segunda-feira, maio 08, 2017

Algo mais na agenda econômica - RAUL VELLOSO

O Globo - 08/05

Muitos perguntam como a reforma da Previdência, que acaba de passar na comissão especial da Câmara dos Deputados, pode ser boa para os mais pobres, como vive repetindo o governo, se ela retira direitos de todos. Com efeito, a Constituição de 1988 mandou que os direitos previdenciários fossem ampliados significativamente, daí o forte crescimento dos gastos nos últimos anos, e até aumentou fortemente as receitas cativas da área conhecida como “social”. Tanto assim que o discurso mais comum entre os porta-vozes do movimento antirreforma é de que não existe déficit algum na Previdência Social, pois a receita foi ampliada. O problema é que a mesma Constituição também enfatizou — e mandou pagar com o mesmo suborçamento cativo — maiores gastos em saúde (um direito de todos) e assistência social, caso em que, em relação ao PIB, se gasta bem mais que a média do mundo emergente, e talvez até mesmo em comparação com Europa e Estados Unidos. Assim, na hora de fechar a conta, o cobertor fica bem curto.

Esse problema tende a piorar rapidamente, por um fenômeno pouco percebido, que é o processo de rápido envelhecimento da população brasileira. Dentro de uns 30 ou 40 anos, conforme estimativas da ONU, o percentual de idosos do Brasil superará o da Europa e dos Estados Unidos. Assim, haverá bem mais idosos relativamente aos que contribuem, o que tornará o sistema ainda menos sustentável.

Nesses termos, se não houver reforma, o gasto, medido em porcentagem do PIB, dobrará até 2060, segundo cálculos da equipe de Marcelo Caetano, o “papa” no assunto, o que teria de ser financiado por impostos, algo impossível diante da alta carga tributária que já temos, ou via emissão monetária, o que levaria à volta da hiperinflação, e tudo de ruim que isso implica, inclusive por prejudicar particularmente os mais pobres. Só que convencer a população desse tipo de coisa é tarefa muito difícil, especialmente para um governo com a baixa popularidade do atual.

No meio de tudo isso, têm crescido fortemente as pressões antirreforma de parte de vários segmentos afetados, levando a sucessivas alterações da proposta original, atenuando seus efeitos.

Nesse sentido, o maior problema enfrentado pelo governo no momento é convencer os mercados financiadores da dívida pública de que as crescentes alterações na proposta não a terão desfigurado demasiadamente no final da votação, que muitos ainda estimam vitoriosa para o governo, a exemplo do que acaba de se ver na comissão especial.

Ao refazer sua estratégia de ação nesse assunto, Temer deveria ter conclamado a ajuda dos governadores, aliados naturais na difícil tarefa de equacionar os gigantescos déficits previdenciários de todos os regimes e que possuem óbvia influência sobre as respectivas bancadas, de forma mais enfática. Em troca, poderia ajudá-los a financiar os gigantescos déficits de caixa decorrentes da pior recessão de nossa história, adiantando recursos da venda de ativos e outros recebíveis direcionados para os fundos próprios de pensão.

No XXIX Fórum Nacional, em 18 e 19 de maio, (veja em inae.org.br), que contará com o apoio de sempre do BNDES, palco habitual dos debates mais importantes sobre o futuro do país, discutirei com vários painelistas destacados tanto a questão macroeconômica, em que o tema previdência se destacará naturalmente com o depoimento de Marcelo Caetano, como dois temas básicos do momento, a crise financeira estadual e a crise da infraestrutura, que, por último, passaram a ocupar papel de destaque no debate nacional.

Sem desmerecer o importante papel dos demais participantes, cuja lista completa seria impossível incluir aqui, lá estará o senador Ricardo Ferraço, que acaba de assumir a condução do processo de votação da essencial reforma trabalhista no Senado Federal. Contaremos também com outros líderes de peso, como Marcos Cintra (Finep) e Afif Domingos (Sebrae), que discutirão os rumos do país do ponto de vista de suas áreas de atuação (tecnologia e pequena empresa).

