sábado, maio 07, 2016

A nova Cuba - RUY CASTRO

Folha de S. Paulo - 07/05
Fui a Havana em fins de 1988 para cobrir os 30 anos da Revolução Cubana.

Durante uma semana, entrei e saí de Cadillacs batendo pino, hotéis cheirando a 1958 e restaurantes com a pior comida do mundo. Penetrei no bairro negro da cidade, entrevistei um chefe do tráfico de maconha e constatei que, por causa da novela da Globo "A Escrava Isaura", em exibição na TV local, Rubens de Falco era mais popular em Cuba do que seu ex-morador Ernest Hemingway.

Ao voltar, contei isto a amigos, que se revoltaram com minha visão reacionária do país. Mas o que fez um deles cortar relações foi minha descrição do desfile de modas a que assisti na velha boate Tropicana, em que as modelos, usando uniformes camuflados, desfilavam ao som da patriótica "Guantanamera", o poema de José Martí (1853-95) musicado por Joseíto Fernández, saindo das caixas em ritmo de discoteca. Para completar, uma das modelos – por sinal, a única que desfilava mal, parecendo estar com um band-aid no calcanhar – era a jovem Alina Revuelta, filha de... Fidel Castro.

Quase apanhei. Para meus amigos, uma filha de Fidel só poderia ser uma médica, professora ou camponesa – jamais seria vista rebolando numa passarela. E, se fizesse isto, seria a melhor modelo do lote. Desisti. Difícil argumentar contra cérebros tão bem lavados.

Hoje é diferente. Depois das visitas de Barack Obama e dos Rolling Stones, Havana está sendo palco de uma semana internacional da moda. As roupas, criadas pelas maiores grifes do mundo, exibem estampas de palmeiras, charutos, canaviais. Gisele Bündchen adotou e estilizou a boina de Guevara. Um neto de Fidel iria desfilar pela Chanel. É uma Cuba que Chico Buarque já não deve reconhecer.

Só faltam convidar os presos políticos para o desfile de gala na noite de encerramento.

O estado das coisas - IGOR GIELOW

Folha de S. Paulo - 07/05

O estado das coisas na desgovernada nave-mãe da República fez desta sexta (6) um dia quase normal. Perto da montanha-russa das notícias, o fato de que avança decisivamente o impeachment da presidente Dilma Rousseff virou notícia corriqueira, resolvida a tempo de um almoço decente.

Assim como ficou banal a ladainha dita pela sombra que dá expediente no Planalto até a semana que vem, apelando a construções shakespearianas sobre um Michel Temer "usurpando o poder". Está acabando a homonímia para o choro petista.

Não deixa de ser sociologicamente interessante ver essa apatia após os orgasmos espaçados e diversos que as ruas proporcionaram ao país desde 2013. Arriscando um Lacan de botequim, a sensação é de fastio: ninguém aguenta mais a dieta da crise.

Mesmo a defenestração de Eduardo Cunha, político que consegue ser mais impopular que Dilma, já não alcançou mais do que a masturbação em bits e terabytes das redes sociais. Onde estava o "exército de Stédile", que não tomou as ruas em júbilo?

É nessa modorra coalhada de armadilhas que se move o futuro governo interino de Temer. Em uma semana evaporaram as expectativas de uma racionalização da máquina ou de nomeações midiáticas, para não citar a óbvia semelhança entre o atual e o futuro ministério —um monte de nulidades indicadas para áreas teoricamente nobres do governo.

O cardápio é magro, basicamente econômico e agora sujeito a uma trovoada inesperada na Câmara.

Henrique Meirelles vai ganhando ares de superministro, o que é uma desgraça para a nova gerência dada a quantidade de adversários que o conhecem bem. Se um anteparo é bom para Temer, a possibilidade de ele ser abalroado no começo do jogo dissipa tal vantagem. Bom para Serra, caso ele permaneça em campo.

Como já escrevi aqui, a baixa expectativa ainda favorece Temer. Resta saber por quanto tempo.


Coragem para mudar - RONALDO CAIADO

FOLHA DE SP - 07/05

Mais que de transição, é de emergência o futuro governo de Michel Temer. Herdará um país em frangalhos, com tudo por fazer e refazer: na economia, na política e na autoestima do Brasil.

Não há tempo a perder e não há espaço para errar. O país já esperou, sofreu e errou demais. A força capaz de nutri-lo –e é essencial que não se perca isso de vista– não virá das cúpulas partidárias nem dos arranjos, por mais engenhosos, de bastidores ou do atendimento a interesses corporativos.

Virá das ruas, da fonte e origem de todo esse processo, que levou ao fim a Era PT. É esta a peculiaridade deste momento histórico: não foram os partidos que moveram a população, mas o contrário. Foi o clamor das multidões que levou os partidos a agir.

Temer, embora detentor de prestígio no campo jurídico e de densa bagagem política, chega ao poder sem o lastro de uma eleição nele focada. Foi eleito como vice; teve, portanto, votos, mas por tabela. Terá de compensar buscando interpretar as multidões que apearam a presidente.

Tancredo Neves viveu, em outra circunstância, essa realidade. Capitalizou a frustração das Diretas Já e arrastou ao colégio eleitoral a expectativa popular. Itamar Franco fez o mesmo: governou para a sociedade, e não para os partidos. Esse gesto deu-lhe a força moral de que carecia para cumprir a missão.

Cabe ao futuro presidente dar sinais claros de que não fará dessa ocasião singular mera reprodução do modelo que acaba de ruir. Não pode fazer do Estado e de seus cargos moeda de troca política, buscando nessa prática, variante do mensalão, a fonte da governabilidade. Não funciona, como constatou tardiamente a presidente Dilma Rousseff.

Deve, isso sim, pautar-se em dois exemplos que nos vêm da Argentina: o presidente Mauricio Macri e o papa Francisco.

O primeiro enfrenta, sem hesitar, o populismo institucional dos Kirchner, adotando medidas amargas, corajosas e necessárias à reconstrução do país; o segundo, ciente da eficácia e da força do exemplo –e a política move-se também em torno de símbolos–, abdicou de luxos pessoais e adotou hábitos simples, que o identificam com a realidade sofrida em que vive o povo.

E o que querem os milhões que foram às ruas? Um Estado mais eficiente e enxuto, mais transparente. Um Estado em que a sociedade se veja refletida. Deve, portanto, cortar mordomias, a começar pelas de seu próprio cargo. Menos promessas e mais ação, eis, em síntese, a receita.

Nada de comitivas gigantescas em viagens ao exterior ou de cargos inúteis em profusão; trocar o caríssimo Airbus por um jato da Embraer. Numa palavra, aproximar-se do povo, reduzir o abismo que o separa dos governantes; munir-se de autoridade moral para pedir sacrifícios a uma sociedade que já contabiliza mais de 11 milhões de desempregados.

Os primeiros sinais não são alentadores. Temer, ao que parece, recuou do anúncio de que cortaria à metade os ministérios –e já discute com os partidos o seu loteamento. Repete aí o PT.

São hoje 32 ministérios. Oscar Niemeyer projetou a Esplanada com 17 prédios; Juscelino, que a inaugurou, governou com 12 ministros. E há ainda os milhares de cargos em comissão, criados não para atender o público, mas à militância.

É preciso sinalizar desde o início que se inaugura de fato uma nova etapa, com mudança radical de rumo. Para tanto, é preciso coragem, ousadia. Temer precisa deixar claro que não postula reeleição, que fala para a história, e não para os partidos.

Coragem, presidente. Se a demonstrar, terá o povo a seu lado –e, tendo-o, nada será capaz de ameaçá-lo.

Barbosa e a 'escorpiã' - MÁRIO RAMOS RIBEIRO

O ESTADO DE S. PAULO - 07/05

O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, não consegue avançar no ajuste fiscal. Propõe até ampliar o déficit primário, em lugar de reduzi-lo. Se Dilma Rousseff sair da Presidência, ele irá junto. Se ela ficar, também pode sair, pois Lula, o mandão, quer outra política econômica e é alérgico a reformas e cortes de gastos.

