ZERO HORA - 22/04/12
Muita gente diz que adora viajar, mas depois que volta só recorda das coisas que deram errado. Sendo viajar um convite ao imprevisto, lógico que algumas coisas darão errado, faz parte do pacote.
Desde coisas ingratas, como a perda de uma conexão ou ter a mala extraviada, até xaropices menos relevantes, como ficar na última fila da plateia do musical ou um garçom mal-humorado não entender o seu pedido. Ainda assim, abra bem os olhos e veja onde você está: em Fernando de Noronha, em Paris, em Honolulu, em Mykonos. Poderia ser pior, não poderia?
Outro dia uma amiga que já deu a volta ao mundo uma dezena de vezes comentou que lamentava ver alguns viajantes tão blasés diante de situações que costumam maravilhar a todos.
São os que fazem um safári na Namíbia e estão mais preocupados com os mosquitos do que em admirar a paisagem, ou que estão à beira do mar numa praia da Tailândia e não se conformam de ter esquecido no hotel a nécessaire com os medicamentos, ou que não saboreiam um prato espetacular porque estão ocupados calculando quanto terão que deixar de gorjeta.
Não saboreiam nada, aliás. Estão diante das geleiras da Patagônia e não refletem sobre a imponência da natureza, estão sentados num café em Milão e não percebem a elegância dos transeuntes, entram numa gôndola em Veneza e passam o trajeto brigando contra a máquina fotográfica que emperrou, visitam Ouro Preto e não se emocionam com o tesouro da arquitetura barroca – mas se queixam das ladeiras, claro.
Vão à Provence e torcem o nariz para o cheiro dos queijos, olham para o céu estrelado do Atacama sofrendo com o excesso de silêncio, vão para Trancoso e reclamam de não ter onde usar salto alto, vão para a Índia sem informação alguma e aí estranham o gosto esquisito daquele hambúrguer: ué, não é carne de vaca, bem? Aliás, viajar sem estar minimamente informado sobre o destino escolhido é bem parecido com não ir.
Estão assistindo a um show de música no Central Park, mas não tiram o olho do iPad. Vão ao Rio, mas têm medo de ir à Lapa. Estão em Buenos Aires, mas nem pensar em prestigiar o tango – “programa de velho!” São os que olham tudo de cima, julgando, depreciando, como se o fato de se entregar ao local visitado fosse uma espécie de servilismo – típico daqueles que têm vergonha de serem turistas.
É muito bacana passar um longo tempo numa cidade estrangeira e adquirir hábitos comuns aos nativos para se sentir mais próximo da cultura local, mas quem pode fazer essas imersões com frequência? Na maior parte das vezes, somos turistas mesmo: estamos com um pé lá e outro cá. Então, estando lá, que nos rendamos ao inesperado, ao sublime, ao belo. Nada adianta levar o corpo pra passear se a alma não sai de casa.
domingo, abril 22, 2012
A fonte - LUIZ FERNANDO VERISSIMO
O ESTADÃO - 22/04/12
Lembro que fiquei emocionado quando li que tinham localizado a nascente do rio Amazonas. Quem sabe por que nos emocionamos? Tem gente que chora em largada de rali, ou vendo comercial de talco para criança, e depois não sabe explicar por quê.
Não havia nada de emocionante na notícia que li, mas me comoveu, por alguma razão. Nada mudou na natureza do rio e na nossa percepção dele com aquela nova informação, por assim dizer, biográfica. Todos os rios nascem em algum lugar, por que o nascedouro do Amazonas despertaria aquela pieguice? Mas sei lá, me comovi.
Exploradores da National Geographic Society tinham descoberto que o Amazonas começa como pingos de uma geleira do Nevado Mismi, uma montanha no Peru.
O filete de água que escorre pela parede rochosa do Nevado Mismi é o ponto mais distante da foz do Amazonas, lá no Atlântico, na bacia de rios andinos que se juntam para formar o rio maior. No pingo já está a pororoca. No nosso começo está o nosso fim, como disse o poeta, não me pergunte qual.
Rios são metáforas fortes: de vida que passa e ao mesmo tempo fica, de tempo que se esvai e nunca termina, do passageiro e do eterno. “Essa água que não para, de longas beiras” (Guimarães Rosa em A Terceira Margem do Rio). Suas nascentes são metáforas mais obscuras: do começo e da razão profunda de tudo. Do primeiro mistério.
Durante muito tempo a localização da nascente do Nilo foi um desafio para exploradores europeus. Sua busca, em contraste com o desinteresse dos nativos, para os quais a origem do rio era obviamente um dadivoso deus das águas, simbolizou o domínio do pensamento colonizador científico sobre uma cultura mágica. Joseph Conrad foi buscar na vertente podre do Congo, no coração escuro da floresta, uma representação do manancial de loucura e maldade da espécie, nossa danação no nosso começo.
Rios, no fim – ou no começo – simbolizam o que a gente quiser. A goteira do Nevado Mismi representa o que? Talvez a única oportunidade de se olhar o Amazonas como algo amável, e manejável. Depois ele cresce, fica poderoso e incompreensível, e quando entra no Brasil já ficou demais. Simbolizando nossa histórica dificuldade em saber o que fazer com tanta natureza.
De novo Guimarães Rosa:
“Só na foz dos rios é que se ouvem os murmúrios de todas as fontes”.
Isso também: o rio vai acumulando ruídos desde o seu nascer silencioso, sua fonte só fará barulho quando ele se despejar no mar. O filete de água que que escorre pela parede do Nevado Mismi já é estrondoso.
Só lhe falta história para ser ouvido.
Lembro que fiquei emocionado quando li que tinham localizado a nascente do rio Amazonas. Quem sabe por que nos emocionamos? Tem gente que chora em largada de rali, ou vendo comercial de talco para criança, e depois não sabe explicar por quê.
Não havia nada de emocionante na notícia que li, mas me comoveu, por alguma razão. Nada mudou na natureza do rio e na nossa percepção dele com aquela nova informação, por assim dizer, biográfica. Todos os rios nascem em algum lugar, por que o nascedouro do Amazonas despertaria aquela pieguice? Mas sei lá, me comovi.
Exploradores da National Geographic Society tinham descoberto que o Amazonas começa como pingos de uma geleira do Nevado Mismi, uma montanha no Peru.
O filete de água que escorre pela parede rochosa do Nevado Mismi é o ponto mais distante da foz do Amazonas, lá no Atlântico, na bacia de rios andinos que se juntam para formar o rio maior. No pingo já está a pororoca. No nosso começo está o nosso fim, como disse o poeta, não me pergunte qual.
Rios são metáforas fortes: de vida que passa e ao mesmo tempo fica, de tempo que se esvai e nunca termina, do passageiro e do eterno. “Essa água que não para, de longas beiras” (Guimarães Rosa em A Terceira Margem do Rio). Suas nascentes são metáforas mais obscuras: do começo e da razão profunda de tudo. Do primeiro mistério.
Durante muito tempo a localização da nascente do Nilo foi um desafio para exploradores europeus. Sua busca, em contraste com o desinteresse dos nativos, para os quais a origem do rio era obviamente um dadivoso deus das águas, simbolizou o domínio do pensamento colonizador científico sobre uma cultura mágica. Joseph Conrad foi buscar na vertente podre do Congo, no coração escuro da floresta, uma representação do manancial de loucura e maldade da espécie, nossa danação no nosso começo.
Rios, no fim – ou no começo – simbolizam o que a gente quiser. A goteira do Nevado Mismi representa o que? Talvez a única oportunidade de se olhar o Amazonas como algo amável, e manejável. Depois ele cresce, fica poderoso e incompreensível, e quando entra no Brasil já ficou demais. Simbolizando nossa histórica dificuldade em saber o que fazer com tanta natureza.
De novo Guimarães Rosa:
“Só na foz dos rios é que se ouvem os murmúrios de todas as fontes”.
Isso também: o rio vai acumulando ruídos desde o seu nascer silencioso, sua fonte só fará barulho quando ele se despejar no mar. O filete de água que que escorre pela parede do Nevado Mismi já é estrondoso.
Só lhe falta história para ser ouvido.
Isso não vai dar certo - JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo - 22/04/12
Acabo de ler que há suspeitas de que, nos Estados Unidos, existam alguns homens com mil filhos - ou muito mais, segundo os exaltados - de ambos os sexos e aproximadamente da mesma idade. Para mim foi uma grande surpresa, embora seja natural de Itaparica, ilha de mulheres famosamente ferazes e varões façanhudamente femeeiros, onde proles numerosas são a regra. E as exceções a ela são descendências legendárias, como a de um certo tio-avô meu cujo nome deixemos pra lá, que, diz o povo, fez mais de 20 em casa e, variando conforme o narrador, 70 e tantos na rua, entre teúdas, manteúdas, fugazes aventuras galantes, casadas inquietas, viúvas inconsoláveis, comadres traquinas, maus passos da mocidade e raparigas diversas. Falam até que ele nem era o recordista, havia vários outros que o superaram.
Mas mil, meus caros amigos, mil nem o finado Helinho Codorna, que justamente levava esta alcunha por, no enfático dizer de Jacob Branco, "ser um fenomenal erotômano, que só pensava nisso, só fazia isso e morreu de fazer isso". Por mais que o sujeito seja despachado, fazer mil filhos - e todos mais ou menos da mesma idade, ainda por cima - não parece empresa simples. Mas isso é porque ainda não nos acostumamos direito aos novos tempos e não nos damos conta das implicações de fatos que já fazem parte do cotidiano. Deve haver mesmo pais com mais de mil filhos, é bem possível.
A matéria explica que muitos homens são doadores de sêmen, mas poucos têm um sêmen "ideal". Ele pode conter traços genéticos indesejados e outras "impurezas", com o resultado de que uma amostra do bom, ou do mais em demanda, se valoriza e é muito usada pelo banco que a fornece para inseminação artificial. Daí se temer que um número inestimável de meios-irmãos, ou seja, filhos do mesmo pai com dezenas, centenas ou milhares de mães, já esteja circulando por aí, correndo até o risco de virem a casar-se entre si. Não sei se há exagero nisso, mas, se houver, não deverá ser muito, porque já se formam movimentos de possíveis prejudicados, notadamente entre os pais de filhos gerados por sêmen de doadores anônimos. Tampouco sei em que medidas concretas isso vai dar - talvez a exigência de que os noivos façam sempre testes de DNA, para ver se não são irmãos ou filho um de outro, embora eu não creia que isso evite grandes traumas e mesmo tragédias.