O presidente Rodrigo Maia, da Câmara, presidirá o painel sobre a crise dos estados, na presença dos governadores talvez mais importantes do país, enquanto o ministro Bruno Dantas, responsável pela área no TCU, acompanhado do secretário Adalberto Vasconcelos, do PPI, coordenará o debate dos temas relacionados com as agruras da infraestrutura brasileira.

Nesse particular, deixo para debater no Fórum a aprovação da Medida Provisória 752, que acaba de ser anunciada, e que poderia ter encaminhado uma solução adequada para as concessões rodoviárias que foram abaladas pela maior recessão da história do país, em curso, mas que, na última hora, foi desfigurada no processo de aprovação no Congresso Nacional.

Concluo destacando que as reformas estruturais são obviamente prioritárias e deveriam merecer toda a atenção da classe política, mas questões relevantes como as que citei acima não podem ficar de fora do debate nacional e da busca de soluções cada vez mais urgentes para problemas cruciais do país.

Lição não aprendida - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 08/05


Políticas irrealistas de imposição de compras no mercado interno geram uma série de distorções


Usar o mercado interno, as grandes encomendas de equipamentos por parte de empresas estatais, por exemplo, a fim de atrair para o país fabricantes de bens de capital ou do que seja é um mecanismo tentador de indução ao desenvolvimento. Já foi usado alguma vezes no Brasil, mas com previsíveis resultados negativos para a sociedade. Esta sempre paga um preço em forma de inflação, quando se executam políticas protecionistas, e arca com desperdício de bilhões em impostos, transferidos para esses programas de substituição de importações.

Em governos da ditadura militar, houve um programa específico para estaleiros equiparem frotas brasileiras. Lançou-se, também, outro ambicioso plano, este para substituir importações de equipamentos e insumos básicos (fertilizantes, petroquímicos em geral). Foi instalada uma capacidade produtiva a um custo nunca contabilizado ao certo — mesmo porque a inflação embaralhou os números. Mas se sabe que foi alto. No final, como no caso dos estaleiros, empresas quebraram e/ou terminaram adquiridas por outros grupos, inclusive estrangeiros.

Já existiam, àquela época, os “campeões nacionais”, termo usado nos governos de Lula e Dilma ao tentarem o mesmo que os generais Médici e Geisel, obtendo idêntico resultado negativo.

Nas gestões lulopetistas, contaminadas pelo nacional-populismo de esquerda, tentou-se o mesmo que na ditadura dos generais de direita: sem maiores preocupações com os custos, injetaram-se bilhões, via BNDES, principalmente para dar musculatura a empresários bem-vistos em Brasília. Quando ainda havia financiamento eleitoral por pessoas jurídicas, esses “campeões” estavam nos primeiros lugares das listas de doadores de campanha. Por qualquer tipo de caixa, um ou dois.

Um dos aspectos comuns a estas experiências voluntariosas de “política industrial” é a tentativa de produzir no país, com elevados índices de nacionalização, equipamentos que requerem, além de tecnologia, mão de obra muito especializada. Dois pontos fracos do Brasil.

Em si, é política sensata incentivar o fornecimento interno de componentes, matérias-primas etc. a grandes projetos de investimentos. Porém, com o pé no chão, sem deixar que delírios ideológicos prejudiquem qualquer programa neste sentido.

Nas delações da Odebrecht, destaca-se um trecho em que Marcelo, principal executivo da empreiteira, considera uma “burrice” esta política, imposta por Lula e Dilma à Petrobras. Afinal, argumenta o empresário, desejavam um índice de nacionalização na faixa de 60% nas plataformas que seriam encomendadas pela malfadada Sete Brasil, quando o país líder no fornecimento dessas sondas, a Coreia do Sul, usa apenas 35% de componentes internos. O resultado foram aumentos de custos que cairiam sobre uma já combalida Petrobras, sob saque do esquema do petrolão. Mais uma vez o voluntarismo não deu certo. Mesmo assim, não é certo que partidos e políticos tenham aprendido a lição.

