidos para fulminar alguém me foi feito pelo ex-ministro da Justiça Luiz Paulo Barreto. Um dia, ele me chamou ao seu gabinete e. um tanto lívido, disse: "Isso aqui veio de cima, lá do Planalto, do Gilberto Carvalho, secretário particular do presidente Lula. Ele quer que você atenda a um pedido do Lula e mande para o DRCI investigar isso aqui". 0 "isso aqui" do ministro da Justiça era um envelope numa pastinha que ele me entregou, com um dossiê contra Marconi Perillo."


GRAMPO STF

"Segue a verdade do caso: não só Gilmar Mendes foi grampeado como também todos os outros ministros do STF. 0 grampo foi feito com uma maleta francesa, empregada para rastrear celulares em presídios.

Todos os ministros do Supremo foram monitorados, quer através de escuta dos telefones móveis com a utilização da maleta móvel, quer por via da implantação física, em seus computadores, de aparelhos de escuta ambiental.Todo o aparato foi tocado com a participação de arapongas, que prestavam serviços de segurança e limpeza aos próprios gabinetes dos ministros e estavam vinculados aos agentes que operavam a Satiagraha."


MENSALÂO

"Em maio de 2006, VEJA publicou que José Dirceu, entre outros, teria conta em paraíso fiscal das Ilhas Cayman. Eu, como secretário Nacional de Justiça, já investigava casos engavetados, relativos ao Opportunity. Mas, nesse esforço, recebo um retorno diverso: Daniel Dantas aparecia como denunciante, e não como réu. Embora tivesse cargo executivo no governo petista, eu suspeitava da existência de tal conta. E mais: que essa conta era a lavanderia do mensalão no exterior. (...) Mandei cópia para o ministro Tarso Genro apurar isso, e espero a resposta até hoje... Será que fui defenestrado por ter chegado à conta caribenha do mensalâo?"


O CASO CELSO DANIEL

""Ministro, vou dizer ao senhor o que aconteceu no caso Celso Daniel até onde pude apurar. A priori, seus amigos de Santo André não queriam matá-lo, mas assumiram claramente esse risco. Planejaram e mandaram executar o sequestro de Celso Daniel para lhe dar um susto. Sentiram-se ameaçados pela voracidade do partido." O todo-poderoso Gilberto Carvalho começa a chorar junto comigo, sua voz trôpega atropela minha fala e as próprias sílabas: "Eu te entendo. Veja, Tuma, quanto fui injustiçado no caso Celso Daniel. Não aceito essa injustiça até hoje. Imagina você que eu era o braço-direito do Celso, seu homem de confiança. Quando saiu aquela história de que havia desvios na prefeitura, eu, na maior boa-fé, procurei a família dele para levar um conforto. Fui dizer a eles que o Celso nunca desviou um centavo para o bolso dele, e que todo o recurso que arrecadávamos eu levava para o Zé Dirceu, pois era para ajudar o partido nas eleições"."


Informações úteis

O sindicalismo de resultados de Lula desembocou no pragmatismo político que o levou à Presidência da República e na governabilidade pela compra de apoio no Congresso com o uso de diversos tipos de moeda. A tilintante resultou na condenação e prisão de seu ministro-chefe da Casa Civil, do presidente e do tesoureiro de seu partido, o PT, que cumprem pena pelo escândalo do mensalão na penitenciária da Papuda, em Brasília. Lula escapou do mesmo destino por conveniência dos políticos de oposição e pelo silêncio, entre outros, de José Dirceu e do publicitário Marcos Valério, cujas visitas à Granja do Torto, embora registradas na agenda presidencial, ainda não vieram a público. O uso de outras moedas, por exemplo o relativismo moral que deu sobrevida a inimigos históricos que ele chamava de corruptos, como Paulo Maluf e José Sarney, teve um custo menor - pequenas retiradas do imenso tesouro de popularidade de Lula. Mesmo sabendo que Lula subordina a seus objetivos todas as demais considerações, são de estarrecer, se tomadas pelo valor de face, as afirmações de Romeu Tuma Junior, ex-secretário nacional de Justiça. Tuminha diz que Lula foi informante do Dops, órgão que seu pai, Romeu Tuma, dirigia em São Paulo e no qual ele próprio trabalhava. Importante: ele não acusa Lula de ter traído sua causa ou seus companheiros. Diz que Lula dava informações que ajudavam a evitar choques violentos com a polícia. Isso é prática comum hoje e, como diz Tuminha, se os black blocs fizessem o que Lula fez, haveria menos violência. Seria de alto interesse histórico um encontro público entre Lula e Tuminha para compararem as lembranças pessoais que cada um tem daqueles tempos duros.

Um ano sem sair do lugar - J. R. GUZZO

REVISTA EXAME

Mais um ano está terminando. E, na economia, chegamos a dezembro na mesma situação que havia em janeiro. Ou seja, sem que o governo saiba o que vai fazer para resolver os problemas críticos do país. que continuam a ser os mesmos


O ANO DE 2013, PARA A COSTUMEIRA SURPRESA QUE quase todo mundo sente quando a folhinha chega a esta zona de fronteira entre novembro e dezembro. está acabando - e, como sempre, a sensação é que o tempo passou voando. Voou mais depressa ainda, ao que parece, para a economia brasileira. A impressão é que tudo está tão parecido com o que estava em janeiro, mas tão parecido que não dá para ver bem o que aconteceu de lá para cá. ou mesmo se aconteceu realmente alguma coisa. Os problemas críticos a resolver são os mesmos. A falta de ideias coerentes para lidar com eles é a mesma. O tempo desperdiçado com discussões inúteis é o mesmo. A simulação de atividade por parte do governo e sua convicção de que a melhor maneira de resolver dificuldades é criar algum truque de marketing ("minha panela, minha vida" ou coisas assim) são as mesmas. São precisamente as mesmas, enfim. a ausência de perspectivas racionais para calcular com razoável segurança variantes-chave, como crescimento. juros, consumo, câmbio, investimento, política monetária, gasto público, e. acima de qualquer outra coisa, a real disposição do governo para cumprir seus compromissos e manter-se fiel á sua palavra.

Para 2014 ser diferente de 2013, teriam de acontecer fatos realmente relevantes, transformadores e estratégicos na política econômica - e não há nada disso á vista. A tendência é o governo continuar administrando sua quitanda nas miudezas do dia a dia. Não consegue pensar em nada de mais ambicioso para o dia de amanhã porque não tem. simplesmente não tem. nenhuma ideia coerente a respeito do que fazer, ou como fazer, no dia de hoje. Dois exemplos:

1) Em janeiro deste ano já estava mais do que claro que havia um problema master com os preços dos combustíveis. Com a política de segurar esses preços, o governo procurava atender às necessidades de resistir ã inflação: ao mesmo tempo, provocava graves problemas financeiros para a Petrobras. maior empresa do Brasil, cuja administração é controlada diretamente pelo Palácio do Planalto. A Petrobras é uma empresa pública, que tem contas a prestar ao público - acionistas ou não - e precisa ser gerida de maneira a apresentar um balanço no azul; quanto mais azul. melhor. Mas é ao mesmo tempo uma repartição do governo, sujeita a decisões políticas e obrigada a tomar medidas que vão contra sua natureza empresarial. Entende-se. é claro, a complexidade do problema que a Presidência da República, onde essas coisas são realmente decididas, está tendo de enfrentar - não pode arruinar a saúde financeira da Petrobras ou comprometer seu futuro como empresa mas também não pode soltar os preços para remunerar de forma adequada a companhia, pois não quer e não pode atiçar a inflação. A questão é difícil, sem dúvida - mas o problema, para ilustrar o ambiente de inação descrito há pouco, é que chegamos a dezembro na mesma situação que existia em janeiro, ou seja, sem que o governo saiba o que vai fazer. Andamos um ano para ficar no mesmo lugar.

