Folha de S. Paulo - 10/07
Não será surpresa se, ao se decretar 'recuperado', ele zombar dos que lhe desejaram saúde
Alguns leitores perceberam que há meses não me refiro ao ocupante do Planalto como “Presidente Jair Bolsonaro”. Trato-o como Jair Bolsonaro e dispenso-me do “Sr.” —afinal, ele não se comporta como tal. Basta-me ser compulsoriamente presidido por ele, o que já é suficiente para asco, e isso não implica ter votado ou não em seu adversário —porque há 31 anos não voto em ninguém. A última vez foi no primeiro turno da eleição presidencial de 1989, e meu candidato não chegou ao segundo turno. Antes que me perguntem, informo que não foi o Enéas, embora, se eleito, ele não seria tão nefasto quanto o elemento que hoje dita a destruição do Brasil.
Da mesma forma, ao me referir aos filhos de Bolsonaro, não me ocorre fazer como alguns colegas e tratar um deles, Carlos, por “Carlucho”. É um apelido benigno demais para indivíduo tão perigoso —o mais perigoso dos três que, em nome do pai, controlam o ministério, inspiram a operação das fake news, conspiram contra as instituições, falam grosso com o Exército e comandam o país a partir do porão. O nome “Carlucho” sugere algo vindo da infância e é difícil imaginar os filhos de Bolsonaro tendo infância.
A suposta contaminação de Bolsonaro pela Covid provocou manifestações de “direito à vida” e “pronto restabelecimento” até por seus críticos —mesmo que, no passado, ele tenha expelido votos de infarto e câncer para seus adversários políticos. E que, no próprio dia em que se declarou infectado, tenha debochado da doença, induzido milhões de pessoas a consumir um remédio inapropriado e, num ato de estudada crueldade, negado água potável e proteção às populações indígenas.
Bolsonaro é o primeiro a não querer despertar compaixão. Para ele, assim como o uso da máscara, isso deve ser “coisa de viado”.
Não será surpresa se, ao se decretar “recuperado”, Bolsonaro zombar dos que lhe desejaram saúde.
Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
sexta-feira, julho 10, 2020
Casal Queiroz: "amor à primeira vista" de Bolsonaro é hétero. E heterodoxo! - REINALDO AZEVEDO
UOL - 10/07
João Otávio de Noronha, presidente do STJ: ministro concede domiciliar a foragida para que ela possa cuidar do marido. Isso é que é ser um defensor da família tradicional!
Não consta que o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), João Otávio de Noronha, seja "terrivelmente evangélico", uma condição que o presidente Jair Bolsonaro andou anunciando como requisito para indicar um nome para o Supremo. Pode não ser necessário. Talvez baste ser terrivelmente..., bem, como dizer?, "terrivelmente heterodoxo".
O presidente já definiu sua relação com o ministro como "amor à primeira vista" — hétero, é claro! Foi o doutor quem decidiu, em passado recente, que o "Mito" não era obrigado a revelar o seu exame para detecção do coronavírus, embora andasse por aí sem máscara... Desta feita, Noronha optou por uma inovação que, a ser mantida, espero que venha, então, a firmar jurisprudência também para pobres e pretos que não sejam amigos do presidente da República.
Explico. No exercício do plantão do STJ, no recesso do Judiciário, Noronha atendeu a pedido da defesa e transferiu Fabrício Queiroz, com prisão preventiva decretada, para a prisão domiciliar. A justificativa é de caráter, vamos dizer, humanitário. Dadas as condições de saúde do preso, que se trata de um câncer, e em face da pandemia de coronavírus, mandou o primeiro-amigo do presidente e das milícias para casa. Até aí, vá lá, dá para condescender. Mas o doutor foi mais longe: também concedeu o benefício da prisão domiciliar para Márcia Aguiar, mulher de Queiroz. Ocorre que ela é uma foragida.
Na noite desta quinta, antes de saber a que fundamentação apelara Noronha para tomar a decisão, brinquei no programa "O É da Coisa", da BandNews FM: "Que é? O Fabrício está indo para a domiciliar porque está doente. E a mulher? É para cuidar dele?"
No Brasil destes tempos, a verdade quase sempre está com a ironia, com o humor, com a piada. Sim, a razão alegada para relaxar o regime de prisão de uma foragida foi exatamente esta: "por se presumir que sua presença ao lado dele [do marido] seja recomendável para lhe dispensar as atenções necessárias".
Ministro fofo! Defende o amor, a tradição e a família.
A prova de que Queiroz não precisa da mulher para obter os devidos cuidados está numa mensagem publicada nas redes por uma de suas filhas, Nathalia:
"Estou indo te buscar, meu pai! E você vai ter o abraço de todos os seus filhos que estão cheios de saudades e tanto te amam e sabe o homem incrível que você é!".
Para Noronha, pelo visto, não basta!
HETERODOXIA
É claro que estamos diante de uma, digamos, heterodoxia, para empregar palavra elegante. Creiam: se Noronha tivesse posto Fabrício em liberdade, suspendendo a preventiva de ambos, a decisão seria menos exótica. Afinal, o ministro poderia discordar das razões da preventiva -- embora eu ache que os requisitos estão presentes.
Se é admissível a razão humanitária para enviar Fabrício para a domiciliar, estender o benefício à mulher, uma foragida, sob o pretexto de que tem de cuidar do marido doente, é puro exercício do direito criativo. Se fugir é uma das alternativas que tem alguém com prisão decretada — e, uma vez capturado, não vejo por que se deva agravar a sua condição —, é certo que não faz sentido conceder um benefício a quem se negou a cumprir uma determinação judicial. Não se entregar, em si, não é crime, e não há por que haver punição adicional. Premiar a fuga é de trincar catedrais!
A propósito: quantos são os pobres de tão pretos e pretos de tão pobres no Brasil que, neste momento, estão em prisão preventiva, tendo em casa filhos, mães e mulheres doentes, em situação de necessidade e que, à diferença de Fabrício ou de Márcia, não são investigados pela Polícia nem foragidos?
CONDIÇÕES
Noronha, o amor à primeira vista de Bolsonaro, impôs algumas condições para a prisão domiciliar de Fabrício e mulher:
- uso de tornozeleira eletrônica;
- não manter contato com investigados, exceto pessoas da família;
- não usar telefone e entregar aparelhos de celular, laptops e tablets.
TAPETÃO
É a segunda decisão favorável dada pelos tapetões da Justiça ao, digamos, grupo que reúne Flávio e Fabrício. No último dia 25, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio aceitou, por dois votos a um, pedido de habeas corpus de Flávio e concedeu a ele foro especial.
Com a decisão, o processo que investiga a "rachadinha" no gabinete do agora senador migrou das mãos do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, para o Órgão Especial do TJ, colegiado composto por 25 desembargadores.
A decisão contraria frontalmente jurisprudência do Supremo. Entendo que não há possibilidade de o caso não voltar para as mãos de Itabaiana.
ENCERRO
A decisão de Noronha traz um outro elemento oculto a indicar atrasos diversos e combinados. O ministro nem se ateve a Márcia Aguiar como sujeito de direitos e deveres. Ela é um apêndice do marido. Parece que, não fosse a condição de saúde dele, que o ministro entende passível de domiciliar, ela não obteria o benefício.
Nessa perspectiva, até como ser à margem da lei, a mulher há de ser tratada como apêndice e cuidadora do marido.
E Bolsonaro? Vamos ver. Ele só descobriu a democracia como um valor depois que Fabrício foi preso. Sentiu a batata assar, como se diz em Dois Córregos. Se achar que o amigão e o filho vão se safar de uma punição, talvez seu apreço pelas instituições volte a cair.
João Otávio de Noronha, presidente do STJ: ministro concede domiciliar a foragida para que ela possa cuidar do marido. Isso é que é ser um defensor da família tradicional!
Não consta que o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), João Otávio de Noronha, seja "terrivelmente evangélico", uma condição que o presidente Jair Bolsonaro andou anunciando como requisito para indicar um nome para o Supremo. Pode não ser necessário. Talvez baste ser terrivelmente..., bem, como dizer?, "terrivelmente heterodoxo".
O presidente já definiu sua relação com o ministro como "amor à primeira vista" — hétero, é claro! Foi o doutor quem decidiu, em passado recente, que o "Mito" não era obrigado a revelar o seu exame para detecção do coronavírus, embora andasse por aí sem máscara... Desta feita, Noronha optou por uma inovação que, a ser mantida, espero que venha, então, a firmar jurisprudência também para pobres e pretos que não sejam amigos do presidente da República.
Explico. No exercício do plantão do STJ, no recesso do Judiciário, Noronha atendeu a pedido da defesa e transferiu Fabrício Queiroz, com prisão preventiva decretada, para a prisão domiciliar. A justificativa é de caráter, vamos dizer, humanitário. Dadas as condições de saúde do preso, que se trata de um câncer, e em face da pandemia de coronavírus, mandou o primeiro-amigo do presidente e das milícias para casa. Até aí, vá lá, dá para condescender. Mas o doutor foi mais longe: também concedeu o benefício da prisão domiciliar para Márcia Aguiar, mulher de Queiroz. Ocorre que ela é uma foragida.
Na noite desta quinta, antes de saber a que fundamentação apelara Noronha para tomar a decisão, brinquei no programa "O É da Coisa", da BandNews FM: "Que é? O Fabrício está indo para a domiciliar porque está doente. E a mulher? É para cuidar dele?"
No Brasil destes tempos, a verdade quase sempre está com a ironia, com o humor, com a piada. Sim, a razão alegada para relaxar o regime de prisão de uma foragida foi exatamente esta: "por se presumir que sua presença ao lado dele [do marido] seja recomendável para lhe dispensar as atenções necessárias".
Ministro fofo! Defende o amor, a tradição e a família.
A prova de que Queiroz não precisa da mulher para obter os devidos cuidados está numa mensagem publicada nas redes por uma de suas filhas, Nathalia:
"Estou indo te buscar, meu pai! E você vai ter o abraço de todos os seus filhos que estão cheios de saudades e tanto te amam e sabe o homem incrível que você é!".