É possível que seja mera caturrice minha, mero apego a valores destituídos de fundamentos sólidos, mas não acho certo esse negócio de o sujeito ter milhares de filhos, é muito estranho. Não creio que haja muitos homens que, depois de pensarem um pouco, gostem da ideia de ter filhos seus anonimamente espalhados por aí, quando o impulso que antigamente era tido como natural seria conhecê-los, conviver com eles, aprender com eles e, enfim, ter a relação que a maior parte dos pais quer ter com os filhos. Compreendo quem queira gerar um filho por inseminação artificial, mas creio que os critérios, a começar pela própria área médica, poderiam ser revistos, porque assim chega a parecer coisa de gado, de animais criados quase em moldes industriais.
Mas nada deverá ser revisto, a não ser na direção oposta. Alegam-se impedimentos éticos e legais para a realização de certos experimentos com seres humanos, mas nada de fato impede que eles venham sendo feitos, pois há muita glória e, principalmente, dinheiro, envolvidos nesse campo. E os cientistas não constituem, ao contrário do que são levados a crer os leitores das páginas de ciências dos jornais, uma comunidade homogênea, que partilha dos mesmos valores, tem a mesma ideologia e os mesmos princípios e, enfim, não conta com canalhas e possíveis delinquentes em seu meio. Há tantos carreiristas venais entre eles quanto na sociedade maior de que são parte.
Não sei em que escala isso já se dá, mas é possível, por exemplo, escolher o sexo do bebê a resultar da inseminação. Em breve, quem sabe se essa escolha não virará rotina, ou até obrigação, por força de alguma lei que pretenda regular a composição demográfica do País? Onde ter filhas dê prejuízo (como nos casos em que o pai precisa oferecer um dote), o sexo preferido vai ser o masculino. O mesmo nas culturas genericamente denomináveis de machistas. Só pode inspirar pesadelos, em que exércitos de donzelões chineses invadirão países vizinhos, dispostos a tudo para asfixiar o anserino (vão ao dicionário somente esta vezinha; não foi por pernosticismo que escrevi isso aí, foi para pôr traje social numa expressão normalmente um pouco deselegante). E os países que produzirão meninas adolescentes para exportação?
Já se começa também a pensar nas aptidões que poderão ser "aplicadas" ao bebê em formação. Não devo estar muito equivocado em apostar que a maior parte dos pais vai querer que seus filhos nasçam com aptidão para ganhar dinheiro. Mas um país exclusivamente de banqueiros, políticos e malandros não pode subsistir (ou pode? examinar o caso do Brasil numa ocasião futura). Tem que haver quem trabalhe e então, naturalmente, o governo criará a Agência Nacional do Nascimento e da Vocação, destinada a produzir critérios e metas para organizar a caótica reprodução humana estabelecida com as novas tecnologias. Metas serão traçadas pelos economistas e demógrafos, para a criação da correta mão de obra para cada década. Mas, como de hábito, as metas vão revelar-se todas furadas e o pandemônio populacional se apresentará em novas formas. Isso para não falar nas exigências de cotas para profissões, tipos físicos, cores da pele, vocações, opções sexuais e assim por diante. E, finalmente, talvez mais cedo do que se espere, a Polícia Federal executará a Operação Cromossomo, com a prisão de vários implicados na adulteração e falsificação de gente. Mas ninguém vai ficar na cadeia.
Uma vocação - DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 22/04/12
Como dizem os gaúchos, é preciso estar atento para montar o cavalo quando ele passar arreado
É MUITO difícil encontrar o caminho. Como um garoto pode saber o que pretende ser quando crescer? Do ponto de vista profissional é impossível, a não ser para os raros privilegiados que desde criancinhas botam tala nas perninhas quebradas dos passarinhos, e por isso sempre acharam que queriam ser médicos. Mas, sinceramente: alguém em sã consciência pode, aos 15, ter a certeza de que pretende passar a vida no pregão da Bolsa de Valores?
As coisas vão acontecendo, as ocasiões se apresentando e, como dizem os gaúchos, é preciso estar atento para montar o cavalo quando ele passar arreado. Ele sempre passa, e é só você olhar para trás e lembrar de tudo que já aconteceu em sua vida para reconhecer que talvez o cavalo tenha passado várias vezes -só que você não viu.
Na vida pessoal/afetiva é a mesma coisa. Quantas vezes não aconteceu de aparecer alguém com quem você poderia ter vivido uma bela história, mas que não foi nem considerado na época porque seu coração batia mais forte quando outro chegava -sobretudo quando não chegava; e nem é preciso dizer que foi ele que te largou.
Ah, se na hora a gente soubesse que é preciso não perder nenhuma oportunidade, seja em que campo for, para não chorar no futuro pelas chances que não chegou a ter pela pior das cegueiras: a cegueira mental.
Então você tem 20 anos e acha que quer trabalhar com moda porque desde os 17 só pensa nisso. Isso significa que mesmo que esteja estudando e fazendo todos os estágios nas mais gloriosas das faculdades do mundo, está há três anos com uma idéia fixa, e é aí que mora o perigo -ou pode morar.
É maravilhoso saber o que se quer e trabalhar com perseverança para chegar lá, mas a fila está andando; espere que sua grande chance chegue -talvez-, mas, enquanto não acontece, faça coisas, qualquer coisa, mas faça.
Seu sonho é fazer um documentário, mas ainda não conseguiu captar os recursos necessários -é, a vida às vezes é dura, e somos todos injustiçados e incompreendidos. Se alguém te oferece um trabalho por 15 dias, coisa modesta, tipo encapar livros ou ajudar a fazer pulseiras de artesanato, você aceita ou se sente ofendida? Pois aceite: talvez possa descobrir uma vocação que nunca havia percebido para criar bijuterias, talvez acabe criando joias de verdade e se torne uma nova Paloma Picasso -que para falar a verdade era uma péssima designer, e de maravilhoso mesmo só tinha o nome. No meio do caminho tudo pode acontecer, até mesmo descobrir que sua verdadeira vocação é mexer com metais -e daí para virar escultora é só um passo.
E existem os mares, as florestas, os desertos, os aviões, o carnaval, a televisão, os sabores, a política, o aprendizado, as crianças, o frio, os espelhos, o prazer de andar descalça na grama, a internet, os peixes, o amor, os livros, o vento, a chuva, o futuro, o passado, a memória, a esperança, o sono, a água, o fogo, as letras, os números, o deserto, as religiões, a história, e o melhor de tudo: a imaginação. Não posso conceber que alguém ache a vida um tédio; e de pelo menos uma dessas coisas você pode gostar apaixonadamente.
Vá ao mercado perto de sua casa, olhe um abacaxi e pense no milagre que é a natureza, milagre que se repete em cada fruta, cada árvore, e que uma vida inteira seria pouco para refletir sobre o que é o paladar, o aroma, a textura de cada uma dessas coisas que se olha todos os dias, mas não se vê.
De descoberta em descoberta, o perigo é um dia você descobrir o que mais queria: sua verdadeira vocação.
Se isso acontecer vai ser bom, mas cuidado: você vai abrir mão de todas as outras possibilidades -o que é sempre uma pena.
Dúvidas sobre o aquecimento global - MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP - 22/04/12
O aumento de temperatura do planeta é causado pelos humanos, pela poluição ou por efeitos naturais?
Um debate furioso anda ocorrendo no meio acadêmico, focado essencialmente na questão da causa do aquecimento global.
A maioria dos cientistas, se bem que nem todos, concorda que a temperatura média do planeta nos últimos 150 anos, ou seja, dentro da era industrial, vem aumentando gradualmente. A disputa que ocorre, se bem que de uma maioria contra uma minoria, é sobre se esse aumento é causado por humanos, pela poluição industrial ou por efeitos naturais, como radiação solar.
William D. Nordhaus, economista da Universidade Yale, recentemente escreveu um artigo para a prestigiosa publicação "New York Review of Books" em que respondeu a um editorial redigido por 16 cientistas no "Wall Street Journal" que apontam seis pontos de discórdia:
1. Se a temperatura de fato está aumentando;
2. Se influências humanas contribuem para esse aumento;
3. Se o CO2 é de fato um poluente;
4. Se existe um regime de discriminação da academia contra cientistas que se opõem ao aquecimento global;
5. Se os cientistas que defendem o aquecimento têm ganhos financeiros em mente;
6. Se quantidades adicionais de CO2 podem ser benéficas.
Nordhaus oferece argumentos contra os seis itens. Deles, o segundo é, a meu ver, o mais importante. Em geral, modelos de aquecimento têm duas versões: uma sem incluir contribuições humanas, como a produção industrial de CO2, e outra incluindo esses fatores. As duas versões são então comparadas com dados acumulados para se decidir sobre a influência humana. Nordhaus nota que os modelos que incluem efeitos antropogênicos são os que estão de acordo com os dados.
Recentemente, três cientistas apresentaram uma crítica detalhada aos argumentos de Nordhaus: Roger W. Cohen, um físico de renome, William Happer, da Universidade de Princeton, e Richard Lindzen, do MIT. Eles argumentam que os modelos não são assim tão bons quanto dizem Nordhaus e os cientistas do IPCC (Painel Internacional sobre Mudança Climática): "Esse procedimento [de comparação] requer absolutamente um modelo que inclui corretamente todas as fontes de variabilidade", afirmam.
Eu discordo dessa afirmação. Modelos nunca podem ser perfeitos ou incluir todos os efeitos, ou não seriam modelos. Todo modelo tem limitações, precisamente por não sabermos tudo o que é necessário para descrever a situação de forma completa. Um modelo eficiente, entretanto, reproduz os dados de forma satisfatória. Isso funciona porque vários fatores são irrelevantes ou causam apenas pequenas perturbações. Modelos são a forma de lidar com nosso conhecimento limitado do mundo natural.
Portanto, o que importa é que, mesmo se os vários modelos possam discordar nos detalhes, no geral eles concordam com o que afirma Nordhaus e o IPCC: a industrialização do planeta afeta o clima, aumentando a temperatura média global.