2) Foi concluído com sucesso, enfim, um leilão importante para a privatização de atividades que o poder público comprovadamente, há décadas, não consegue administrar - o dos aeroportos do Galeão e de Confins. Poderia ter sido feito dez anos atrás, e as obras, a esta altura, já estariam dez anos adiantadas. Sim. chamar a iniciativa privada para investir na área pública era um pecado mortal para o PT; hoje, ao que parece, continua sendo um pecado, mas a presidente Dilma Rousseff resolveu oferecer uma indulgência plenária a ele. Se era para ser assim um dia, como estava na cara que teria de ser. por que não se fez logo no começo, então? Ao que parece, o governo continua descontente, envergonhado e hesitante diante das privatizações que tanto poderiam melhorar seu desempenho. Tudo o que a presidente conseguiu dizer de notável, no dia do leilão, é que foi uma derrota para os que torciam contra ele. Quem torcia? O PT, que continua a condenar as privatizações?


Lembra de mim? - FÁBIO PORCHAT

O Estado de S.Paulo - 08/12

Aconteceram três coisas curiosas comigo, tudo nessa mesma semana e que se relacionam entre si. Recebi uma mensagem no meu telefone: "Fabio, vou assistir ao seu show no sábado! Quanto tempo, né? Vai ser legal matar as saudades. Depois quero uma foto. Beijos, Camila C." Você sabe quem é Camila C, caro leitor? Pois é, eu também não. Respondi prontamente animado dizendo: "que maravilha! Te espero lá.".

Terminado o show do sábado, quem me aparece para tirar foto? Sim, ela. Que, quando eu bati o olho, lembrei. Camila era uma amiga de uma minha amiga, que, na ESPM, em 2001, estudou no mesmo período que eu, mas cursando Publicidade e eu Administração. Fazia 11 anos que eu não a via, mas ela continua com a mesma aparência e muito simpática! Comentei com ela, rindo, que não sabia quem era quando recebi a mensagem, mas que ali, ao vivo, me caiu a ficha. Ela ficou um pouco sentida e falou brincando, mas a sério: "depois que ficou famoso, ficou assim. Não se lembra de mais ninguém."

No mesmo sábado, depois da peça (foi o último dia da temporada no Teatro Frei Caneca - muito obrigado ao Sérgio d'Antino e à Betânia pelo carinho), fui pra casa do meu pai comemorar com os amigos. Lá chegando, a moça que organizou o buffet veio sorridente e mandou o já tradicional e temido: lembra de mim? E eu não lembrava. Ela, espantada com minha negativa, tentou reavivar a minha memória: eu organizei o buffet da sua festa de 18 anos, lembra? Eu falei que já tinham se passado 12 anos e que não me lembrava. Ela ficou triste. "Poxa, como a gente esquece daquelas pessoas que fizeram parte do nosso passado."

No aeroporto Santos Dumont (que a mulher que anuncia nos microfones de Congonhas cisma em dizer: aeroporto DO Santos Dumont. Não é dele o aeroporto!!!!), um fã pediu para tirar uma foto e disse que eu conhecia a mulher dele. Eu, ingenuamente, perguntei quem era e ele muito tranquilo me respondeu que ela, um dia, em 2009, no Galeão, tirou uma foto comigo e disse que era minha fã. Lembra? Eu ri, achando que era uma brincadeira e disse que não, que fazia muito tempo. Ele insistiu que ela era muito fã e era morena, ela pediu uma foto. Lembra? Eu falei que não lembrava e ele: "não vou nem falar pra ela isso que ela vai ficar chateada."

Agora, de verdade, me digam se eu estou maluco por não me lembrar, depois de 12 anos, da senhora que preparou a comida da minha festa em que provavelmente eu estava mais preocupado em encher a cara e pegar mulher. Eu nem lembrava que eu tinha dado uma festa de 18 anos. Muito menos que se contratou um buffet. Será que eu sou um babaca que não me lembro de como se chama uma pessoa que não conviveu comigo nem 20 horas somando todos os nossos encontros e era amiga de uma amiga, ou se eu sou uma estrela sem noção de não saber quem era uma fã do longínquo 2009 que era morena? O que me deixou mais impressionado foi o fato de elas se sentirem ofendidas pela "não lembrança". Como se eu fosse um sem noção. É que nós queremos sempre nos sentir especiais e únicos, para justificar a nossa própria existência nos dando muita importância e relevância na relação com o outro. Ou de repente eu só tenho Alzheimer.

A bolsa e a vida - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 08/12

A coisa se complica ainda mais quando se tornam necessários exames de laboratório, raio-X etc


Os planos de saúde tornaram-se um grave problema para milhões de brasileiros, que os pagam mensalmente. Como o SUS não dá conta do atendimento à vasta maioria dos brasileiros mais pobres, quem pode, ainda que apertando as despesas, contrata um plano de saúde, confiando em que, quando necessitar, será atendido. A verdade, porém, é que, a cada dia que passa, isso se torna mais difícil.

Uma das explicações para essa dificuldade --além do número crescente dos que fogem do SUS-- seria que as empresas dos planos de saúde, embora cobrem caro aos assinantes, pagam mal aos médicos. Em face disso, eles dão preferência aos pacientes que não têm plano de saúde e dos quais, em geral, cobram caro.

A coisa se complica ainda mais quando se tornam necessários exames de laboratório, chapas de raio-X etc. O número de pacientes que solicitam esses exames é cada dia maior, já que hoje todo diagnóstico necessita desses exames.

A verdade é que há que ter muita paciência para conseguir realizar esses exames, para entregar a solicitação e, mais ainda, para receber o resultado. Se se tratar de um caso grave, que exige urgência, o desastre torna-se quase inevitável. Os mais prejudicados são os idosos, que pagam muito mais caro que os demais, têm necessidade de recorrer aos planos com mais frequência e nem sempre são atendidos em tempo.

Um exemplo disso é o caso que vou contar agora, cujo personagem é idoso. Vamos chamá-lo de Pedro. Já com seus 80 anos, mas saudável, e por isso quase nunca se valendo do plano de saúde, Pedro se deu conta de que seus pés tinham ficado dormentes. No começo, não deu importância ao fato, mas quando alguém lhe disse que aquilo poderia ser consequência de má circulação do sangue nos pés, decidiu procurar um angiologista, especialista no assunto.

Com dificuldade, conseguiu marcar a consulta, foi examinado e o resultado é que não havia qualquer problema de circulação em seus pés. "Isso é nervo, deve ser problema da coluna vertebral. Procure um ortopedista", disse-lhe o médico.

Foi de novo uma dificuldade para marcar a consulta, mas conseguiu agendá-la. "Isso é medula", afirmou o ortopedista e solicitou um raio-X panorâmico de sua coluna vertebral. Aí começou o drama.

Pedro telefonou para várias clínicas a fim de marcar a radiografia solicitada pelo ortopedista. Falar com as clínicas é um desespero: você liga, atende uma gravação que lhe apresenta uma série de opções.

Você escolhe a que lhe interessa, digita o número e fica esperando, enquanto começa a tocar uma música e uma voz lhe diz que é uma honra atendê-lo, e que isso se fará dentro em pouco. Você fica ali ouvindo a música e a promessa de ser atendido, mas nada acontece.

Pedro já estava a ponto de desistir quando finalmente o atenderam. Ele disse o que desejava e recebeu a seguinte informação: não se marca hora, a pessoa é atendida por ordem de chegada; quem chega primeiro é atendido primeiro. Perguntou então quando começava o atendimento e a telefonista lhe disse que era a partir das oito da manhã. Mal conseguiu dormir, preocupado em chegar cedo à clínica.

Acordou, tomou um gole de café e se tocou para lá. Chegou 20 para as oito e já tinha três pessoas em sua frente. Menos mal. Sucede que às 8h ainda não havia chegado o pessoal do raio-X e às 8h20 ninguém ainda havia sido atendido.

