FOLHA DE SP - 21/07
Lei de aumento de IR, como propôs o ministro, seria derrubada, diz presidente
Jair Bolsonaro disse que pode vetar leis propostas pelo seu governo. Caso o Congresso aprovasse o aumento de impostos sobre empresas previsto pelo projeto de lei do ministério da Economia, haveria veto presidencial. “Eu não tenho problema em vetar o que nasceu de mim”, disse o “mito” de modo quase mítico-psicanalítico, como se ele fosse o corpo do Estado castrando crocotós indesejáveis que o destino fez brotar. Disse tais coisas em entrevista à rádio Itatiaia.
Mas até essa piada grotesca engrandece Bolsonaro. Voltando à vaca fria de morta, Bolsonaro deu a entender mais uma vez que não há governo e que ele está além ou aquém da governança. Se algo ainda funciona, parasita o “sistema” que não o deixa fazer o que quer, aquele que se propôs a destruir.
O ministério da Economia opera à maneira bolsonarista. O projeto de mudança do Imposto de Renda era incompetente e irresponsável, pois em uma semana foi possível virar do avesso tamanha mudança da vida econômica. Ninguém no ministério, ministro inclusive, quis assumir a paternidade do monstrengo.
Foi assim com o Orçamento de 2021. Foi também o caso do plano de criação de renda mínima, de agosto do ano passado, resultado de um acordo de ministros (do Planalto e da Economia) e de líderes do governo, anunciado na presença desse que formalmente preside a República. O projeto também ficou órfão, pois não caiu bem na boca do povo e foi castrado por Bolsonaro antes de tramitar. Está sendo assim com a reforma administrativa. Etc.
No fim das contas, o conflito habitual a respeito de quase qualquer legislação se torna mera disputa selvagem na terra do coliseu deliberativo bolsonarista, um pedaço de carniça lançado aos leões do lobby, sem anteparo técnico, mediação de debate público ou publicidade. É verdade que não raro a dentada mais forte leva o naco maior, seja qual for o governante, mas sob Bolsonaro se faz menos e menos questão da hipocrisia do método ou da discussão especializada e civil.
Essa baderna desceu ao nível da anarquia facinorosa pelo menos no caso das vacinas. Sob certo aspecto (o aspecto certo) ninguém no governo Bolsonaro propriamente negociava a compra de imunizantes. Não negociou a Coronavac com o Butantan, recebeu a proposta da AstraZeneca da Fiocruz, foi obrigado a comprar as Pfizer sob clamor nacional. Agora, todos tentam fugir da acusação de que confraternizavam com Zé Manés ou que planejavam mumunhas com esses atravessadores de doses, pastores, falangistas bolsonaristas e militares da fuzarca.
Dado que a vacinação avançou, apesar do governo, Bolsonaro tentou faturar o progresso (“Brasil é um dos países que mais vacina”). Como é fácil perceber, seu governo foi irresponsável também na saúde, como no IR, no Orçamento ou do plano de auxílio emergencial (“três, quatro, cinco bilhões” dão conta do coronavírus, dizia Paulo Guedes em março de 2020); se dá certo ou parte da máquina estatal ainda funciona, o presidente parasita o sucesso.
“Parasita” parece acusação menor quando se trata de alguém que comete crimes como ameaçar um golpe contra a eleição ou que diz ter conhecimento de um crime sem denunciá-lo ao sistema de Justiça (a votação para presidente de 2014 teria sido fraudada dentro do TSE). Que o país não tenha governo e que esteja entregue a essa chusma de onagros deve ser mesmo uma irrelevância, pois a maior parte de suas elites dá um jeito de normalizar até a ameaça mais explícita de Bolsonaro contra a democracia.
Pelo próximo mês, o colunista vai tirar férias dessas abjeções.