Dadas as variações, inferências são sempre estatísticas, sem resposta definitiva. Mesmo que seja estatisticamente possível que o impacto humano seja pequeno, em vista da evidência que temos hoje, seria absurdo apostar nessa incerteza.
O aumento de temperatura do planeta é causado pelos humanos, pela poluição ou por efeitos naturais?
Um debate furioso anda ocorrendo no meio acadêmico, focado essencialmente na questão da causa do aquecimento global.
A maioria dos cientistas, se bem que nem todos, concorda que a temperatura média do planeta nos últimos 150 anos, ou seja, dentro da era industrial, vem aumentando gradualmente. A disputa que ocorre, se bem que de uma maioria contra uma minoria, é sobre se esse aumento é causado por humanos, pela poluição industrial ou por efeitos naturais, como radiação solar.
William D. Nordhaus, economista da Universidade Yale, recentemente escreveu um artigo para a prestigiosa publicação "New York Review of Books" em que respondeu a um editorial redigido por 16 cientistas no "Wall Street Journal" que apontam seis pontos de discórdia:
1. Se a temperatura de fato está aumentando;
2. Se influências humanas contribuem para esse aumento;
3. Se o CO2 é de fato um poluente;
4. Se existe um regime de discriminação da academia contra cientistas que se opõem ao aquecimento global;
5. Se os cientistas que defendem o aquecimento têm ganhos financeiros em mente;
6. Se quantidades adicionais de CO2 podem ser benéficas.
Nordhaus oferece argumentos contra os seis itens. Deles, o segundo é, a meu ver, o mais importante. Em geral, modelos de aquecimento têm duas versões: uma sem incluir contribuições humanas, como a produção industrial de CO2, e outra incluindo esses fatores. As duas versões são então comparadas com dados acumulados para se decidir sobre a influência humana. Nordhaus nota que os modelos que incluem efeitos antropogênicos são os que estão de acordo com os dados.
Recentemente, três cientistas apresentaram uma crítica detalhada aos argumentos de Nordhaus: Roger W. Cohen, um físico de renome, William Happer, da Universidade de Princeton, e Richard Lindzen, do MIT. Eles argumentam que os modelos não são assim tão bons quanto dizem Nordhaus e os cientistas do IPCC (Painel Internacional sobre Mudança Climática): "Esse procedimento [de comparação] requer absolutamente um modelo que inclui corretamente todas as fontes de variabilidade", afirmam.
Eu discordo dessa afirmação. Modelos nunca podem ser perfeitos ou incluir todos os efeitos, ou não seriam modelos. Todo modelo tem limitações, precisamente por não sabermos tudo o que é necessário para descrever a situação de forma completa. Um modelo eficiente, entretanto, reproduz os dados de forma satisfatória. Isso funciona porque vários fatores são irrelevantes ou causam apenas pequenas perturbações. Modelos são a forma de lidar com nosso conhecimento limitado do mundo natural.
Portanto, o que importa é que, mesmo se os vários modelos possam discordar nos detalhes, no geral eles concordam com o que afirma Nordhaus e o IPCC: a industrialização do planeta afeta o clima, aumentando a temperatura média global.
Dadas as variações, inferências são sempre estatísticas, sem resposta definitiva. Mesmo que seja estatisticamente possível que o impacto humano seja pequeno, em vista da evidência que temos hoje, seria absurdo apostar nessa incerteza.
Fantástico - CARLOS HEITOR CONY
FOLHA DE SP - 22/04/12
RIO DE JANEIRO - A secretária andou arrumando a estante onde guardo livros de outros tempos e, de repente, esbarrei com alguns deles na mesa de trabalho.
Aleatoriamente, peguei um e comecei a reler. Era de dois autores alemães que atribuem a derrota de Hitler às intrigas, invejas, delações e traições entre os principais chefes nazistas, e não à superioridade militar e moral dos Aliados.
Segue um exemplo periférico do saco de gatos em que o Führer se apoiava. Numa visita ao rei da Itália, que desejava condecorar Alfred Rosenberg, ministro das Relações Exteriores da Alemanha, com a mais alta comenda da Casa de Savoia, os hierarcas mais importantes do nazismo foram convidados a um jantar no Palácio do Quirinale, sede oficial do soberano da Itália.
Num dos salões, estava armada a mesa do banquete com lugares marcados para cada autoridade. Num salão vizinho, cheio de convidados, alguém fazia o discurso saudando o agraciado. Aproveitando estarem todos em volta do rei, o marechal Goering, segundo homem na hierarquia nazista, sem ser percebido, deu um jeito de ir ao salão do banquete para examinar os cartões diante de cada prato. O pessoal do protocolo italiano havia colocado Rosenberg ao lado direito do rei, com Mussolini à esquerda.
Desapontado, Goering descobriu que não ficaria nos principais lugares. Como não havia ninguém por perto, o marechal trocou os cartões, colocando-se entre o rei e Mussolini, e rebaixando Rosenberg para uma ponta da mesa. Só então juntou-se aos demais no outro salão.
O Estado-Maior nazista vivia em guerra permanente entre si, em busca de prestígio, quem podia mais do que quem. Natural que perdesse a outra guerra. E não havia nenhum repórter do "Fantástico" para registrar o golpe baixo do marechal do Reich.
RIO DE JANEIRO - A secretária andou arrumando a estante onde guardo livros de outros tempos e, de repente, esbarrei com alguns deles na mesa de trabalho.
Aleatoriamente, peguei um e comecei a reler. Era de dois autores alemães que atribuem a derrota de Hitler às intrigas, invejas, delações e traições entre os principais chefes nazistas, e não à superioridade militar e moral dos Aliados.
Segue um exemplo periférico do saco de gatos em que o Führer se apoiava. Numa visita ao rei da Itália, que desejava condecorar Alfred Rosenberg, ministro das Relações Exteriores da Alemanha, com a mais alta comenda da Casa de Savoia, os hierarcas mais importantes do nazismo foram convidados a um jantar no Palácio do Quirinale, sede oficial do soberano da Itália.
Num dos salões, estava armada a mesa do banquete com lugares marcados para cada autoridade. Num salão vizinho, cheio de convidados, alguém fazia o discurso saudando o agraciado. Aproveitando estarem todos em volta do rei, o marechal Goering, segundo homem na hierarquia nazista, sem ser percebido, deu um jeito de ir ao salão do banquete para examinar os cartões diante de cada prato. O pessoal do protocolo italiano havia colocado Rosenberg ao lado direito do rei, com Mussolini à esquerda.
Desapontado, Goering descobriu que não ficaria nos principais lugares. Como não havia ninguém por perto, o marechal trocou os cartões, colocando-se entre o rei e Mussolini, e rebaixando Rosenberg para uma ponta da mesa. Só então juntou-se aos demais no outro salão.
O Estado-Maior nazista vivia em guerra permanente entre si, em busca de prestígio, quem podia mais do que quem. Natural que perdesse a outra guerra. E não havia nenhum repórter do "Fantástico" para registrar o golpe baixo do marechal do Reich.
Paulo Teixeira - ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 22/04/12
Cachoeira: a testemunha número um
A primeira testemunha a ser convocada pelo relator do Conselho de Ética, senador Humberto Costa (PT-PE), será o contraventor Carlinhos Cachoeira. Sua ida ao Senado deverá ocorrer na primeira quinzena de maio, a depender de liberação da Justiça. O presidente do colegiado, senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), vai encurtar os prazos regimentais para acelerar o processo de Demóstenes Torres. Depois do dia 3 de maio, quando será apresentado o relatório preliminar, o conselho tem cinco dias para aceitar ou não o texto e iniciar a fase das testemunhas. Valadares tentará votar o relatório em apenas um dia.
"O PT criou a CPI para investigar a organização criminosa do contraventor Carlos Cachoeira. E seremos contra todas as ações que não atendam a este critério”
— Rui Falcão, presidente nacional do PT
TÚNEL DO TEMPO. Antes de ser presidente do STF, o ministro Carlos Ayres Britto fez política partidária, como contou em seu discurso de posse. A foto acima é de um debate entre os candidatos à prefeitura de Aracaju (SE) nas eleições de 1985. Ayres, à direita da bancada vazia, de roupas claras, foi candidato pelo PDT. O governador Marcelo Déda (SE), à esquerda, de roupas escuras, foi o candidato do PT. Seu atual vice, Jackson Barreto (PMDB), que não foi ao debate, venceu as eleições.
Porta fechada
O relator do Código Florestal, deputado Paulo Piau (PMDB-MG), tentou se reunir com a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) antes de apresentar seu texto. A ministra alegou que não tinha espaço na agenda para recebê-lo.
A missão
O líder do PMDB na Câmara, Henrique Alves (RN), pediu para o ministro Aldo Rebelo (Esporte), que foi relator do Código Florestal no primeiro turno, na Câmara, que conversasse com a presidente Dilma e a ministra Izabella Teixeira.
Operações suspensas
A Polícia Federal reunirá 400 delegados em congresso de quarta-feira a sexta-feira no Rio. Neste período, eles não farão nenhuma operação. Os dirigentes sindicais dos policiais federais planejam divulgar uma nota, ao fim do encontro, pedindo que a CPI do Cachoeira não seja corporativa e trabalhe com isenção. O texto também vai colocar nas contas do Ministério Público de Brasília e de Goiás o vazamento do inquérito da Monte Carlo.
Marco histórico
Amanhã, em Rosário do Catete (SE), a presidente Dilma e o governador Marcelo Déda dão início ao Projeto Carnalita, que prevê investimento de US$40 bilhões da Vale para produzir potássio. O orçamento do estado é de R$7 bi.
Na prancha
A CPI do Cachoeira combinou com a Comissão de Sindicância da Câmara que os primeiros a serem ouvidos serão o senador Demóstenes Torres e os deputados Sandes Júnior (PP-GO), Carlos Leréia (PSDB-GO) e Rubens Ottoni (PT-GO).
O EX-LÍDER DO GOVERNO no Senado Romero Jucá (PMDB-RR) não vai integrar a CPI do Cachoeira. Ele considera este trabalho incompatível com a função de relator do Orçamento da União para 2013.
FORA DA CPI. O líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), confidenciou a aliados que vai ficar o mais longe possível dos trabalhos da CPI.
RECEITA. Experiente em CPIs, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) acha que é preciso evitar retrabalho na investigação. Ele quer que a Polícia Federal e o Ministério Público digam o que eles não conseguiram fazer e que deveria ser objeto das apurações.