Este quadro lembra a velha história do escorpião e do sapo, em que este é morto pelo escorpião ao atravessar uma lagoa carregando-o nas costas. Uma vez escorpião, sempre escorpião. Uma vez populista, sempre populista! Joaquim Levy, o sapo anterior, não sobreviveu.

Nossa crise combina corrupção sistêmica, incompetência técnica e uso e abuso do viés populista. Não há como sermos ingênuos: precisamos levantar os olhos para obter uma perspectiva deste quadro e discuti-la. James Buchanan, Nobel de Economia (1986),defendeu uma "ética normativa para a vida prática". A economia e a política deveriam se preocupar inicialmente com as instituições ou as regras do jogo que emolduram a economia. Disse ele: se "essas regras albergassem a preocupação com o 'dever', com o 'justo', com o 'conhecimento do que é certo e próprio"', a economia e o direito conduziriam a um bem-estar superior.

Na mesma linha, Douglass North, outro Nobel (1993), consagrou o termo "economia institucional" nos anos 1960. Esse termo também diz respeito às regras do jogo que, formalmente instituídas ou não, balizariam a operacionalidade da política econômica e garantiriam o seu sucesso na ampliação do bem-estar da sociedade.

Há, assim, dois níveis de análise e de ação da economia institucional: a economia política e a política econômica. A interação permanente entre eles é que qualificará o resultado. Uma boa economia política gera regras do jogo saudáveis. São as que limitam o poder discricionário dos governantes, que despersonalizam a política econômica e que fiscalizam, controlam e monitoram a gestão pública antes, durante e depois do exercício do mandato do governante. Reduzem a incerteza, minimizam a insegurança jurídica e ampliam o horizonte de planejamento, sem o que o estado de ânimo dos empreendedores e consumidores será contido, como está neste momento no País. Se as regras forem boas, a política econômica pode até prosperar.

Digo pode pois não há garantia absoluta de prosperidade. Entretanto, se, como hoje, as regras forem más, não cooperativas, personalistas, idiossincráticas e indutoras de conflitos insolúveis, muito pouco pode ser feito e a política econômica vai fracassar, pois neste caso há garantia absoluta de erro. Assim entendida - e de forma concreta para o Brasil de hoje a conclusão soa bem natural: Dilma não consegue arrumar a casa; se outro incumbente conseguir fazê-lo, é preciso garantir que outro não consiga desarrumá-la. Em particular, é preciso que as leis do impeachment e a de Responsabilidade Fiscal sejam aprimoradas para tempestivamente impedir isso aos primeiros sinais de ameaça.

Para a maioria dos economistas, as regras do jogo são um dado que vem da política, e não há o que fazer. E preciso rever isso. Quanto aos políticos, é necessário que se convençam de que muitas vezes, ao tentarem fazer o bem, estão causando um dano, pois a economia responde negativamente a tentativas de desequilibrá-la - como fez Dilma Rousseff com suas "pedaladas" fiscais e outros desatinos.

Reconhecer a importância da economia política não é desmerecer a razão técnica. E exatamente o contrário: trata-se de impedir que ações destruidoras comprometam tanto essa razão quanto a ação política.

Quanto a ministros da Fazenda, ou outros que conduzam a bandeira da razão econômica, é bom que se acautelem ao trabalhar para políticos. Há sempre escorpiões - hoje a "escorpiã" - dispostos a sacrificá-los, mesmo que amparados em suas costas. E, desta vez, tudo indica que a escorpiã também afundara com o sapo.


Sem atalho da Fazenda à Presidência - POR EDUARDO ZILBERMAN

O GLOBO - 07/05

A imagem evocada pelo sucesso da dupla Fernando Henrique e Itamar Franco, depois do impedimento de Fernando Collor, é ilusória



Após sete tentativas de estabilização, o Plano Real debelou a hiperinflação em curto período de tempo, sem a necessidade de um ajuste recessivo. O bônus político foi tamanho, a ponto de alçar o então ministro da Fazenda à Presidência.

A ascensão de Fernando Henrique ao longo da campanha presidencial de 1994 é bastante informativa. Em fevereiro, o Ibope apontava FH com 6-7% das intenções de voto, atrás de Lula, Maluf, Brizola e, pasmem, Sarney. Entre abril e junho, já sem Maluf e Sarney figurando entre os presidenciáveis, FH aparecia sempre em segundo lugar, obtendo 15-7% das intenções de voto. Nos meses de julho e agosto, período de consolidação do Plano Real, a ascensão foi vertiginosa. Nas pesquisas dos dias 11/7, 26/7, 9/8, 23/8 e 30/8, o Ibope apontava FH com 20%, 27%, 32%, 40% e 45%, respectivamente. A partir daí, as intenções de voto oscilaram em torno de 45% até o início de outubro, quando o improvável presidente do Brasil foi eleito em primeiro turno.

Caso venha a se concretizar o impedimento da presidente Dilma Rousseff, a perspectiva política de ocupar o Ministério de Fazenda em um governo de transição pode ser tentadora. Entretanto, a imagem evocada pelo sucesso da dupla FH e Itamar Franco, após o impedimento de Fernando Collor, é ilusória. Dificilmente o Ministério da Fazenda servirá de atalho à Presidência da República num eventual governo de Michel Temer. O cenário econômico atual é bastante diferente daquele do início dos anos 90.

No início dos anos 90, o principal problema econômico era uma hiperinflação que superou 80% num único mês. O bom desenho do Plano Real, ao objetivar um rápido processo de estabilização e coordenar as expectativas de inflação da sociedade, inspirou confiança. Com uma nova unidade de valor, as firmas revisaram as estratégias de fixação de preços, passando a embutir uma inflação futura menor em seus reajustes. Este choque de expectativas permitiu à troca do cruzeiro real pelo real estabilizar a economia em pouco tempo. Além disso, para sobreviver em ambiente com inflação galopante, as firmas contemplam ajustes frequentes e sistemáticos dos preços de seus produtos. Este alto grau de flexibilidade dos preços contribuiu para que o Plano Real debelasse a hiperinflação sem a necessidade de ajuste recessivo.

Não surpreende que, após superar o problema econômico crônico à época em um horizonte de tempo bastante curto, e ainda viabilizar uma expansão da economia na esteira do sucesso do Plano Real, FH tenha sido eleito. A magnitude do choque de confiança foi tão grande que o governo FH se permitiu consolidar o ajuste fiscal em seu segundo mandato, mais de quatro anos após a estabilização da economia.

Hoje, o reequilíbrio das contas públicas e as reformas estruturais, condições necessárias para recolocar o país em trajetória de crescimento, urgem. Boa parte do ajuste fiscal envolve corte de gastos públicos, assim como as reformas estruturais envolvem revisões de benefícios concedidos pelo Estado. Ao contrário do que ocorreu em 1994, não há choque de confiança que permita postergar essas agendas por muito tempo. Pelo contrário, a magnitude e a duração de um eventual choque de confiança dependerão justamente da capacidade que o governo terá de encaminhá-las com celeridade num Congresso que costuma “cobrar caro” para apoiar medidas “amargas”, apesar de necessárias.

Obviamente, há medidas que podem contribuir para a reconstrução da confiança, e que dependem em menor grau do Congresso. Por exemplo, um novo marco regulatório que potencialize as concessões em infraestrutura. Isto, aliado a um empenho inicial de capital político para encaminhar algumas medidas “amargas” no Congresso, pode ser o suficiente para estancar momentaneamente a crise, e até ensaiar alguma recuperação econômica. Mas jamais legará um bônus político, em um horizonte tão curto, da magnitude do Plano Real.


