terça-feira, junho 11, 2019

A roupa íntima da Lava-Jato - LUIZ CARLOS AZEDO

Correio Braziliense - 11/06

”Políticos se mobilizam para convocar Moro a depor na Câmara e no Senado, falam até na instalação de uma CPI da Lava-Jato, além da aprovação da nova Lei de Abuso de Autoridade”


Uma das teorias da linguagem na internet, desenvolvida ainda nos tempos da linha discada, com seus ruídos característicos, foi batizada com o nome de “roupa íntima”. Trata-se da contaminação da linguagem adotada pelos usuários da internet pela informalidade do contexto em que utilizavam o computador, nas primeiras horas da manhã ou tarde da noite, geralmente utilizando a roupa com que acordavam ou iriam dormir. Os especialistas advertiam que essa informalidade era um risco para as comunicações de natureza comercial, administrativa ou diplomática.

Essa teoria foi comprovada no escândalo do WikiLeaks, a organização transnacional sem fins lucrativos, sediada na Suécia, administrada pelo jornalista e ciberativista australiano Julian Assange, que divulgou em 2013 milhares de documentos secretos do governo dos Estados Unidos, que monitorou conversas telefônicas e mensagens de e-mail em dezenas de países, com comentários assombrosos e revelações escabrosas de diplomatas e funcionários sobre a atuação do Departamento de Estado no mundo. Entre os documentos divulgados mais recentemente, um vídeo de 2007 mostra o ataque de um helicóptero Apache dos marines que matou pelo menos 12 pessoas, dentre as quais dois jornalistas da agência de notícias Reuters, em Bagdá, no contexto da ocupação do Iraque.

Coincidentemente, o autor do “furo”, o jornalista Glenn Greenwald, então colunista do jornal inglês The Guardian, que publicou os documentos também no The Washington, é o responsável pelo site Investigativo The Intercept, que divulgou neste domingo conversas comprometedoras, no aplicativo russo Telegram, do ministro da Justiça, Sérgio Moro, então juiz da 13ª. Vara Federal de Curitiba, e procuradores federais da força-tarefa da Operação Lava-Jato, entre eles Deltan Dallagnol, sobre assuntos da investigação. Casado com o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ), Greenwald mora no Rio de Janeiro desde 2005.

Suas revelações mobilizaram os advogados de Lula e o PT, que denunciam a suposta contaminação do julgamento de Lula por motivações políticas da Lava-Jato. No Congresso, políticos de diversos partidos se mobilizam para convocar Moro a depor na Câmara e no Senado, falam até na instalação de uma CPI para investigar a Lava-Jato, além da aprovação da nova Lei de Abuso de Autoridade. Greenwald diz que o volume de material obtido por ele neste caso supera o da reportagem que lhe valeu o prêmio Pulitzer, graças à parceria com o ex-agente da CIA e da NSA Edward Snowden, que está preso até hoje

Moro minimizou o fato e atacou os autores do vazamento: “Não vi nada de mais ali nas mensagens. O que há ali é uma invasão criminosa de celulares de procuradores, não é? Pra mim, isso é um fato bastante grave — ter havido essa invasão e divulgação. E, quanto ao conteúdo, no que diz respeito à minha pessoa, não vi nada de mais”, disse o ministro, após participar de evento com secretários de segurança pública em Manaus.

Diálogos


Na semana passada, Moro teve seu celular “hackeado”, mas o Intercept alega que obteve os diálogos antes dessa invasão. Segundo o site, as informações foram obtidas de uma fonte anônima. Em um dos diálogos, Moro pergunta a Dallagnol: “Não é muito tempo sem operação?”. O chefe da força-tarefa concorda: “É, sim”. Em outra conversa, Dallagnol pede a Moro para decidir rapidamente sobre um pedido de prisão: “Seria possível apreciar hoje?”. E Moro responde: “Não creio que conseguiria ver hoje. Mas pensem bem se é uma boa ideia”. Nove minutos depois, Moro adverte a Dallagnol: “Teriam que ser fatos graves”.