Para Noronha, pelo visto, não basta!
HETERODOXIA
É claro que estamos diante de uma, digamos, heterodoxia, para empregar palavra elegante. Creiam: se Noronha tivesse posto Fabrício em liberdade, suspendendo a preventiva de ambos, a decisão seria menos exótica. Afinal, o ministro poderia discordar das razões da preventiva -- embora eu ache que os requisitos estão presentes.
Se é admissível a razão humanitária para enviar Fabrício para a domiciliar, estender o benefício à mulher, uma foragida, sob o pretexto de que tem de cuidar do marido doente, é puro exercício do direito criativo. Se fugir é uma das alternativas que tem alguém com prisão decretada — e, uma vez capturado, não vejo por que se deva agravar a sua condição —, é certo que não faz sentido conceder um benefício a quem se negou a cumprir uma determinação judicial. Não se entregar, em si, não é crime, e não há por que haver punição adicional. Premiar a fuga é de trincar catedrais!
A propósito: quantos são os pobres de tão pretos e pretos de tão pobres no Brasil que, neste momento, estão em prisão preventiva, tendo em casa filhos, mães e mulheres doentes, em situação de necessidade e que, à diferença de Fabrício ou de Márcia, não são investigados pela Polícia nem foragidos?
CONDIÇÕES
Noronha, o amor à primeira vista de Bolsonaro, impôs algumas condições para a prisão domiciliar de Fabrício e mulher:
- uso de tornozeleira eletrônica;
- não manter contato com investigados, exceto pessoas da família;
- não usar telefone e entregar aparelhos de celular, laptops e tablets.
TAPETÃO
É a segunda decisão favorável dada pelos tapetões da Justiça ao, digamos, grupo que reúne Flávio e Fabrício. No último dia 25, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio aceitou, por dois votos a um, pedido de habeas corpus de Flávio e concedeu a ele foro especial.
Com a decisão, o processo que investiga a "rachadinha" no gabinete do agora senador migrou das mãos do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, para o Órgão Especial do TJ, colegiado composto por 25 desembargadores.
A decisão contraria frontalmente jurisprudência do Supremo. Entendo que não há possibilidade de o caso não voltar para as mãos de Itabaiana.
ENCERRO
A decisão de Noronha traz um outro elemento oculto a indicar atrasos diversos e combinados. O ministro nem se ateve a Márcia Aguiar como sujeito de direitos e deveres. Ela é um apêndice do marido. Parece que, não fosse a condição de saúde dele, que o ministro entende passível de domiciliar, ela não obteria o benefício.
Nessa perspectiva, até como ser à margem da lei, a mulher há de ser tratada como apêndice e cuidadora do marido.
E Bolsonaro? Vamos ver. Ele só descobriu a democracia como um valor depois que Fabrício foi preso. Sentiu a batata assar, como se diz em Dois Córregos. Se achar que o amigão e o filho vão se safar de uma punição, talvez seu apreço pelas instituições volte a cair.
Elite empresarial aperta Bolsonaro para conter descaso ambiental - BRUNO BOGHOSSIAN
FOLHA DE SP - 10/07
Produtores viram a boiada passar por 18 meses e agora cobram preço alto do governo
Na campanha de 2018, o empresariado deu um cheque em branco a Jair Bolsonaro. Durante um encontro com presidenciáveis daquele ano, um representante do lobby da construção civil reclamou que as leis de preservação da natureza eram "uma parafernália". Sob aplausos, o candidato prometeu "vencer os problemas ambientais" se fosse eleito.
Nenhum patrão pode se dizer surpreso com as ações do governo nessa área. Os produtores sabiam que a devastação prejudicaria a reputação do Brasil e faria mal aos negócios. Ainda assim, eles preferiram apostar num presidente que queria afrouxar restrições e carregava um ministro ultraliberal como amuleto.
Um ano e meio depois, essa parceria passou a ameaçar o caixa das empresas. Em junho, investidores que administram mais de R$ 20 trilhões avisaram que podem retirar seus ativos do país se não houver medidas sérias contra o desmatamento.
Apesar do alerta, auxiliares de Bolsonaro fizeram pouco caso. Em vez de trabalhar contra a destruição, decidiram tratar o problema como uma questão de marketing. Culparam a imprensa e planejaram gastar dinheiro em propaganda no exterior.
O governo só se mexeu depois que empresários de peso emparedaram publicamente o Palácio do Planalto. Numa carta ao vice-presidente, Hamilton Mourão, 38 executivos cobraram medidas concretas para frear o desmatamento e as queimadas.
No grupo estão integrantes do agronegócio, de mineradoras e de outros setores. Alguns aplaudiram a eleição de Bolsonaro e sua política ambiental. Agora, dizem ter dificuldade de entrar em mercados estrangeiros por causa da devastação.
Para responder, o governo anunciou a proibição de queimadas por 120 dias. Também pediu dinheiro a investidores para ampliar a preservação, embora o Ministério do Meio Ambiente tenha destruído um fundo bilionário que tinha esse propósito.
A elite empresarial viu a boiada passar por 18 meses, até perceber o custo do descaso. Agora, o preço para Bolsonaro também pode ser alto.
Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).
Produtores viram a boiada passar por 18 meses e agora cobram preço alto do governo
Na campanha de 2018, o empresariado deu um cheque em branco a Jair Bolsonaro. Durante um encontro com presidenciáveis daquele ano, um representante do lobby da construção civil reclamou que as leis de preservação da natureza eram "uma parafernália". Sob aplausos, o candidato prometeu "vencer os problemas ambientais" se fosse eleito.
Nenhum patrão pode se dizer surpreso com as ações do governo nessa área. Os produtores sabiam que a devastação prejudicaria a reputação do Brasil e faria mal aos negócios. Ainda assim, eles preferiram apostar num presidente que queria afrouxar restrições e carregava um ministro ultraliberal como amuleto.
Um ano e meio depois, essa parceria passou a ameaçar o caixa das empresas. Em junho, investidores que administram mais de R$ 20 trilhões avisaram que podem retirar seus ativos do país se não houver medidas sérias contra o desmatamento.
Apesar do alerta, auxiliares de Bolsonaro fizeram pouco caso. Em vez de trabalhar contra a destruição, decidiram tratar o problema como uma questão de marketing. Culparam a imprensa e planejaram gastar dinheiro em propaganda no exterior.
O governo só se mexeu depois que empresários de peso emparedaram publicamente o Palácio do Planalto. Numa carta ao vice-presidente, Hamilton Mourão, 38 executivos cobraram medidas concretas para frear o desmatamento e as queimadas.
No grupo estão integrantes do agronegócio, de mineradoras e de outros setores. Alguns aplaudiram a eleição de Bolsonaro e sua política ambiental. Agora, dizem ter dificuldade de entrar em mercados estrangeiros por causa da devastação.
Para responder, o governo anunciou a proibição de queimadas por 120 dias. Também pediu dinheiro a investidores para ampliar a preservação, embora o Ministério do Meio Ambiente tenha destruído um fundo bilionário que tinha esse propósito.
A elite empresarial viu a boiada passar por 18 meses, até perceber o custo do descaso. Agora, o preço para Bolsonaro também pode ser alto.
Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).
Um banqueiro caminha na esteira do Brasil - VINICIUS TORRES FREIRE
Folha de S. Paulo - 10/07
País precisa de governança e trocar gasto ruim por saúde e investimento, diz executivo
A situação é meio desesperadora, mas o país vai ter uma folga de um ano para se organizar, diz o ex-presidente de um grande banco. A contragosto, fala por quarenta minutos enquanto caminha na esteira. Não quer dar entrevista porque não quer se meter na confusão em que está o país.
Que “folga” é essa? A taxa básica de juros deve ficar negativa por uns dois anos, pois a economia está deprimida e as taxas mundiais devem ajudar, também negativas, isso se o país não fizer besteira. O banqueiro refere-se ao fato de que a Selic, definida periodicamente pelo Banco Central, está menor do que a inflação e assim deve ficar pelo menos até fins 2021.
Que “besteira” o país faria? O governo gastar mais. Só isso, basta manter o “teto”? Não, esse é o mínimo, o fundamental (evitar o gasto), para que o país não comece a explodir no ano que vem. O detonador da explosão seria o sinal de que a dívida pública vai continuar a crescer sem limite, o que provocaria alta de juros, do dólar e desorganização geral das expectativas.
Para o banqueiro, algum aumento de imposto será inevitável, no mínimo para financiar algum programa de renda básica, pois “muita gente” vai ficar na pobreza e sem emprego por “muito tempo”. Mas o aumento de imposto financiaria então despesa extra, que está para bater no “teto” constitucional. Não é contraditório? O banqueiro diz então que se pode fazer uma concessão provisória em 2021, como no caso do estado de calamidade deste ano, desde que exista um programa profundo de ajuste fiscal.
No mais é “reforma, reforma, reforma”, rapidamente. Isto é, mudança nos impostos “inacreditáveis”, nas leis de falência e garantias e na regulação do investimento, além de redução “pesada” de gastos com servidores e redução e congelamento dos reajustes da previdência, também nos estados e municípios.
É preciso “trocar o gasto” para o governo investir mais, pois o setor privado sozinho não vai fazer muita obra necessária de infraestrutura, afirma, e porque “está ainda mais claro” que é preciso melhorar o sistema de saúde, evitar destruição ambiental e dinheiro para pesquisa científica e tecnológica. Haveria um “monte de gasto horrorosamente ineficiente” em saúde e educação, mas “talvez” ainda falte mesmo dinheiro.
Quem tocaria tal programa? “Esse é o problema”, diz o banqueiro, para quem o governo não tem capacidade executiva, política ou de coordenação de expectativas. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, “fazia um pouco esse papel, mas não podia tudo, não é presidente”, perdeu força e não pode ser reeleito.
