domingo, agosto 29, 2010

DORA KRAMER

Usurpação de cidadania
DORA KRAMER
O ESTADO DE SÃO PAULO - 29/08/10


De todos os casos cabulosos ocorridos no governo Luiz Inácio da Silva, o da quebra indiscriminada de sigilo fiscal na delegacia da Receita Federal em Mauá é o mais angustiante.

De Waldomiro Diniz à arquitetura de dossiês na Casa Civil na Presidência da República para atrapalhar o trabalho da CPI dos Cartões Corporativos; das urdiduras da direção do PT envolvendo empréstimos fraudulentos e desvios de recursos em empresas públicas (mensalão), à quebra do sigilo bancário de uma testemunha das andanças do ministro da Fazenda em uma casa de lobby de Brasília, todos tiveram objetivos específicos.

Pretendiam algo: Waldomiro, o homem encarregado pelo então chefe da Casa Civil, José Dirceu, de organizar as relações com o Congresso, cobrava propina de um bicheiro.

O dossiê com os gastos da Presidência quando ocupada por Fernando Henrique Cardoso pretendia (e conseguiu) inibir a atuação dos oposicionistas na comissão parlamentar de inquérito criada para elucidar as razões do aumento nos gastos dos cartões corporativos do governo todo e também para pedir acesso às despesas secretas da Presidência.

Os empréstimos simulados visavam a "lavar" dinheiro que financiava as campanhas eleitorais dos partidos aliados e mantê-los, por esse método, como integrantes da base parlamentar governista.

A quebra do sigilo do caseiro Francenildo Santos Costa na Caixa Econômica Federal deu-se com a finalidade de tentar desmoralizá-lo como a testemunha que desmentia o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, no caso da casa de lobby. Palocci negou no Congresso e em pronunciamento que frequentasse a tal casa e Francenildo, caseiro do local, atestava que o via sempre por lá.

Os personagens eram conhecidos e os episódios por mais nebulosos que fossem eram compreendidos. Dava para entender sobre o que versavam. Era corrupção e/ou política.

Agora, o que assusta é inexistência de uma motivação específica claramente definida, a amplitude das ações, a multiplicidade de alvos e a tentativa do governo de abafar o caso dando a ele uma conotação de futrica eleitoral.

Evidente que Dilma Rousseff sabe do que se trata quando ouve dizer que 140 pessoas tiveram o sigilo fiscal violado numa delegacia da Receita em cidade das cercanias de São Paulo.

Sabe que estamos diante de algo que pode ser qualquer coisa, menos o que alega: mero factoide, "prova do desespero" da oposição.

Como "mãe do povo", coordenadora do governo e responsável por tudo de maravilhoso que há no Brasil, Dilma deveria ser a primeira - depois do presidente Lula - a se preocupar com o fato de 140 cidadãos terem tido sua segurança institucional violada numa dependência do Estado.

No lugar disso, só faz repetir o mantra da candidata ofendida. Pode ser conveniente, mas não é um acinte?

Assim como soa a provocação ao discernimento alheio a proteção da Receita Federal aos investigados e a tentativa de "vender" a versão fantasiosa sobre a venda de sigilo no mercado negro de informações.

A atitude do governo alimenta a suspeita de dolo. Natural seria que as autoridades se levantassem em defesa da preservação dos direitos e garantias individuais.

Nesta altura, embora seja relevante, não é realmente o mais importante a filiação partidária dos agredidos.

Eduardo Jorge, Ana Maria Braga, Ricardo Sérgio, a família dona das Casas Bahia, tanto faz.

Foram eles, mas poderia ser qualquer um de nós. Quem, aliás, garante que não seremos os próximos a constar de um rol de pessoas vilipendiadas nas mãos de um Estado leviano?

A questão vai muito além do ato eleitoral, é um caso grave de insegurança institucional, pois não se sabe de onde vem isso, aonde vai parar, quem são os responsáveis, como agem e o que pretendem com essa manipulação que cassa a cidadania e espalha insegurança.

Digno. Aloizio Mercadante indigna-se com os modos - de fato indignos - de Tiririca no horário eleitoral, mas convive sem indignação com as indignidades de companheiros de "base" no Senado.

DANUZA LEÃO

Só pra saber

DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/08/10
Eu queria saber a posição de Serra, Dilma e Marina sobre as relações Brasil-Irã, se são contra planejamento familiar