De acordo com o Intercept, procuradores traçaram estratégias para cassar a autorização judicial para o ex-presidente Lula ser entrevistado pelo jornal Folha de São Paulo, por temerem que influenciasse a eleição. O procurador Januário Paludo teria proposto: “Plano A: tentar recurso no próprio STF. Possibilidade zero. Plano B: abrir para todos fazerem a entrevista no mesmo dia. Vai ser uma zona, mas diminui a chance da entrevista ser direcionada”. Outro procurador, Athayde Ribeiro Costa, sugeriu que a Polícia Federal manobrasse para que a entrevista fosse feita depois das eleições. Quando a autorização para a entrevista foi cassada por uma liminar obtida pelo Partido Novo, Paludo escreveu: “Devemos agradecer à nossa PGR: Partido Novo!!”.

Não somente os advogados de Lula pretendem virar a mesa, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediu o afastamento de Moro e Dallagnol dos respectivos cargos e as defesas de outros réus se preparam para pedir a nulidade dos processos, alegando que Moro e os procuradores, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (SDTF), não podem invocar as prerrogativas da magistratura como instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. Seria prevaricação.


Em início de crise, ministro fica isolado, e Lava Jato prova do seu próprio veneno - IGOR GIELOW

Folha de S. Paulo - 11/06

Moro só pôde contar com manifestações de militares com assento no governo


Os primeiros movimentos sísmicos do mundo político após a revelação das conversas atribuídas a Sergio Moro, Deltan Dallagnol e outros lava-jatistas sugerem que o ex-juiz e atual ministro da Justiça não terá apoio irrestrito fora das redes sociais nesta crise.

O silêncio do chefe, Jair Bolsonaro (PSL), foi o mais eloquente. Um fator que pode mudar isso é o comportamento das redes sociais.

Significativamente, a articulação de uma eventual CPI está na mão da mesma esquerda que já pedia a cabeça de Moro. Os incomodados com o ministro e seu pacote anticrime no Congresso apenas observam.

Aqui, outro silêncio indica importante neutralidade que se traduz como apoio: o do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Moro só pôde contar com manifestações de militares com assento no governo, que sempre o apoiaram. Angariou apoio do vice Hamilton Mourão e de Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). Fora disso, o que mais se ouviu foram sussurros incomodados.

Não é nada desprezível o dado de que Bolsonaro queixou-se a pelo menos dois interlocutores sobre o que considerava apetite de Moro por sua cadeira em 2022.

A exposição pública que fez do acordo entre os dois, visando dar uma vaga no STF, pode ser vista como um tiro de advertência claro.

No campo da teoria conspiratória, fertilíssimo, sempre é lembrado que o ministro tem as chaves que regem o inquérito que apura se há envolvimento entre milícias e a família do presidente.

Fora do governo, Moro ainda nada bem na espuma da onda que levou o chefe ao Planalto. Ali, recebeu apoio dos filhos da primeira-família mais ativos virtualmente, Eduardo e Carlos. Não haveria de ser diferente: o espírito da Lava Jato estava no centro da insatisfação popular que ajudou a eleger Bolsonaro.

Mas mesmo o bolsonarista mais empedernido deve saber que a vida real não se resume a likes, e a revelação do teor das conversas até aqui atiçou adversários de Moro que nada têm a ver com a campanha Lula Livre.

Além da situação no Congresso, a disputa no Supremo entre os chamados legalistas e aqueles que aprovam a Lava Jato tende a pegar fogo.

É uma briga que remonta a debates sobre a Operação Satiagraha na década passada.

Ainda que as coisas se acomodem, as chances de o ministro ir para a corte parecem bastante reduzidas agora.

É importante ressaltar também o "agora". A ameaça feita pelo The Intercept Brasil de revelar mais episódios comprometedores a conta-gotas deixa qualquer avaliação ao sabor dos acontecimentos.

Criticado pelos apoiadores de Moro, o modus operandi é irrelevante dado que ninguém contestou o conteúdo do que foi exposto até aqui.

Nesse quesito, aliás, há alguma ironia histórica. Moro sempre gostou de ser associado à Lava Jato, mesmo como seu líder, o que não lhe garantiu muito prestígio na Polícia Federal, por exemplo.

Daí toda a revolta dos expostos contra o vazamento ser intrinsecamente risível: o argumento de criminalizar a revelação foi usado por todos os afetados pela operação desde seu começo em 2014, culpados ou não.

Se é fato que qualquer ascensorista de tribunal sabe que juízes trocam impressões com procuradores ao longo de processos, por errado que seja, ao fim a Lava Jato está provando de seu próprio veneno.