Assim como FH no governo Itamar, o ministro da Fazenda num eventual governo Temer terá a missão hercúlea de recolocar o Brasil na rota do desenvolvimento e, para isso, também será necessária uma equipe técnica de primeira linha. Entretanto, sem o respaldo eleitoral para tomar as medidas “amargas”, e ainda ameaçado pela evolução da Lava-Jato, por mais qualificada que seja a equipe, é pouco provável que um eventual governo Temer desate completamente o nó econômico num curto período de tempo.

Em suma, não parece factível que os frutos políticos de uma boa gestão econômica estejam maduros em 2018. Portanto, mesmo sob a ótica política, o horizonte de planejamento econômico tem que ser de longo prazo.

Piso para a economia - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 07/05

Até o placar já se sabia antes de começar a sessão da Comissão Especial do Senado. A presidente Dilma perderia por 15 a 5. Cada um foi representar seu papel. A oposição queria provar que tudo estava sendo feito dentro da Constituição e que há fortes indícios de crime de responsabilidade. Os governistas queriam firmar a tese do golpe. Na economia, permanece a incerteza sobre os caminhos da recuperação.

Para a reunião no plenário do Senado, na próxima semana, só há uma dúvida: o placar. De quanto será a derrota da presidente? Será um resultado apertado ou haverá sinais antecipados de que a saída definitiva já está garantida? Enquanto isso, na economia, a única convicção que se tem, nas conversas com economistas e empresários, é de que haverá uma forte sensação de alívio com a saída da presidente Dilma. Desde o início do ano, quando cresceram as chances do impeachment, o risco-país caiu 31%, o dólar recuou 13%, e a bolsa atingiu o maior patamar em quase um ano.

Os índices de confiança dos empresários e dos consumidores caíram muito e estacionaram nos pontos mais baixos da série. A demanda é por sinais de que haverá mudanças e que elas chegarão à vida real. No mercado, o economista-chefe e sócio da Mauá Capital, Alexandre de Ázara, explica que o sentimento é de “otimismo cauteloso”, porque sabe-se que o governo Temer terá que lidar com problemas estruturais, que não se resolvem apenas com a melhora do ânimo.

— Trocar o time terá efeito de curto prazo. Todo mundo espera que aconteça um ajuste fiscal, precisamos saber a intensidade do ajuste e como Temer vai negociar com o Congresso — explicou.

O Itaú, em relatório de análise da América Latina, avaliou que o dólar pode voltar a subir quando ficar clara a dificuldade de inverter a trajetória da dívida pública. Aliás, o país precisa de reformas estruturais, e elas são difíceis de fazer.

Uma mudança já preparada será a alteração no marco regulatório do setor de petróleo. O consultor Adriano Pires, do CBIE, lembra que o projeto do senador José Serra (PSDB-SP) foi aprovado no Senado e pode ser votado na Câmara, indo à sanção da Presidência. Isso daria alívio financeiro à Petrobras, retirando obrigações da companhia, e atrairia investimentos de outras petrolíferas.

— A Câmara já deu sinais de que tem uma base que pode aprovar a medida. Com a Dilma na Presidência, ela poderia vetar. Com Temer, não. Esse projeto é fundamental para recomeçar o setor de petróleo do país — disse Pires.

A Abinee, associação da indústria eletroeletrônica, conta que o setor já fechou 5400 vagas no primeiro trimestre. A projeção era de estabilidade, mas a crise política e a paralisia do governo agravaram o quadro. Segundo o presidente da entidade, Humberto Barbato, o cenário que tem Michel Temer assumindo a Presidência significa encontrar um “piso” para a queda. A sensação será de que o pior ficou para trás.

— A entrada do Temer estabelece um piso para a economia, como se chegássemos ao fundo do poço. A expectativa vira, para que comece a recuperação em 2017. Mas, para que ele consiga apoio para o governo, é fundamental que não seja candidato em 2018 — disse Barbato.

O diretor-presidente da Trumpf, empresa multinacional que vende máquinas no Brasil, João Carlos Visetti, também avalia que é fundamental que Michel Temer não seja candidato em 2018. Mas isso seria apenas o começo de uma lista de tarefas para colocar a economia nos trilhos.

— Temer não pode abrir mão das conquistas sociais, precisa fazer o ajuste fiscal, tem que destravar as concessões. E não pode de forma alguma interferir na Lava-Jato. O combate à corrupção é uma demanda muito forte da sociedade, principalmente das gerações mais jovens — disse Visetti.

A economia está em compasso de espera, enquanto a política passa pelo seu terremoto. Os atores políticos sabem que na próxima quarta-feira a presidente deve perder no plenário do Senado, mas não sabem como o vice-presidente vai agregar as forças que se dispersaram. Os agentes econômicos olham tudo com um certo sentimento de alívio, mas consciente de que o país continuará vivendo um tempo de incerteza, mesmo com a mudança de governo.


Sob a égide do Poder Moderador - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 07/05

No Brasil imperial, o imperador exercia privativamente o Poder Moderador, com a assessoria do Conselho de Estado. Graças a ele, o Primeiro Reinado configurou-se como monarquia absoluta. As desordens da Regência conduziram à instauração do parlamentarismo e à restauração do Poder Moderador, que passou a funcionar como "árbitro dos conflitos da elite" (José Murilo de Carvalho), estabilizando o Segundo Reinado. A decisão do STF de suspender o mandato de Eduardo Cunha, "uma das mais extraordinárias e corajosas da história político-judiciária do Brasil" (Joaquim Barbosa), ilumina uma crise institucional aguda. É um indício de que o governo transitório de Temer viverá à sombra de um novo Poder Moderador, desta vez exercido coletivamente pelos juízes da corte suprema.

A sentença do STF é "extraordinária" num sentido preciso, talvez vislumbrado por Barbosa: representa uma nítida violação das prerrogativas do Congresso e, portanto, da regra de ouro da separação de Poderes. Mas o adjetivo "corajosa" serve apenas como ornamento retórico de um ato judicial politicamente motivado, que se destina a arbitrar os "conflitos da elite".

Só os eleitos podem dispor do mandato dos eleitos –eis o princípio democrático que a corte suprema decidiu ignorar. O Congresso, mas não o STF, pode deliberar impeachment da presidente– e, ainda, o de um juiz do próprio STF. Mesmo o afastamento provisório de Dilma depende de duas deliberações parlamentares sucessivas. (Coisa diferente é a impugnação judicial da chapa eleita, que não se confunde com cassação de mandato.)

Em nome do mesmo princípio, a Constituição atribui exclusivamente ao Congresso a prerrogativa de cassar mandatos parlamentares. Até a mera confirmação da prisão em flagrante de um parlamentar exige autorização de sua Casa, isto é, da Câmara ou do Senado. Para circundar a letra constitucional, o STF recorreu ao subterfúgio da suspensão temporária do mandato de Cunha, fundamentada em interpretação ousada, ultraliberal, do Código de Processo Penal. Assim, alçando-se acima das fronteiras legais, o STF decretou uma excepcionalidade, que forma um embrião de jurisprudência. Depois de Cunha, será a vez de Renan?

Tempos anormais. A Câmara não reagirá à usurpação de poder pois sofre os efeitos devastadores da desmoralização do Poder Legislativo infligida ao longo do reinado lulopetista. Nesses 13 anos marcados pelo "mensalão" e pelo "petrolão", a maioria parlamentar associou-se ao Executivo em pactos de natureza mafiosa. Os mandatos populares converteram-se em passaportes para a delinquência política e a criminalidade comum. "Quando dizem que nossas instituições são fortes, isso cheira a piada", atirou o efêmero ministro da Justiça Eugênio Aragão, empossado com a missão impossível de implodir o que ainda resta de institucionalidade. Nesse diagnóstico (e só nisso!), ele tem razão: é sobre uma paisagem de ruínas que se ergue o novo Poder Moderador.