Genuinamente generosos - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 22/04/12
SÃO PAULO - Algo importante está acontecendo na biologia. O conceito de seleção de grupo, segundo o qual determinados genes podem fixar-se ou espalhar-se numa população por causa dos benefícios que fornecem à comunidade (e não aos indivíduos), está voltando com força.
A ideia fora originalmente proposta por ninguém menos que Charles Darwin (1809-1882), ainda que com reservas. Mas foi nos anos 70 que a seleção de grupo se viu praticamente banida da ortodoxia biológica.
Embora sempre admitindo que ela era em princípio possível, autores do calibre de George Williams, John Maynard Smith e Richard Dawkins a dizimaram. O principal argumento é o de que ela não é muito estável: sempre valeria a pena para indivíduos egoístas pegar carona na coesão grupal sem dar sua cota de contribuição. Eles teriam maior sucesso reprodutivo, espalhando seus genes menos colaborativos. Seria assim muito difícil fixar num pool genético características que favorecem o grupo.
Estava inaugurada a era do gene egoísta. Comportamentos aparentemente abnegados eram, na verdade, explicados por interesses mais comezinhos, como a seleção por parentesco (perpetuar os genes da família) ou o altruísmo recíproco (um investimento no mercado futuro).
A maré pode estar virando. Só neste mês foram publicados dois importantes livros, "The Righteous Mind", de Jonathan Haidt, e "The Social Conquest of Earth", de E. O. Wilson, que afirmam, com todas as letras, que a seleção de grupo foi fundamental para moldar a evolução humana. Se isso é verdade, estamos livres para ser genuinamente generosos.
O caso de Wilson é simbólico porque ele foi um dos principais advogados da seleção por parentesco. Hoje diz que tanto sua biologia como sua matemática estavam erradas.
A celeuma, que envolve cálculo avançado e pode ficar bastante técnica, está só começando. Os próximos anos serão agitados na biologia.
As fotos de Obama - JOSUÉ GOMES DA SILVA
FOLHA DE SP - 22/04/12
Brasil e EUA têm várias convergências: grandes democracias mundiais, largos e produtivos territórios, semelhante sistema político e de organização do Estado. Suas populações, de imigrantes de diferentes etnias e credos, propiciam paz. A pujança do agronegócio trouxe expansão de fronteiras e formação de capital. Em seguida, veio a indústria que, com sua força, garantiu o desenvolvimento.
Entretanto é possível destacar mais um ponto convergente na agenda de nossos governos, o reconhecimento da importância do setor industrial. Nos EUA, o presidente Obama se empenha na definição de políticas públicas que reforcem o atual processo de reindustrialização.
Tal prioridade está visível nas paredes da sala de reunião do prédio adjacente à Casa Branca, onde os membros do Fórum de CEO"s Brasil-EUA foram recebidos na recente visita da presidente Dilma a Washington. Dezenas de fotos do chefe de Estado anfitrião em plantas industriais estão nas paredes do recinto. Há imagens de Obama movimentando um robô, conversando com operários e observando linhas de montagem.
Mencionei que havia percebido as fotos. Comentei serem símbolos enfáticos da importância que ele atribui à indústria de seu país. Prossegui afirmando que a presidente Dilma também dá ênfase à nossa indústria. Nada mais pertinente. Afinal, parafraseando o slogan do Plano Brasil Maior, "país desenvolvido é país que tem indústria forte".
Ao final de minha fala, Obama comentou: "Puxa! Pensei que você iria só ressaltar que agora tenho mais cabelos brancos...". Ainda que seus cabelos estejam mais grisalhos, certamente não foi por seu trabalho de resgate da manufatura. Talvez estivessem ainda mais brancos se não fosse o renascimento industrial nos EUA.
O setor aporta tecnologia, cria produtos e bens de capital, gera renda elevada, empregos de qualidade em larga escala e desenvolve novas atividades. Inclui itens de alto valor à pauta de exportações, impulsiona melhor divisão do trabalho e permite a modernização agropecuária, contribuindo para que essa atividade, tão significativa para nossos países, também seja mais eficaz.
Diante disso, preocupa a queda da participação industrial no PIB brasileiro, de 35,8%, em 1984, para 15,3%, em 2011. Assim como os EUA, buscamos reverter o quadro, como se observa na mobilização dos empresários e em medidas de desoneração de encargos sociais e tributos adotadas pelo governo.
Vale, portanto, observar a relevância que o presidente da maior potência mundial tem dado ao setor. Fica a reflexão: se nossos países tiverem sucesso na reindustrialização, haverá muito menos cabelos brancos nas Américas.
A graça do bom e do mau humor - HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 22/04/12
Como tudo o mais na vida, o senso de humor não está equitativamente distribuído entre os viventes. Ilustrações? Aqui vão duas, ilustríssimas.
1.
Numa curva da conversa, Isabel Allende envereda pelo tema do feminismo, e se põe a falar com veemência desproporcional ao físico de quem mede um metro e meio. Entre cílios pesados de tanto delineador e rímel, seus olhos brilham, e os braços se esgalham numa gesticulação enfática. Não há como não concordar com o que ela diz - e não é, por um segundo que seja, aquela arenga catequética dos militantes em geral, com a qual você pode até estar de acordo, mas precisava ser chato assim para defender uma boa causa? Não, o que a Isabel diz é não só interessante como muito divertido.
O alvo, claro, são os machos, em geral predadores. Todas as religiões tradicionais, por exemplo, são a seu ver orientadas e controladas por homens, e tocadas de um jeito que beneficia os marmanjos e controla as mulheres - sexualidade, fertilidade, poder, liberdade, corpos. Inveja do pênis? Isabel ri da provocação - e repete o que disse ante engravatada plateia ao receber do presidente chileno Patricio Alwyn o Prêmio Gabriela Mistral: "Quem pode invejar esse pequeno e caprichoso apêndice? Francamente, se eu tivesse um, não saberia onde colocá-lo..."
Isabel Allende não tem dúvida de que o grande problema da humanidade é a violência - e, sacando obscuras porém verossímeis pesquisas, afirma que 97% dos crimes violentos são cometidos por homens. Tudo culpa da testosterona, hormônio tão daninho que deveria ser eliminado do corpo assim que o menino chega à puberdade. Mas peraí, a testosterona, exatamente, não é responsável por boa parte do prazer sexual que as mulheres buscam? A autora de Afrodite não vacila: bem, de vez em quando a gente poderia dar um sachezinho ou umas gotas para vocês botarem no café...
2.
Com José Saramago, a conversa era outra. Volta e meia o escritor português se punha sentencioso, e antes mesmo de ganhar o Nobel (estávamos a uns meses disso, em 1998) me sugeria um desses homens engomados que, de perfil, adornam moedas e medalhas. Definitivamente, nossos sensos de humor não batiam - a não ser numas raras ocasiões, como aquela em que me contou: na aldeia onde nasceu havia uma família "Caralhana" e outra "Curroto" - "felizmente", sorriu, "não calhou-me nenhuma dessas...". Ou quando falou do avô João: zelador de uma propriedade rural, ele dormia numa cabana, e para não ter que ir lá fora urinar, enfiava num longo canudo de madeira aquele penduricalho que nenhuma inveja faz a Isabel Allende.
No mais, porém, nossos risos nunca estavam sincronizados. Agora, por exemplo, ele me falava de um livro que vinha escrevendo, no qual pretendia contar sua vida até o começo da adolescência, e que iria se chamar O Livro das Tentações, título depois mudado para As pequenas memórias. Como logo antes o assunto tinha sido seu primeiro romance, Terra do pecado, indaguei, como quem pensa alto: não é curioso o sujeito começar pelo pecado e meio século depois chegar à tentação? Eu mesmo me diverti com a pergunta, mas Saramago fechou a cara, irritado com a estultícia que acabara de ouvir: "Não", se pôs a explicar, "são outras tentações, não as da carne!" - e por aí foi, num papo didático que era bem o contrário de qualquer boa tentação.
Depois, gravador desligado, fizemos pausa para o café, e Saramago, na sala, me apresentou seus três cães: a yorkshire Greta, o poodle Pepe e o cão d'água português (espécie de poodle) Camões. Como o dono, este era um devorador de livros, só que em sentido literal: ultimamente, andava a roer um álbum com reproduções de Goya. Antes de se aplicar à pintura espanhola, dera cabo de duas biografias de Nelson Mandela. A insistência gastronômica de Camões no líder sul-africano me divertiu - mas nem um pouco ao romancista, a julgar pelo piparote com que pôs para correr aquele voraz e irreverente degustador das letras & artes.
PROGRAMAÇÃO ESPORTIVA NA TV
7h30 - Fiorentina x Inter de Milão, Campeonato Italiano, ESPN e Sportv
8h30 - M. United x Everton, Campeonato Inglês, ESPN Brasil e ESPN HD
8h30 - Mundial de Superbike, Motociclismo, Bandsports
8h45 - Masters 1.000 de Monte Carlo, Final, Sportv 2
9h - GP do Bahrein, F-1, Globo
10h - Milan x Bologna, Campeonato Italiano, ESPN
10h - Lazio x Lecce, Campeonato Italiano, Sportv
11h30 - Ajax x Groningen, Campeonato Holandês, ESPN HD
12h - Wolves x M. City, Campeonato Inglês, ESPN Brasil
12h - Elim. Sul-Americana de futsal, Final, Sportv
13h - Atl. de Madri x Espanyol, Campeonato Espanhol, ESPN
14h - Volvo Ocean Race, Iatismo, Bandsports
15h15 - Nacional x Sporting, Campeonato Português, Bandsports
15h45 - Juventus x Roma, Campeonato Italiano, ESPN Brasil e ESPN HD
16h - Corinthians x Ponte Preta, Campeonato Paulista, Band e Globo (para SP)
16h - Vasco x Flamengo, Estadual do Rio, Band e Globo (menos SP)
16h15 - Lyon x Lorient, Campeonato Francês, Sportv 2
16h30 - Valencia x Betis, Campeonato Espanhol, ESPN
18h30 - Guarani x Palmeiras, Campeonato Paulista, Sportv
21h - Boston x New York, Beisebol, ESPN e ESPN HD
Beleza não tem época - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 22/04/12
Há nessas gravuras algo que tanto lembra cartas de baralho quanto símbolos heráldicos
A GRAVURA é uma das mais significativas expressões das artes plásticas brasileiras modernas.