POSSO SER sincera? Não aguento mais essa eleição; que campanha mais antiga.
Não é possível que com televisão, internet, twitter e outras coisas que nem sei o nome ainda existam candidato/a andando pelas favelas para mostrar que é amigo dos pobres, beijando criancinhas e se abraçando às pessoas mais carentes para conquistar o voto dos eleitores.
E procurando ser simpáticos; de alguns deles nunca se soube que tinham dentes, pois jamais os mostraram; agora, respondem a perguntas sobre saneamento básico com um sorriso tão falso que dá enjoo. Tomara que passe logo essa moda de marqueteiro e que as campanhas passem a ser de acordo com o século 21: mais perguntas entre os candidatos feitas por jornalistas, e que o voto não seja obrigatório.
E que houvesse mais tempo para as respostas, com direito, ao que perguntou, de interromper para dizer "mas o senhor/senhora não está sendo clara na sua resposta". Eu queria saber a posição de Serra (e não do Zé), Dilma e Marina sobre as relações do Brasil com o Irã, Venezuela e Cuba, se são contra ou a favor do planejamento familiar, contra ou a favor do aborto (que Dilma enrola e não responde).
E já que Lula mudou de ideia e disse que vai viajar pelo Brasil todo para ver o que fez e o que não fez (e dizer a Dilma "faça, minha filha"), eu queria saber quem vai pagar as viagens -ou será que sua pupila vai emprestar o avião que custou 57 milhões de dólares para ele achar que ainda é presidente?
E se Dilma for eleita, eu quero ver quem vai mandar mesmo no país, se ela ou ele. E quando brigarem?
Outra coisa que eu queria saber é o que tem a dizer o ministro Nelson Jobim sobre a fusão (?) entre a Lan e a TAM. E por falar em aviação, seria a hora de exigir das companhias aéreas que o espaço para cada passageiro, dentro dos aviões, fosse aumentado; assim como as dimensões máximas da bagagem que se pode levar -na cabine ou despachadas- , têm que ser obedecidas, bastaria aumentar dez centímetros a mais na frente, para esticar as pernas, e mais dez de lado, para podermos nos mexer e não desembarcar com a coluna em frangalhos, apenas um problema de direitos humanos.
Se o ministro Jobim um dia pegar um avião de carreira, como a maioria dos mortais, vai saber do que estou falando. E aproveitando, o som do aeroporto Santos Dumont é caótico; com o chão de mármore, paredes e teto de vidro, não há cristão que entenda o que estão falando.
Passando para assuntos mais leves, eu também queria saber por que nem um só fio de cabelo de Dilma sai do lugar. Que spray será esse? De silicone?
Voltando a coisas mais sérias, eu também queria saber por que não se fala mais da compra dos aviões à França, Suécia ou Estados Unidos; esse assunto morreu, por que, não se sabe. E queria saber também em quem vou votar para senador, deputado federal e deputado estadual; será que alguém sabe?
E queria saber também sobre as informações que somos obrigados a dar ao censo, teoricamente sigilosas; podemos confiar no IBGE, ou elas também vão vazar?

JAPA GOSTOSA

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

A desestruturação do Estado

EDITORIAL
O ESTADO DE SÃO PAULO - 29/08/10

Propostas de mudança da Constituição em exame pela Câmara dos Deputados aumentam as prerrogativas de funcionários do Executivo e do Judiciário, dão-lhes o poder de decidir sobre seus próprios salários e sobre o orçamento dos órgãos a que pertencem, garantem-lhes vencimentos iguais aos de funcionários de nível salarial mais alto e, sobretudo, asseguram-lhes prerrogativas até aqui exclusivas dos membros dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, num claro desvirtuamento de funções que desorganiza o Estado.


A Constituição estabelece que compete privativamente ao presidente da República o envio ao Congresso do plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias (LDO) e as propostas de orçamento anual da União. Ela assegura ao Poder Judiciário autonomia administrativa e financeira, que dá aos tribunais a prerrogativa de elaborar suas propostas orçamentárias, "dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais poderes" na LDO. Também o Ministério Público elabora seu orçamento, dentro dos limites estabelecidos pela LDO.
Algumas das propostas de emenda constitucional (PECs) em tramitação na Câmara asseguram autonomia funcional, administrativa e financeira a diversos órgãos públicos, o que os retira da esfera de controle direto dos Poderes a que estão vinculados, transformando-os numa espécie de novos poderes, com funcionários dotados de "superpoderes", como mostrou reportagem de Denise Madueño publicada segunda-feira pelo Estado.
Os membros da Advocacia-Geral da União (AGU) são beneficiários de duas dessas PECs. Uma delas assegura aos advogados e defensores públicos salário equivalente a 90,25% dos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, medida que, se aprovada, deverá se estender às demais categorias da advocacia pública. Outra PEC assegura autonomia funcional, administrativa e financeira à AGU, à Procuradoria-Geral Federal e às procuradorias das autarquias federais, além das Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Desse modo, os advogados públicos, de qualquer autarquia federal e de qualquer município brasileiro, não responderão mais funcional, administrativa e financeiramente aos dirigentes dos órgãos para os quais trabalham e aos demais poderes constituídos.
Outras PECs estendem a autonomia funcional administrativa e financeira às administrações tributárias da União, dos Estados e dos municípios e garantem a independência e autonomia funcional aos delegados de polícia, os quais passarão a gozar também de garantias como vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de salários, de que gozam os juízes. Os delegados são contemplados por outra PEC que lhes assegura vencimento igual ao dos promotores de Justiça.
Há ainda uma PEC que confere à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a competência - hoje limitada ao presidente da República, aos membros do Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal, aos tribunais superiores, ao procurador-geral da República e aos cidadãos em condições específicas - de apresentar projetos de lei.
É notório o desejo dos autores das propostas de afagar política e financeiramente categorias funcionais importantes, algumas nem tão numerosas, mas todas de grande prestígio na administração pública e na sociedade. São claras também as consequências que essas PECs, se aprovadas, terão sobre as finanças públicas, pois, em certos casos, os benefícios se estenderão automaticamente para outras carreiras ou estimularão a apresentação de outros projetos assegurando essa extensão.
Mas o efeito mais danoso dessas propostas é institucional. Ao ampliar competências e prerrogativas de diferentes órgãos públicos, elas criam poderes paralelos que desestruturam o Estado brasileiro. Do ponto de vista financeiro, a autonomia proposta para órgãos como a advocacia pública e para os órgãos arrecadadores em todos os níveis de governo reduz o alcance e a eficiência das políticas fiscais dos governos, cuja qualidade, pelo menos na esfera federal, já é muito criticável. São muito poucos os ganhadores, mas, com a desorganização do Estado, todos os demais cidadãos perderão.

SERRA PRESIDENTE

JOSÉ SIMÃO

Ueba! Dilma tá encapetada!

JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/08/10
E sabe por que o hilário eleitoral tem legenda? Pra gente entender os projetos do Maguila!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
Indecisos e indecentes, votem em mim pra presidente. Ônestidade! Ônradez! E Ó PROCÊIS! Tô fazendo o caminho inverso: de humorista a político. Pelo Partido da Genitália Nacional, o PGN!
Prometo criar o Bolsa Hortifruti: todo brasileiro terá direito a uma mulher fruta. Vota no PGN, não complica! Vai deixar de votar no Simão e votar no Tiririca?
Aliás, o Tiririca virou técnico do São Paulo. Pior que tá não fica!
E o Serra vai reverter a situação. Vai ficar gritando pra Dilma: "Sai, Lula, sai desse corpo que não te pertence". E a voz do Lula: "NÃÃÃÃO SAAAIO! É MEU!".
A Dilma tá parecendo o Kung Fu Panda. A Marina, uma tartaruga sem casco. O Serra só ganha em três capitais: Higienópolis, piscina do Pinheiros e Country Club do Rio!
E o OTÁRIO ELEITORAL! Vadão do Jegue do Dente de Ouro. O dente de ouro é do Vadão ou do jegue? Voto no jegue!
E sabe por que o hilário eleitoral tem legenda? Pra gente entender os projetos do Maguila! E sabe como se faz um frango a Maluf? Primeiro, você rouba o frango. Depois faz do jeito que quiser mesmo!
E o Quércia? Tô adorando o Quércia. Falando na língua da Xuxa: quero xer o xenador do futuro.
Eu vou doar uma dentadura seminova pro Quércia. Tá assobiando mais que a cobra do Mogli!
E assaltaram a gramática: "O PT tirou 30 milhões da POBRESA". A pobresa não é mais pobrema.
E essa: "Havanir, usarei minha força e IDENPENDÊNCIA!". Aí ela apareceu com os olhos esbugalhados, gritando: "Meu nome é Havanir"! Aí corri e me tranquei na cozinha. E ainda tem quem vai pro Playcenter e paga pra levar susto.
Da Bahia, candidatos pro PGN: Beto do Pau Miúdo e Pinto de Casa Nova. São bairros de Salvador. E nada como pinto de casa nova.
E uma candidata começou o comício "Povo de Pau Miúdo". E um cara gritou: "Peraí, madame, até aqui tem exceção"!
E na Bahia tem um candidato chamado Bomba. E sabe qual o slogan dele? Bomba no Congresso Nacional. E a manchete do Sensacionalista: "Clínica oferece coma induzido até o fim da eleição". Eu quero!
A situação tá ficando psicodélica! Parece que o Brasil tomou um ácido no café da manhã. Ainda bem que nóis sofre, mas nóis goza. Que vou pingar meu colírio alucinógeno!

J. R. GUZZO

Sem perdão
J. R. Guzzo
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BETTY MILAN

O DESCONSOLO DA PERDA
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LYA LUFT

A riqueza do mundo
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JOÃO UBALDO RIBEIRO

Dentadura, sapato ou emprego

João Ubaldo Ribeiro 
O Estado de S.Paulo - 29/08/10

A grande festa da democracia já está rolando, embora a animação não pareça das mais intensas. Pelo menos para mim, nos cada vez mais escassos momentos em que consigo assistir ao horário eleitoral sem dormir, lembra esses circuitos de Fórmula Um onde as ultrapassagens são quase impossíveis e a corrida se define logo depois das primeiras três ou quatro voltas. Espero não violar nenhuma lei eleitoral, ao endossar a opinião de praticamente todo mundo com quem converso, ou seja, o dr. Serra já perdeu, anda com jeito de perdedor e às vezes a campanha dele dá a mesma impressão que a de um time de futebol em campo apenas para cumprir tabela. Observando-a em andamento, a gente às vezes precisa até de um pequeno esforço, para recordar que se trata de um candidato da oposição.