Quarenta minutos depois, a atendente, que examinara a guia médica, lhe disse que ali não se fazia raio-X panorâmico. Pedro voltou para casa desapontado. Sem outra alternativa, passou a ligar para diversas clínicas disposto a encontrar uma que o atendesse. Nenhuma delas fazia raio-X panorâmico.

Sem saber o que fazer, ligou para o ortopedista, que o aconselhou a perguntar para o plano de saúde qual clínica fazia o tal raio-X panorâmico. Recebeu da atendente o telefone de cinco clínicas.

Ligou para a primeira, que disse que não fazia esse tipo de raio-X; a segunda respondeu a mesma coisa, e assim também a terceira e a quarta. Apenas a quinta clínica admitiu que fazia, mas só poderia atendê-lo dali a um mês e meio. E Pedro paga R$ 1.700 por mês por seu plano de saúde.

De volta ao armário - HUMBERTO WERNECK

O Estado de S.Paulo - 08/12

Você nunca sabe o que está para vir quando abre na memória algum armário há muito chaveado. Foi o que fiz aqui, na semana passada, ao me bater saudade dos guardados de meu pai, nos quais, menino, eu adorava bisbilhotar, ao ponto de acabar merecendo o apelido de "quati", mamífero, como se sabe, dado a fuçar onde não deve. Entre outros achados, a arqueologia sentimental me devolveu um frasco de colônia inglesa, barras de chocolate amargo e uma pistola velha porém virgem, tudo empapado de evocações poderosíssimas.

O que eu não esperava é que o relato da investida fosse abrir, entre os que me leram, um punhado de outros armários. Tudo indica que há por aí uma fartura de quatis. A Eliane, por exemplo, que bem antes de entregar-se a investigações acadêmicas afiou esse talento em mergulhos no guarda-roupa dos pais, onde veio a descobrir que eles gastavam os tubos - tubos metálicos de lança-perfume Rodouro.

O não menos enxerido Ralf ficou sabendo que, ao largo de esposa & prole, o virtuoso chefe da família chafurdava na Playboy. A Maria Elizabeth confessou que não resistia aos encantos e mistérios do armário materno, de onde, para começar, emanava um cheiro capaz ainda hoje de inebriá-la.

"Para não deixar rastros", rememora esse quati fêmea, "eu abria a porta e ficava um tempão olhando o leiaute, meio que tomando coragem ou, sei lá, definindo a estratégia". Em seguida, "caía matando na mexeção: vestia luvas, punha o véu prata (que hoje está comigo), abria a caixinha de música, cheirava os perfumes, punha as bolsas de festa..."

Aquilo, resume a Maria Elizabeth, era "uma viagem" - com certeza mais bem sucedida do que a bad trip experimentada na infância por outro xereta, o Bernardo. Mais velho de três irmãos, ele teve um choque ao dar de cara com um sortimento de camisinhas. Foi tirar satisfação com os usuários: "Quer dizer que vocês transaram mais de três vezes?!" Até parece que o Bernardo andou lendo Amor e Paz, guia de orientação sexual que achei atrás dos compêndios de odontologia do papai, e em cujas páginas, sofregamente folheadas, não encontrei a mais remota referência às delícias que podem advir da fricção entre dois corpos desejantes.

Na família, a leitura da crônica da semana passada levou à constatação de que meu pai, homem sem vaidades, não foi o único no clã a recorrer aos serviços do Clodoaldo, boa pessoa e péssimo alfaiate. Praticamente toda a banda masculina recorria a esse predador de finas casimiras. Até mesmo eu, entregou meu irmão Rodrigo. Não, não é possível, já teria aparecido na minha terapia!

O mesmo Rodrigo lembrou que num armário do andar de cima, entre uma chuteira aposentada e vidros com visgo para pegar passarinho, nosso pai guardava um chapéu de Dr. Livingstone, que nunca o vimos usar - lembrança em cuja esteira me veio também a de um capacete militar, relíquia talvez da Revolução de 30, que costumávamos mandar aos ares com bombas cabeça de negro (caixas cranianas de indivíduos afrodescendentes, se você preferir).

No meu próprio armário, não tenho notícia de que alguém tenha fuçado, o que não deixa de ser espantoso numa casa que abrigava dois adultos, dez filhos e um primo. No final dos anos 50, teria sido possível encontrar ali, escondida numa pilha de cuecas samba-canção, uma engenhosa cola para exames de geometria. E eis que agora me cai uma tardia ficha: é provável, é quase certo que a minha mãe, quati com boa causa, tenha achado aquela carretilha, provida de uma fita de papel na qual transcrevi os teoremas que levariam o vagabundo à quarta série do ginasial. Por que outro motivo teria ela vindo me dizer, assim do nada, no dia do exame: "nem me passa pela cabeça a ideia de que você possa colar"? Preferia, prosseguiu mamãe, "ver um filho reprovado do que promovido graças a expedientes desonestos!"

Impressionado, não delinqui. E já me encaminhava para a reprovação definitiva na repescagem, dois meses depois, quando me lembrei da carretilha salvadora. Dela fiz bom uso. Sem o menor peso na consciência. Só me faltou dizer, como o santo e pecador Jayme Ovalle: fazei-me virtuoso, Senhor, depois de amanhã!

Menos inovação - RENATO CRUZ

O Estado de S.Paulo - 08/12

O Brasil está menos inovador. Um estudo do IBGE, divulgado semana passada, mostrou queda no porcentual de indústrias que inovam. A taxa de inovação passou de 38,1% no triênio 2006-2008 para 35,7% no período 2009-2011. Na prática, isso significa perda de competitividade.

Uma empresa inova se consegue fazer dinheiro com processos e produtos novos. Normalmente, isso ocorre quando consegue cobrar mais por seu produto, que se diferencia da concorrência, ou, mesmo oferecendo um produto igual aos outros, melhora sua margem, usando a tecnologia para reduzir prazos e custos.

Não é por acaso que os resultados da balança comercial brasileira vêm se deteriorando. O saldo comercial, que havia sido de R$ 46,4 bilhões em 2006, chegou a R$ 19,4 bilhões no ano passado. Neste ano, até outubro, o comércio exterior brasileiro acumulava déficit de R$ 1,8 bilhão. Isso mostra a dificuldade das empresas brasileiras em conquistar mercado, e até mesmo em competir com os produtos importados no próprio mercando nacional.

Você pode dizer que essa falta de competitividade não está relacionada à inovação, mas aos componentes do chamado custo Brasil, como a infraestrutura logística precária. Mas acontece que vários desses componentes também são barreiras à inovação.

Um exemplo é a falta de mão de obra qualificada. A Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), do IBGE, apresentou, pela primeira vez, essa deficiência como uma das principais barreiras à inovação. A formação inadequada do trabalhador ficou atrás somente dos custos elevados entre as principais preocupações das empresas quando o assunto é inovação.

Outro componente que emperra a inovação brasileira é a burocracia. É muito difícil abrir uma empresa por aqui e ainda mais difícil fechá-la. E não existe inovação sem a possibilidade de fracasso. Não pode ser complicado tentar de novo, porque o empreendedor perde a oportunidade de aprender com os próprios erros.

No Vale do Silício, berço de algumas das principais empresas de tecnologia americanas, se o fracasso não foi motivado por alguma ilegalidade ou comportamento muito estúpido, o empresário costuma ter nova chance.

Se um investidor coloca dinheiro numa startup americana e a empresa quebra, ele perde o que investiu. Aqui, se a startup deixar dívidas, ele é obrigado a assumir os débitos deixados pela empresa. Por causa de diferenças desse tipo, o apetite por risco costuma ser bem menor no Brasil.

Todo mundo já cansou de ouvir que brasileiro é criativo. Talvez esteja na hora de parar com essa conversa condescendente. Se alguém tem uma ideia e não consegue colocá-la em prática, não ganha nada com isso. Ideia todo mundo tem. O que faz diferença é a execução.