O STF conta com o apoio de uma opinião pública farta do personagem nefasto que seus pares protegem –e, ainda, com o elogio de um PT preso à lógica de sua própria narrativa embusteira sobre o impeachment. Mas, sobretudo, ampara-se nos interesses do governo adventício, a quem presta um serviço estratégico.

Temer monta um extenso arco governista, congregando o PMDB, os sócios menores do lulopetismo e a oposição. Ele terá esmagadora maioria parlamentar, mais que suficiente para cassar Cunha. Mas, agindo preventivamente, o STF soluciona o impasse, libertando-o do imperativo de mobilizar essa maioria num rumo capaz de produzir insanáveis fissuras entre as máfias políticas pacificadas, entregues à orgia da redivisão de feudos na administração pública. Sob aplausos gerais, o "árbitro dos conflitos da elite" anestesia a sociedade, postergando as rupturas inevitáveis.


Sexta 13, dia sem bruxa - GUILHERME FIÚZA

O GLOBO - 07/05

Como os homens de bem farão, a partir de agora, para defender Lula sem poder gritar que bandido é o Cunha?

Os democratas que defendem Dilma e a quadrilha do petrolão contra o golpe de Sérgio Moro estão discretamente eufóricos. Os tanques da direita, que vieram arrancar a presidenta mulher à força do palácio, resolverão todos os seus problemas. Estava desconfortável (e, o que é mais grave, trabalhoso) esse negócio de ser governo.

Foram anos de sofrimento para continuar do contra, sendo a favor. Foi preciso instaurar o primeiro governo de oposição da história — e não pensem que isso é fácil. Aumentar os juros e gritar contra os juros altos, roubar o Estado e denunciar a corrupção, devastar a economia popular e defender o povo... Isso cansa uma pessoa.

Mas deu tudo certo: após 13 anos e meio de poupança ortodoxa, com propinas por fora e por dentro, valerioduto e pixulecos garantindo o formidável abastecimento do caixa partidário, chegou a hora de desfrutar. A elite vermelha volta para o presépio dos oprimidos, gorda e rica, só para jogar pedras — o que faz um bem danado à alma progressista e quase não suja as mãos. Mas eis que surge o revés inesperado.

Quando os professores de História já abrilhantavam suas aulas-comício, inserindo o golpe contra os imaculados parasitas para entregar o Brasil ao PMDB de Eduardo Cunha, viraram a mesa. Num ato sem precedentes, o Supremo Tribunal Federal destituiu o presidente da Câmara dos Deputados. Cunha caiu. E agora?

Foi um golpe duro demais para os democratas. É verdade que eles ainda têm o Bolsonaro, a PM de São Paulo, o Trump e a Guerra do Vietnã, mas a perda de um Eduardo Cunha não se repõe facilmente. Quem o STF pensa que é para cometer uma arbitrariedade dessas? Como os homens de bem farão, a partir de agora, para defender Lula — e todos os seus crimes progressistas denunciados pelo procurador-geral — sem poder gritar que bandido é o Cunha? A Anistia Internacional não está vendo isso?

O Prêmio Nobel da Paz está. Pelo menos um dos seus detentores, o escritor argentino Adolfo Pérez Esquivel, parceiro de Cristina Kirchner, Nicolás Maduro e toda essa turma boa que ama a democracia (amor infelizmente não correspondido). Pérez Esquivel fez história no Senado brasileiro ao denunciar o golpe de Estado contra Dilma Rousseff. E atenção: o golpe foi executado por Eduardo Cunha, o mau. Quem sabe até o seu afastamento agora não foi uma espécie de queima de arquivo?

Aí vem o relator da comissão do impeachment, naquela mesma bancada onde um Nobel da Paz fez história, e expõe de forma monótona, sem um pingo de glamour, todos os crimes cometidos por Dilma Rousseff no exercício da Presidência da República. Esse aí nunca vai ganhar um Nobel. Além de tudo, é estraga-prazeres: mostrou de forma absolutamente desagradável que Eduardo Cunha não tem nada a ver com o impeachment — apenas o colocou em votação. A Anistia Internacional não está vendo isso?

Nos dois anos de literatura da Lava-Jato, entende-se de onde vieram os bilhões de reais que bancam há anos os advogados mais caros do país para os guerreiros do povo brasileiro; que bancam há anos as campanhas eleitorais nababescas pelas quais o PT se tornou o feliz proprietário dos Três Poderes; que compraram movimentos sociais (sic), entidades de classe, jornalistas com indignação tabelada, espalhadores de boatos e manifestantes profissionais. Mas nada é tão poético quanto um pedido de propinas retroativas — atribuído ao companheiro Ricardo Berzoini pelo ex-presidente da Andrade Gutierrez.

Segundo Otavio Azevedo, o então presidente do PT e atual ministro da golpeada e oprimida Dilma avisou, em 2008, que a empreiteira deveria pagar propinas sobre as obras feitas desde 2003 (ano em que o Brasil foi redescoberto). O apetite dos representantes desse governo progressista é conhecido, vide seus tesoureiros presos e o envolvimento de todos — todos — os seus principais líderes em negociatas democráticas e revolucionárias. A conta é a seguinte: quem foi mais importante na construção heroica da atual pindaíba nacional? A gangue do Lula ou a do Eduardo Cunha?

Quem acertar ganha um Nobel da Paz e meio quilo de mortadela.

Da última vez em que o Brasil viveu um impeachment, o governo passou às mãos de um presidente filiado ao PMDB. O que se impôs, então, não foi uma orgia fisiológica — foi o Plano Real. Itamar Franco foi obrigado pela ruína política e econômica a dar poder ao Brasil que trabalha. Michel Temer está na mesma situação.

Os prognósticos apontam para a sexta-feira 13 o fim da agonia. Descerá a rampa, então, a criatura que Lula inventou para tomar conta da porta, enquanto eles limpavam a casa. Uma criatura que os brasileiros incrivelmente engoliram — mesmo que, diante dela, um Tiririca seja praticamente um Churchill. Tchau, querida.

A parada agora é entre o Brasil que trabalha e o Brasil que atrapalha.

Guilherme Fiuza é jornalista

Último tango de uma nota só - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 07/05

Na comissão que ontem aprovou o prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, um dos petistas mais críticos ao modo dela de governar, o senador Lindberg Farias, foi dos mais aguerridos defensores da desgastada tese do “golpe”.

O senador repetiu argumentos e recorreu aos instrumentos da falácia cometida na campanha de 2014 e desmentida logo após a reeleição, lançando acusações ao léu: Michel Temer na Presidência “entregaria” a Petrobrás à sanha do capital estrangeiro, daria fim aos programas de benefícios sociais, entre outras inverdades ditas por Dilma na campanha e que tanto prejuízo renderam quando a realidade a desmentiu.

Na época, Lindberg era crítico da presidente. Ele era adepto da ideia, apoiada por inúmeros petistas, de que o ex-presidente Luiz Inácio da Silva seria o melhor candidato. A defesa feita ontem obedeceu ao ritmo de último tango em cadência de uma nota só.

Nenhum problema, desde que a lógica e a realidade não sejam agredidas. Lamentavelmente, existe a agressão. Houve distorção quando se discutia inutilmente a condição de “vice” de Eduardo Cunha quando o artigo 86 lhe negava claramente essa prerrogativa.

Soam precipitadas e um tanto equivocadas análises desse cenário, segundo o qual Temer teria a ganhar, mas também a perder, com a decisão do Supremo Tribunal Federal de afastar Cunha das funções de deputado e, consequentemente, da presidência da Câmara.