Ouso ainda achar que a campanha dele partiu de um pressuposto exemplarmente burro. Não sei se aqueles que a conceberam se basearam numa analogia com o que, segundo me contam, fazem os lutadores de jiu-jítsu, os quais usam a força do adversário contra esse mesmo adversário. Se não foi isso, ficou perto. Já que não se pode fazer nada contra a popularidade do presidente Lula, vamos então usar a força dessa popularidade contra sua candidata.
Ideia de Jericó. Não me refiro à cidade bíblica cujas muralhas ruíram por obra das trombetas de Josué, refiro-me à elegante pronúncia de Zezito Cabecinha, lá de Itaparica, que não conhecia a palavra "jerico" (só conhecia "jegue") e a leu "jericó" na primeira vez em que a viu, de maneira que até hoje designa como ideia de Jericó qualquer juízo que lhe pareça pouco inteligente. Perfeita ideia de Jericó, essa corporificada na campanha "oposicionista". Bota lá a imagem do presidente Lula bem visível nos meios de comunicação de massa, bota o nome dele nos jingles. Para mim, isso é mais ou menos a mesma coisa que a Pepsi-Cola fazer propaganda estampando a marca da Coca-Cola em todos os seus comerciais - e com uma voz off no final dizendo "Pepsi-Cola: tão boa quanto Coca-Cola!" Ou, talvez, um pouco mais no espírito da atual campanha da alegada oposição, um ator simpático falando para o telespectador: "Agora que você se deliciou com sua Coca, por que não experimentar uma Pepsi?" É em algo assim que essa campanha resulta. Eu pensava que usar uma marca e uma imagem era coisa muito bem entendida por publicitários, marqueteiros e outros cientistas sociais, mas, pelo visto, não é. Ou então o burro sou eu, deve ser. De qualquer maneira, acho que, a esta altura, saiu tudo pela culatra e a força do adversário não tem funcionado contra ele, mas provavelmente a favor, como parecem corroborar as pesquisas eleitorais.
E, lá no meu sertão, como andará a festa? O brasileiro não sabe votar, avaliação todos os dias repetida, até mesmo num texto falsamente atribuído a mim, que circula na internet e que já desisti de desmentir. Se isso se refere aos brasileiros pobres, miseráveis ou esquecidos nos cafundós, não tenho tanta certeza de que representa a verdade. Que quer dizer "votar certo"? O eleitor vota certo, digamos, quando vota no candidato que representa seus legítimos interesses e aspirações. Nesse caso, quando vende seu voto, ou o troca por uma dentadura, um par de sapatos ou, melhor ainda, um emprego, o tal eleitor "inconsciente" não estará votando certo? Em muitos casos, somente na próxima eleição é que ele vai ver esse pessoal que ora compra seu voto. A eleição é uma ocasião preciosa e rara que se oferece a ele. Durante a temporada eleitoral, ele é cumprimentado, é escutado e elogiado, vira até gente e recebe alguma coisa de um mundo que o ignora e abandona o resto do tempo. Que outra serventia tem o voto para ele? Como vão caber no horizonte dele as questões discutidas pelos "esclarecidos"? Que real diferença, para ele, existe entre um deputado e outro, a não ser que um recompensa o voto com uma graninha, um sapatinho, uma dentadurazinha, uma colocaçãozinha - e o outro nem isso? E, como nem um nem outro jamais fizeram nada para beneficiá-lo, estará votando errado, ao ser recompensado pelo seu voto da única forma que a experiência o autoriza a ver como viável?
E os que votam "certo"? Aqui de novo há uma escala. Quem furta galinha é ladrão; quem furta muitos milhões é um financista vitimado pelas vicissitudes do mercado; quem furta bilhões é um grande homem. Matou um, é assassino; matou milhões, é grande líder. Da mesma forma, quem negocia seu voto por um emprego vota errado. Em compensação, votam certo os que negociam seus votos por uma legião de empregos, como fazem os políticos profissionais que já hoje nem se aguentam, tamanha a sede de ir ao pote assim que o novo governo tomar posse, dando-nos volta e meia a vontade de pedir calma, que vai dar para todo mundo, embora, levando-se em conta a voracidade e a eficiência com que saqueiam e dissipam, talvez o seguro seja estar entre os primeiros a abocanhar, pois de repente a fonte pode secar.
Saber votar, por outro lado, consola pouco os que acham que sabem. Todos os objetivos de todos os candidatos (espero também não ter violado nenhuma lei eleitoral, por haver falado acima somente nos candidatos mais cotados nas pesquisas - temo, aliás, que no futuro, a julgar pelas tendências correntes, isto de fato venha a constituir crime eleitoral e até os livros de História do Brasil sejam obrigados a dedicar espaço rigorosamente igual a todos os presidentes da República) são sempre os mesmos. Construir um Brasil mais justo, mais igualitário, com cidadania. E porque tal, porque vira, etc. e tal. É tudo a mesma coisa, tudo fácil de dizer. E assim, mesmo nós, os que achamos que sabemos votar, enfrentamos dificuldades de escolha. Não estou precisando de dentadura no momento, mas um parzinho de sapatos talvez caísse bem. 

O ESGOTO DO BRASIL

MERVAL PEREIRA

Tsunami governista
Merval Pereira
O GLOBO - 29/08/10



Dada como perdida a eleição presidencial, a tentativa da oposição agora é não desmobilizar as campanhas regionais e resistir ao verdadeiro tsunami governista que vem tomando conta do país, subvertendo a geografia do voto com base na popularidade do presidente Lula.

Com a reviravolta da corrida pelo governo de Minas, com o candidato do ex-governador Aécio Neves tomando a dianteira, a oposição vai garantindo a manutenção do poder nos dois maiores colégios eleitorais do país.

Embora seja pouco provável que o presidente Lula se empenhe na defesa da candidatura de Hélio Costa em Minas, é certo que em São Paulo ele aumentará sua ação política para tentar uma reversão que leve a eleição para o segundo turno.

É em São Paulo que está o centro da disputa pela hegemonia do poder político nacional entre PT e PSDB, e a vitória da candidata Dilma Rousseff sobre o tucano José Serra é um indício de que o PT encontra um ambiente político propício para tentar quebrar o domínio de 16 anos do PSDB no governo estadual.

O crescimento de Mercadante, mesmo que tenha se dado mais sobre os votos do candidato do PP Celso Russomano, deve estimular ações mais agressivas por parte de Lula, que está se empenhando pessoalmente em alguns estados até mesmo na disputa pelo Senado.

Serra está tendo um desempenho na corrida presidencial mais próximo do que teve em 2002, quando perdeu em São Paulo e venceu apenas em um estado, Alagoas, obtendo 23,5% dos votos, do que do de Geraldo Alckmin em 2006, quando o então candidato tucano fechou o primeiro turno com 43% dos votos, tendo derrotado Lula em São Paulo por 3.800 milhões de votos.

Ambos foram para o segundo turno com poucas chances de vitória sobre Lula, e perderam pela mesma diferença: 61% a 39% dos votos válidos.

Não por coincidência, a mesma proporção que a candidata Dilma Rousseff vai abrindo sobre Serra já nesse primeiro turno, o que mostra que a antecipação da disputa prevista por Lula está se concretizando.

Mais grave para Serra é que os 40% de votos válidos que parecem ser o teto dos eleitores oposicionistas terão que ser divididos com a candidata do Partido Verde, Marina Silva, que vem tendo cerca de 10% dos votos válidos.