É também hoje um dos pontos mais críticos desse campo de criação, precisamente pelo que mais caracterizadamente a qualifica: seu caráter eminentemente artesanal, ou seja, situa-se no polo oposto à arte conceitual -tida como a mais avançada das tendências artísticas.
Para quem acredita nisso, a gravura será uma expressão obsoleta, fora de época. Só que beleza não tem época.
Não obstante, convém observar que a gravura se afirmou como expressão autônoma no momento em que, na Europa, ao final do século 19, o desenvolvimento industrial chegou ao auge, com a produção crescente de máquinas e equipamentos, inclusive com a invenção da fotografia.
Embora alguns pintores da época tenham se valido da fotografia para imprimir maior realismo a suas telas, logo o inevitável aconteceu: a linguagem realista da arte entrou em crise, e uma das consequências foi que a gravura deixou de ser simples meio de reprodução gráfica para se tornar linguagem criadora, autônoma.
Exemplo disso são as obras de Edvard Munch e dos expressionistas alemães, como Kirchner e Rottluff. Um deles, Alfred Kubin, foi professor de um jovem brasileiro chamado Oswaldo Goeldi, que se tornaria um dos mestres da moderna gravura no Brasil, juntamente com Lívio Abramo.
Assim se inicia a fase de ouro de nossa gravura moderna, em que se destacariam os nomes de Marcelo Grassmann, Darel Valença, Anna Letycia, Rubem Grillo -que nos honra como ilustrador desta coluna- e Gilvan Samico, que é, na verdade, o assunto desta crônica.
Conheço Samico há muitos anos, desde a época em que era um jovem artista de Pernambuco, onde reside até hoje. Aliás, reside num casarão do século 17, onde teria morado João Fernandes Vieira, o líder da luta pela expulsão dos holandeses.
Mas, segundo Samico, trata-se de "um herói sem nenhum caráter, pior do que Macunaíma". Sucede que, se sei disso, é porque acabo de ler um belo livro sobre sua obra, recentemente lançado pela editora Bem-Te-Vi e escrito por Weydson Barros Leal, poeta e crítico de arte também pernambucano.
Samico, no começo, estudou no Rio com Oswaldo Goeldi, por um mês apenas. Depois estudou com Lívio Abramo em São Paulo, com quem aprimorou a técnica de gravar, tanto no linóleo quanto na madeira. Lívio o aconselhava a usar qualquer madeira, inclusive as das caixas de frutas que eram jogadas nas ruas.
Talvez porque o que importava, então, era conquistar o domínio técnico da goiva e vencer as carências de uma placa de madeira pouco nobre. Com isso, Samico aprendeu que a melhor madeira é a de cada um, mas também que a "madeira de topo", por sua dureza, permite com maior precisão definir a linha gravada. E isso é fundamental em sua arte, caracterizada pela limpidez e pela precisão.
Limpidez e precisão no executar, em definir as figuras, estruturar a composição e escolher com apuro as cores. Sim, porque, no mais, a arte de Samico é sonho, delírio e poesia.
Rara e surpreendente conjugação de opostos: se no começo suas gravuras nos mostravam cenas mágicas, em que a figura humana, os bichos e as plantas se integravam, isso mudou; essas cenas foram substituídas por composições geométricas rigorosas, dentro das quais, com o mesmo rigor formal, surgem imagens inesperadas -que tanto podem ser serpentes, como répteis, como aves- que parecem enigmas, cenas simbólicas ou lendárias que dispensam decifração.
E, não obstante, queremos decifrá-las, ou melhor, de fato não o queremos, porque necessitamos de preservar-lhes o enigma, o encantamento. Há nessas gravuras de grande tamanho algo que tanto lembra cartas de baralho (um baralho mágico) quanto símbolos heráldicos.
Não gostaria de encerrar este comentário sobre a arte de Gilvan Samico sem assinalar um traço especial que distingue a sua gravura da dos demais gravadores brasileiros. É que nela a lição dos mestres modernistas se funde à linguagem popular da gravura de cordel -herança portuguesa que sobreviveu na cultura popular nordestina-, incutindo-lhe a significação e a beleza da grande arte.
ME ALIVIA A DOR - MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 22/04/12
Depois de três cirurgias e quatro meses internada, Zizi Possi diz que foi 'dormir' com 48 anos e, após o tratamento, acordou 'de repente com 56'
A cantora Zizi Possi, 56, está tomando pelo menos dez comprimidos por dia: cinco em jejum, três depois do café da manhã, dois de um antidepressivo para "desmarcar a memória da dor". E outro, à base de morfina, quando necessário.
"A ideia é que eu chegue ao ponto de só tomar aspirina", diz a intérprete de "Asa Morena", recitando naturalmente termos médicos, enquanto espera o manobrista trazer seu carro na porta do Sírio-Libanês. No último ano, ela foi duas vezes por semana ao hospital para fazer reabilitação, após ter passado por três cirurgias e somado quatro meses de internação.
Tudo começou no dia 25 de outubro de 2010. "Acordei sem conseguir levantar da cama. Estava com minha filha [a cantora Luiza Possi] no interior. Ela me trouxe de carro até o Sírio-Libanês. Fiz ressonância e vi que estava com listese, que é quando há um escorregamento da vértebra. Dá uma dor horrorosa", relata à repórter Thais Bilenky.
Precisou ser operada. "Era para durar três horas, durou sete. Três dias depois, senti um calor horrível. E uma dor de cabeça que eu nunca tinha tido na minha vida. E imediatamente começou o calafrio. Frio, frio, frio, frio. Dias depois, fui tirar os pontos. Fiquei superfeliz, né? Cheguei em casa, começou a vazar um líquido pela cicatriz. Mas vazar de eu ter que trocar quatro jogos de lençol durante uma manhã."
Era liquor, "aquela substância líquida onde boia o cérebro" [e envolve a medula]. "Tava escorrendo pelas costas, pela cicatriz [na lombar]. Tive uma fístula liquórica. Um nervo foi pinçado, partido, perfurado." Voltou imediatamente para o hospital.
"Fiquei quatro dias em trendelemburg, jamais vou esquecer esse nome. É uma posição em que você fica na cama com os pés mais altos que a cabeça. Você come assim, bebe assim, tem que fazer número um e número dois assim. E não podia tomar remédio para dor de cabeça, porque [a dor] era a medida [de seu estado] pro médico."
Parecia que estava indo bem, "mas de repente, 'truaft', molhou tudo de novo". Lá foi Zizi, em 17 de novembro, para a segunda cirurgia, agora neurológica. Teve alta, mas foi para casa com dor.
Fez novo exame e descobriu "uma coisa terrível. Estava com uma infecção muito grande". Foi então a terceira cirurgia, em 21 de dezembro, "para extrair material infectado, porque se isso entrasse na medula, tchau".
Foram mais 40 dias sem se mexer. Começou a tomar morfina. Uma bomba, "que eu chamava de Tchernobil", pingava gotas sem parar. Se a dor aumentasse, apertava um botão e vinha quantidade maior da droga.
No período de dor aguda, Zizi chegou a tomar remédios à base de ópio e teve alucinações das quais se lembra rindo. "Eu assistia TV e falava: parece um quadro do [pintor Piet] Mondrian."
Saiu do hospital no dia 22 de fevereiro de 2011. Nos dois meses seguintes, ficou com enfermeiros em casa. Tinha um cateter embaixo do seio por onde recebia um antibiótico "barra pesada". Recomeçou a andar.
Havia engordado. "Entrei [no hospital] já gordinha, com 62 quilos. Quando saí de lá, estava com 73,5. Meu nariz parecia até pequeno de tão inchada que eu tava", ri. Agora está com 69.
Em nenhum momento, a cantora perdeu a consciência. "Pensava que estava passando por tudo aquilo para aprender alguma coisa. Aperreação você entra, discute, faz, acontece e sai igual. Quando 'cê' entra numa crise, vai ao fundo, remexe, se reposiciona. Ou eu ia morrer ou eu ia viver. Saí renovada."
Do hospital, guarda também boas lembranças. Era o Réveillon de 2010 para 2011 e ela estava sozinha. "Ia começar a ler alguma coisa. De repente, ouvi alguém: 'Pode-se entrar nessa festa?'. Era um superamigo meu, que podia estar na Europa, num iate, numa das suas milhares de casas. Veio sozinho de bermuda, chinelinho, com um champanhe na mão. Me tocou tanto, mas tanto!"
Também recebeu a visita de Líber Gadelha, pai de Luiza. Havia 25 anos que os dois e a filha não ficavam no mesmo ambiente. "Ele me falou: 'As coisas acontecem, né? Mas o tempo vai passando e de repente fica um bem querer que a gente não faz força para ter'. Putz, aí é para se acabar de chorar, né?"
Teve conversas profundas com o irmão Neco, que morreu depois que Zizi deixou o hospital. E passou noites com o outro irmão, o diretor José Possi Neto, "como fazíamos na adolescência, na Bahia". "Tava na boca da caçapa, mas percebi que tava com mais medo da vida do que da morte."
Zizi teve depressão de 2001 a 2005. Fez análise "a vida inteira". E descobriu que ficar mal "era um saco". Está acostumada com os remédios. Tem fibromialgia, "uma dor que pinta na musculatura se a gente não dorme legal. Então preciso de ajuda para dormir". "Eu sou três: eu, meus remédios e o Rubinho", seu poodle, cardíaco.
Há alguns anos, conheceu uma médica que falou: "Você tem problema ósseo crônico. Na sua depressão, teve vontade de morrer?". "Falei: 'Tive vontade de sumir'. Ela falou: 'Os arqueólogos cavocam a vida da gente e vão descobrindo os fósseis através dos ossos. A única maneira que a gente tem de apagar nossa existência neste planeta, ou seja, de sumir, é acabar com os ossos.'"
Faz uma pausa. "[Na internação] Abri os olhos e falei: 'Meu Deus, estou aqui lidando com as consequências de um dia ter querido sumir'."
Passou a ter medo de avião, perdeu o "tesão" de dirigir e a vontade de ligar o computador e só ouve música indiana.