Por essa ótica, Temer ganhou do STF a liberdade de não precisar se posicionar sobre a condição de Cunha e de livrá-lo de companhia constrangedora, mas perdeu um imprescindível operador dos trâmites legislativos para levar a bom termo as votações das propostas que precisará aprovar. Nesse aspecto residem duas questões. A primeira, precipitação decorrente da suposição de que Cunha mantém o poder de influência sem o cargo de presidente e o exercício do mandato. A segunda, o equívoco de acreditar que Temer e grupo mais próximo não têm experiência, influência e habilidade políticas para negociar a aprovação de medidas no Parlamento.

Um dado essencial: Cunha presidiu a Câmara por meio período. Temer foi presidente da Casa por três períodos completos. Realidade e pragmatismo darão conta de estabelecer o prazo de validade do poder de Cunha.


Abraço de afogados - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 07/05

Mais uma vez, na sessão de ontem que por 15 a 5 decidiu pela admissibilidade do processo de impeachment, os aliados do governo insistiram na anulação do processo, aproveitando a decisão do Supremo Tribunal Federal de afastamento de Eduardo Cunha de suas funções como deputado federal e presidente da Câmara por abuso de poder e desvio de finalidade.

O problema dos governistas é que, como participaram de todas as etapas do processo do impeachment, e chamaram o STF a esclarecer situações que consideravam obscuras ou simplesmente ilegais, acabaram conseguindo o aval da Corte para todo o processo, o que torna impossível agora anulá-lo.

Também a tese de que o impeachment foi decretado por uma vingança de Cunha contra o PT não tem serventia, a não ser na luta política. Bastaria lembrar que, às vésperas da votação, os petistas no conselho — Zé Geraldo (PA), Valmir Prascidelli (SP) e Leo de Brito (AC) — deram uma entrevista anunciando a contragosto que votariam a favor de Cunha, por orientação do Planalto.

O ministro Jaques Wagner havia fechado um acordo com Cunha para, em troca, arquivar o processo de impeachment. A reação do restante do partido e dos militantes foi tão grande que o então líder Sibá Machado foi à tribuna do Senado anunciar a mudança de posição do PT. Portanto, a vingança pode ter sido a motivação subjetiva de Cunha, mas o PT tentou um acordo nos mesmos termos, e perdeu.

Depois disso, os governistas convalidaram todos os passos do processo. Foi com base numa ação do PCdoB, que tem na senadora Vanessa Graziottini uma dedicada representante na comissão de impeachment, que o STF derrubou o rito processual que havia sido determinado pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Daquele rito original havia saído uma comissão composta por candidaturas independentes, apresentadas à revelia das lideranças partidárias. Naquela ocasião, a intenção clara de Cunha era a de formar uma comissão favorável ao impeachment, pois o governo ainda detinha certo controle sobre as bancadas dos partidos aliados.

Para preservar a independência dos poderes, e acertadamente, a meu ver na ocasião, considerando que o regimento interno da Câmara deveria prevalecer, o relator do processo, ministro Edson Fachin, surpreendeu a todos com um voto totalmente favorável à decisão de Eduardo Cunha, o que fazia prever que a maioria do plenário o seguiria, como cheguei a escrever aqui.

Quem mudou a tendência do plenário foi o voto de divergência do ministro Roberto Barroso, que viu nas ações de Cunha, já àquela altura, tentativa de manipular o resultado. A interferência do STF nos ritos da Câmara recebeu o apoio majoritário dos membros da Corte, e muitas críticas dos que viram na postura do ministro Barroso uma tentativa de ajudar o governo, que àquela altura ainda dava alguns sinais de vida.

A decisão de Barroso, mantendo todos os pontos do rito usado no impeachment do então presidente Collor, mostrou-se, no entanto, capaz de dar segurança jurídica ao processo. Os governistas comemoraram como uma vitória, mas o tempo cuidou de demonstrar que não era o rito que definiria o resultado, mas os votos que cada lado tivesse no momento definido.

As sutilezas políticas acabaram influindo na formação da nova comissão escolhida pelos líderes partidários, mas ela, que começou com maioria teórica governista, acabou com uma maioria esmagadora contrária ao governo, que se desgastou ao longo do tempo.

Não é possível mais ao PT tentar anular o processo, pois o próprio Cunha foi derrotado pela ação do PCdoB e o rito do impeachment foi o do Supremo, não o do então presidente da Câmara.

Toda a jurisprudência mostra que não é possível uma nulidade retroativa, mas o que o ministro da AGU José Eduardo Cardozo está buscando com mais uma tentativa de anular o processo é uma narrativa política que sustente a tese do golpe, o que está cada vez mais difícil.

Cardozo acabou sendo figurinha fácil nas comissões de impeachment, repetindo os mesmos argumentos em várias sessões, mesmo quando o regimento não previa sua presença. O senador Raimundo Lira, por sinal, deu um nó nos governistas, permitindo que usassem e abusassem de questões de ordens.

Deu a palavra a todos eles mesmo quando o regimento não permitia, e o que parecia uma leniência mostrou-se sabedoria, pois ficou impossível à oposição aguerrida alegar cerceamento de defesa e outros pretextos.

Na próxima semana deveremos dar posse a um novo governo, e tanto o presidente afastado da Câmara e a presidente afastada do Brasil estarão recolhidos a seus exílios forçados, praticamente sem chances de reassumir seus postos. A previsão de Cunha de que Dilma cairia antes dele pode não se confirmar só por alguns dias. Mas os dois perderam, num autêntico abraço de afogados.


Muito além da vã filosofia - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 07/05

Muita gente se agarra à verdade de um partido e se recusa a ver, como diria Nelson Rodrigues, a realidade como ela é. Um exemplo: a decisão do Supremo Tribunal Federal de afastar Eduardo Cunha da Presidência da Câmara dos Deputados e do exercício do mandato. Só quem não consegue fazer uma leitura objetiva dos fatos acredita na versão simplista de que o experiente ministro Teori Zavasckise apressou em tomar uma decisão com medo de ser visto como o sujeito que não teve coragem de peitar o peemedebista. Esse mimimi é tão ridículo quanto a tese de que o impeachment é golpe.

Apesar de a liminar dele ter sido referendada no plenário por unanimidade, o 11 a 0 contra Cunha não esconde que há uma gritante divisão na Corte. Uma divisão, e aí evoco Shakespeare, que vai muito além do que supõe nossa vã filosofia. Ora, na quinta-feira da semana passada, o ministro já havia anunciado que levaria a questão para análise no plenário do tribunal. Por que, então, apenas cinco dias depois, contando o fim de semana no meio, o presidente do STF - um tribunal que não tem como característica a celeridade em suas decisões - anuncia que ação semelhante apresentada na véspera por partido político vai ser julgada antes pelo Supremo? E que, em vez de Zavascki, como seria natural, já que é ele o relator da Lava-Jato no Supremo, a peça foi distribuída para um magistrado diferente?

O caso se tornou ainda mais controverso depois que ministros do próprioSTF contaram à jornalista Eliane Cantanhêde que a decisão de Teori "foi amadurecida durante a madrugada e teve o objetivo de desativar uma bomba preparada pelos ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, que, segundo análises de juristas, poderia implodir o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff". De que forma? Anulando atos de Cunha como a aceitação do pedido de impedimento. Mas, como, se Cunha se tornou réu no petrolão agora em março? E mais: a ação de Janot e a da Rede são posteriores ao recebimento do pedido de afastamento de Dilma pelo presidente da Câmara? Como se deve chamar um movimento como esse que antecedeu a decisão de Teori? É tudo muito estranho, para dizer o mínimo.

Autor da ação da Rede, o advogado Eduardo Mendonça negou a intenção de anular atos como o impeachment. Mas que o texto dele dá margem a esse tipo de interpretação, isso dá. Corajosa e inédita na história do país, a decisão de Teori deixa políticos corruptos de cabelo em pé porque desfaz o mito de que essa turma é intocável. Sabemos, agora, que não é bem assim. O 11 a 0 sinaliza que existem, sim, instrumentos jurídicos capazes de frear a impunidade. O Brasil agradece

As falácias vão ficando pelo caminho - ALBERTO AGGIO

O ESTADÃO - 07/05

Mesmo antes de ser aprovada a admissibilidade do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, o caudal de argumentos contra o impeachment, na imprensa e na opinião pública, adensou-se de maneira impressionante, ganhando parâmetros discursivos que ultrapassavam a fábula do golpe, ainda que este tenha permanecido como o eixo principal da retórica esgrimida pelo petismo para obter apoio, dentro e fora do País, a uma presidente sub judice.