“Melhor não ter impeachment, impeachment nunca é bom, confusão política desse nível é sinal de falta de maturidade e civilidade no país”, mas as “investigações” e a “popularidade” é que definiriam o destino de Jair Bolsonaro. Acha que não acontece nada neste ano, por causa da epidemia, das eleições e da “indefinição dos políticos” de como agir em relação a Bolsonaro.
Se houver processo de impeachment, 2021 estaria “perdido” e sabe-se lá o que pode vir daí. O que fazer, então? O banqueiro diz que não sabe, que não é político. Mas está óbvio, diz, que Bolsonaro precisa mudar “180 graus” e é preciso haver um acordo geral para montar uma “governança” para o país.
E os bancos na crise? Estão “sólidos” e “ajudam no que podem”. Mas bancos emprestam e empresários investem quando acham que o país vai crescer e que não vão ser “espoliados”, “é simples assim, o resto é fantasia".
País precisa de governança e trocar gasto ruim por saúde e investimento, diz executivo
A situação é meio desesperadora, mas o país vai ter uma folga de um ano para se organizar, diz o ex-presidente de um grande banco. A contragosto, fala por quarenta minutos enquanto caminha na esteira. Não quer dar entrevista porque não quer se meter na confusão em que está o país.
Que “folga” é essa? A taxa básica de juros deve ficar negativa por uns dois anos, pois a economia está deprimida e as taxas mundiais devem ajudar, também negativas, isso se o país não fizer besteira. O banqueiro refere-se ao fato de que a Selic, definida periodicamente pelo Banco Central, está menor do que a inflação e assim deve ficar pelo menos até fins 2021.
Que “besteira” o país faria? O governo gastar mais. Só isso, basta manter o “teto”? Não, esse é o mínimo, o fundamental (evitar o gasto), para que o país não comece a explodir no ano que vem. O detonador da explosão seria o sinal de que a dívida pública vai continuar a crescer sem limite, o que provocaria alta de juros, do dólar e desorganização geral das expectativas.
Para o banqueiro, algum aumento de imposto será inevitável, no mínimo para financiar algum programa de renda básica, pois “muita gente” vai ficar na pobreza e sem emprego por “muito tempo”. Mas o aumento de imposto financiaria então despesa extra, que está para bater no “teto” constitucional. Não é contraditório? O banqueiro diz então que se pode fazer uma concessão provisória em 2021, como no caso do estado de calamidade deste ano, desde que exista um programa profundo de ajuste fiscal.
No mais é “reforma, reforma, reforma”, rapidamente. Isto é, mudança nos impostos “inacreditáveis”, nas leis de falência e garantias e na regulação do investimento, além de redução “pesada” de gastos com servidores e redução e congelamento dos reajustes da previdência, também nos estados e municípios.
É preciso “trocar o gasto” para o governo investir mais, pois o setor privado sozinho não vai fazer muita obra necessária de infraestrutura, afirma, e porque “está ainda mais claro” que é preciso melhorar o sistema de saúde, evitar destruição ambiental e dinheiro para pesquisa científica e tecnológica. Haveria um “monte de gasto horrorosamente ineficiente” em saúde e educação, mas “talvez” ainda falte mesmo dinheiro.
Quem tocaria tal programa? “Esse é o problema”, diz o banqueiro, para quem o governo não tem capacidade executiva, política ou de coordenação de expectativas. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, “fazia um pouco esse papel, mas não podia tudo, não é presidente”, perdeu força e não pode ser reeleito.
“Melhor não ter impeachment, impeachment nunca é bom, confusão política desse nível é sinal de falta de maturidade e civilidade no país”, mas as “investigações” e a “popularidade” é que definiriam o destino de Jair Bolsonaro. Acha que não acontece nada neste ano, por causa da epidemia, das eleições e da “indefinição dos políticos” de como agir em relação a Bolsonaro.
Se houver processo de impeachment, 2021 estaria “perdido” e sabe-se lá o que pode vir daí. O que fazer, então? O banqueiro diz que não sabe, que não é político. Mas está óbvio, diz, que Bolsonaro precisa mudar “180 graus” e é preciso haver um acordo geral para montar uma “governança” para o país.
E os bancos na crise? Estão “sólidos” e “ajudam no que podem”. Mas bancos emprestam e empresários investem quando acham que o país vai crescer e que não vão ser “espoliados”, “é simples assim, o resto é fantasia".
Esperando o japonês da Federal - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 10/07
Bolsonaro poderá encrencar-se se ministro conseguir emplacar sua tese
O ministro da Justiça, André Mendonça, diz que pedirá a abertura de um inquérito para que eu seja investigado por violação ao artigo 26 da velha LSN dos tempos dos militares, que imaginávamos já ter ido para a reserva.
Não sei bem o que há a investigar. Acreditava que o texto falasse por si só. Mas vou colaborar, prestando esclarecimentos. O artigo foi escrito na manhã do dia 7/7, num processador Word. Eu me encontrava sobre o deck da piscina sem nenhuma companhia que não a de uma incontrolável matilha de cães. Ah, o computador era um Dell.
É preciso muita criatividade jurídica para ver na minha coluna original alguma calúnia ou difamação, que é o que possibilitaria o uso do artigo 26. E o ministro Mendonça, sempre cioso de agradar ao patrão, deveria ser mais cauteloso. Se conseguir emplacar sua tese de que desejar a morte de alguém é crime, então seu chefe poderá encrencar-se. Bolsonaro, afinal, torceu pela morte de Dilma, “infartada ou com câncer”, e defendeu o fuzilamento de FHC.
Fui bem mais gentil com o presidente do que ele fora com seus predecessores. Afirmei textualmente que sua vida tem valor e que sua perda seria lamentável. O ponto é que, no consequencialismo (assim como na República, se levássemos seus princípios a sério), seu valor não é maior do que o de qualquer outra vida.
Assim, se estamos convencidos de que as atitudes negacionistas de Jair Bolsonaro dão causa a um excesso de óbitos na pandemia, torcer por seu desaparecimento é não só lógico como ético, na perspectiva consequencialista.
Quando o problema é apresentado de forma abstrata, sem o nome Bolsonaro, como ocorre na literatura dos dilemas morais (“trolleyology”), a maioria das pessoas não pestaneja antes de puxar uma alavanca que sela o destino de uma pessoa para salvar a vida de um número maior de indivíduos. E eu não acionei nenhuma alavanca. Até onde sei, o vírus é indiferente a meus desejos.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".
Bolsonaro poderá encrencar-se se ministro conseguir emplacar sua tese
O ministro da Justiça, André Mendonça, diz que pedirá a abertura de um inquérito para que eu seja investigado por violação ao artigo 26 da velha LSN dos tempos dos militares, que imaginávamos já ter ido para a reserva.
Não sei bem o que há a investigar. Acreditava que o texto falasse por si só. Mas vou colaborar, prestando esclarecimentos. O artigo foi escrito na manhã do dia 7/7, num processador Word. Eu me encontrava sobre o deck da piscina sem nenhuma companhia que não a de uma incontrolável matilha de cães. Ah, o computador era um Dell.
É preciso muita criatividade jurídica para ver na minha coluna original alguma calúnia ou difamação, que é o que possibilitaria o uso do artigo 26. E o ministro Mendonça, sempre cioso de agradar ao patrão, deveria ser mais cauteloso. Se conseguir emplacar sua tese de que desejar a morte de alguém é crime, então seu chefe poderá encrencar-se. Bolsonaro, afinal, torceu pela morte de Dilma, “infartada ou com câncer”, e defendeu o fuzilamento de FHC.
Fui bem mais gentil com o presidente do que ele fora com seus predecessores. Afirmei textualmente que sua vida tem valor e que sua perda seria lamentável. O ponto é que, no consequencialismo (assim como na República, se levássemos seus princípios a sério), seu valor não é maior do que o de qualquer outra vida.
Assim, se estamos convencidos de que as atitudes negacionistas de Jair Bolsonaro dão causa a um excesso de óbitos na pandemia, torcer por seu desaparecimento é não só lógico como ético, na perspectiva consequencialista.
Quando o problema é apresentado de forma abstrata, sem o nome Bolsonaro, como ocorre na literatura dos dilemas morais (“trolleyology”), a maioria das pessoas não pestaneja antes de puxar uma alavanca que sela o destino de uma pessoa para salvar a vida de um número maior de indivíduos. E eu não acionei nenhuma alavanca. Até onde sei, o vírus é indiferente a meus desejos.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".
Após cerco a gabinete do ódio, Carlos Bolsonaro avalia se mudar para EUA ou Brasília
Após cerco a gabinete do ódio, Carlos Bolsonaro avalia se mudar para EUA ou Brasília
Ofensiva faz vereador, filho do presidente, anunciar ‘vida nova’
Jussara Soares e Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo
10 de julho de 2020 | 05h00
BRASÍLIA - A ofensiva contra o “gabinete do ódio” obrigou a ala ideológica do governo a rever a estratégia de atuação para sobreviver e voltar a influenciar nas decisões do Palácio do Planalto. Diante do cerco imposto por inquéritos do Supremo Tribunal Federal (STF) e, mais recentemente, pela punição do próprio Facebook, o presidente Jair Bolsonaro tem se distanciado dos bolsonaristas mais radicais em uma tentativa de “pacificar para governar”. O movimento, no entanto, desagrada ao filho mais próximo do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), que nesta quinta-feira, 9, expôs a contrariedade no Twitter.
Carlos, o mais influente do clã Bolsonaro nas redes sociais, disse estar vivendo “um novo movimento pessoal”, sem especificar a que se referia. “Aos poucos vou me retirando do que sempre defendi. Creio que possa ter chegado o momento de um novo movimento pessoal. Estou cagando para esse lixo de fake news e demais narrativas. Precisamos viver e nos respeitar”, escreveu.
A publicação ocorreu um dia depois de o Facebook ter removido uma rede com 73 contas falsas ligadas ao presidente, a seus filhos e aliados. A investigação da plataforma indicou o assessor especial da Presidência, Tercio Arnaud Tomaz, como um dos responsáveis por movimentar perfis. Tercio é homem de confiança de Carlos, de quem foi assessor na Câmara de Vereadores no Rio e atuou na campanha eleitoral de Bolsonaro.