Fofoca turbinada - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 08/12

SÃO PAULO - Muito se fala nos apps Lulu, Tubby e no "revenge porn", que estariam inaugurando uma nova modalidade de violência sexual. É claro que esse tipo de exposição pode provocar vítimas, mas receio que o fenômeno não seja novo nem passível de controle por leis. Estamos, afinal, diante da versão tecnológica e indelével da boa e velha fofoca, que é um universal humano.

Vemos a futrica com desconfiança. Ela fica em algum ponto entre a informação não confiável e a intriga. Já o hábito de mexericar é descrito como vício moral. Tudo isso é verdade, mas há um lado positivo nas indiscrições que raramente é destacado.

Para começar, a fofoca é o mais antigo e, provavelmente, mais eficiente dos mecanismos de controle social. Muito antes de haver polícia, as pessoas puniam o membro do grupo que se desviasse da norma falando mal dele. Numa comunidade de algumas dezenas de pessoas, ser objeto de comentários e olhares tortos tende a ser mais do que suficiente para restaurar o bom comportamento. Medidas mais extremas, como banimento e execução, são eventos relativamente raros nas sociedades de caçadores-coletores que ainda sobrevivem.

O antropólogo Christopher Boehm, em seu fascinante "Moral Origins", vai além e afirma que foi a fofoca que permitiu a nossos ancestrais chegarem aos consensos sociais --como o incentivo à generosidade e à cooperação-- que constituem a base de nossos códigos morais.

No plano individual, somos atraídos pelo diz que diz porque ele nos inunda com informações potencialmente úteis sobre nossos semelhantes. É assim que ficamos sabendo se fulano é confiável para retribuir um favor e se beltrana é boa de cama. A informação nem precisa ser exata. Basta que a central de boatos não erre sempre para que seja preservada.

Isso produz injustiças e até tragédias, mas me parece improvável que se possa banir da rede um traço tão caracteristicamente humano.

Biografias: entre o certo e o certo - CARLOS AYRES BRITTO

ZERO HORA - 08/12

Biografar não é descrição de vida futura. É relato de vida já acontecida ou de desfrute já exaurido do direito à intimidade



Em linguagem dicionarizada, “bio” é termo designativo de vida, assim como “grafar” é termo designativo de escrever. Sendo que biografar é escrever a vida de outrem. Mais precisamente, biografar é conhecer a trajetória de vida de uma terceira pessoa para o fim de relato e divulgação. Vida do biografado: a) em isolamento ou consigo mesmo (intimidade); b) vida em interação com pessoas mais próximas em afeto e confiança (privacidade); c) vida com os seres humanos em geral (vida social genérica).
Acresça-se: biografar é atividade que implica pesquisa, entrevistas, análise, relato metódico ou descrição esquematizada, publicação. Atividade intelectual, na medida em que exigente de um tipo de elaboração mental que o povo bem denomina de queima de pestanas ou emprego de massa cinzenta. A demandar do biógrafo “acesso à informação” e respectivo repasse, “manifestação do pensamento” e, naturalmente, “expressão da atividade intelectual (…) e de comunicação”. Que são direitos constitucionalmente adjetivados de “Fundamentais” e de pronto qualificados como conteúdos do princípio da “liberdade”. Liberdade, além do mais, expressamente concedida sob a cláusula da inviolabilidade.
Ocorre que também sob a marca registrada da fundamentalidade e da inviolabilidade foi que a nossa Constituição conferiu o direito subjetivo à “intimidade”, “vida privada”, “honra” e “imagem” das pessoas. Com o que se tem um confronto de direitos que obriga o intérprete a conhecer a forma pela qual a própria Constituição conciliou as duas categorias de dispositivos. Espécie de opção entre o certo e o certo, no pressuposto de que ela, Constituição, se deseja aplicada em todos os seus comandos. Mas aplicada por modo a sacrificar a amplitude desse ou daquele direito que, sem tal redução de conteúdo, terminaria por nulificar a aplicabilidade do outro, ou até de muitos outros. É o caso da censura prévia ou da antecipada autorização de quem se veja como alvo de empreitada biográfica, pela óbvia razão de que: a) censura prévia é trancafiar numa só masmorra o pensamento, a informação e toda forma de expressão intelectual, científica, artística e de comunicação; b) autorização prévia para se deixar biografar é mal disfarçada autobiografia ou exógena imposição de rumos ao biógrafo. Pelo que, para a devida conciliação das coisas, o conceito de intimidade e vida privada somente pode traduzir o direito a um livre desfrute. Não mais que isto. Mas livre desfrute, no sentido de não embaraçado, não interrompido, não obstruído no curso mesmo de sua efetivação.
Ora, biografar não é descrição de vida futura. É relato de vida já acontecida ou de desfrute já exaurido do direito à intimidade, vida privada e vida social genérica. É apenas um retrato falado do modo pelo qual o direito ao desfrute já se consumou. Modo a que o biógrafo teve acesso. Nada tem a ver com interceptação de escuta telefônica, uso de teleobjetiva em recintos privados, enfiar-se por debaixo de camas alheias, esconder-se em armários de terceiros ou qualquer outra forma de interrupção, perturbação ou obstrução do desfrute em causa. Contudo, se o biógrafo descamba para o campo da invencionice, ou então da coleta de dados tão maliciosamente distorcidos a ponto de ofender a honra do biografado, além de causar a este prejuízos de ordem “material, moral ou à imagem”, o que pode ocorrer em termos jurídicos? Bem, o que pode ocorrer não é senão a aplicabilidade das normas constitucionais que falam do direito de resposta e de indenização. De parelha com aquelas que legitimam o código penal a criminalizar condutas caluniosas, difamatórias, ou injuriosas.
Fora deste visual jurídico, penso que resultaria frustrado o modo pelo qual a Constituição se desejou conciliadamente aplicada em temas tão sensíveis.

Conversa vencida J. R. GUZZO

REVISTA VEJA
Muito pouca gente deve lembrar de alguma ocasião em que se falou tanto de dois internos do sistema penitenciário nacional como se fala agora de José Dirceu e José Genoino. Os dois magnatas estavam abaixo só de Deus, no PT - é natural, assim, que sua condenação no STF por crime de corrupção tenha rendido uma montanha de assuntos par^ a imprensa, os cidadãos que se manifestam pela internet e todo brasileiro que tem, ou acha que tem, algo a comentar sobre política. Genoino teve ou não um começo de infarto na prisão da Papuda, em Brasília, em razão do qual foi removido para um hospital? Aliás, existe mesmo isso - "começo de infarto"? O que José Dirceu tem no currículo profissional que justificasse sua contratação por 20 000 reais por mês para gerir um hotel quatro-estrelas de Brasília - emprego do qual acabou desistindo? Haveria alguma relação entre o convite, necessário para que Dirceu possa cumprir sua pena em regime semiaberto, e o dono do hotel, um íntimo amigo do governo petista e próspero beneficiário de concessões de rádio? Por que o PT chama Genoino e Dirceu de "presos políticos", mas não diz uma palavra sobre á condenação da banqueira Kátia Rabello ou de Marcos Valério, por exemplo, que receberam penas de prisão muito mais pesadas? A presidente Dilma Rousseff ficou contrariada, mesmo, com o tratamento diferenciado que os dois têm recebido na Papuda? Se Genoino é um homem inocente, por que renunciou, na semana passada, a seu mandato de deputado - estava achando que iria ser cassado pelo plenário?