No mais paradoxal de todos os argumentos, afirmava-se que uma possível vitória do impeachment não mudaria em nada a situação do País; não aplacaria a crise econômica e não possibilitaria a retomada do crescimento; não se conseguiria sustar a crise social que bate às portas dos lares brasileiros e, portanto, o desemprego seguiria crescendo. E que o impeachment tampouco daria fim à corrupção, muito ao contrário: a presença do presidente da Câmara na condução do processo era o sinal de que um futuro governo Michel Temer exterminaria por completo as operações da Lava Jato.

O curioso é que, ao se negar qualquer positividade ao impeachment, também se espera tudo dele. No fundo, retoricamente, cobra-se o restabelecimento in acto de um País novamente republicano, próspero e democrático. É um argumento de pés de barro. Como se sabe que, do ponto de vista do realismo político, se trata de uma expectativa inalcançável, pelo menos na dimensão imediata, denota-se que o impeachment, mesmo sendo bem-sucedido, apenas causaria aos brasileiros uma “frustração coletiva”, já que não solucionaria as profundas crises que assolam o Brasil.

Essa narrativa está centrada na interpretação de que o País entrou num beco sem saída, mas governo Dilma Rousseff estaria eximido de qualquer responsabilidade, tendo sido a oposição a causadora de toda a crise. Supostamente, a crise política teria sido iniciada no pedido de recontagem de votos e, em seguida, na cândida ideia de que a oposição não deu trégua à presidente reeleita, apostando no caos e prejudicando a Nação, especialmente os mais pobres. Esse argumento, por demais conhecido, oculta o fato de que o PT nunca admitiu sofrer oposição, mas especializou-se em fazê-la de forma contundente, já que se julga o único portador de uma política social digna do nome, o que é flagrantemente contestado por qualquer pesquisa séria a respeito da realidade nacional recente, desde a redemocratização.

Quando a admissibilidade do impeachment foi aprovada na Câmara, a falácia do golpe ganhou a companhia de discursos laterais: a vitória da “vingança” de um político corrupto, em referência ao deputado Eduardo Cunha, presidente daquela Casa, e a imposição à Nação de uma “eleição indireta” para presidente, representado no embate Dilma versus Temer.

Essas avaliações falaciosas se combinaram com ameaças de violência e a busca de “alternativas” políticas à débâcle do governo petista. O ponto nevrálgico dessas alternativas emergiu na proposta, primeiro, de “eleições gerais” e, depois, de “novas eleições” para presidente, expressa na consigna “nem Dilma, nem Temer”. Duas alternativas inviáveis do ponto de vista constitucional, sem levar em conta a oposição que teriam nas duas Casas do Congresso e, ao que parece, entre as lideranças das bases sociais do PT. Vê-se claramente que não se trata mais de defender o governo Dilma. O que sustenta a inflação de falácias do petismo é a perspectiva de garantir algum futuro ao PT como ator político, levando a conjuntura a um grau extremo de polarização por meio de discursos que afrontam as instituições de representação da cidadania e visam à radicalização das ruas.

Derrotado, o PT passou a adotar todo e qualquer casuísmo a fim de evitar que o impeachment devolva normalidade ao País e credibilidade ao novo governo. Daí as artimanhas, as ameaças e, por fim, a negativa de um processo de transição administrativa, sonegando informações aos futuros governantes. O PT tanto falou em golpe que agora pretende aplicá-lo, com requintes de vingança, em relação ao futuro governo.

Já se tornou exaustivo explicar que o processo de impeachment está plenamente justificado em termos legais e que sua legitimidade é indiscutível. Dilma violou a Lei de Responsabilidade Fiscal por meio de mecanismos fraudulentos para esconder, no período eleitoral e depois dele, que não tinha sustentação financeira para manter a economia em bom curso e evitar a crise. Uma política econômica desastrosa se somou a níveis de corrupção jamais vistos, jogando o Brasil numa crise inaudita e de grande profundidade.

Dilma é, portanto, o nome do “retrocesso” que o País está vivendo, em termos econômicos, políticos e até mesmo de convivência democrática. Assim como não há espaço vazio em política, também não há a possibilidade de deixarmos de atribuir a responsabilidade por todo este estado de coisas. Os verdadeiros culpados são mais do que evidentes.

Um novo governo pós-impeachment, legítimo em termos constitucionais e necessariamente de transição até 2018, terá como missão primeira tentar paralisar o desastre e de nenhuma forma poderá ser inculpado pela situação do País.

As encruzilhadas da História brasileira invariavelmente encontraram soluções sustentadas pela “via autoritária”. Pode ser que esta seja a primeira vez que estejamos enfrentando um impasse condicionado e determinado pela democracia, que já é, entre nós, uma experiência concreta em termos constitucionais e institucionais, embora nos falte um lastro maior de cultura política democrática.

A insistência na falácia do golpe, com o seu vitimismo, sua artificialidade e suas ameaças, atua no sentido de enfraquecer e virtualmente bloquear a democracia. Desmistificar as falácias do petismo e superar a “herança maldita” do governo Dilma assumem hoje o mesmo significado.

*Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp

O populismo no banco dos réus - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 07/05

A Comissão Especial do Impeachment do Senado aprovou, por 15 votos a 5, o competente parecer do senador Antonio Anastasia que defende a admissibilidade do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Agora, para seu afastamento do cargo, basta o plenário da Casa confirmar a admissibilidade do processo.

O texto aprovado pela Comissão Especial não se limita a fazer uma detalhada análise da questão e apontar os fundamentos jurídico-políticos que constituem “indícios suficientes” para a adoção daquela medida prévia ao julgamento da chefe do Executivo pelo Senado. Tampouco se esgota na acurada argumentação que desmonta a tese petista de que se trata de um “golpe” contra a presidente da República. O amplo e minucioso trabalho do senador Anastasia é uma vigorosa denúncia do desprezo pelas normas fiscais que procuram garantir o necessário equilíbrio das contas públicas. Desprezo ditado pelas convicções estatistas e intervencionistas que inspiram o populismo irresponsável e eleitoreiro do lulopetismo.

Lula e o PT, adeptos da gastança descontrolada por meio da qual há quase 14 anos têm procurado garantir sua hoje agônica hegemonia política, sempre se opuseram aos controles fiscais. Comprovaram isso ao fazer violenta oposição e votar maciçamente contra a aprovação pelo Congresso, em 2000, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). E depois que chegaram ao poder em 2003 não perderam oportunidade de sabotar a aplicação desse regulamento que impõe freios à irresponsabilidade fiscal nos três níveis da administração pública.

Pois foi exatamente a irresponsabilidade, política e fiscal, de uma chefe de governo autoritária e convencida de que a promoção dos “interesses populares” está acima da lei – ou seja, de que os fins justificam os meios –, que resultou nas ilicitudes que embasam o pedido de seu impeachment: as “pedaladas” com as quais tentou maquiar as contas do governo e a edição de decretos de liberação de recursos sem autorização prévia do Congresso.