Ao lado de José Matheus Salles Gomes e Mateus Matos Diniz, também assessores da Presidência, Tercio integra o “gabinete do ódio”. A existência do núcleo que alimenta a militância digital bolsonarista com um estilo beligerante nas redes sociais foi revelada pelo Estadão em 19 de setembro do ano passado.
O revés envolvendo Tercio foi o estopim para Carlos anunciar o seu afastamento. A interlocutores, ele tem afirmado que está decidido a não concorrer à reeleição para vereador no Rio. E, ao mesmo tempo, estuda a possibilidade de morar no Texas, nos EUA, onde tem amigos. Carlos também não descarta a possibilidade de viver em Brasília para ficar mais perto do pai, embora as recentes divergências sobre os rumos do governo o obriguem a se afastar do Planalto.
“A onda agora está para dizer que as páginas da família Bolsonaro, de assessores que ganham dinheiro público para isso promovem o ódio. (...) Me apontem um texto meu de ódio ou dessas pessoas que estão do meu lado. Apontem uma imagem minha de ódio, no meu Facebook, dos meus filhos. Não tem nada”, disse Bolsonaro, nesta quinta, em sua primeira transmissão ao vivo após a ação do Facebook.
Em tom enigmático, Carlos avisou aos opositores que “surpresas virão”, em outra publicação no Twitter. “Ninguém é insubstituível e jamais seria pedante de me colocar neste patamar! Todos queremos o melhor para o Brasil e que ele vença! Apenas uma escolha pessoal pois todos somos seres humanos! Seguimos! E surpresas virão! Não comemorem, escória”, disse ele.
Bolha. Assessor especial de Assuntos Internacionais da Presidência, o olavista Filipe Martins, por sua vez, tem usado as redes para pedir união à base bolsonarista. “Saiam da bolha em que nos metemos. Sejam persuasivos. Expliquem o que está acontecendo, mostrem o que está em jogo e convençam mais pessoas a lutar ao nosso lado”, apelou Martins, em 28 de junho.
Em conversa com um parlamentar do Centrão, nesta semana, Bolsonaro indicou que seguirá na estratégia de evitar o confronto com outros Poderes. Na noite desta quinta, uma edição extra do Diário Oficial da União trouxe a substituição dos vice-líderes do governo que apostavam no embate por deputados do Centrão. Saíram Carlos Gaguim (DEM-TO), Daniel Silveira (PSL-RJ), José Rocha (PL-BA) e Otoni de Paula (PSC-RJ). No lugar deles entraram Diego Garcia (Podemos-PR), Aloísio Mendes (PSC-MA) e Maurício Dziedricki (PTB-RS), além de Carla Zambelli (PSL-SP). Silveira afirmou que não pretende ficar quieto. “Mas tem momentos que é bom você submergir”, afirmou.
Deve-se rastrear o dinheiro público no ‘gabinete do ódio’ – EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 10/07
Auditoria no Facebook alerta sobre o financiamento de crimes cometidos pelo bolsonarismo na rede social
O inquérito aberto no Supremo sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, para investigar a origem de fake news e ameaças contra a Corte e seus juízes, sempre preocupou os Bolsonaro. Ao sair do governo, o ex-ministro Sergio Moro disse que o presidente se referiu a esses temores em pressões que fez para interferir na Polícia Federal, o braço operacional nesses inquéritos. A instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito no Congresso sobre o mesmo tema é outro motivo de medo, a ponto de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ter tentado, sem sucesso, que o Supremo suspendesse a CPMI.
Não deviam imaginar que o perigo mais imediato estava em uma auditoria interna pedida pelo Facebook a um centro independente de pesquisa no meio digital, com implicações legais, o DRFLab, de Washington, e que levou a rede social a anunciar quarta-feira que estava desmontando extensa malha de 88 páginas e contas controladas pelo entorno do presidente Jair Bolsonaro. Era o “gabinete do ódio”, denunciado no final do ano na CPMI pela deputada Joice Hasselmann, ex-líder do governo no Congresso, ex-aliada próxima dos Bolsonaro.
O estudo encomendado pelo Facebook confirma a denúncia, cita operadores de contas e páginas falsas criadas para reverberar as bandeiras bolsonaristas, a fim de dar a impressão de haver uma militância maior do que a real, e ainda implica, além dos filhos do presidente — um senador, Flávio, um deputado e um vereador, Carlos, de cujos gabinetes saíram operadores do esquema — o próprio Jair Bolsonaro.
Impossível que não soubesse que um assessor direto, Tercio Arnaud Tomaz, é quem dispara, ou disparava, o gatilho, certamente do próprio Palácio do Planalto, contra adversários como Sergio Moro, Wilson Witzel e outros muitos. Além de provavelmente também orquestrar campanhas antidemocráticas e disseminar desinformações sobre a epidemia da Covid-19, um dos assuntos prediletos do presidente. No arrastão feito pela auditoria também vieram parlamentares bolsonaristas.
Fica exposto o uso de dinheiro público na alimentação da rede criminosa, porque há verbas de gabinetes de parlamentares e até do presidente usadas para manter esta máquina em funcionamento. O levantamento deste desvio de dinheiro do contribuinte deve ser mais uma tarefa nesta fase de investigação sobre os Bolsonaro e aliados.
Uma característica do bolsonarismo, como de outros agrupamentos radicais, é a síndrome da perseguição. Mas agora não podem se dizer vítimas. Porque o WhatsApp, também do Face, acaba de suspender dez contas do PT, do lado ideológico oposto ao do bolsonarismo, por estarem operando disparos automatizados de mensagens. Nesses casos, o Facebook não entra no mérito do conteúdo do que está sendo distribuído, mas na forma como a distribuição é feita, que já denuncia a má-fé.
Sob pressão no mundo por não ter os devidos cuidados com o que transita em sua rede global, Mark Zuckerberg e seus diretores têm contratado pesquisas para ajudá-los na defesa da empresa, que enfrenta boicotes de anunciantes por servir de plataforma de ódios. Desconectar contas fantasmas usadas por robôs e similares é bem-vindo e precisa ser rotina. No caso brasileiro, o país está com o lucro adicional de ver desvendada uma organização voltada à difamação e ao golpe.
Auditoria no Facebook alerta sobre o financiamento de crimes cometidos pelo bolsonarismo na rede social
O inquérito aberto no Supremo sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, para investigar a origem de fake news e ameaças contra a Corte e seus juízes, sempre preocupou os Bolsonaro. Ao sair do governo, o ex-ministro Sergio Moro disse que o presidente se referiu a esses temores em pressões que fez para interferir na Polícia Federal, o braço operacional nesses inquéritos. A instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito no Congresso sobre o mesmo tema é outro motivo de medo, a ponto de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ter tentado, sem sucesso, que o Supremo suspendesse a CPMI.
Não deviam imaginar que o perigo mais imediato estava em uma auditoria interna pedida pelo Facebook a um centro independente de pesquisa no meio digital, com implicações legais, o DRFLab, de Washington, e que levou a rede social a anunciar quarta-feira que estava desmontando extensa malha de 88 páginas e contas controladas pelo entorno do presidente Jair Bolsonaro. Era o “gabinete do ódio”, denunciado no final do ano na CPMI pela deputada Joice Hasselmann, ex-líder do governo no Congresso, ex-aliada próxima dos Bolsonaro.
O estudo encomendado pelo Facebook confirma a denúncia, cita operadores de contas e páginas falsas criadas para reverberar as bandeiras bolsonaristas, a fim de dar a impressão de haver uma militância maior do que a real, e ainda implica, além dos filhos do presidente — um senador, Flávio, um deputado e um vereador, Carlos, de cujos gabinetes saíram operadores do esquema — o próprio Jair Bolsonaro.
Impossível que não soubesse que um assessor direto, Tercio Arnaud Tomaz, é quem dispara, ou disparava, o gatilho, certamente do próprio Palácio do Planalto, contra adversários como Sergio Moro, Wilson Witzel e outros muitos. Além de provavelmente também orquestrar campanhas antidemocráticas e disseminar desinformações sobre a epidemia da Covid-19, um dos assuntos prediletos do presidente. No arrastão feito pela auditoria também vieram parlamentares bolsonaristas.
Fica exposto o uso de dinheiro público na alimentação da rede criminosa, porque há verbas de gabinetes de parlamentares e até do presidente usadas para manter esta máquina em funcionamento. O levantamento deste desvio de dinheiro do contribuinte deve ser mais uma tarefa nesta fase de investigação sobre os Bolsonaro e aliados.
Uma característica do bolsonarismo, como de outros agrupamentos radicais, é a síndrome da perseguição. Mas agora não podem se dizer vítimas. Porque o WhatsApp, também do Face, acaba de suspender dez contas do PT, do lado ideológico oposto ao do bolsonarismo, por estarem operando disparos automatizados de mensagens. Nesses casos, o Facebook não entra no mérito do conteúdo do que está sendo distribuído, mas na forma como a distribuição é feita, que já denuncia a má-fé.
Sob pressão no mundo por não ter os devidos cuidados com o que transita em sua rede global, Mark Zuckerberg e seus diretores têm contratado pesquisas para ajudá-los na defesa da empresa, que enfrenta boicotes de anunciantes por servir de plataforma de ódios. Desconectar contas fantasmas usadas por robôs e similares é bem-vindo e precisa ser rotina. No caso brasileiro, o país está com o lucro adicional de ver desvendada uma organização voltada à difamação e ao golpe.
Advogado de Queiroz exibe uma ótima pontaria - JOSIAS DE SOUZA
UOL - 09/07
A defesa de Fabrício Queiroz poderia ter recorrido contra a prisão do seu cliente desde o dia 18 de junho, quando o faz-tudo dos Bolsonaro foi encarcerado. Preferiu esperar pelo início do recesso do Judiciário, em 2 de julho, para atravessar um habeas corpus tóxico na mesa do presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, um magistrado com quem Jair Bolsonaro diz manter uma relação especial. "Foi amor à primeira vista", disse o capitão, em abril.