A disputa eleitoral passa a ser em torno dos nichos de voto oposicionistas nos tradicionais estados "azuis", como São Paulo e Minas Gerais, cujo controle político será vital para que a oposição tenha voz num futuro governo Dilma.

Mas também em torno do Senado, onde está em disputa o controle de uma bancada que, até o momento, é o principal freio às investidas do governo federal.

Embora tenha uma maioria teórica nas duas Casas do Congresso, foi no Senado que o governo Lula encontrou maiores resistências, devido não apenas à atuação da oposição como ao posicionamento de senadores independentes.

Uma avaliação mais realista da correlação de forças partidárias num provável governo Dilma, portanto, depende desses dois fatores que darão a medida do nível de fragilidade da atuação da oposição.

Uma eleição de Antonio Anastasia como está se desenhando reafirmará a posição do ex-governador Aécio Neves como principal expoente da oposição no país, mesmo que Alckmin confirme sua hegemonia em São Paulo.

O mais importante estado onde a oposição vence, fora do sudeste, é o Paraná, onde Beto Richa tem possibilidade de vencer no primeiro turno. As vitórias de Marconi Perillo em Goiás e do peemedebista dissidente André Puccinelli no Mato Grosso do Sul serão importantes para garantir a influência política da oposição no CentroOeste do país.

A composição do Senado por enquanto está garantindo a permanência de oposicionistas de peso, que Lula gostaria de derrotar, como Tasso Jereissatti no Ceará, Artur Virgílio no Amazonas, e dos democratas José Agripino Maia no Rio Grande do Norte, Marco Maciel em Pernambuco, Demóstenes Torres em Goiás e Cesar Maia no Rio.

Há ainda eleições prováveis, como a de Germano Rigotto, do PMDB antipetista do Rio Grande do Sul, Itamar Franco, do PPS de Minas, e Cristovam, Buarque, do PDT de Brasília.

Algumas vagas estão em disputa acirrada e a partir delas se poderá ter uma idéia de como ficarão as bancadas no Senado. Em São Paulo, a petista Marta Suplicy permanece em primeiro lugar e dois candidatos disputam a segunda vaga: Orestes Quércia, do PMDB dissidente, e Netinho, pelo PCdoB.

Em Brasília, a tucana Maria Abadia está empatada tecnicamente com Rodrigo Rollemberg do PSB; no Rio de Janeiro, o bispo Marcelo Crivella está despencando, embora permaneça na primeira posição, e Lindberg Farias, do PT, e Jorge Picciani, do PMDB, estão crescendo, mas continuam longe de Cesar Maia, que apresenta estabilidade de votação.

Em Pernambuco, o presidente Lula decidiu fazer campanha contra o ex-vice de FH, Marco Maciel, para apoiar Armando Monteiro, do PTB, que está crescendo na disputa pela segunda vaga.

Dependendo da correlação de forças, é possível que o PSB tente uma aproximação com o PSDB para dar ao governo uma alternativa para equilibrar o poder que terá o PMDB, fazendo as maiores bancadas tanto na Câmara quanto no Senado.

Aécio Neves pode ser o centro numa aliança PSB, PT, PSDB, que já foi tentada em Belo Horizonte na eleição do prefeito Marcio Lacerda.

Na ocasião o PT vetou essa aproximação, mas diante do aumento de poder do PMDB é possível que reveja essa posição.

Este é um processo ainda em curso, faltando pouco mais de um mês para a eleição, e está sujeito a reviravoltas devido à onda governista que está assolando o país do Oiapoque ao Chuí, para usarmos a imagem inaugural da propaganda da candidatura oficial.

SERRA PRESIDENTE

JANIO DE FREITAS

Sob o tráfico de sigilos



Janio de Freitas
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/09/10

O caso das quatro pessoas ligadas a Serra presta-se à exploração eleitoral; mas o caso verdadeiro é de milhões


É GRANDE A possibilidade de que você esteja com seus dados confidenciais à disposição de qualquer um. Ou já em mãos de quem você nem imagina existir, mas que tanto pode desinteressar-se de usar os seus dados, como pode dar-lhes as mais diferentes utilidades. E nisso não estão apenas os seus dados entregues ao mal denominado sigilo da Receita Federal.

Os fatos já conhecidos são alarmantes, na transformação da "confidencialidade oficial" em instrumento de crime lucrativo, fácil e sem limites. Por uma quadrilha enorme, com ramificações já antigas em diversos setores da administração pública, ou por várias quadrilhas com ação paralela -não se sabe, e talvez não se venha a saber.

Por isso, o caso dos sigilos de quatro pessoas ligadas a José Serra é muito mais complexo do que as acusações feitas pelo próprio Serra e pelo PSDB. Além disso, deixa distante da realidade a posição manifestada a respeito pela Receita Federal, mesmo admitindo finalidade comercial na quebra dos sigilos. O problema é muito maior.

Os quatro nomes figuram entre duas centenas de sigilos cuja quebra está revelada com as identidades das vítimas. Duas primeiras indicações graves: as quebras não se limitam aos quatro com ligações políticas, estendendo-se por centenas e incluindo grande empresário, e a precisa escolha dos quatro.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, posto por Serra na presidência do BNDES e depois, já como ministro das Comunicações no mesmo governo Fernando Henrique, descoberto pela repórter Elvira Lobato em viagem sigilosa à Espanha para encontro com dirigentes da Telefónica espanhola, tida como beneficiária das artimanhas na privatização das telecomunicações. Ricardo Sérgio de Oliveira, à época diretor do Banco do Brasil, tesoureiro de campanhas de Fernando Henrique e Serra, foi parte destacada na manobra que impediu a Votorantim de adquirir a Vale do Rio Doce e dirigiu-a para Benjamin Steinbruch e outros.