Zizi voltou à ativa no dia 29 de abril de 2011, na gravação do DVD de sua filha. No mês seguinte, retomou a agenda de shows pelo país. Pretende gravar um CD ainda neste ano e talvez inclua sua mais nova música, "Quem Viver Terá", que compôs nas sessões de drenagem linfática. Diz assim: "Xô celulite, sai desse corpo que não te pertence".
A cantora diz que não namora desde 2008. Foi quando fez dez cirurgias dentárias -"ó, os ossos de novo". Advoga para si o direito de não falar sobre sua "vida sexual, pessoal". "Ninguém precisa nem deve saber com quem eu tô. Quero e vou ser respeitada. Entendeu?"
"Venho de uma história perturbada. Não tenho nada para dar para ninguém. Pode ser que daqui a pouco até tenha, ou não. Parece que fui dormir com 48 anos e, de repente, acordei com 56."
Depois de três cirurgias e quatro meses internada, Zizi Possi diz que foi 'dormir' com 48 anos e, após o tratamento, acordou 'de repente com 56'
A cantora Zizi Possi, 56, está tomando pelo menos dez comprimidos por dia: cinco em jejum, três depois do café da manhã, dois de um antidepressivo para "desmarcar a memória da dor". E outro, à base de morfina, quando necessário.
"A ideia é que eu chegue ao ponto de só tomar aspirina", diz a intérprete de "Asa Morena", recitando naturalmente termos médicos, enquanto espera o manobrista trazer seu carro na porta do Sírio-Libanês. No último ano, ela foi duas vezes por semana ao hospital para fazer reabilitação, após ter passado por três cirurgias e somado quatro meses de internação.
Tudo começou no dia 25 de outubro de 2010. "Acordei sem conseguir levantar da cama. Estava com minha filha [a cantora Luiza Possi] no interior. Ela me trouxe de carro até o Sírio-Libanês. Fiz ressonância e vi que estava com listese, que é quando há um escorregamento da vértebra. Dá uma dor horrorosa", relata à repórter Thais Bilenky.
Precisou ser operada. "Era para durar três horas, durou sete. Três dias depois, senti um calor horrível. E uma dor de cabeça que eu nunca tinha tido na minha vida. E imediatamente começou o calafrio. Frio, frio, frio, frio. Dias depois, fui tirar os pontos. Fiquei superfeliz, né? Cheguei em casa, começou a vazar um líquido pela cicatriz. Mas vazar de eu ter que trocar quatro jogos de lençol durante uma manhã."
Era liquor, "aquela substância líquida onde boia o cérebro" [e envolve a medula]. "Tava escorrendo pelas costas, pela cicatriz [na lombar]. Tive uma fístula liquórica. Um nervo foi pinçado, partido, perfurado." Voltou imediatamente para o hospital.
"Fiquei quatro dias em trendelemburg, jamais vou esquecer esse nome. É uma posição em que você fica na cama com os pés mais altos que a cabeça. Você come assim, bebe assim, tem que fazer número um e número dois assim. E não podia tomar remédio para dor de cabeça, porque [a dor] era a medida [de seu estado] pro médico."
Parecia que estava indo bem, "mas de repente, 'truaft', molhou tudo de novo". Lá foi Zizi, em 17 de novembro, para a segunda cirurgia, agora neurológica. Teve alta, mas foi para casa com dor.
Fez novo exame e descobriu "uma coisa terrível. Estava com uma infecção muito grande". Foi então a terceira cirurgia, em 21 de dezembro, "para extrair material infectado, porque se isso entrasse na medula, tchau".
Foram mais 40 dias sem se mexer. Começou a tomar morfina. Uma bomba, "que eu chamava de Tchernobil", pingava gotas sem parar. Se a dor aumentasse, apertava um botão e vinha quantidade maior da droga.
No período de dor aguda, Zizi chegou a tomar remédios à base de ópio e teve alucinações das quais se lembra rindo. "Eu assistia TV e falava: parece um quadro do [pintor Piet] Mondrian."
Saiu do hospital no dia 22 de fevereiro de 2011. Nos dois meses seguintes, ficou com enfermeiros em casa. Tinha um cateter embaixo do seio por onde recebia um antibiótico "barra pesada". Recomeçou a andar.
Havia engordado. "Entrei [no hospital] já gordinha, com 62 quilos. Quando saí de lá, estava com 73,5. Meu nariz parecia até pequeno de tão inchada que eu tava", ri. Agora está com 69.
Em nenhum momento, a cantora perdeu a consciência. "Pensava que estava passando por tudo aquilo para aprender alguma coisa. Aperreação você entra, discute, faz, acontece e sai igual. Quando 'cê' entra numa crise, vai ao fundo, remexe, se reposiciona. Ou eu ia morrer ou eu ia viver. Saí renovada."
Do hospital, guarda também boas lembranças. Era o Réveillon de 2010 para 2011 e ela estava sozinha. "Ia começar a ler alguma coisa. De repente, ouvi alguém: 'Pode-se entrar nessa festa?'. Era um superamigo meu, que podia estar na Europa, num iate, numa das suas milhares de casas. Veio sozinho de bermuda, chinelinho, com um champanhe na mão. Me tocou tanto, mas tanto!"
Também recebeu a visita de Líber Gadelha, pai de Luiza. Havia 25 anos que os dois e a filha não ficavam no mesmo ambiente. "Ele me falou: 'As coisas acontecem, né? Mas o tempo vai passando e de repente fica um bem querer que a gente não faz força para ter'. Putz, aí é para se acabar de chorar, né?"
Teve conversas profundas com o irmão Neco, que morreu depois que Zizi deixou o hospital. E passou noites com o outro irmão, o diretor José Possi Neto, "como fazíamos na adolescência, na Bahia". "Tava na boca da caçapa, mas percebi que tava com mais medo da vida do que da morte."
Zizi teve depressão de 2001 a 2005. Fez análise "a vida inteira". E descobriu que ficar mal "era um saco". Está acostumada com os remédios. Tem fibromialgia, "uma dor que pinta na musculatura se a gente não dorme legal. Então preciso de ajuda para dormir". "Eu sou três: eu, meus remédios e o Rubinho", seu poodle, cardíaco.
Há alguns anos, conheceu uma médica que falou: "Você tem problema ósseo crônico. Na sua depressão, teve vontade de morrer?". "Falei: 'Tive vontade de sumir'. Ela falou: 'Os arqueólogos cavocam a vida da gente e vão descobrindo os fósseis através dos ossos. A única maneira que a gente tem de apagar nossa existência neste planeta, ou seja, de sumir, é acabar com os ossos.'"
Faz uma pausa. "[Na internação] Abri os olhos e falei: 'Meu Deus, estou aqui lidando com as consequências de um dia ter querido sumir'."
Passou a ter medo de avião, perdeu o "tesão" de dirigir e a vontade de ligar o computador e só ouve música indiana.
Zizi voltou à ativa no dia 29 de abril de 2011, na gravação do DVD de sua filha. No mês seguinte, retomou a agenda de shows pelo país. Pretende gravar um CD ainda neste ano e talvez inclua sua mais nova música, "Quem Viver Terá", que compôs nas sessões de drenagem linfática. Diz assim: "Xô celulite, sai desse corpo que não te pertence".
A cantora diz que não namora desde 2008. Foi quando fez dez cirurgias dentárias -"ó, os ossos de novo". Advoga para si o direito de não falar sobre sua "vida sexual, pessoal". "Ninguém precisa nem deve saber com quem eu tô. Quero e vou ser respeitada. Entendeu?"
"Venho de uma história perturbada. Não tenho nada para dar para ninguém. Pode ser que daqui a pouco até tenha, ou não. Parece que fui dormir com 48 anos e, de repente, acordei com 56."
CPI! Sinceridade dá cadeia! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 22/04/12
A Polícia Federal devia lançar um combo, o PF-Combo: telefone, internet e grampo por R$39,90!
BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do país da piada pronta!
Direto de Curitiba: "Incêndio no motel Caliente". E olha esta placa: "Esqueça o cão! Cuidado com a dona". Postei essa foto no Facebook e veio a gritaria: "É a casa da minha ex-mulher". "É a casa da minha mãe!" "É a casa da minha sogra."
Aliás, um amigo deu para a sogra uma cama redonda. Porque cobra dorme enrolada. E esta de Camaçari, Bahia: "A prefeitura cuidando de quem vive aqui! Reforma do cemitério da Gleba H". Rarará!!
E o babado da semana: "Berlusconi pede para stripper se fantasiar de Ronaldinho Gaúcho". Não tinha outro mais jeitoso? O Adriano! E isso que é tara, viu! A stripper era linda e gostosa. "Não quero. Prefiro o Ronaldinho Gaúcho." Sabe aquele que já fez de tudo e partiu para o sexo bizarro? Rarará!
O "Berluscome" todas! O nosso Maluf pornô! Medalha de honra ao meretrício. Por transformar a Itália em uma zona! E os grampos? O grampo está cabeludo! E eu adoro porque a primeira vítima do grampo é um careca: o Demóstenes, o atual Óstenes!
E a Polícia Federal devia lançar um combo. PF-Combo: telefone, internet e grampo por R$ 39,90! E se pegarem mais alguém do DEM negociando propina, o DEM muda de nome pra RECEBEM! Rarará!
E a CPI do Cachoeira? CPI quer dizer Coma a Pizza Inteira. CPI quer dizer Cheiro de Pizza Iminente! Mas, como é cachoeira, vai terminar em despacho. Cachaça com farofa!
E eu sei quatro expressões mágicas para qualquer CPI: "Ah, é", "ah, foi?", "ah, sim" e "ah, não!".
"O senhor fez tudo legalmente?" "Ah, sim!" "Mas o senhor foi grampeado como Carlinhos Cachoeira." "Ah, foi?" "Então o senhor se considera inocente." "Ah, sim!" "Então o senhor está indiciado." "Ah, não!" Rarará!
E, se perguntarem se viu o Cachoeira, alegue catarata. "O senhor viu o Cachoeira?" "Nunca, eu tenho catarata!" Rarará!