Muita conversa, como se vê. Mas será que valeria mesmo a pena falar tanto assim desse assunto? Parece, num exame um pouco mais atento, que se está queimando muita vela para pouco santo. Começando por Genoino, por exemplo, logo se vê que a viga mestra do debate é o fato de que ele não se beneficiou financeiramente em nada com as traficâncias do mensalão - é um homem honrado e não enriqueceu no governo. Estaria provada, já aí, a injustiça da sua condenação. Mas os psuários desse tipo de argumento se recusam a aceitar uma realidade óbvia: nunca esteve em julgamento, em sete anos de processo, a integridade pessoal de Genoino. O que se julgou foi outra coisa: se ele violou ou não os artigos 288 e 333 do Código Penal brasileiro, que punem os crimes de formação de quadrilha e de corrupção ativa. Da mesma forma, os movimentos pró-Genoino - e ele próprio, ao levantar o punho esquerdo para os fotógrafos no momento da prisão, como se estivesse liderando um ato político - passaram a sustentar que o ex-líder está preso só porque foi presidente do PT. É o contrário dos fatos: Genoino está preso porque assinou cheques que serviram de base para uma vasta operação de fraude bancária. É a sua assinatura, e de ninguém mais, que está lá.

Gasta-se muito latim, também, com lembranças sobre o passado do chefe petista, como se ele fosse um herói da história brasileira recente. Mas, quando se sai da biografia e se vai ver a obra, o que aparece? Na vida como ela é aparece um cidadão que achou possível derrubar o governo do Brasil sem combinar nada com os 90 milhões de brasileiros da época, reunindo meia dúzia de seguidores mal armados, mal treinados e mal comandados num dos cantos mais remotos do território nacional - o fundão do Araguaia, onde se limitou, o tempo todo, a ficar fugindo da tropa, até seu grupo ser liquidado e ele próprio ser preso. O objetivo do seu movimento, para completar, era criar uma ditadura no Brasil, em substituição ao regime militar; nada mais distante da realidade do que a fantasia espalhada hoje segundo a qual Genoino foi um combatente da democracia e da liberdade no Brasil.

Dirceu, que também é discutido como um homem importantíssimo, não tem valor maior. Com 67 anos de idade e uns 45 de militância, passou a vida inteira fazendo tudo para chegar ao poder, por qualquer meio que fosse - e quando enfim chegou lá, com a vitória de Lula na eleição presidencial de 2002, mal conseguiu ficar dois anos no governo. Que gênio político é esse? Pior: na vida real, ninguém prejudicou tanto a Dirceu quanto o homem que ele tem servido há décadas: o ex-presidente Lula, que o demitiu do seu ministério já em 2005 e sepultou a sua carreira, sem jamais ter dito uma palavra para explicar por que fez isso. Não foi o ministro Joaquim Barbosa nem a "direita" que botaram Dirceu na rua - foi Lula. Se o mensalão não existiu e Dirceu não fez nada de errado, por que o ex-presidente lhe deu esse tiro na testa? Mistério.

Já venceu, para Genoino e Dirceu, o prazo de validade.

Genoino está preso porque assinou cheques que serviram de base para uma vasta operação de fraude bancária.

É a sua assinatura, e de ninguém mais, que está lá

A cantada - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O Estado de S.Paulo - 08/12

Quero ir para a cama com você.

- O que?!

- No momento em que vi você entrando no bar, pensei: quero ir para a cama com essa mulher.

- Olha aqui, não sei quem você pensa que eu sou, mas...

- Por favor, não se ofenda. Talvez não aconteça, nós irmos juntos para a cama. Provavelmente não vai acontecer. Mas achei que você deveria saber o sentimento que despertou em mim, no momento em que a vi. Eu sei, você deve estar pensando quem é esse maluco que sai da mesa dele e vem até a minha me dizer que quer ir para a cama comigo? Que nem sabe o meu nome ou qualquer outra coisa a meu respeito, que nem liga para o homem que está comigo e daqui a pouco vai se levantar e pedir satisfações. Mas acredite, eu não sou um louco. Minhas intenções são as mais puras, eu...

- Puras?! Você vem aqui dizer na minha cara e na cara do meu namorado que quer fazer sexo comigo e...

- Espera aí. Quem falou em sexo? Eu não falei em sexo.

- Como?

- Cama não é só para sexo.

- Não entendi...

- Eu disse que queria ir para a cama com você. Não fazer sexo.

- Você quer dormir comigo, é isso? Dormir mesmo. Só dormir.

- Não. Só dormir, não. Tudo que vem antes, durante e depois de dormir. Tudo que um casal faz junto, quando está casado há tempo. Os velhos hábitos. Quem dorme de que lado, quem fica lendo até tarde e o outro reclama. Quem tem pés frios e faz questão de encostá-los nos pés do outro. As conversas de cama. Como foi o seu dia? Como está á sua lombalgia? Quando será que os netos vêm nos visitar? Nos imaginei acordando na mesma cama, os dois meio emburrados pelo sono. A decisão de todos os dias: quem vai ao banheiro primeiro? O que os dois fazem no banheiro? As escovas de dente dos dois, lado a lado. Existe coisa mais comovente do que duas escovas de dente lado a lado num banheiro? Me imaginei de pijama amarrotado, e você de camisola de flanela. Quando você entrou no bar, tive uma visão: você de camisola de flanela.

- Mas tudo isso só vem depois de muitos anos de casados.

- Claro.

- E de sexo.

- Bom, se você quiser pensar assim... Mas o sexo seria apenas uma etapa.

Natal! Toca Simone até na Papuda! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 08/12

Ninguém sabe o que é PIB! Eu sei! PIB é a Pobreza Individual do Brasileiro! Pinto Indo pro Brejo!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E o Amigo Secreto no Congresso: "Meu amigo secreto tem seis mandatos, 16 processos por corrupção e nunca foi preso". "Sou eu!". "Sou eu!". "Esse sou eu!". E quem não gritou "sou eu" é porque tem mais de 16 processos. Rarará.

E o Zé Dirceu tem nova exigência: Papuda Padrão Fifa! Aliás, o Zé Dirceu devia ser gerente do hotel do "O Iluminado". Já imaginou você se encontrar no corredor com o Zé Dirceu e as gêmeas?

E na cela dos mensaleiros devia ter um alto-falante tocando dia e noite a Simone cantando "Então é Natal". Tipo cadeira elétrica! Rarará!

E o Twiteiro: "Dilma usa o aplicativo Lulu para avaliar desempenho do PIB do Mantega". Ela avaliou o desempenho do PIB do Mantega com o #mindinho! Rarará.

E sabe o que a Dilma gritou? "Maaantega, cuidado pra não pisar no PIB". Ouvir um grito da Dilma é pior do que prender o pinto no zíper da calça! Mas ninguém sabe o que é PIB! Eu sei! PIB é a Pobreza Individual do Brasileiro! Pinto Irremediavelmente Brocha! Pinto Indo pro Brejo! Rarará!

E o grande hit da semana: o helipóptero do senador Esparrella! "Deputado Gustavo Perrella, piloto e copiloto não sabem das drogas"! O pó entrou sozinho no helipóptero e se escondeu! Então não era pó, eram 450 quilos de polvilho pra fazer pão de queijo! Rarará!

E sabe qual é o barulho do helipóptero? "PÓ! PÓ! PÓ! PÓ!". E o chargista Aroeira mostra o piloto falando mineirês: "Pó pousar? Pó pousar?". "Pó pousar o pó, pó!". Rarará. O helipóptero é um drone. Um transformer. Todos foram enganados! Rarará.

Neste Natal vai nevar em Minas! E os petistas são petralhas. E os tucanos, com o escândalo do metrô, são metralhas. Petralhas x Metralhas. Grupo da Morte! Rarará!

É mole? É mole, mas sobe!

O Brasil é Lúdico! Cartaz num poste: "Evite solidão! Consertamos seu PlayStation". E essa em Pindobaçu, Bahia: "Caldo de cana. A 200 metros atrás". Rarará!

E esse preparado pra Copa: "Ingles não é o meu forte, mas portugues eu DESTRÓIO".

E essa faixa num posto em Paraty: "Não tenho dinheiro. Não faço fiado. Não dou informação. Não vi! Não fui! E não vou!". O cúmulo do mau humor! Rarará.