Eduardo Jorge Caldas Pereira, secretário da Presidência no mesmo governo, é ligado a Joaquim Roriz, licenciou-se do Planalto para ajudá-lo em sua última eleição para governador do Distrito Federal, e foi o intermediário da participação de Fernando Henrique naquela campanha do hoje declarado "ficha suja". Gregório Marin Preciado, contraparente de Serra, esteve presente no noticiário quando revelada a sociedade de ambos em um imóvel.

A quebra não incluiu pessoas como José Gregori, Arnaldo Madeira ou algum dos outros peessedebistas atingidos por suspeitas e inquéritos. A escolha foi precisa. Com ou sem venda, seu fim político é a hipótese mais lógica. A escolha e a quebra, porém, tinham possibilidade dupla de destinação. Para o PT, como resposta a citações do mensalão e dos "aloprados". Para a campanha de Serra e o PSDB, a utilidade de atribuir ao PT mais uma "trapalhada criminosa", agora sob a responsabilidade da suposta beneficiada Dilma. Nada recomenda que uma das duas linhas possíveis seja abandonada antes de investigação séria e correta. E para lá de improvável.

A conclusão da Receita no sentido de venda do sigilo é certa. A negação de fins políticos, não.

Tudo isso é muito grave, sem dúvida. Mas eis o que se pôde ler em um texto do "Globo" de quarta-feira passada: (...) "adquiriu por R$ 95 outro CD com informações de mais de seis milhões de contribuintes da Receita Federal", de "São Paulo, Rio, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas e Espírito Santo."

"Adquiriu" e "outro CD" porque o repórter Lino Rodrigues já comprara dois, por R$ 200, "com dados completos de aposentados da Previdência Social (...) e do Denatran contendo informações de milhares de proprietários de veículos em todo o país". Além dos setores mencionados, há referência ao Serpro, o serviço de processamento de dados oficiais, e à oferta de outros CDs, entre eles o dos correntistas de um dos maiores bancos. A segunda compra foi feita para comprovar que, depois da primeira publicação, "o comércio de dados pessoais sigilosos continua livremente no Centro de São Paulo". A zona franca da quebra de sigilo é a rua Santa Efigênia. Com as adjacências. Negócio ali ativo, segundo a indicação biográfica de um dos expoentes do ramo, há mais de dez anos.

O caso dos quatro presta-se muito bem à exploração eleitoral. Mas o caso verdadeiro é de milhões, que nem se supõem quantos milhões são. Como não se sabe a que está sujeita cada pessoa que integra esses incontáveis milhões de devassados pelo tráfico de sigilos.

GOSTOSA

ELIANE CANTANHÊDE

Ideia fixa

ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/08/10

BRASÍLIA - De Lula: "Eu acho que o empresariado aprendeu muito, o governo aprendeu muito, os sindicalistas aprenderam muito. Acho que a imprensa vai precisar aprender um pouco ainda, porque nunca vi gostar tanto de notícia ruim".
Tradução: ele "deu um jeito" nos que poderiam incomodar. Deveria ter incluído bancos, movimentos sociais, a direita e a oposição. Botou uns no bolso e todos no seu devido lugar: o lugar de dizer amém.
Só não conseguiu ainda "ensinar" a imprensa. Mas avança nessa direção, depois de arrastar Dilma para a Presidência e os aliados em massa para os governos estaduais e para o Congresso, onde a previsão é de uma maioria como nunca antes neste país. Exceto com a Arena, na ditadura.
Os escândalos contra tudo e todos surgiram da parceria do Ministério Público, da imprensa, de funcionários exemplares (ou contrariados) e do PT, até desembocarem em CPIs. No poder, o PT tentou explodir os velhos parceiros. E as CPIs?
Já no primeiro ano, 2003, o PT lançou a Lei da Mordaça contra o MP. Depois, o Conselho de Jornalismo contra a imprensa e, por fim, o projeto contra funcionário que fala ou vaza documento. Não vingaram, mas devem estar adormecendo por trás das investidas de Lula.
Ele é um fenômeno sob vários aspectos. Tem 80% de popularidade, sua candidata caminha para comemorar uma votação histórica, e o novo governo vai assumir com a perspectiva de mais de 7% de crescimento econômico. Logo, com tudo para dar certo. Basta não errar.
Em vez de estar leve, feliz, deliciando-se diante da estrondosa vitória que se avista, Lula está armado, atiça os cães da internet e mira a imprensa, para desqualificar o último reduto do contraditório, da crítica, da investigação.
O que pretende com isso? Unanimidade? Nelson Rodrigues dizia que a unanimidade é burra. Em política, tende a ser perigosa. Bem não faz, e pode fazer muito mal. Inclusive subir à cabeça.

SERRA PRESIDENTE

GAUDÊNCIO TORQUATO

O direito ao riso

Gaudêncio Torquato 
O Estado de S.Paulo - 29/08/10

O que aconteceria se Lula, mesmo com 80% de aprovação popular, tivesse adiado o tradicional carnaval de fevereiro para o mês de abril, em homenagem a um de seus ministros, o mais querido (quem seria?), se acaso este deixasse nosso meio às vésperas da festança do Rei Momo? O povão de Salvador, do Recife, do Rio de Janeiro e de outras capitais, fazendo coro ao seu herói, teria começado o fuzuê apenas dois meses depois? Pouco provável. Mais certo seria apostar na repetição da História. Em fevereiro de 1912, às vésperas do carnaval, morria o Barão do Rio Branco, a figura mais insigne da história de nossa diplomacia. Ministro das Relações Exteriores desde o governo Rodrigues Alves, ganhou homenagem póstuma do marechal Hermes, presidente da República, com o adiamento do carnaval. O que fez a turba? Foi para as ruas em fevereiro, brincou em abril e ainda gozou a decisão presidencial solfejando a estrofe do jornal A Noite: "Com a morte do Barão,/ tivemos dois carnavá./ Ai que bom, ai que gostoso,/ se morresse o marechá."