Se fosse protocolado antes do recesso, o pedido de liminar cairia nas mãos de Félix Fischer. Relator da Lava Jato e do caso da rachadinha na Quinta turma do STJ, Fischer é um magistrado temido por onze em cada dez réus. No plantão, a encrenca deslizou para o colo de Noronha, cuja decisão será posteriormente submetida a Fischer e à turma.
Noronha enviou Queiroz do ambiente inóspito de uma cela no presídio carioca de Bangu 8 para o conforto da prisão domiciliar. Fez melhor: estendeu o refresco a Márcia Aguiar, mulher do operador da rachadinha de Flávio Bolsonaro. Ela nem chegou a ser presa. Foragida, vai direto do esconderijo para o aconchego do domicílio —sem o inconveniente de uma escala no xilindró. Foi condenada, por assim dizer, a um convívio compulsório com o marido.
O magistrado acatou o argumento do advogado Emílio Catta Pretta. Alegou-se que Queiroz, às voltas com um câncer, corria risco de contrair Covid-19 na cadeia. A reclusão domiciliar foi estendida à mulher dele sob o argumento de que o marido precisa de atenções especiais.
Ao desviar de Félix Fischer, o doutor Cata Preta revelou-se um bom advogado. Ao mirar em Noronha, exibiu ótima pontaria. Todos saem aliviados do episódio, exceto Noronha. O advogado celebra o êxito de um artifício. Queiroz e Márcia postergam os pensamentos sobre delação. O amor de Bolsonaro sai fortalecido. Quanto a Noronha, por mais que argumente ter decidido conforme suas convicções, não se livrará dos comentários maledicentes.
A defesa de Fabrício Queiroz poderia ter recorrido contra a prisão do seu cliente desde o dia 18 de junho, quando o faz-tudo dos Bolsonaro foi encarcerado. Preferiu esperar pelo início do recesso do Judiciário, em 2 de julho, para atravessar um habeas corpus tóxico na mesa do presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, um magistrado com quem Jair Bolsonaro diz manter uma relação especial. "Foi amor à primeira vista", disse o capitão, em abril.
Se fosse protocolado antes do recesso, o pedido de liminar cairia nas mãos de Félix Fischer. Relator da Lava Jato e do caso da rachadinha na Quinta turma do STJ, Fischer é um magistrado temido por onze em cada dez réus. No plantão, a encrenca deslizou para o colo de Noronha, cuja decisão será posteriormente submetida a Fischer e à turma.
Noronha enviou Queiroz do ambiente inóspito de uma cela no presídio carioca de Bangu 8 para o conforto da prisão domiciliar. Fez melhor: estendeu o refresco a Márcia Aguiar, mulher do operador da rachadinha de Flávio Bolsonaro. Ela nem chegou a ser presa. Foragida, vai direto do esconderijo para o aconchego do domicílio —sem o inconveniente de uma escala no xilindró. Foi condenada, por assim dizer, a um convívio compulsório com o marido.
O magistrado acatou o argumento do advogado Emílio Catta Pretta. Alegou-se que Queiroz, às voltas com um câncer, corria risco de contrair Covid-19 na cadeia. A reclusão domiciliar foi estendida à mulher dele sob o argumento de que o marido precisa de atenções especiais.
Ao desviar de Félix Fischer, o doutor Cata Preta revelou-se um bom advogado. Ao mirar em Noronha, exibiu ótima pontaria. Todos saem aliviados do episódio, exceto Noronha. O advogado celebra o êxito de um artifício. Queiroz e Márcia postergam os pensamentos sobre delação. O amor de Bolsonaro sai fortalecido. Quanto a Noronha, por mais que argumente ter decidido conforme suas convicções, não se livrará dos comentários maledicentes.
Torço para Bolsonaro viver e pagar por seus crimes - REINALDO AZEVEDO
FOLHA DE SP - 10/07
Quero que o presidente responda pelos crimes tipificados no Código Penal e na lei do impeachment
André Mendonça, ministro da Justiça, já confundiu crime com liberdade de expressão. Assim, não me surpreende que confunda liberdade de expressão com crime.
Há menos de um mês, passou a mão na cabeça de delinquentes que dispararam fogos de artifício contra o Supremo, simulando um ataque armado. Agora, quer enquadrar Hélio Schwartsman, articulista da Folha, na Lei de Segurança Nacional porque este afirmou em artigo que torce para que Jair Bolsonaro morra em decorrência da Covid-19.
Eu não torço. Quero que responda pelos crimes tipificados no Código Penal, na lei 1.079 e no Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional para punir indivíduos, não países, por crimes de guerra, de genocídio, de agressão e contra a humanidade.
No dia seguinte ao ataque ao STF, o ministro divulgou uma nota simpática aos agressores: “Devemos agir por este povo, compreendê-lo e ver sua crítica e manifestação com humildade. Na democracia, a voz popular é soberana.” Chamava “povo” aos lunáticos golpistas e reconhecia a soberania da súcia sobre a Constituição. Eram dias anteriores à prisão de Fabrício Queiroz, marco da conversão de Bolsonaro à democracia. Aposto que a ida do primeiro-amigo do presidente e das milícias para a prisão domiciliar vai baixar o índice de apreço do ogro pelas instituições.
Mendonça tratava crime como liberdade de expressão e ainda convidava o agredido a um mea-culpa. E quer agora enquadrar Schwartsman no artigo 26 da Lei de Segurança Nacional, o que, além de evidenciar a sua falta de credenciais democráticas, levanta suspeita sobre a sua sanidade jurídica. A referida disposição pune crimes de calúnia e difamação contra presidentes de Poderes. Desejar a morte de alguém pode não ser fofo. Mas calúnia e difamação não é. A acusação é tão exótica que nem errada chega a ser.
Para que o autor do texto representasse ameaça ao presidente, forçoso seria que tivesse algum comando sobre o coronavírus. Não tem. O troço vitima, a gente vê, gregos e troianos, guelfos e gibelinos, gênios e idiotas, insanos e insanáveis. Patógenos não têm moral nem fornecem uma aos doentes.
O artigo de Schwartsman é o mais equivocado que já saiu de sua pena inteligente.
O autor apela à ética consequencialista para explicar a sua torcida. Pode-se resumir assim: o comportamento de Bolsonaro contribui para espalhar a doença e, pois, a morte. Se a Covid-19 o matasse, vidas seriam poupadas. E é bom notar que o articulista não fez arminha com os dedos, mirando o presidente.
O consequencialismo é matéria controversa. A sua principal fragilidade está na abolição dos princípios em favor da eficácia. Ocorre que aquele que tem o poder de fazer escolhas não detém o monopólio do bem universal, e tais escolhas, medidas apenas pelo resultado, podem ser um atalho para a barbárie, ainda que supostamente iluminista.
Não terá o próprio Bolsonaro sido “consequencialista” a seu modo quando fez reiterados flertes ao morticínio em massa, alegando que a paralisação da economia geraria mais estragos do que a própria doença? A diferença entre as duas proposições pode estar apenas no preço a pagar pelo alegado bem a ser alcançado: o jornalista tratou da morte de um homem que resultaria na salvação de milhares. O presidente preferiu apostar na morte de milhares para, segundo diz, salvar os empregos.
Sou um anticonsequencialista. No direito, por exemplo, o consequencialismo —que já chegou ao Supremo— tem produzido desastres em série. Não raro, relativiza-se a letra da lei em favor de uma noção de eficácia que resulta em solipsismo e desordem. Maquiavel nunca escreveu que os fins justificam os meios. Deve ter sido obra de algum candidato a tirano. O que o meu anticonsequencialismo me diz é que os meios qualificam os fins.
A tese de Schwartsman é ruim, mas, obviamente, não é criminosa. Ocorre que Mendonça não sabe a diferença entre crime e liberdade de expressão e entre liberdade de expressão e crime. E só por isso é ministro de Bolsonaro.
Reinaldo Azevedo
Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.
Quero que o presidente responda pelos crimes tipificados no Código Penal e na lei do impeachment
André Mendonça, ministro da Justiça, já confundiu crime com liberdade de expressão. Assim, não me surpreende que confunda liberdade de expressão com crime.
Há menos de um mês, passou a mão na cabeça de delinquentes que dispararam fogos de artifício contra o Supremo, simulando um ataque armado. Agora, quer enquadrar Hélio Schwartsman, articulista da Folha, na Lei de Segurança Nacional porque este afirmou em artigo que torce para que Jair Bolsonaro morra em decorrência da Covid-19.
Eu não torço. Quero que responda pelos crimes tipificados no Código Penal, na lei 1.079 e no Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional para punir indivíduos, não países, por crimes de guerra, de genocídio, de agressão e contra a humanidade.
No dia seguinte ao ataque ao STF, o ministro divulgou uma nota simpática aos agressores: “Devemos agir por este povo, compreendê-lo e ver sua crítica e manifestação com humildade. Na democracia, a voz popular é soberana.” Chamava “povo” aos lunáticos golpistas e reconhecia a soberania da súcia sobre a Constituição. Eram dias anteriores à prisão de Fabrício Queiroz, marco da conversão de Bolsonaro à democracia. Aposto que a ida do primeiro-amigo do presidente e das milícias para a prisão domiciliar vai baixar o índice de apreço do ogro pelas instituições.
Mendonça tratava crime como liberdade de expressão e ainda convidava o agredido a um mea-culpa. E quer agora enquadrar Schwartsman no artigo 26 da Lei de Segurança Nacional, o que, além de evidenciar a sua falta de credenciais democráticas, levanta suspeita sobre a sua sanidade jurídica. A referida disposição pune crimes de calúnia e difamação contra presidentes de Poderes. Desejar a morte de alguém pode não ser fofo. Mas calúnia e difamação não é. A acusação é tão exótica que nem errada chega a ser.