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Novas assombrações - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O Estado de S.Paulo - 08/12

Vocês devem ter lido nos jornais, ou ouvido nos noticiários. A Amazon, cujo assustador objetivo é vender tudo a todo mundo, começou a testar um novo método de entrega expressa, por meio do qual o freguês receberá mercadorias de até pouco mais de dois quilos no prazo de trinta minutos, a partir da encomenda. A entrega poderá ser em qualquer ponto do território coberto pelo sistema, inclusive a sacada de um apartamento ou mesmo, imagino eu, um quarto de dormir. O transporte será tarefa de um drone (que quer dizer "zangão" em inglês, mas ninguém fez a tradução e ficou "drone" mesmo, em português), isto é, uma pequena ou minúscula aeronave sem tripulantes, cujas tecnologias se vêm aperfeiçoando com uma velocidade que torna quase impossível acompanhá-las.

Por enquanto, há diversas limitações e se espera até mesmo a autorização do governo para o início dos serviços. Mas isso virá, mais cedo ou mais tarde, assim como o desenvolvimento tecnológico para que o sistema - e muitos outros, igualmente baseados nos drones - se torne economicamente viável, ou mesmo imperativo, diante da concorrência entre os fabricantes e fornecedores de serviços. Já hoje mesmo, os drones são usados bem mais do que se divulga comumente. Não se limitam, como muitos pensam, à destruição de alvos no Afeganistão e a ações de combate em territórios longínquos, de que só tomamos conhecimento pela televisão. Muitas polícias urbanas, no mundo todo, já os empregam e também, com toda a certeza, serviços de inteligência e combate ao terrorismo. Acompanham os movimentos de indivíduos sob suspeita, filmam e gravam encontros, documentam movimentos de protesto ou individualizam e identificam participantes de multidões e podem transportar e acionar vários tipos de arma. É possível equipar um drone que sobrevoe locais públicos predeterminados e, conectado a sofisticadas bases de dados e programas de reconhecimento de feições, localize rapidamente algum fugitivo ou clandestino, que, se for o caso, poderá ser eliminado por meio do mesmo veículo, o qual disparará uma pequena granada, reduzirá a vítima a picadinho e, em seguida, desaparecerá sem deixar pistas. Dizem que este tipo de coisa já foi feito e continua sendo feito, não há como ter certeza.

E os drones estão cada vez menores, mais eficientes e mais sabidos, podendo, em alguns casos, ser controlados até mesmo por meio de um desses celulares espertinhos que hoje se encontram em toda parte. Um drone adequadamente equipado é capaz de filmar, de perto, em alta definição e som de boa qualidade, a uma distância da qual nem de binóculo será visto, tudo o que se passa num aposento. E os preços tendem a baixar sempre, de maneira que, se hoje só está ao alcance de governos e bilionários ter um drone como esse, daqui a pouco não será impossível que um cônjuge suspeitoso compre ou contrate um personal drone para o parceiro suspeito de infidelidade. Os ricos e poderosos talvez não venham mais a precisar de seguranças humanos, mas simplesmente de uma flotilha de drones pairando discretamente no alto, pronta a zapear o primeiro que esboce um gesto mais agressivo, ou a reconhecer e denunciar o rosto de um desafeto.

A vida, principalmente, nos grandes centros urbanos, vai mudar, embora não necessariamente para melhor. Numa cidade de engarrafamentos paralisantes, como São Paulo, sem dúvida haverá uma lua de mel deslumbrada com as entregas por drone. Mas receio que durará pouco, porque o enxame de centenas de milhares de drones, logo depois de passados uns dois meses, ia tornar necessária a adoção de estado de emergência na cidade, se não fosse disciplinado prontamente. Imagino drones colidindo no ar a cada vinte segundos, caindo na cabeça de gente e em cima de casas, derrubando helicópteros e sendo sugados por turbinas de aviões adentro. Não vai dar certo, de maneira que terá de ser instituído um grupo de trabalho para baixar normas de trânsito de grande complexidade, abrangendo horários, altitudes, velocidades máximas e assim por diante, com o resultado de que o engarrafamento logo voltará, desta feita por todos os lados. Os drones serão os motoqueiros do ar, mais onipresentes do que são hoje os motoqueiros de terra, e botar a cabeça para fora da janela de um edifício vai dar medo de trombar com um drone.

A segurança também será afetada, pois o mínimo que se terá de fazer, mesmo que se more no quadragésimo andar, é manter as janelas fechadas, se possível com vidraças blindadas. Até os helicópteros particulares poderão ser atacados e sequestrados por quadrilhas de drones. Ficará mais fácil para a polícia patrulhar grandes áreas, se estiver usando pouco pessoal e muitos drones com câmeras, mas a bandidagem também dispõe de armamento de primeira linha e terminaremos com batalhas de drones, em que não vai haver baixas nem na polícia nem entre os bandidos, mas certamente sobrarão projéteis perdidos para os circunstantes.

Tudo isso só ratifica que já é lugar-comum observar que a privacidade acabou. Não é por assim dizer; acabou mesmo e os vestígios que ainda sobram por aí também vão embora brevemente. Valores que venerávamos como perenes agora se encontram à beira da caduquice e deverão ser substituídos por outros, mais em consonância com novos tempos e novas condutas. Há não muito, por exemplo, era cafajestada para os homens e impensável para as mulheres fazer comentários sobre performances sexuais de ex-parceiros. Hoje, é tema de redes sociais, assunto para tevê e bate-papos no boteco. Não tem mais sentido questionar se vale a pena perder a intimidade e a liberdade em troca de segurança. Os que governam o mundo já decidiram que sim, faz tempo.

Confronto - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 08/12

Pode-se, com alguma boa vontade, dizer que a vida econômica das nações vem sendo regida por um enfrentamento de opostos



Em vários mitos de criação, a existência do mundo se deve ao confronto de uma força do bem com um inimigo maligno, numa luta que atravessa os tempos. No universo do candomblé, orixás bons e orixás ruins brigam sem parar pelo controle das nossas almas. Na cosmogonia cristã, embora não apareça na Bíblia, o diabo é o outro filho de Deus, o anjo caído que inferniza a vida do Pai e o enfrenta pela eternidade. (Segundo alguns teólogos heréticos, Deus só fez a luz para que o diabo não tivesse como se esconder dele. Assim devemos a criação do mundo não a Deus, mas ao diabo).

Pode-se, com alguma boa vontade, dizer que a vida econômica das nações vem sendo regida por um enfrentamento parecido de opostos, no caso as teorias do austríaco Friedrich Hayek, deus dos neoliberais, e do inglês John Maynard Keynes, defensor do estado interventor. A analogia só não é completa porque — ao contrário de orixás e anjos desgarrados — não se sabe com certeza que lado é o bom e que lado é o maligno nesse confronto. Richard Nixon surpreendeu todo o mundo quando, na presidência dos Estados Unidos, declarou: “Somos todos keynesianos agora.” O tempo mostrou que sua afirmação tinha sido prematura. Nos anos seguintes o neoliberalismo conquistou os corações e mentes da maioria dos economistas e nem desastres como a crise financeira causada pela desregulação dos bancos — ou seja, pelo Estado mínimo dos sonhos neoliberais — diminuíram sua força. Enquanto isto o keynesianismo sobrevivia na sua forma espúria, como subsídio do governo ao complexo militar-industrial americano.

Os recentes protestos na Europa contra medidas de austeridade de acordo com a receita neoliberal podem significar uma reação do keynesianismo ao predomínio do inimigo — ou não. Os economistas mais influentes, ou pelo menos mais salientes, do mundo continuam do lado de Hayek e da suposta sabedoria do mercado. Há exceções, claro, mas não se pode continuar lendo só o Paul Krugman todo o tempo.

Jovem não tira emprego - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 08/12

Em reunião fechada sexta, técnicos do Ipea discutiram o emprego de jovens no Brasil. Veja que legal: 95% dos
trabalhadores demitidos são substituídos por outros da mesma faixa etária. Ou seja, diferentemente do que ocorre em muitos países, aqui é mais rara a maldade de trocar um operário velho por um mais novo, geralmente com salário menor.