E não vá chegar na CPI bancando o gostoso. Dizendo que é amigo do Cachoeira e que já fez muitos negócios com ele. Sinceridade dá cadeia. Moral da CPI: sinceridade dá cadeia! E não vá pronunciar a palavra cagada na CPI, é feio. Tem que dizer evacuação caótica ou incontinência fecal. Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Mensalão - prisma técnico ou político? - GAUDÊNCIO TORQUATO
O Estado de S.Paulo - 22/04/12
O episódio do mensalão, que poderá ser julgado no Supremo Tribunal Federal (STF) ainda neste semestre, apresenta-se como um dos mais emblemáticos da história jurídica do País. Sua singularidade começa com o número de acusados, 38, atravessa a montanha de três centenas de volumes, fora os apensos, para abarcar cerca de 600 testemunhas. A polêmica que reacende ocorre às vésperas de uma campanha eleitoral e no momento em que uma CPI se forma para investigar o escândalo mais recente de corrupção na esfera política, devendo a decisão ser tomada - se o processo for de fato a julgamento - sob a presidência de um ministro que permanecerá apenas sete meses no comando da Corte. Vale lembrar que o caso ganha acesa polêmica sob imagens contrastantes: de um lado, avoca-se papel "mais ativo e progressista" para o STF; de outro, surgem borrões sobre situações vividas por magistrados em instâncias da Justiça. Vê-se ainda o balão da opinião pública pairando sobre a cabeça dos julgadores e, por último, se distingue a argumentação levantada por implicados alicerçada na tese de que os ministros devem julgar o caso sob o prisma técnico, e não político. O novelo tem fios com as cores do arco-íris.
A começar pela visão modernizante proporcionada pelo STF a partir de decisões recentes, como reconhecimento da união homoafetiva, liberação da marcha da maconha e legalização do aborto de fetos anencéfalos, é razoável supor que o mensalão, em seu grand finale, seja encurralado no paredão da ilegalidade. A expectativa é que o evento, como outros escândalos, seja extirpado da cena institucional. Donde emerge o dilema: o juiz deve ou não abrir os ouvidos ao clamor social? O juiz, diz a lição, não deve ser vassalo da sociedade. Os ditames da Justiça recomendam que julgadores devem apartar interesses de uns e outros, acusados e acusadores, separar a faceta política do escopo técnico, elevando o corpo de provas ao alto patamar do julgamento. É impossível, porém, fechar os olhos ao eco do povo. O exercício consiste em juntar as partes no todo, unir o particular ao global e chegar, na expressão de Bacon, à rota da justa sentença, "como Deus costuma abrir o seu caminho elevando os vales e abaixando montanhas; de maneira que, se aparecer, ao lado de uma das partes, um braço poderoso, uma pressão violenta, astuciosas vantagens, combinações, nesse caso a virtude do juiz consiste em nivelar as desigualdades para poder fundar sua sentença em terreno plano".
Não é fácil definir "prisma técnico", como pregam agentes envolvidos no mensalão, em meio a núcleos variados: político, financeiro, publicitário, ao lado da tessitura que liga uns a outros, sob fartas provas documentais e testemunhais, algumas plenas de evidências, outras escassas de concretude ou deixando dúvidas. Não haveria um "celofane político" embalando os "pacotes técnicos"? A materialidade dos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro, todos com prova documental, não se reveste de caráter político? Eis a questão a ser respondida pelos 11 ministros do STF. O clima ambiental tende a influenciar a Corte? Se aceitarmos o princípio de que as leis se originam na realidade social, não há como descartar a hipótese. Nesse caso, o sentimento é de que o affaire deve ter seu desfecho o mais rápido possível. Quando um assunto vira sinônimo de "tramoia", sua permanência no meio social contribui para expandir prejulgamentos. Ademais, o novo presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto, defende o julgamento neste semestre, sob pena de ser difícil deixá-lo para o próximo, quando seis ministros estarão ocupados com o processo eleitoral.
Leve-se em conta que a CPI formada para investigar as atividades de Carlos Cachoeira e suas ligações com as áreas política e empresarial deve acender fogueiras, acirrar ânimos partidários e tumultuar o fluxo de decisões no Parlamento. O ambiente institucional poderá esfumaçar-se. Percepção final: fogo generalizado deixa só uns poucos a salvo. Se o sergipano Ayres Britto, exímio intérprete da lei - como deixou transparecer na bela peroração de posse no STF - e artesão da expressão jurídica, lograr o feito de comandar o julgamento do mais rumoroso caso de corrupção da contemporaneidade, entrará na galeria dos modeladores do moderno Judiciário brasileiro. Britto é um ponto de exclamação no rol de indagações que fragmenta a vida nacional. Sabe ler a alma do homem da rua. Entende que o espírito do Supremo deve impregnar-se da aura social. Filtrando, claro, os raios que podem ferir o corpo jurídico. Como poeta, canta os sentimentos coletivos. Assume com convicção o papel de missionário. Desfralda a bandeira de mudança de paradigmas. Veste o traje de independência do juiz sem deixar de lembrar que já foi militante partidário. Tem compromisso com a clareza. Afinal, a transparência, pilar da democracia, é o território contra o poder invisível, biombos e coxias.
Se em sete meses conseguir, como julgador e presidente do STF, fazer valer o ideário da dignidade - realçando leis como as da Ficha Limpa, da Improbidade Administrativa, Maria da Penha e as normas contra o cancro da corrupção -, poderá recolher-se em paz ao abrigo compulsório da aposentadoria aos 70 anos. Aliás, um luxo de país que comete a estultice de desprezar experiência, prestígio e energia criadora de quadros no auge de sua sabedoria e elevação espiritual.
Por último, oportuno ressaltar que o Judiciário também enfrenta seu calvário. Se é o Poder de que mais se exige pudor e respeito à ética, a verdade se impõe: não é imune ao erro. Precisa também ser objeto de investigação. Aos juízes, recomenda-se refletir sobre o canto poético de Carlos Ayres Britto: façam como as garças, que vivem em ambientes enlameados, mas executam uma coreografia cuidadosa que preserva a alvura de suas penas.
Aproximações - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 22/04/12
À margem das negociações políticas formais que se desenvolvem no Congresso para montar acordos nas principais votações, como a do novo código florestal, ou até mesmo para a composição das bancadas na CPI do Cachoeira, há movimentos de mais longo prazo nos bastidores partidários que indicam a possibilidade de fusão de partidos, ou até mesmo a criação de novo partido que agrupe políticos hoje dispersos por diversas siglas mas com proximidades forjadas no dia a dia da política.
O senador Randolfe Rodrigues, do PSOL do Amapá, por exemplo, será um dos membros da CPI em uma vaga que deveria ser ocupada pelo PSDB. Antes de aceitar, ele procurara o PT pedindo a vaga, mas o pleito foi negado.
Também ao senador do PDT de Mato Grosso Pedro Taques foi oferecida uma vaga da oposição, mas ele deve ser o representante de seu partido.
Essas aproximações têm menos a ver com afinidades partidárias e mais com relações pessoais e objetivos políticos que se refletem na atuação dentro do Congresso.
A preparação para a eleição presidencial de 2014 faz também um pano de fundo importante para esses potenciais alinhamentos políticos.
Os dois senadores citados, por exemplo, são próximos do líder tucano Aécio Neves, candidato potencial do PSDB à Presidência da República, e os três costumam trocar ideias no plenário do Senado com mais facilidade entre si do que com alguns membros de suas próprias siglas.
Exemplo típico dessa relação suprapartidária é a aproximação do PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, com o PSB do governador de Pernambuco, Eduardo Campos.
Embora a ligação formal mais evidente do PSB seja com o PT, os planos pessoais do governador pernambucano em direção ao Palácio do Planalto não passam, no médio prazo, pelo apoio do PT, mas sim pelo do PSD, e mesmo do PSDB, onde Campos mantém forte relação com o mesmo Aécio Neves.
Se o novo partido tiver problemas com a Justiça Eleitoral na divisão do horário de televisão, o mais provável é que se funda com o PSB antes que sofra uma debandada de seus integrantes.
Em colunas recentes, onde se discutiu as dificuldades de relacionamento entre o Executivo e o Legislativo, um dos pontos nevrálgicos detectados foi a fragmentação partidária.
As possibilidades reais de fusões partidárias num número menor e mais consistente de siglas estão condicionadas a três fatores: a proximidade ideológica e programática dos políticos que integram os diferentes partidos; os possíveis ganhos de competitividade e ocupação do poder com essas fusões e, naturalmente, a convergência de seu comportamento em diferentes dimensões.
Desde o ano passado, o Instituto FSB Pesquisa faz rodadas praticamente mensais de entrevistas com amostras representativas da Câmara dos Deputados.
Em sete dessas pesquisas, com 91% dos deputados, foi perguntado aos deputados federais qual era o outro partido político com o qual tinha melhor relacionamento.
Para Vladimir Gramacho, da FSB Pesquisas, o resultado dessa análise mostra que são reduzidos os incentivos para que os atuais congressistas promovam uma reorganização partidária que diminua o número de partidos.
Sem mudanças nas atuais circunstâncias e regras eleitorais, só a própria dinâmica da competição partidária poderá reduzir o número de legendas, à medida que os êxitos eleitorais de alguns impliquem derrotas e extinção de outros, analisa Gramacho.
O retrato que emerge desses dados revela uma heterogênea possibilidade de fusões. Na base governista, PMDB, PT e PSB são os partidos com maior número de conexões na Câmara.
Articulações e a construção de maiorias nas votações legislativas neste momento passam necessariamente por essa trinca.
No entanto, os projetos políticos para o futuro imediato afastam PSB e PMDB, pois uma possibilidade é que Eduardo Campos queira ser o vice na chapa de Dilma Rousseff à reeleição, se a situação política não for favorável a que se lance candidato ainda em 2014.
E poderão afastar o PSB do PT se Campos se aproximar do PSDB para apoiar a candidatura de Aécio Neves ou tentar sua própria candidatura.
Na oposição, o PSDB é claramente o ponto focal de acordo com as pesquisas da FSB. Juntos, os quatro partidos também protagonizam, neste momento, a maior parte das negociações para as disputas municipais.
As citações mais frequentes de cada partido formam três grandes blocos que guardam alguma coerência ideológica e até histórica entre si:
PT-PSB-PDT-PCdoB: partidos de esquerda, com frequência coligados em disputas importantes.
PMDB-PP-PR-PTB: partidos de centro-direita, com algum grau de coordenação e complementariedade eleitoral.
PSDB-DEM: partidos que deram sustentação ao governo FHC durante quase oito anos e que, desde 2003, vêm liderando a oposição ao PT.