Para que o autor do texto representasse ameaça ao presidente, forçoso seria que tivesse algum comando sobre o coronavírus. Não tem. O troço vitima, a gente vê, gregos e troianos, guelfos e gibelinos, gênios e idiotas, insanos e insanáveis. Patógenos não têm moral nem fornecem uma aos doentes.
O artigo de Schwartsman é o mais equivocado que já saiu de sua pena inteligente.
O autor apela à ética consequencialista para explicar a sua torcida. Pode-se resumir assim: o comportamento de Bolsonaro contribui para espalhar a doença e, pois, a morte. Se a Covid-19 o matasse, vidas seriam poupadas. E é bom notar que o articulista não fez arminha com os dedos, mirando o presidente.
O consequencialismo é matéria controversa. A sua principal fragilidade está na abolição dos princípios em favor da eficácia. Ocorre que aquele que tem o poder de fazer escolhas não detém o monopólio do bem universal, e tais escolhas, medidas apenas pelo resultado, podem ser um atalho para a barbárie, ainda que supostamente iluminista.
Não terá o próprio Bolsonaro sido “consequencialista” a seu modo quando fez reiterados flertes ao morticínio em massa, alegando que a paralisação da economia geraria mais estragos do que a própria doença? A diferença entre as duas proposições pode estar apenas no preço a pagar pelo alegado bem a ser alcançado: o jornalista tratou da morte de um homem que resultaria na salvação de milhares. O presidente preferiu apostar na morte de milhares para, segundo diz, salvar os empregos.
Sou um anticonsequencialista. No direito, por exemplo, o consequencialismo —que já chegou ao Supremo— tem produzido desastres em série. Não raro, relativiza-se a letra da lei em favor de uma noção de eficácia que resulta em solipsismo e desordem. Maquiavel nunca escreveu que os fins justificam os meios. Deve ter sido obra de algum candidato a tirano. O que o meu anticonsequencialismo me diz é que os meios qualificam os fins.
A tese de Schwartsman é ruim, mas, obviamente, não é criminosa. Ocorre que Mendonça não sabe a diferença entre crime e liberdade de expressão e entre liberdade de expressão e crime. E só por isso é ministro de Bolsonaro.
Reinaldo Azevedo
Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.
Missão impossível - ELIANE CANTANHEDE
ESTADÃO - 10/07
Difícil convencer investidores de boas ações e intenções do Brasil no meio ambiente
Com Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Salles (Meio Ambiente) sentados à mesa e deitando falação, como os investidores internacionais podem acreditar em boas intenções e ações do Brasil na defesa da Amazônia e das comunidades indígenas? Araújo ironiza a defesa do ambiente como “climatismo”, “coisa da esquerda”. Salles sofre uma repulsa geral por só pensar em “passar a boiada”. E o presidente Jair Bolsonaro acha tudo isso uma bobajada que atravanca o progresso.
Assim, há dúvidas quanto ao resultado da reunião de ontem do vice Hamilton Mourão, Tereza Cristina (Agricultura), Araújo e Salles com grandes investidores. No mundo de hoje, que governos, empresas e financiadores arriscam suas marcas apostando em países que desmatam, queimam, desrespeitam comunidades ancestrais? (E cultura, educação, saúde...)
É difícil e constrangedor pedir recursos a estrangeiros (ontem) e ao grande capital nacional (hoje) se... os R$ 33 milhões do Fundo da Amazônia estão mofando no BNDES, só 0,7% dos R$ 60 milhões da Operação Verde BR2 foram usados e o ministro do Meio Ambiente é alvo da Justiça, MP, Ibama, ICMBio e da torcida do Flamengo.
É difícil e constrangedor dizer que vai tudo bem, obrigada, se o desmatamento da Amazônia cresce há 13 meses seguidos e isso significa, como todo o mundo, literalmente, sabe, devastação no ato e queimadas depois. Sem falar de Cerrado, Mata Atlântica e das pujantes riquezas naturais brasileiras, ameaçadas por ideologia, ignorância e achismos.
É difícil e constrangedor reclamar de “uma visão distorcida” do mundo sobre o meio ambiente no Brasil, como já reclamou Bolsonaro na reunião do Mercosul, já que é o próprio presidente que manda os fiscais do Ibama descumprirem as leis e deixar os desmatadores em paz.
É difícil e constrangedor, também, explicar que Bolsonaro esperou se eleger presidente para punir o fiscal do Ibama que o multou por pescar em área proibida, demitiu o presidente do Inpe porque não aceitava os dados do desmatamento, tem ideias apavorantes para Abrolhos, Angra dos Reis e Fernando de Noronha e orienta seu governo a “passar a boiada” – como disse Salles na reunião de 22 de abril, referindo-se a leis e regras flexibilizando a proteção ambiental.
É difícil e constrangedor, ainda, jurar de pés juntos para o grande capital nacional e estrangeiro que o governo brasileiro se preocupa realmente com as comunidades indígenas e quilombolas, se o presidente acaba de vetar medidas de preservação da vida e das reservas, como fornecimento de água potável, cestas básicas e itens de higiene durante a pandemia. Argumento: a lei aprovada no Congresso não especificou as fontes de recursos? Ah, bem! Tudo explicado.
Por fim, é difícil e constrangedor explicar a proposta para escancarar as reservas indígenas para todo o tipo de exploração – mineral, agrícola, pecuária, até turística. Tudo isso, porém, pode ser explicado com uma única frase, do então ministro da Educação na histórica reunião ministerial de 22 de abril: “Odeio o termo ‘povos indígenas’, odeio esse termo. Odeio o povo cigano. Quer, quer, não quer, sai de ré”. Deveras educativo.
Só não é difícil, apesar de profundamente constrangedor, ver a imagem do Brasil esturricando pelo mundo afora, alvo de perplexidade de líderes democráticos, sociedades, parlamentos, empresas, mídia, chargistas e organismos internacionais. O “soft power” construído ao longo de décadas vira pó, deixando uma triste pergunta no ar: quanto tempo vai demorar para nosso País recuperar, não apenas investimentos e boa vontade do capital internacional, mas sobretudo a imagem, credibilidade e simpatia de todo o mundo?
Difícil convencer investidores de boas ações e intenções do Brasil no meio ambiente
Com Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Salles (Meio Ambiente) sentados à mesa e deitando falação, como os investidores internacionais podem acreditar em boas intenções e ações do Brasil na defesa da Amazônia e das comunidades indígenas? Araújo ironiza a defesa do ambiente como “climatismo”, “coisa da esquerda”. Salles sofre uma repulsa geral por só pensar em “passar a boiada”. E o presidente Jair Bolsonaro acha tudo isso uma bobajada que atravanca o progresso.
Assim, há dúvidas quanto ao resultado da reunião de ontem do vice Hamilton Mourão, Tereza Cristina (Agricultura), Araújo e Salles com grandes investidores. No mundo de hoje, que governos, empresas e financiadores arriscam suas marcas apostando em países que desmatam, queimam, desrespeitam comunidades ancestrais? (E cultura, educação, saúde...)
É difícil e constrangedor pedir recursos a estrangeiros (ontem) e ao grande capital nacional (hoje) se... os R$ 33 milhões do Fundo da Amazônia estão mofando no BNDES, só 0,7% dos R$ 60 milhões da Operação Verde BR2 foram usados e o ministro do Meio Ambiente é alvo da Justiça, MP, Ibama, ICMBio e da torcida do Flamengo.
É difícil e constrangedor dizer que vai tudo bem, obrigada, se o desmatamento da Amazônia cresce há 13 meses seguidos e isso significa, como todo o mundo, literalmente, sabe, devastação no ato e queimadas depois. Sem falar de Cerrado, Mata Atlântica e das pujantes riquezas naturais brasileiras, ameaçadas por ideologia, ignorância e achismos.
É difícil e constrangedor reclamar de “uma visão distorcida” do mundo sobre o meio ambiente no Brasil, como já reclamou Bolsonaro na reunião do Mercosul, já que é o próprio presidente que manda os fiscais do Ibama descumprirem as leis e deixar os desmatadores em paz.
É difícil e constrangedor, também, explicar que Bolsonaro esperou se eleger presidente para punir o fiscal do Ibama que o multou por pescar em área proibida, demitiu o presidente do Inpe porque não aceitava os dados do desmatamento, tem ideias apavorantes para Abrolhos, Angra dos Reis e Fernando de Noronha e orienta seu governo a “passar a boiada” – como disse Salles na reunião de 22 de abril, referindo-se a leis e regras flexibilizando a proteção ambiental.
É difícil e constrangedor, ainda, jurar de pés juntos para o grande capital nacional e estrangeiro que o governo brasileiro se preocupa realmente com as comunidades indígenas e quilombolas, se o presidente acaba de vetar medidas de preservação da vida e das reservas, como fornecimento de água potável, cestas básicas e itens de higiene durante a pandemia. Argumento: a lei aprovada no Congresso não especificou as fontes de recursos? Ah, bem! Tudo explicado.
Por fim, é difícil e constrangedor explicar a proposta para escancarar as reservas indígenas para todo o tipo de exploração – mineral, agrícola, pecuária, até turística. Tudo isso, porém, pode ser explicado com uma única frase, do então ministro da Educação na histórica reunião ministerial de 22 de abril: “Odeio o termo ‘povos indígenas’, odeio esse termo. Odeio o povo cigano. Quer, quer, não quer, sai de ré”. Deveras educativo.
Só não é difícil, apesar de profundamente constrangedor, ver a imagem do Brasil esturricando pelo mundo afora, alvo de perplexidade de líderes democráticos, sociedades, parlamentos, empresas, mídia, chargistas e organismos internacionais. O “soft power” construído ao longo de décadas vira pó, deixando uma triste pergunta no ar: quanto tempo vai demorar para nosso País recuperar, não apenas investimentos e boa vontade do capital internacional, mas sobretudo a imagem, credibilidade e simpatia de todo o mundo?