Por cautela, Anastasia limitou o foco de seu parecer àqueles dois crimes de responsabilidade – que são os que constam da denúncia aprovada pela Câmara – de modo a evitar alegação de nulidade do processo pela defesa de Dilma. Não se furtou, porém, a demonstrar claramente, com o apoio de ampla jurisprudência e de citações de renomados juristas, a natureza política do processo de impeachment, que inevitavelmente se ampara em evidências que não constam dos autos – o chamado “conjunto da obra”. Essa dimensão política do processo de impeachment é fortemente repudiada pela defesa de Dilma, que admite apenas a existência de atos administrativos “irrelevantes” que “não constituem crimes de responsabilidade” e por isso não podem justificar a perda do mandato da presidente da República. Mas o relatório demonstra que esses delitos evidenciam a prática sistemática de ilicitudes que, entre outras coisas, são responsáveis pelo descontrole fiscal que está na raiz da grave crise econômica que infelicita o País. Razão política suficiente, portanto, para que a ampla maioria dos brasileiros já tenha condenado Dilma Rousseff e esteja pedindo seu afastamento do governo. O Parlamento reflete, naturalmente, essa tendência.

Nessa linha de raciocínio, o senador mineiro refutou a acusação dos petistas de que o impeachment é “golpe”: “Nunca se viu golpe com direito a ampla defesa, contraditório, com reuniões às claras, transmitidas ao vivo, com direito à fala por membros de todos os matizes políticos, e com procedimento ditado pela Constituição e pelo STF”. Direitos, aliás, amplamente desfrutados pelo quinteto governista que integra a Comissão Especial do Impeachment.

É perfeitamente normal que, a esta altura dos acontecimentos, quando até dentro do Palácio do Planalto e do PT o impeachment é considerado batalha perdida, Dilma esteja amargurada com a perspectiva de ter sua carreira política abreviada. Essa amargura parece ter obscurecido completamente seu discernimento. OEstado apurou que ao tomar conhecimento do teor do relatório do senador Anastasia, Dilma lamentou a “ingratidão” do ex-governador mineiro, que recebeu “muita ajuda do governo federal” e com quem ela sempre manteve “uma relação republicana”. Esse tipo de cobrança tem bem a cara do populismo lulopetista.

Ministério à altura da crise - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - 07/05

Temer precisa de cautela a montar uma equipe que consiga dar conta de resolver a crise política e econômica do país



Veio do advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, um dos melhores amigos do vice-presidente Michel Temer, um conselho que pode evitar o desastre na montagem do novo governo que se avizinha. Ao recusar por mensagem de texto, na quinta-feira, o convite para ser ministro da Defesa, Mariz pediu ao peemedebista cautela na nomeação de investigados na Operação Lava Jato.

É claro que o conselho do advogado tem seus motivos pessoais – Temer o desconvidou de assumir o Ministério da Justiça por causa de críticas que fez à Lava Jato. Mesmo que Mariz se sinta incomodado por ter sido recusado, enquanto investigados na operação estão cotados para o primeiro escalão, o jurista está coberto de razão ao pedir cautela na montagem da equipe. Temer já sinalizou que não vê problemas em políticos como Romero Jucá, investigado na Lava Jato, assumirem ministério no novo governo que deve tomar posse na próxima semana. A prudência, contudo, não deveria se restringir ao veto a envolvidos na operação.

Há muito se tem notícia da romaria cotidiana que políticos de diversos partidos fazem ao Palácio do Jaburu para acertar com Temer as fatias do poder. Já não se fala mais em reduzir de 31 para 20 ministérios. Muitos interesses estão sendo acomodados, a fim de se conseguir sustentação no Congresso Nacional. O governo Temer nem começou, mas é triste constatar que as velhas práticas do “toma lá, dá cá” e da composição de interesses escusos prossigam em vigorosa atividade, especialmente neste momento de profunda crise econômica e política.

Muitos talvez considerem que isso seja inevitável. Por essa visão, o fisiologismo está tão arraigado que não haveria outra alternativa enquanto perdurar o modelo de presidencialismo de coalizão. O máximo que Temer poderia fazer seria contar com uns poucos ministros fortes para atuar em áreas essenciais – como as pastas da Fazenda, da Justiça, da Saúde do Planejamento – e lotear entre aliados os outros setores do novo governo. Por esse caminho, teria avanços pontuais, pouco expressivos, mas garantiria a governabilidade.

Não nos parece que esse raciocínio “realista” se sustente. Caso o peemedebista ceda demais às negociatas – e aceite a lógica do fisiologismo – dificilmente as reformas, parte delas impopulares, serão aprovadas. O presidente interino, então, ficará refém em toda a votação, tendo de ceder mais espaço no governo para os aliados e gradativamente distribuindo mais benesses. O apoio fisiológico requer, a cada nova rodada de negociação, contrapartidas crescentes que certamente vão inviabilizar as reformas de que tanto o país precisa.

Se o caminho dos realistas não é viável, há outra alternativa possível? Existe um único meio de superar o atraso que nos foi legado pelos governos do PT. O caminho passa por uma proposta efetiva de projeto nacional. Em grandes momentos de crise, e são inúmeros os exemplos nas histórias, até mesmo as almas mais deletérias são capazes de aderir a um grande propósito. Mas isso requer uma liderança capaz de congregar as forças políticas a um objetivo comum. Estaria Temer preparado para tal tarefa?

Esse caminho não é irrealista. Com todas as ressalvas que se possa fazer na votação do impeachment, se percebeu ali que boa parte dos deputados tem a disposição de embarcar em um projeto nacional. A votação não foi expressão de mera conveniência, mas de que o país precisa sair de imobilismo.

No momento estão dadas as condições para que o vice-presidente atue com grandeza. É possível e necessário assumir a posição de um estadista. O peemedebista tem o dever de fazer todo esforço necessário para que sua equipe esteja à altura da dura tarefa de combater a crise e reformar o Estado. A sociedade espera que o novo comando seja, em tudo, diferente do frágil e lamentável governo que o antecedeu.


Teses pelo impeachment se consolidam - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 07/05

Não é por acaso que a nota de risco do país é mais uma vez rebaixada; reflete a percepção de uma presidente entrincheirada no Palácio e a ausência de governo



A derrota do PT na comissão especial do impeachment no Senado ocorreu, como previsto, por robusta margem. Os 15 votos a cinco a favor da aprovação do competente relatório do senador Antônio Anastasia (PSDB-MG) pelo impedimento da presidente Dilma repetiram a proporção elevada de acima de 70% já verificada no plenário da Câmara, na aceitação do pedido de abertura de processo contra a presidente. Ficaram visíveis em alguns membros da bancada dilmista na comissão o sentimento de derrota e a percepção de que na semana que vem ela deverá ser afastada do Planalto pelo plenário do Senado. Mas, coerente com o perfil lulopetista, senadores do partido partiram para o ataque, como os parlamentares do PT costumam fazer em qualquer circunstância.

A tese permanente do “golpe” é agora reforçada pela tentativa de manipulação da decisão do Supremo de afastar o deputado Eduardo Cunha do mandato e, portanto, da presidência da Câmara.

O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, desde o início decidido a recorrer ao menor pretexto contra o impedimento — é direito seu —, logo afirmou que iria pedir a anulação de todo o processo pelo “desvio de poder” do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ao acolher o pedido contra a presidente. Se o STF afastou Cunha pelo conjunto da obra de malfeitos, terá de invalidar todos os seus atos à frente da Casa, raciocina. A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) tentou suspender a sessão de ontem para que fosse esclarecida a questão. Na mesma tecla bateu o senador Lindbergh Farias (PT-RJ). Mas é inútil.

Ora, Eduardo Cunha aceitou o pedido de impeachment na função plena de presidente da Câmara. E não teve qualquer interferência na obediência a um rito definido não por ele, mas pelo próprio Supremo, o garantidor da tramitação do pedido de impedimento da presidente no Congresso. Por sinal, quando Cunha começou a estabelecer um rito próprio, logo na escolha da comissão especial que iria avaliar a admissibilidade do pedido, o STF interveio, e o presidente da Câmara nada mais pôde fazer a não ser cumprir as regras definidas pela Corte.