Caveira de burro
Sabe o terreno em Guaratiba, no Rio, onde a Igreja tentou, sem sucesso, erguer o Campus Fidei para a missa do Papa Francisco durante a JMJ?
Eduardo Paes prometeu fazer ali um bairro popular e pediu um parecer ao Instituto de Arquitetos do Brasil. Pois bem. O estudo ficou pronto e não recomenda o tal bairro ali.

Adeus, Lenin!
O programa do PCdoB na TV, na semana passada, em momento algum usou a palavra socialismo.

O Velho, a biografia
O historiador Daniel Aarão Reis Filho entrega esta semana à Companhia das Letras os originais da biografia do líder comunista Luiz Carlos Prestes.
Foram quatro anos e meio de pesquisas.

Procura-se
Veja a imagem deste barbudo feita em 1968, no cortejo fúnebre do estudante Edson Luís, morto pela ditadura, no antigo restaurante do Calabouço. Foi filmada pelo crítico José Carlos Avellar e incluída no longa “O fundo do ar é vermelho”, do francês Chris Marker.

Patrícia Machado e Thais Blank, que fazem doutorado na ECO-UFRJ, buscam identificar este e outros personagens anônimos, que foram para as ruas em 1968.

Drible em espanhol
O escritor mexicano Juan Pablo Villalobos se encantou com “O drible”, romance do coleguinha Sérgio Rodrigues, editado pela Companhia das Letras.
Vai traduzi-lo para o espanhol e indicar para editoras na Espanha e no México.

A volta de Ana
Depois de dez anos sem filmar, Ana Carolina, a polêmica diretora, lança, dia 19 agora, “A primeira missa”, inspirado no famoso quadro de Victor Meirelles.
A pré-estreia será em Lisboa. O filme, que tem participação especial de Fernanda Montenegro, será lançado no Brasil em março de 2014.

Corte de custos
Está causando o maior rebuliço dentro dos Correios o Boletim Interno 150, publicado em agosto. É que nas recomendações de corte de custos passadas aos funcionários está uma que diz: “Não conversar ou permitir conversas com serventes.”
E o boletim acrescenta: “Isso, além de atrasar os trabalhos, tira a atenção ao serviço.”
Há controvérsias. 

Vende-se
Sabe este belo prédio projetado pelo escritório alemão Schmidt & van Dorp, perto do Palácio Guanabara, onde
funcionou por 31 anos o Consulad da Alemanha? 
Os alemães pensam em colocar o imóvel, preservado pela Apac Laranjeiras, à venda. O consulado vai para o prédio da Maison de France, no Centro, que se chamará Casa da Europa.

Diário de Justiça
Um carioca, de 44 anos, entrou na Justiça para tentar provar que é filho de um grande empresário do ramo de ônibus do Rio.
O processo, aberto em outubro, está com a juíza Maria Celeste Pinto de Castro Jatahy, da 4ª Vara de Família do Rio.

O herdeiro
A Queiroz Galvão, que anda com a bola toda, tem interesse em assumir o espólio do parque Terra Encantada, na Barra, no Rio, que estava sendo negociado com Eike Batista.
O projeto da empreiteira seria em parceria com a RJZ Cyrela.

Menino do Rio
Harvey Keitel, o ator americano que está no Rio para filmar um episódio do longa “Rio, eu te amo”, já está super à vontade na cidade.
Virou fã das lojas de sucos e está louco pelo açaí.

Cena carioca
Outro dia, na Praia de Ipanema, na altura da Rua Farme de Amoedo, um ambulante apareceu vendendo batata chips. E anunciava:
— Batata a R$ 1. O caminhão virou, não é roubada.
É. Pode ser.

''É o caos'' - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 08/12

Na esteira das prisões do mensalão, o ministro Gilmar Mendes (STF) diz que já é hora de discutir de maneira franca um sistema carcerário em que homens amontoados fazem até as necessidades uns sobre os outros


A prisão de condenados do mensalão deu relevância a um tema que pouco mobiliza o país: as péssimas condições dos presídios brasileiros.

Na semana passada, a coluna conversou com o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), sobre o assunto. Quando ocupou a presidência da corte, ele visitou presídios em todos os Estados do país e chegou a soltar 22 mil pessoas que já tinham cumprido suas penas e mofavam no cárcere.


Folha - O ex-deputado José Genoino, recém-operado do coração, bebeu água de torneira na Papuda, presídio que não tem sequer plantão médico. É um lugar destruidor e parece compreensível a preocupação da família dele.

Gilmar Mendes - É claro. É claro. Nós deveríamos discutir essa questão de uma maneira muito aberta e franca para superarmos realmente esse quadro caótico que é o das prisões. Não faz sentido que, num país como o Brasil, nós tenhamos presídios sem as mínimas condições para um tratamento digno das pessoas. Deveríamos chamar a atenção para a responsabilidade de todos os setores.

Quais?

Do governo federal, via Ministério da Justiça, que tem um fundo significativo para a melhoria das condições penitenciárias. Das secretarias estaduais de Justiça. Do Ministério Público, que deveria fiscalizar os presídios. Do Judiciário. É uma cadeia de responsabilidades que não cumpre a sua função.

Quando presidiu o STF (Supremo Tribunal Federal) e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em 2008, o senhor organizou mutirões carcerários e visitou presídios em todo o país. O que encontrou?

Um quadro de desmando completo, de abandono, de pessoas amontoadas. O preso está mal, com problema de saúde, ele é colocado fora da grade, mas deitado no chão. No presídio de Pedrinhas, no Maranhão, encontramos um sujeito com o ventre aberto. No Espírito Santo, presos estavam num contêiner. Os de cima faziam necessidades nos que estavam embaixo.

E todos sabem que é assim.

A relação de pouco caso da sociedade com o sistema [carcerário] se traduz na relação do poder público com ele. Se faltam recursos, os primeiros cortes são nessa área. É um quadro de abandono.

E a pressão social é zero.

Não há nenhuma crítica da sociedade. Não há nenhum partido que verbalize isso. Certa vez me perguntaram por que o STF só cuidava de réus ricos. Não. O tribunal cuida de réus ricos e de pobres. Mas a imprensa só se interessa pelos ricos.

Parcela da população acha que criminosos não merecem qualquer consideração.

O preso só perdeu a liberdade, nada mais. A legislação não permite outras sanções. Por outro lado, essas más condições dos presídios representam uma ameaça à segurança pública. A omissão do Estado é suprida por organizações criminosas. Os privilégios são dados não pelo sistema estatal, mas pelo sistema informal que se organiza no presídio.

O banqueiro Edemar Cid Ferreira, ao contar a sua experiência quando foi preso, disse que os detentos só pensam em uma coisa: que a mulher e a filha estão se prostituindo para se sustentar. No desespero, encontram amparo nas organizações criminosas.

Sem dúvida nenhuma. A falta de cuidados do Estado faz com que a atividade supletiva [aos presos] seja dada pelas organizações. Elas passam a prestar um serviço que deveria ser do Estado, das ONGs, dos segmentos da comunidade. Oferecem advogados, assistência à família do preso. E se fortalecem.

O preso, no desamparo...

[interrompendo] Ele aceita qualquer oferta. Por isso é preciso realmente discutir esse tema com seriedade. Não é só um problema de direitos humanos. É uma questão séria de segurança pública.

E ninguém se importa.

Aparentemente há um certo desleixo, uma certa desídia. Nós já nos acostumamos com essa situação. Esse é um quadro que nos envergonha.

O que mais os mutirões carcerários revelaram?

Em cerca de um ano, detectamos algo como 22 mil presos há três, quatro, sete anos, sem inquérito concluído. No Ceará, encontramos uma pessoa presa há 14 anos sem julgamento. Há aqueles que já cumpriram a pena e estão esquecidos nos presídios.

E que explicação o juiz dá?