Relações perigosas - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 10/06
‘Gabinete do ódio’ é agora a maior ameaça a Bolsonaro
‘Gabinete do ódio’ é agora a maior ameaça a Bolsonaro
Os assessores de Bolsonaro membros do chamado “gabinete do ódio” no Palácio do Planalto, principalmente Tercio Arnaud Tomaz, assessor-especial, são a partir de agora os principais obstáculos para a permanência dele à frente do governo, superando a ameaça que Queiroz representa.
Prevalecia entre os assessores jurídicos do Planalto a tese de que Bolsonaro não corria perigo de impeachment devido às apurações da rachadinha, mesmo que seu nome aparecesse diretamente ligado à prática, porque os fatos aconteceram antes de ele assumir a presidência da República, e o presidente não pode ser julgado pelo que ocorreu antes de seu mandato.
Como, no entanto, o chamado “gabinete do ódio” atuou durante os primeiros meses de governo, os eventuais crimes cometidos estarão diretamente ligados ao próprio presidente. Por outro lado, os processos que correm no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estão relacionados à interferência das redes sociais, especialmente do WhatsApp, na campanha presidencial e invasões de sites contra Bolsonaro.
A relação de Tercio Arnaud Tomaz com o presidente Bolsonaro vem de pelo menos 2015, muito antes de o projeto presidencial ter tomado corpo. Ele foi, aliás, o criador de memes que viralizaram na internet, na página "Bolsonaro Opressor”, criada em 2015, depois aperfeiçoada para “Opressor 2.0”, que publicava críticas violentas contra adversários do presidente, e Bolsonaro usando aqueles óculos de memes quando dava alguma declaração considerada bombástica, ou respondia a uma acusação de modo peremptório.
Foi Tercio Arnaud também quem popularizou o apelido de “Mito” para Bolsonaro, que naturalmente adorou. O presidente certa vez disse que esse apelido surgiu quando estava na caserna, e achavam que suas pernas eram finas “como palmito”. Não se sabe se ele contou essa história para Tercio, ou se a inventou para não parecer presunçoso.
O fato é que Tercio o admirava tanto que chorou ao telefone pela primeira vez, quando foi convidado para trabalhar com Bolsonaro em Brasília como assessor parlamentar do então deputado federal. No começo de 2018, já em plena campanha presidencial, foi transferido para o Rio, com direito a casa e emprego.
Foi viver em um pequeno apartamento de Bolsonaro na Barra da Tijuca, próximo ao condomínio onde morava. Não era lá grande coisa, dormia num colchão no chão do apartamento sem mobílias. Mas vivia para cima e para baixo com “o capitão”.
O emprego foi de assessor do vereador Carlos Bolsonaro, também muito ligado às redes sociais. Carlos, aliás, ontem, postou uma mensagem enigmática no twitter dizendo que “ninguém é insubstituível”, e que pretende encontrar novos caminhos. Não se sabe exatamente o quis dizer, apenas que o baque da ação do Facebook foi grande.
A proximidade de Tercio Arnaud com Bolsonaro é tamanha que não foram poucas as vezes em que ele dormiu no Palácio da Alvorada, trabalhando com o presidente a estratégia de redes sociais. O sucesso de sua página “Bolsonaro News” levou a que tivesse também uma página no Instagram.
O Laboratório Forense Digital do Atlantic Council, que fez a investigação para o Facebook, aponta Tercio como administrador da página de Instagram @bolsonaronewsss. Essas ligações perigosas entre os dois provavelmente levarão a que os inquéritos em progresso tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) quanto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sejam alimentados com as informações do Facebook.
Ambos os inquéritos têm como escopo as fake news e a influência delas na campanha presidencial não seria uma inovação. Basta que os relatores, ministro Alexandre de Moraes no STF e Og Fernandes no TSE requeiram a anexação. É possível também que algum parlamentar, ou partido político, peça anexação do resultado da investigação do Facebook, mas a decisão será sempre dos relatores.
Prevalecia entre os assessores jurídicos do Planalto a tese de que Bolsonaro não corria perigo de impeachment devido às apurações da rachadinha, mesmo que seu nome aparecesse diretamente ligado à prática, porque os fatos aconteceram antes de ele assumir a presidência da República, e o presidente não pode ser julgado pelo que ocorreu antes de seu mandato.
Como, no entanto, o chamado “gabinete do ódio” atuou durante os primeiros meses de governo, os eventuais crimes cometidos estarão diretamente ligados ao próprio presidente. Por outro lado, os processos que correm no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estão relacionados à interferência das redes sociais, especialmente do WhatsApp, na campanha presidencial e invasões de sites contra Bolsonaro.
A relação de Tercio Arnaud Tomaz com o presidente Bolsonaro vem de pelo menos 2015, muito antes de o projeto presidencial ter tomado corpo. Ele foi, aliás, o criador de memes que viralizaram na internet, na página "Bolsonaro Opressor”, criada em 2015, depois aperfeiçoada para “Opressor 2.0”, que publicava críticas violentas contra adversários do presidente, e Bolsonaro usando aqueles óculos de memes quando dava alguma declaração considerada bombástica, ou respondia a uma acusação de modo peremptório.
Foi Tercio Arnaud também quem popularizou o apelido de “Mito” para Bolsonaro, que naturalmente adorou. O presidente certa vez disse que esse apelido surgiu quando estava na caserna, e achavam que suas pernas eram finas “como palmito”. Não se sabe se ele contou essa história para Tercio, ou se a inventou para não parecer presunçoso.
O fato é que Tercio o admirava tanto que chorou ao telefone pela primeira vez, quando foi convidado para trabalhar com Bolsonaro em Brasília como assessor parlamentar do então deputado federal. No começo de 2018, já em plena campanha presidencial, foi transferido para o Rio, com direito a casa e emprego.
Foi viver em um pequeno apartamento de Bolsonaro na Barra da Tijuca, próximo ao condomínio onde morava. Não era lá grande coisa, dormia num colchão no chão do apartamento sem mobílias. Mas vivia para cima e para baixo com “o capitão”.
O emprego foi de assessor do vereador Carlos Bolsonaro, também muito ligado às redes sociais. Carlos, aliás, ontem, postou uma mensagem enigmática no twitter dizendo que “ninguém é insubstituível”, e que pretende encontrar novos caminhos. Não se sabe exatamente o quis dizer, apenas que o baque da ação do Facebook foi grande.
A proximidade de Tercio Arnaud com Bolsonaro é tamanha que não foram poucas as vezes em que ele dormiu no Palácio da Alvorada, trabalhando com o presidente a estratégia de redes sociais. O sucesso de sua página “Bolsonaro News” levou a que tivesse também uma página no Instagram.
O Laboratório Forense Digital do Atlantic Council, que fez a investigação para o Facebook, aponta Tercio como administrador da página de Instagram @bolsonaronewsss. Essas ligações perigosas entre os dois provavelmente levarão a que os inquéritos em progresso tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) quanto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sejam alimentados com as informações do Facebook.
Ambos os inquéritos têm como escopo as fake news e a influência delas na campanha presidencial não seria uma inovação. Basta que os relatores, ministro Alexandre de Moraes no STF e Og Fernandes no TSE requeiram a anexação. É possível também que algum parlamentar, ou partido político, peça anexação do resultado da investigação do Facebook, mas a decisão será sempre dos relatores.
Custoso desgoverno - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 10/07
Desastres na saúde e no ambiente não serão camuflados com propaganda
Abraçados pelo governo Jair Bolsonaro em nome de alegados interesses econômicos, o boicote às ações antipandemia e o desmonte da política ambiental revelam-se ameaças crescentes para setores produtivos do país.
Uma área particularmente sensível no atual cenário é a das exportações. Tome-se o exemplo da carne: em alerta após detectar um novo foco de Covid-19 perto de Pequim, a China decidiu redobrar o monitoramento de empresas estrangeiras das quais compra o produto.
Com isso, suspendeu as importações de algumas unidades de frigoríficos brasileiros, depois de notícias sobre a contaminação de trabalhadores pelo Sars-CoV-2.
Outra questão que assombra os negócios do Brasil pode infectar uma enormidade de atividades —o desmatamento da Amazônia.
Na segunda-feira (6), líderes de 36 companhias, nacionais e estrangeiras, e de quatro organizações empresariais encaminharam ao vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o Conselho Nacional da Amazônia Legal, uma carta na qual pedem providências duras e imediatas em defesa da região.
No documento, o grupo diz estar preocupado com o impacto econômico da “percepção negativa” que se formou a respeito do país no exterior “em relação às questões socioambientais”, capaz de afetar “o desenvolvimento de projetos”.
O manifesto vem no rastro de uma outra carta, enviada para as embaixadas brasileiras de oito nações, em que investidores internacionais demonstravam inquietação com o desmantelamento de políticas voltadas ao ambiente.
Durante reunião virtual do Mercosul na semana passada, Bolsonaro declarou que irá desfazer “opiniões distorcidas” sobre o Brasil.
Em junho, a Secom, responsável pela publicidade da Presidência, reivindicou a liberação de R$ 325 milhões —mais que o dobro do previsto no Orçamento deste ano— para, a pretexto da eclosão da epidemia, “promover a comunicação” do Executivo com a sociedade.
A intenção, na realidade, é tentar recompor as destroçadas imagens do governo e do país, cujo preço seguirá sendo cada vez mais elevado para a economia.
Ainda que surja o dinheiro, contudo, trata-se de iniciativa fadada ao fracasso. Se a comunicação constitui de fato mais uma entre tantas áreas deficientes da administração federal, não é isso que explica o vexame global de Bolsonaro.
Salvo quando se lida com militantes e correntes ideológicas, inexiste propaganda capaz de camuflar desastres fartamente documentados em números. Só novas políticas poderiam reverter a deterioração do prestígio brasileiro.
Desastres na saúde e no ambiente não serão camuflados com propaganda
Abraçados pelo governo Jair Bolsonaro em nome de alegados interesses econômicos, o boicote às ações antipandemia e o desmonte da política ambiental revelam-se ameaças crescentes para setores produtivos do país.