A galhofa, o deboche, o toque irreverente são traços marcantes do caráter nacional. Quando represados por uma engrenagem de normas e proibições, sempre encontram o jeitinho das águas e acabam se infiltrando nas frestas das rochas para seguir seu fluxo. A imagem vem a propósito da proibição de usar o humor para caricaturar a política, neste momento em que candidatos se apresentam à avaliação do povo, que escolherá em outubro os novos quadros da democracia representativa. O impedimento abarca conceitos como "trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação". Ao fim e ao cabo, trata-se de impor sanções aos humoristas.
A simples comparação entre passado e presente mostra que o atual momento político-institucional tem imposto freios à criatividade. Basta um rápido olhar no ciclo dos governantes que habitaram a República no Catete. Foram figuras emolduradas pelos humoristas da época. A historiadora Isabel Lustosa apresenta a galeria que começa com o Biriba (Prudente de Moraes), passando pelo Patriarca do Baranhão (Campos Sales), Papai Grande (Rodrigues Alves), Tico-Tico (Afonso Pena), Moleque Presepeiro (Nilo Peçanha), Dudu e a Urucubaca (Hermes da Fonseca), Tio Pita (Epitácio Pessoa), Seu Mé (Artur Bernardes), Rei da Fuzarca (Washington Luis), chegando a Gegê (Getúlio Vargas) e JK. O cotidiano dos governantes era satirizado por um conjunto de revistas e jornais ilustrados. Mesmo perfis carrancudos aguentavam o tranco. Getúlio, então, era muito gozado pela vontade de se perpetuar no poder. Em outubro de 1945, por exemplo, botava-se em sua boca a piada: "Meu candidato é o Eurico; mas, se houver oportunidade, Eu Fico."
Qualquer pedaço de nossa História registra criativa contribuição do humor como ferramenta de crítica social. É verdade, porém, que ele tem perdido substância, de um lado, porque a política se distanciou da sociedade e, de outro, porque o próprio corpo legislativo, para salvaguardar a imagem, procurou esculpir um conjunto de normas para restringir a semântica e a estética da arte humorística. Sob a hipótese de que o chiste possa embalar perfis com o celofane da desmoralização, os legisladores acabaram criando uma camisa de força que delimita o espaço criativo de uma arte que satiriza o universo político desde a Idade Média. O paradoxo é inevitável: em plena sociedade da informação, sob o escudo dos direitos individuais e coletivos, entre eles o de liberdade de manifestação do pensamento, cerne da democracia, apertam-se os elos da expressão artística. Um absurdo dentro do Estado democrático. Por que orientação tão canhestra tem assento na mesa central de nossa democracia? Pela simples razão de que os representantes se valem da pletora dos direitos da cidadania para apontar prejuízos ao seu conceito ao se verem desenhados nas telas do humor. Seu argumento é de que os pincéis tornam alguns nomes "ridicularizados", quebrando-se a harmonia da igualdade para todos.
Tal visão não resiste a uma análise. Há mecanismos de defesa para quem se sinta ofendido na honra pessoal. Afora a legislação eleitoral, existem as legislações penal e cível, que podem ser avocadas por quem se achar injustiçado. Ademais, vale lembrar que o objeto da arte humorística não é a infâmia ou a injúria, mas a graça, a brincadeira, a descontração, elementos que conduzem as audiências ao universo diversionista. Neste ponto, retorna-se à contradição: quanto mais a sociedade organizada avança em sua luta por igualdade de direitos, mais se expandem as restrições ao universo da locução. Se cada grupamento quiser impor um sistema próprio de regras para determinar o que entende por direitos, acabaremos por ter um arcabouço capenga em torno da defesa social. O escopo da igualdade e da cidadania não se forma a partir de restrições, numa banda, e ganhos corporativos, noutra. A defesa sobre "o que é politicamente correto" soçobra quando gera, em outra esfera, consequências incorretas. Numa sociedade democrática, o direito ao riso não pode ser contido pela defesa da mordaça.
Voltemos ao passado. Antonio Carlos Magalhães, governador da Bahia, perguntou um dia a Jânio: "E aquela história de que o senhor gostava de ver filmes de bangue-bangue nas madrugadas de Brasília para aliviar as tensões do governo, é verdade?" Jânio respondeu: "É verdade, ficava até as 3 da manhã. Papapapapa... para ter a sensação de estar matando parlamentares." Hoje, uma história assim seria impensável. Nem mesmo o idolatrado Lula, um contador de causos, teria coragem de fazer tal analogia.
P. S.: A decisão do ministro Carlos Ayres Britto, do STF, de suspender a proibição do humor na eleição merece aplausos. Aguardemos o exame do mérito do caso em plenário.
JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO 

VAZIO

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

BB quer mais agência em cidade pequena e no exterior
MARIA CRISTINA FRIAS 

FOLHA DE SÃO PAULO - 29/08/10

O presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, quer que a instituição esteja presente em praticamente todos os municípios brasileiros, não apenas com correspondentes bancários. 
Para isso implantará 2.550 agências complementares aos correspondentes que existem em pequenos municípios, em até quatro anos. Até o final de 2011, serão 600 agências que vão oferecer crédito e orientação financeira para investimentos. 
O banco também se debruça sobre o crédito a universitários. A partir de amanhã, o BB vai passar a ser agente do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), que era exclusivo da Caixa. 
Ainda que afirme que a Caixa é que tem a expertise para ser a primeira em crédito imobiliário, Bendine vai focar ainda mais o segmento. O BB estuda uma joint venture com uma incorporadora. 
O projeto de criar outros braços no exterior segue forte. Bendine planeja comprar ao menos dois bancos nos EUA e associar-se a instituições na América Latina. 