Quem será julgado - RICARDO NOBLAT

O Globo - 08/05

“Se eles não me prenderem logo, quem sabe um dia eu mande prendê-los por mentira” LULA, ex-presidente


Eike Batista está pronto para delatar Lula. Mas Antonio Palocci deverá fazê-lo antes. Na semana passada foi Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, quem delatou o ex-presidente. Nas anteriores, Léo Pinheiro, sócio da OAS, e João Santana, o marqueteiro da campanha de Lula à reeleição em 2006 e das campanhas de Dilma em 2010 e 2014. Apesar disso, Lula se exibe por aí como vítima de uma suposta conspiração.

DÁ PARA ACREDITAR que todas essas pessoas, estreitamente ligadas a Lula, amigas dele de muito tempo ou parceiras, tenham decidido entregá-lo como único meio possível de escapar dos rigores da Lava-Jato? Sem falar de tantas outras que também o apontaram como o poderoso chefão da organização criminosa que tentou se apoderar do aparelho do Estado via mensalão e, depois, via o assalto à Petrobras.

LULA ERA O CHEFE, contou o ex-senador Delcídio do Amaral (PT-MS), que a pedido dele tentou subornar Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, para que não delatasse. Lula era o chefe, e Palocci, o administrador de suas propinas, disseram Emílio e Marcelo Odebrecht. Sem a participação direta de Lula, nada do que hoje se conhece poderia ter acontecido, escreveu Rodrigo Janot, procurador-geral da República.

COMO TERIA SIDO POSSÍVEL a toda essa gente presa em Curitiba, em casa ou ainda solta, combinar relatos que se encaixam quase à perfeição e forjar provas sabendo que a mentira lhe custará mais dolorosos anos de cadeia? Lula já virou réu em cinco ações penais, acusado de crimes de corrupção (17 vezes), lavagem de dinheiro (211 vezes), tráfico de influência (quatro vezes) e obstrução da Justiça (uma vez).

SERIA ABSURDO IMAGINAR que todas as acusações estarão provadas. Mas igualmente absurdo seria imaginar o contrário — que todas ruirão. Basta que uma, apenas uma, se sustente para que Lula seja condenado em breve pelo juiz Sérgio Moro e, mais adiante acabe preso e impedido de disputar as eleições do próximo ano por decisão da segunda instância da Justiça. Sim, sempre haverá o Supremo Tribunal Federal…

QUEM ESTÁ EM JULGAMENTO não é o retirante da seca nordestina, filho de mãe analfabeta, que sobreviveu à miséria, perdeu um dedo no torno mecânico, comandou greves no interior paulista, fundou o Partido dos Trabalhadores e se elegeu presidente da República, o primeiro de origem operária da história do Brasil. Muito menos o pai dos pobres e mãe dos ricos que deixou a Presidência com quase 90% de aprovação.

EM JULGAMENTO ESTÁ aquele que cooptou e foi cooptado pelas elites criminosas, chegou ao poder como a alma mais honesta do país, e uma vez lá, valeu-se de recursos ilícitos para governar e enriquecer. Com uma diferença crucial em relação aos que o antecederam: promoveu a corrupção à categoria de política de Estado. Distribuiu migalhas aos pobres. Atentou gravemente contra a democracia.

POR TODA PARTE, A democracia sempre foi e sempre será uma obra inacabada. Aqui, ela mal nasceu ou renasceu mal. Que democracia é essa em que políticos corrompem e se deixam corromper, em que se compra com dinheiro vivo o apoio de partidos, em que se desvia dinheiro público em prejuízo de melhores condições de vida para os mais pobres e em que uma Justiça de classes serve de preferência aos que podem mais? Ai das togas!

ASSIM COMO DILMA FOI julgada no processo do impeachment pelo conjunto de sua obra e não só pelas pedaladas fiscais que cometeu, também Lula o será.