Uma área particularmente sensível no atual cenário é a das exportações. Tome-se o exemplo da carne: em alerta após detectar um novo foco de Covid-19 perto de Pequim, a China decidiu redobrar o monitoramento de empresas estrangeiras das quais compra o produto.
Com isso, suspendeu as importações de algumas unidades de frigoríficos brasileiros, depois de notícias sobre a contaminação de trabalhadores pelo Sars-CoV-2.
Outra questão que assombra os negócios do Brasil pode infectar uma enormidade de atividades —o desmatamento da Amazônia.
Na segunda-feira (6), líderes de 36 companhias, nacionais e estrangeiras, e de quatro organizações empresariais encaminharam ao vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o Conselho Nacional da Amazônia Legal, uma carta na qual pedem providências duras e imediatas em defesa da região.
No documento, o grupo diz estar preocupado com o impacto econômico da “percepção negativa” que se formou a respeito do país no exterior “em relação às questões socioambientais”, capaz de afetar “o desenvolvimento de projetos”.
O manifesto vem no rastro de uma outra carta, enviada para as embaixadas brasileiras de oito nações, em que investidores internacionais demonstravam inquietação com o desmantelamento de políticas voltadas ao ambiente.
Durante reunião virtual do Mercosul na semana passada, Bolsonaro declarou que irá desfazer “opiniões distorcidas” sobre o Brasil.
Em junho, a Secom, responsável pela publicidade da Presidência, reivindicou a liberação de R$ 325 milhões —mais que o dobro do previsto no Orçamento deste ano— para, a pretexto da eclosão da epidemia, “promover a comunicação” do Executivo com a sociedade.
A intenção, na realidade, é tentar recompor as destroçadas imagens do governo e do país, cujo preço seguirá sendo cada vez mais elevado para a economia.
Ainda que surja o dinheiro, contudo, trata-se de iniciativa fadada ao fracasso. Se a comunicação constitui de fato mais uma entre tantas áreas deficientes da administração federal, não é isso que explica o vexame global de Bolsonaro.
Salvo quando se lida com militantes e correntes ideológicas, inexiste propaganda capaz de camuflar desastres fartamente documentados em números. Só novas políticas poderiam reverter a deterioração do prestígio brasileiro.
A rede - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 10/07
Os efeitos daninhos da rede de fake news próxima a Bolsonaro comprometem o viço da democracia brasileira ao falsear a opinião pública
Em setembro do ano passado, o Estadão revelou que no terceiro andar do Palácio do Planalto, bem próximo ao gabinete de Jair Bolsonaro, fora montado um núcleo de “assessoramento de comunicação” composto por ex-assessores parlamentares ligados a dois filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e blogueiros que durante a campanha eleitoral de 2018 ganharam a simpatia do “Zero 2” e do “Zero 3” ao criarem perfis e páginas nas redes sociais cujo conteúdo era amplamente favorável ao então candidato à Presidência e bastante hostil a quem quer que fosse considerado “inimigo” da família, fossem pessoas ou instituições. Naquela ocasião, o País tomou conhecimento da existência do “gabinete do ódio”.
Na quarta-feira passada, o Facebook desencadeou uma operação de combate às fake news e ao discurso de ódio que atingiu em cheio essa rede de apoio ao presidente Bolsonaro na internet. Embora não tenha revelado dado novo – tanto a existência como a forma de atuação do “gabinete do ódio” já eram amplamente conhecidas –, a ação da empresa teve o efeito prático de retirar do ar 35 perfis, 14 páginas e 1 grupo no Facebook, além de 38 perfis no Instagram, empresa que, como o WhatsApp, é controlada pela holding Facebook. Com essas contas e páginas fora do ar, que juntas tinham quase 2 milhões de seguidores, o alcance das ofensas e das falsas informações que circulam por meio das redes sociais haverá de cair substancialmente.
O caráter global da operação do Facebook desfaz quaisquer suspeitas em relação ao possível direcionamento da ação contra alvos políticos predeterminados. Redes similares em vários países – pelo menos 11 – foram atingidas, inclusive nos Estados Unidos, onde pessoas que assessoraram o presidente Donald Trump também tiveram suas contas apagadas.
Os auditores do Facebook vincularam diretamente alguns dos perfis e páginas que foram retirados do ar no Brasil a Tércio Arnaud Tomaz, que ficou conhecido como o administrador da página “Bolsonaro Opressor 2.0” durante a campanha eleitoral de 2018 e hoje está lotado no Palácio do Planalto como assessor especial do presidente Jair Bolsonaro. Tomaz é até agora o elo formal mais forte entre o presidente da República e o tal “gabinete do ódio” que seria chefiado nas sombras por seu filho Carlos Bolsonaro.
A atuação direta de assessor do presidente em uma rede espúria de desinformação e destruição de reputações é algo gravíssimo que pode ter sérias repercussões na CPMI das Fake News, no inquérito que apura a atuação do “gabinete do ódio” contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e seus ministros e no âmbito do processo que corre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para apurar abuso de poder econômico da chapa liderada por Jair Bolsonaro justamente pelo uso de uma milionária estrutura de rede digital por meio da qual teriam sido disparadas em massa ofensas e fake news em 2018.
Como a atuação de insidiosa rede já se observava antes da vitória de Jair Bolsonaro no pleito, pelo que revela a operação do Facebook, tudo indica que a chegada de Bolsonaro ao Palácio do Planalto apenas teve o condão de dar um caráter oficial a práticas que já ocorriam há meses no submundo da internet. Basta ver que não cessaram – aí está o inquérito que corre no STF para apurar ações recentes de blogueiros próximos ao presidente – e, pior, recrudesceram.
É de suma importância o mais rápido esclarecimento das formas de atuação e, não menos importante, dos meios de financiamento dessa rede profissional de disseminação de fake news, ameaças e ofensas contra pessoas e instituições pátrias. Os efeitos daninhos dessa rede extrapolam o âmbito pessoal – o que é grave por si só – e comprometem o próprio viço da democracia brasileira ao falsear a opinião pública por meios insidiosos. A desinformação estabelece um debate público sob falsas premissas. Poucas coisas são mais antidemocráticas.
Os efeitos daninhos da rede de fake news próxima a Bolsonaro comprometem o viço da democracia brasileira ao falsear a opinião pública
Em setembro do ano passado, o Estadão revelou que no terceiro andar do Palácio do Planalto, bem próximo ao gabinete de Jair Bolsonaro, fora montado um núcleo de “assessoramento de comunicação” composto por ex-assessores parlamentares ligados a dois filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e blogueiros que durante a campanha eleitoral de 2018 ganharam a simpatia do “Zero 2” e do “Zero 3” ao criarem perfis e páginas nas redes sociais cujo conteúdo era amplamente favorável ao então candidato à Presidência e bastante hostil a quem quer que fosse considerado “inimigo” da família, fossem pessoas ou instituições. Naquela ocasião, o País tomou conhecimento da existência do “gabinete do ódio”.
Na quarta-feira passada, o Facebook desencadeou uma operação de combate às fake news e ao discurso de ódio que atingiu em cheio essa rede de apoio ao presidente Bolsonaro na internet. Embora não tenha revelado dado novo – tanto a existência como a forma de atuação do “gabinete do ódio” já eram amplamente conhecidas –, a ação da empresa teve o efeito prático de retirar do ar 35 perfis, 14 páginas e 1 grupo no Facebook, além de 38 perfis no Instagram, empresa que, como o WhatsApp, é controlada pela holding Facebook. Com essas contas e páginas fora do ar, que juntas tinham quase 2 milhões de seguidores, o alcance das ofensas e das falsas informações que circulam por meio das redes sociais haverá de cair substancialmente.
O caráter global da operação do Facebook desfaz quaisquer suspeitas em relação ao possível direcionamento da ação contra alvos políticos predeterminados. Redes similares em vários países – pelo menos 11 – foram atingidas, inclusive nos Estados Unidos, onde pessoas que assessoraram o presidente Donald Trump também tiveram suas contas apagadas.
Os auditores do Facebook vincularam diretamente alguns dos perfis e páginas que foram retirados do ar no Brasil a Tércio Arnaud Tomaz, que ficou conhecido como o administrador da página “Bolsonaro Opressor 2.0” durante a campanha eleitoral de 2018 e hoje está lotado no Palácio do Planalto como assessor especial do presidente Jair Bolsonaro. Tomaz é até agora o elo formal mais forte entre o presidente da República e o tal “gabinete do ódio” que seria chefiado nas sombras por seu filho Carlos Bolsonaro.
A atuação direta de assessor do presidente em uma rede espúria de desinformação e destruição de reputações é algo gravíssimo que pode ter sérias repercussões na CPMI das Fake News, no inquérito que apura a atuação do “gabinete do ódio” contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e seus ministros e no âmbito do processo que corre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para apurar abuso de poder econômico da chapa liderada por Jair Bolsonaro justamente pelo uso de uma milionária estrutura de rede digital por meio da qual teriam sido disparadas em massa ofensas e fake news em 2018.
Como a atuação de insidiosa rede já se observava antes da vitória de Jair Bolsonaro no pleito, pelo que revela a operação do Facebook, tudo indica que a chegada de Bolsonaro ao Palácio do Planalto apenas teve o condão de dar um caráter oficial a práticas que já ocorriam há meses no submundo da internet. Basta ver que não cessaram – aí está o inquérito que corre no STF para apurar ações recentes de blogueiros próximos ao presidente – e, pior, recrudesceram.
É de suma importância o mais rápido esclarecimento das formas de atuação e, não menos importante, dos meios de financiamento dessa rede profissional de disseminação de fake news, ameaças e ofensas contra pessoas e instituições pátrias. Os efeitos daninhos dessa rede extrapolam o âmbito pessoal – o que é grave por si só – e comprometem o próprio viço da democracia brasileira ao falsear a opinião pública por meios insidiosos. A desinformação estabelece um debate público sob falsas premissas. Poucas coisas são mais antidemocráticas.
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