Sempre se diz que é um problema de falta de infraestrutura. Terceiriza-se a responsabilidade. Mas hoje nós não podemos dizer que os juízes não têm responsabilidade sobre o caos do sistema prisional. No CNJ, verifiquei que nós tínhamos juízes da execução penal que nunca tinham visitado um presídio.

Mas é a obrigação deles.

Talvez isso seja a concretização dessa pré-compreensão negativa que a própria sociedade tem em relação aos presídios. Isso talvez contamine a ideologia e a percepção do próprio juiz.

Ou seja, "dane-se".

Pois é. E, por outro lado, as corregedorias não exigem [dos juízes], o Ministério Público não cumpre a sua função, que é a de fiscalizar as condições dos presídios. Por isso o CNJ editou várias resoluções determinando que se fizessem verificações sucessivas das prisões provisórias. No patamar tecnológico que nós atingimos, temos condições de saber tudo o que acontece no sistema prisional. O próprio CNJ teria condições de monitorar isso.

E os advogados?

A OAB não tem nenhum interesse sobre isso. Aliás, os setores de direitos humanos em geral. Eles quase sempre focalizam o quê? É o preso político, é o caso [do italiano Cesare] Battisti. Mas eles não se interessam pelos presos comuns. Esse desprezo da sociedade para com a comunidade de presidiários contamina todos os segmentos.

E os defensores públicos?

Não há defensores suficientes para a demanda.

Fortalecer as defensorias não poderia ser uma solução?

Elas são órgãos estaduais. E hoje existe toda uma disputa corporativa. Os defensores querem equiparação [salarial com juízes e promotores]. Os governadores [que arcam com os custos] veem esse quadro com desconfiança. Isso [a obrigação de se criar defensorias] está na Constituição de 1988 de forma muito clara. Passados 25 anos, nós ainda não temos um modelo estruturado. Há Estados grandes que têm 20 defensores. Nós temos hoje 70 mil presos em delegacias, o que é ilegal. E não temos advogados para viabilizar esse debate.

O país estaria precisando de um "Mais Advogados"?

Talvez você não precise contratar advogados. Há um campo interessante para um experimentalismo institucional. Poderíamos pensar num serviço civil obrigatório para todo jovem egresso das faculdades de direito das universidades públicas. Eles ficariam um ano fazendo estágio no sistema prisional. Conheceriam a realidade do Brasil! E prestariam um serviço relevante ao país. Veja, nós temos hoje um número enorme de bacharéis em direito. Se tivéssemos um advogado em cada presídio ou delegacia, é óbvio que teríamos um outro quadro em termos de direitos humanos. Certamente, nas delegacias, neste momento em que conversamos, estão ocorrendo torturas.

E por que a ideia não vinga?

Porque nós temos um quadro corporativo no país. A OAB defende os advogados privados. A Defensoria Pública entende que não deve atuar com voluntários. Eu até já brinquei: não se preocupem, há pobres para todos.

Há também a questão dos ex-detentos.

No Brasil se diz que nós temos um dos maiores índices de reincidência do mundo, de 70%. E por quê? Porque ninguém cuida. O único programa institucionalizado, e ainda assim hoje tocado sem muito entusiasmo, é o Começar de Novo, do CNJ. É preciso intensificar. Porque aqui está o controle da criminalidade. Se a pessoa consegue se ressocializar, obviamente você quebra o ciclo de envolvimento dela com o crime. De novo: não é só uma questão de direitos humanos. O problema é que segurança pública, hoje, virou apenas aparato policial.

Lugar de bandido é na cadeia.

A mensagem, em geral, é a do endurecimento. Nada contra. Mas isso dá uma ilusão de ótica para a sociedade. Não é a resposta adequada a todas as mazelas. O sistema de segurança pública é mais complexo. Não basta colocar o sujeito no presídio. Ele pode ser solto no momento seguinte, porque o juiz não deliberou e houve excesso de prazo, por exemplo. E aí, na comunidade, a repercussão negativa é enorme. A justiça criminal envolve o Ministério Público, a Defensoria Pública, o sistema prisional, a polícia. É por isso que eu digo: nós temos que olhar as árvores e a floresta. O sistema é de uma disfuncionalidade completa. É preciso um freio de arrumação, uma "concertación", um grande mutirão institucional nessa área. Nós temos aqui também o retrato do Brasil: é o caos, graças à má gestão.

O Estado é o caos na hora em que vai fazer Justiça.

Com certeza. A grande prioridade hoje em matéria de continuidade da reforma do Judiciário deveria ser a justiça criminal, como um tema de direitos humanos e de segurança pública. Quantos inquéritos ficam sem conclusão no país? Em Alagoas, encontramos 4.000 homicídios sem sequer inquérito aberto.

A Justiça é injusta.

De todo lado nós temos injustiça aqui.

Unanimidade - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 08/12

A oposição não está só. Os governistas também criticam a condução da economia. Acusam o ministro Guido Mantega (Fazenda) de errar na mão. Citam a perda de receitas com a desoneração seletiva; a intervenção excessiva na economia (preços da Petrobras, tarifas públicas e concessões); e o arbítrio na indenização de ativos do setor elétrico. Na incerteza, investidores pisam o pé no freio.

A ordem é evitar o esvaziamento
Os presidentes da Câmara, Henrique Alves, e do Senado, Renan Calheiros, têm um desafio pela frente. Para garantir que o "G-20 Parlamentar"," que ocorrerá no começo de junho no Brasil, não seja esvaziado, eles precisam fechar uma pauta que interesse a todos os participantes. Os Estados Unidos e a Europa boicotaram o encontro anterior, realizado no México. O tema foi a questão ambiental, inibindo os não signatários do Protocolo de Kyoto. "Temos que construir uma pauta multilatéral, que agregue, que não seja excludente" resumiu o senador Romero Jucá, que, como o deputado Cândido Vaccarezza, deve integrar a comissão organizadora.

"Até março o Mais Médicos vai ter 13 mil médicos. Já temos 6,5 mil. Se precisar, vamos ampliar o convênio com o Ministério da Saúde de Cuba"
Alexandre Padilha
Ministro da Saúde

Na trilha de Lula
A presidente Dilma reservou o dia 19 para ir a São Pauio. Ela vai celebrar o Natal com os catadores de papel e a população de rua, tradição herdada de seu anteçessor. O ex-presidente Lula, como nas vezes anteriores, deve acompanhá-la.

Promoção
No terceiro mandato na Câmara, o deputado Vicentinho (SP) é o nome mais forte para suceder â José Guimarães (CE) na liderança da bancada. Foi duas vezes presidente da CUT e do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo,
sucedendo ao ex-presidente Lula. A discrição é a principal característica em dez anos de mandato.

Servindo em fatias
O governo Dilma segue a cartilha de Maquiavel para faturar com o PAC Mobilidade. Depois de ter anunciado obras do programa em várias capitais, chegou a vez de levar a boa-nova para Belo Horizonte. A festança será nos próximos dias.

Só pensa nisso
A ministra Marta Suplicy (Cultura) tem mandado emissários ao Ministério da Educação para saber tudo sobre andamento de programas, orçamento, meta e medidas a serem anunciadas. Como a pasta deve vagar, já que Aloizio Mercadante vai para a Casa Civil ou a coordenação da campanha da presidente Dilma, a petista está se preparando.

Ela tem a força
O ministro Aloizio Mercadante teve que voltar antes de viagem à Espanha, semana passada. Viajou quarta-feira para lançar livro e lá ficaria até domingo. Mas a presidente Dilma determinou que voltasse para as reuniões com PMDB e PP.

Dando as cartas
Candidato do Planalto ao governo de Pernambuco, o senador Armando Monteiro (PTB) ganhou poderes no Ministério da Integração. Diretores da Codevasf apresentaram a ele programas em andamento e prazos das obras.


O PMDB se entendeu em Goiás. O empresário Júnior, da Friboi, concorrerá ao governo, e o ex-governador íris Rezende, ao Senado.