A noção petista de democracia - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 08/05

Petistas consideram o governo do presidente Michel Temer uma "ditadura", mas são capazes de defender a ditadura - sem aspas - de Nicolás Maduro na Venezuela



Para os petistas, o Brasil vive hoje em pleno estado de exceção. Não há dúvida, segundo a versão petista dos fatos, de que Dilma Rousseff foi vítima de um “golpe” que a tirou da Presidência da República. Também não há dúvida, para essa turma, de que o grande líder petista, Lula da Silva, é um perseguido político e corre o risco de ser condenado à prisão pelo “crime” de ter governado “para os pobres”. Não faltam nem os que consideram o governo do presidente Michel Temer uma “ditadura”.

Enquanto isso, esses mesmos petistas são capazes de defender a ditadura – sem aspas – de Nicolás Maduro na Venezuela. A embaixada venezuelana no Brasil divulgou recentemente uma série de vídeos em seu canal no YouTube nos quais três deputados do PT manifestam apoio a Maduro no momento em que este reprime violentamente manifestações de oposição ao regime bolivariano – mais de 20 pessoas já foram mortas.

Um dos deputados é Paulo Pimenta (RS), que, em sua página no Facebook, já se referiu ao governo Temer como “ditadura”. No vídeo, o parlamentar diz: “Estamos juntos com o povo da Venezuela. A luta pela sua soberania, pelo direito de escolher e construir o seu futuro... Resistam contra o avanço da direita fascista! Vamos às ruas em defesa do projeto da revolução bolivariana! Contem conosco, estamos juntos nessa luta”.

Outro que aparece para prestar “a mais alta solidariedade ao povo da Venezuela e ao governo popular da Venezuela de Maduro” é o deputado petista João Daniel (SE). Segundo ele, “há um terrorismo na América Latina, financiado pelo imperialismo, para derrubar os governos populares”. Foi o que aconteceu também no Brasil, de acordo com o parlamentar. Por esse motivo, acrescentou, “a luta em defesa do governo da Venezuela pertence a todo o povo latino-americano”.

Por fim, o líder do PT na Câmara, deputado Carlos Zarattini – que no dia do impeachment de Dilma Rousseff, há um ano, pediu a mobilização dos brasileiros contra a tentativa de “implantar uma ditadura civil” no País –, gravou mensagem em que diz que o “governo popular” de Maduro é vítima de “uma estratégia de desestabilização”. Segundo Zarattini, o desabastecimento, a inflação e a profunda crise social que afetam a Venezuela, causando até mesmo fome, são provocados pelas “forças reacionárias”, cujo objetivo seria “instalar o caos para que, a partir disso, o povo clame por uma solução de força”. Por esse motivo, disse o deputado, “o povo venezuelano está certo em lutar fortemente para defender o que é seu e o seu governo”.

Nem se deve perder tempo tentando argumentar contra tão rematados despautérios, inspirados no despudor de Lula da Silva, que um dia declarou que a Venezuela chavista tem “excesso de democracia”. Mas é particularmente grave que detentores de mandato parlamentar no Brasil, que se dizem defensores da democracia, venham a público manifestar solidariedade ao governo de um país vizinho que está claramente violando os mais básicos direitos dos cidadãos.

Depois de ter arruinado economicamente a Venezuela, Nicolás Maduro hoje nada faz a não ser estimular um confronto civil no seu país. Não contente em reprimir protestos e prender centenas de opositores, anunciou que pretende armar milhares de milicianos para “defender a soberania nacional” contra o “imperialismo” – que, como sempre, está por trás de tudo. Aproxima-se rapidamente de um ponto do qual dificilmente se retorna sem um banho de sangue, razão pela qual qualquer apoio a Maduro, hoje, é irresponsável.

Nos tempos da diplomacia lulopetista, ditadores como Maduro eram tratados como queridos companheiros, pela simples razão de que se opunham aos Estados Unidos. Essa atitude típica de grêmio estudantil felizmente foi abandonada no Brasil e na Argentina, deixando Maduro mais isolado do que nunca, salvo apenas pelo apoio dos que, como os solidários deputados petistas, consideram que democracia e direitos humanos são conceitos válidos somente para quem é da patota.