E de mais a mais, como ressaltou o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) à Globonews, na própria quinta à noite, depois da vitória do voto de Teori Zavascki contra Cunha, a decisão do Supremo não retroage. Quer dizer, não invalida qualquer ato de Cunha como presidente da Câmara.

Resta do sinal verde dado ontem no Senado a constatação de que se consolida a acusação de que a presidente cometeu crime de responsabilidade ao praticar pedaladas fiscais e ao emitir decretos para realizar despesas sem a aprovação do Congresso. Não se tratam de “detalhes técnico-contábeis”, como tentou minimizar Lindbergh Farias. Apenas as pedaladas escamotearam um rombo de mais de R$ 50 bilhões, convertidos em empréstimos de bancos públicos ao Tesouro, grave infração à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Não por coincidência, na quinta a Agência Fitch rebaixou mais uma vez a nota de risco do país. Este é o pano de fundo da crise política: enquanto permanece no Planalto uma presidente petrificada diante da rejeição popular e vítima de catatonia ideológica, a economia continua a mergulhar no abismo, na ausência de governo no país.

CORREÇÃO

Na hipótese de Temer assumir o governo, Eduardo Cunha seria o primeiro na linha de substituição do novo presidente e não o segundo, como está no editorial de ontem “Renúncia de Cunha é a melhor alternativa”.

A necessária ação do STF no caso Cunha - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 07/05

A decisão do Supremo Tribunal Federal de afastar o deputado Eduardo Cunha da Presidência da Câmara expressou vontade majoritária da sociedade. Uniu brasileiros favoráveis e contrários ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. Sobre o parlamentar pesam acusações gravíssimas, incompatíveis com o papel de um legislador, como recebimento de propina, transações com projetos de lei, desvio de dinheiro para o exterior e outros ilícitos. O acolhimento unânime do voto do ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava-Jato, justificou a excepcional interferência do Judiciário no Legislativo a fim de assegurar o indispensável equilíbrio dos poderes da República.

Há quase um ano e meio, o país se debate em razão do caos político originado dos conflitos fratricidas entre Executivo e Legislativo. De um lado, a presidente Dilma e, de outro, Eduardo Cunha. Ambos intransigentes e incapazes de estabelecer diálogo para garantir o funcionamento normal das instituições. Os prejuízos sociais e econômicos impostos a sociedade tornaram-se detalhes no tensionamento entre ambos. A irredutibilidade dos dois, a cada fase da Operação Lava-Jato e de outras investigações federais, que desnudaram a participação de figuras do governo e do Congresso nos crimes de corrupção, só fez crescer a tensão em detrimento dos interesses nacionais.

Hoje, as investigações do Ministério Público e da Justiça Federal mostraram que o país não pode mais ser objeto de rateio entre grupos. Apontaram os responsáveis pela drenagem dos recursos públicos, que acabam por desfalcar as verbas destinadas à saúde, à educação, à segurança e a outros setores, o que compromete a qualidade de vida dos brasileiros. Antes se tinha notícia de desvios aqui e acolá. Agora, os autores estão identificados e uma pequena parte sentenciada e atrás das grades, numa quebra histórica da impunidade.

Nesse cenário - terreno fértil para aventureiros salvadores da pátria -, a Alta Corte tem sido mais do que poder moderador. O STF se colocou como esteio da manutenção do Estado democrático de direito, que impõe limites, lastreado na Constituição Federal, a impetuosidades, que beiram ao autoritarismo, evitando que independência entre poderes se confunda com libertinagem e submissão a caprichos rasteiros.

A Suprema Corte mostrou que é possível mitigar os traumas das transições de governo. Não há risco de ruptura institucional que acarrete retrocessos ao processo democrático ainda em maturação. Acenou com a possibilidade de o país evoluir cada vez mais para uma democracia consolidada e reconhecida como modelo por todas as nações. É possível avançar mais. Os desajustes de hora são lições que amadurecem e desafiam os brasileiros a refletirem sobre suas escolhas diante das urnas nas futuras eleições.

A autonomia e a missão do BC - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 07/05

O Brasil poderá corrigir uma das fraquezas mais notórias de sua organização econômica, a sujeição do Banco Central (BC) ao Executivo, se o processo de impeachment levar à substituição da presidente Dilma Rousseff pelo vice Michel Temer. A autonomia do BC, consagrada em muitos países desenvolvidos e emergentes, poderá tornar o País menos vulnerável à inflação, uma velha e resistente praga da economia nacional. Contida por algum tempo, essa ameaça voltou a manifestar-se com vigor nos últimos anos, alimentada pela irresponsabilidade fiscal e por mal disfarçada tolerância à alta de preços. Se assumir o governo, Michel Temer deverá apoiar a mudança de status da política monetária, segundo fontes qualificadas. Mas a boa ideia poderá ser prejudicada, se o projeto for tratado com amadorismo – e é muito fácil detectar esse risco.

Como garantia de independência, os diretores do BC deverão ter mandatos invioláveis, exceto em condições bem definidas em lei. Os prazos devem começar e terminar em anos diferentes daqueles previstos para a posse dos presidentes da República. Em cada mudança, pelo menos uma parte da diretoria deve permanecer na função.

No modelo americano, testado com sucesso há muito tempo, os diretores são nomeados para prazos de 14 anos, equivalentes, portanto, a 3,5 mandatos de chefe de governo. Os presidentes do Federal Reserve (Fed) prestam contas da política monetária ao Congresso regularmente, mas nenhum diretor é demissível pelas decisões técnicas. Nos Estados Unidos, como tem sido e provavelmente continuará sendo no Brasil, os dirigentes do BC são indicados pelo presidente da República, mas sua nomeação depende do Senado.

O BC americano tem duplo mandato: defender o poder de compra da moeda e trabalhar pela manutenção do pleno-emprego. Políticos brasileiros, juntamente com alguns técnicos, defendem a reprodução desse modelo. Se essa ideia prevalecer, o BC ficará impedido, segundo argumentam, de atuar, como até agora, dando prioridade à política anti-inflacionária. É uma visão tosca, obviamente mal informada e, por isso, perigosa.

Para os dirigentes do BC americano – e de outros BCs do mundo avançado – a noção de pleno-emprego é vinculada ao equilíbrio monetário. Não se transige com a inflação simplesmente para facilitar a abertura de postos de trabalho. A política monetária, em todos esses países, é orientada por metas de inflação muito severas, embora nem sempre explicitadas. Na maior parte do mundo desenvolvido o objetivo tem sido uma alta de preços na vizinhança de 2% ao ano. Os números anuais permanecem abaixo desse nível, enquanto o desemprego continua em queda. Mesmo na zona do euro, a desocupação média é hoje inferior à brasileira. Nos Estados Unidos, está em cerca de 5%, menos de metade da taxa observada no Brasil.

O governo brasileiro tem sido tolerante à inflação e nisso tem sido apoiado por muitos políticos. A meta de 4,5%, em vigor desde 2005, é mais alta que a fixada na maior parte das economias avançadas e emergentes. Durante a maior parte dos últimos dez anos, vários países latino-americanos, como Chile, Colômbia, Paraguai, Peru e México, mantiveram quase sempre taxas anuais de inflação inferiores às do Brasil. Todas essas economias têm crescido mais que a brasileira, com desequilíbrios bem menores.

A experiência brasileira recomenda, claramente, a autonomia legal do BC combinada com um mandato simples: a defesa da estabilidade da moeda. Quanto à financeira, tem sido garantida por um respeitado sistema de controles dos vários tipos de instituição atuantes no mercado. Pode-se reforçar e ampliar esses controles e esse trabalho vem sendo feito.

Não se criarão mais empregos com tolerância à inflação. Para uma economia próspera, com mais postos de trabalho e também menor inflação, a receita comprovada é uma gestão prudente e inteligente do dinheiro público, num ambiente seguro, estável e estimulante da iniciativa empresarial.