Mais agências 
Estamos em 3.070 dos 5.565 municípios com correspondentes bancários, que dão assistência em pagamentos e recebimentos. Mas não oferecem crédito, educação financeira para que a pessoa possa fazer finaciamento de forma planejada, para melhorar de vida. Vamos atrelar ao correspondente um atendimento que contará com um gerente e um funcionário, pelo menos. Em até quatro anos, teremos 2.550 agências. Até o fim de 2011, 600. Em média, será um custo em despesas administrativas de cerca de R$ 500 mil ao ano em cada agência. Terão de gerar receita para cobri-los. 

Crédito universitário 
A partir de amanhã, o BB será agente do Fies que dá financiamento a universitários em instituições particulares, a juros de 3,4% ao ano. O prazo para pagar é de três vezes o do curso, mais um ano e um ano e meio de carência. Se depois de formado o aluno trabalhar cem meses como médico no SUS ou como professor da rede pública, não pagará o financiamento porque haverá abatimento de 1% da dívida a cada mês trabalhado. A inadimplência é alta nas mensalidades. Só vai valer para cursos que tenham nota 3 no Enade (que mede a qualidade de cursos). 

Incorporadora 
Vamos fazer uma joint venture com uma grande incorporadora, que receberá recursos do banco para fornecer crédito imobiliário em todo o ciclo. O BB terá direito de preferência para análise e concessão de crédito. Já temos carteira de R$ 2 bilhões, estamos no quinto lugar, e disputaremos a segunda posição. O primeiro lugar é da Caixa, pela expertise adquirida. 

Bancos nos EUA 
Por que uma estratégia diferente de outros bancos? A internacionalização do banco é para o longo prazo. Dada a relevância de grandes empresas no exterior, se nos compararmos a grandes bancos que são mundiais, temos de aumentar a escala. Em cinco anos, o país vai ficar pequeno. Estamos preparando o banco lá fora. Em até dez anos, a rentabilidade lá representará 10 %. Outros bancos estão se movendo também. Vamos continuar nesse papel de líder. O banco tem sido agressivo, mas com estratégia prudente e eficiência na expansão. Não há sangria desatada para compra, depende de preço. Nosso consultor recomendou 17 bancos nos EUA, vamos analisar e escolher pelo menos dois. 

Mercado chinês 
Estamos de olho, em negociação com o governo da China. Queremos transformar nossos escritórios em agências, mas há dificuldades com a legislação que não permite a estrangeiros negociação no interbancário em moeda local. 

América Latina 
No Chile, devemos nos unir a outra instituição local, comprar parte do capital. O país é mais maduro, não há possibilidade de um crescimento muito rápido. Estamos olhando também em outros locais, no Uruguai e no Peru. 

Exportações brasileiras de flores e plantas patinam 

As exportações brasileiras de flores e plantas estão estagnadas. O Brasil vendeu ao exterior US$ 14,3 milhões no primeiro semestre, valor praticamente igual ao do mesmo período do ano passado.
No segmento de flores de corte, como rosas e gérberas, o mais afetado, as vendas fecharam o semestre em US$ 437 mil, 51% abaixo de igual período de 2009. "Não há sinal de recuperação no curto prazo", diz Antonio Junqueira, da consultoria Hórtica, que fez o estudo. 
Falta de investimento e câmbio são os principais fatores que impedem o avanço, segundo Kees Schoenmaker, do Ibraflor. "Não conseguimos competir com países que têm clima mais favorável e estão mais próximos de mercados compradores", diz. 
Hoje, o Brasil exporta bulbos e mudas, para EUA, Portugal e Espanha. Para Junqueira, a queda se deve à crise nos importadores. 

Paradeiro A nova fábrica da Caterpillar no Brasil deve ser instalada no município de Rio das Pedras, próximo a Piracicaba (onde a empresa já mantém uma planta), segundo o sindicato dos metalúrgicos da cidade. A companhia anunciará o local de instalação na próxima quarta. 

Café ecológico A Abic (Associação Brasileira da Indústria do Café) acaba de lançar uma calculadora para contagem das emissões de CO2. O produto identifica o volume do gás emitido e sugere estratégias de compensação. 

O QUE ESTOU LENDO 

Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Bradesco 

"Estou acabando de ler "Grandes Decisões sobre Pessoas" (ed. DVS, 340 págs.), de Claudio Aráoz", diz Luiz Carlos Trabuco Cappi, do Bradesco. "É sobre o ato de decidir, colocar na prática aquilo que, às vezes, são apenas intenções, tendo como princípio o fato de que as empresas dependem totalmente de pessoas, independentemente do grau de informatização, descentralização, até de terceirização." 

O executivo já começou a ler também "Em Busca da Memória" (ed. Companhia das Letras, 552 págs), de Eric Kandel, prêmio Nobel de Medicina. "Kandel ajudou a construir uma nova ciência da mente para entender o mecanismo que nos permite lembrar e reter as experiências", conta. "O livro é também uma autobiografia sobre como nasceu sua paixão pela neurociência."