No primeiro bloco, há, em todos os casos, graus moderados de adesão. Entre 50% e 70% dos membros de cada um dos partidos que formam o bloco citam outro partido do bloco como o que tem melhor relacionamento.
Os maiores desvios estão no PT, onde 35% citam o bloco do PMDB e especificamente o partido. Algo natural dada a coligação eleitoral formada pelas duas legendas.
O caso de menor adesão registrado na pesquisa é o do PSB que, apesar disso, não tem conexões fortes com outro grupo.
A conexão do PSB com o PSD é de cúpula partidária, não de suas respectivas bases, o que dificultou a tentativa inicial de fusão das duas siglas.
No segundo bloco, os graus de adesão são muito mais reduzidos: vão de 15% a 46%. São partidos que podem ser chamados de transversais, pois têm relações muito difusas, esclarece Gramacho.
O PMDB se percebe mais conectado ao PT - do primeiro bloco - do que aos partidos desse potencial agrupamento.
O PP é o mais convergente mas, ainda assim, não chega a 50% o percentual de deputados que citam os demais partidos do potencial bloco.
No PR, à deriva entre o governo e a oposição, nenhuma corrente chega a ter 30%. Já o PTB tem comportamento semelhante ao PMDB, preferindo o PT ao próprio bloco, ainda que em menor medida.
Finalmente, mais clara é a aliança entre PSDB e DEM que, se decidir fundir-se a outro partido, tem tudo para fazê-lo com o PSDB, como dizem seus deputados.
O Cachoeira e a gota d'água - LUIZ WERNECK VIANNA
O Estado de S.Paulo - 22/04/12
Não há teoria que subverta a convicção de que as coisas humanas andem ora tangidas por nossas ações, conscientes ou não dos resultados que delas advirão, ora como que animadas por movimentos internos, como que autopoieticamente, categoria que a sociologia, na obra clássica de Niklas Luhmann, importou da biologia, hoje incorporada ao léxico da moderna teoria social. A mudança de bastão de Lula da Silva para Dilma Rousseff, celebrada como uma prestidigitação em que a segunda deveria representar, no exercício do poder, a continuidade corporal do seu antecessor, como que em comunicação demiúrgica com ele - o corpo metafísico do rei -, omitiu no seu ritual a transmissão do carisma para a sucessora, como se ela estivesse fadada tão somente à missão litúrgica de zelar pelo culto do fundador da sua dinastia.
O fato é que, sob o governo Dilma, o ímpeto da expansão do capitalismo no País segue o seu curso, evidentes, a esta altura, os sinais de que esse movimento não obedece apenas a uma simples lógica naturalística, mas que já se constitui num processo politicamente orientado. Mais do que gestora, Dilma investe-se do papel de primeira executiva em geral do capitalismo brasileiro, concebido como um projeto nacional a ser implementado de modo decisionista pelo Poder Executivo e sua sofisticada tecnocracia. Entre vários outros, mais um indicador dessa inovação em termos de estilo de exercício de poder está na sua diplomacia presidencial, centralmente orientada para a projeção da economia do País no cenário internacional e refratária, sem alarde, a postulações político-ideológicas. Se coube antes, não lhe cabe mais a imagem de uma simples gerente da administração pública, porque já está aí o esboço de um perfil forte de dama de ferro do capitalismo brasileiro.
De outra parte, a expansão da experiência capitalista no Brasil não é mais apanágio do Centro-Sul, o agronegócio abriu-lhe o hinterland, introduzindo mutações irreversíveis na sua composição demográfica e na sua estrutura social. E por toda a imensa região da fronteira ela ativa e energiza a iniciativa dos seus setores subalternos, cria e expande mercados.
Essa vigorosa difusão da vida mercantil, contudo, se afirma num cenário desértico quanto à estruturação do político e à difusão de valores cívicos. Nas ciclópicas obras da construção de usinas hidrelétricas, que ora têm lugar nessa região de fronteira - empreendimento de grandes empreiteiras, financiado, em boa parte, com recursos estatais -, são mobilizadas centenas de milhares de trabalhadores, a maior parte deles conhecendo o seu primeiro emprego formal e a sua primeira exposição às leis trabalhistas e à vida sindical, que agora começa a chegar-lhes, em meio a greves selvagens e a atos tumultuados de protesto contra as precárias condições de trabalho com que se defrontam.
Por cima, a emergência de novas elites que fizeram a sua história à margem das lutas pela democratização do País. Por baixo, a presença multitudinária de trabalhadores e de homens em busca de oportunidades de vida, um capitalismo de faroeste que tem forçado, às vezes com sucesso, as portas de entrada da política, como neste Goiás de Carlinhos Cachoeira - personagem tão expressivo desse mundo quanto o foi, em Serra Pelada, o major Sebastião Curió -, espécie refinada de um gângster de bons modos e de bom gosto que parece saído de um romance de Scott Fitzgerald.
A natureza quasímoda do nosso sistema político - tradicional composição heteróclita do moderno com o atraso, este, no caso, representado pelas oligarquias tradicionais, filhas do nosso secular exclusivo agrário - torna-se ainda mais aberrante com a incorporação, como se tem apurado nas investigações em curso, dessa floração de um capitalismo sem lei, que, com métodos de máfia, se infiltra em grandes empresas, nas estruturas do Estado e do Ministério Público - lugar de origem da escalada política do senador Demóstenes Torres - e também na sede do Poder que representa a soberania popular.
As coisas humanas andam, e o seu andamento sinaliza, para o governo Dilma, o que talvez fosse ainda pouco visível para o seu antecessor: o presidencialismo de coalizão, na forma como vem sendo praticado, converteu-se numa política de alto risco para a democracia brasileira. O presidencialismo de coalizão, decerto, tem-se mostrado, entre nós, como uma via institucional adequada a fim de afiançar governabilidade, especialmente após a experiência frustrada do governo Collor, que se pretendeu pôr acima dos partidos. Mas a reiteração acrítica da sua prática, em particular no segundo mandato de Lula e na articulação da composição ministerial do governo Dilma, cuja montagem original não resistiu sequer a poucos meses de operação, não deixa mais dúvidas quanto à necessidade da revisão do seu modo de operação. O affaire Demóstenes-Cachoeira, com a CPI "do fim do mundo" ou sem ela, bem que pode ser a gota d'água.
Nessa forma de presidencialismo, a coalizão deve-se dar em torno de políticas, e não de interesses avulsos e fragmentados, como na nossa experiência atual, a qual, ao ratear benefícios e prebendas a granel, com a pretensão de garantir insulamento para a política decisionista e tecnocrática do Executivo, franqueia as estruturas do Estado à apropriação por parte de particularismos privatísticos, quando não do crime organizado por meio de redes de estilo mafioso.
A História contemporânea é farta em exemplos no sentido de mostrar que, por trás da projeção nacional dos Estados bem-sucedidos, há uma República, destino para o qual nos tangem os fatos, já desavindos com essa democracia de interesses que converteu a política num processo penal sem fim.
Baixeza na Corte - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 22/04/12
Nunca foi tão apropriado um chamamento quanto o feito pelo ministro Carlos Ayres Britto em seu discurso de posse na presidência do Supremo Tribunal Federal: "Mais que impor respeito, o Judiciário tem que se impor o respeito".
Os desaforos distribuídos pelo antecessor Cezar Peluso em suas entrevistas de despedida do posto, bem como o revide de um de seus alvos, o ministro Joaquim Barbosa, acusando-o de manipular resultados de julgamentos, evidenciam a carência do atributo invocado pelo novo presidente da Corte.
As brigas ao molde de ambientes desatinados não são novidade no Supremo. Vira e mexe um ministro se indispõe publicamente com o outro. Não quer dizer que sejam condutas aceitáveis. A repetição as torna mais condenáveis.
Mas agora a ausência de cerimônia chegou ao ápice, levando a credibilidade da Corte ao rumo do declínio.
O ministro Peluso disse o que quis sobre a presidente Dilma Rousseff, sobre um senador da República, sobre a corregedora do Conselho Nacional de Justiça, sobre a independência jurisdicional do Supremo.
Acabou ouvindo o que não deve ter gostado de ouvir de um de seus pares a quem chamou temperamental, complexado e permeável a pressões da opinião pública por insegurança.
Em entrevista ao jornal O Globo, Joaquim Barbosa deu o troco com juros e, como se dizia antigamente, correção monetária.
Nos trechos amenos chamou Peluso de "ridículo", "brega", "caipira", qualificou sua passagem pela presidência do STF como "desastrosa" e o acusou de ter "incendiado o Judiciário inteiro com sua obsessão corporativista".
Alguns adjetivos nem precisavam ser ditos por outrem, pois o próprio Cezar Peluso tratou, recente e anteriormente, de expô-los ao escrutínio público em posições assumidas nos votos ou declarações.
Joaquim Barbosa, contudo, foi muito além: acusou Peluso de manipular resultados de votações, usar das prerrogativas do cargo para fazer valer sua vontade, criar "falsas questões processuais" e na imputação mais grave de todas referiu-se a roubo e prevaricação.
Ou há outra interpretação possível para o trecho em que o ministro diz que o então presidente aproveitou a ausência dele do STF para lhe "surrupiar" processo em que era relator a fim de "ceder facilmente" a pressões?
Se os ministros do Supremo não estivessem fora da jurisdição do Conselho Nacional de Justiça seria um caso de se proceder a averiguações.
Não se discutem as razões do ministro Barbosa, até compreensivelmente agastado com o que considera tratamento desrespeitoso por parte de Cezar Peluso em relação às limitações impostas por seus problemas de saúde.
A questão aqui é o conteúdo: ou bem as acusações de Barbosa são verdadeiras ou decorrem de destempero e teríamos um juiz desprovido da serenidade indispensável ao ofício.
Em qualquer das hipóteses, sai ferida a instituição. Nivelada ao clima geral de torpeza, atingida em sua credibilidade. Seja pela ausência de qualificação pessoal ou por suspeições inadmissíveis em integrantes da Corte conceitualmente Suprema.
Caldo de galinha. Um ministro do PT, experiente participante de comissões de inquérito, avalia que o caso Cachoeira é a mais grave denúncia já vista por ele. Pela amplitude e profundidade da rede de ilegalidades. Pior até que o esquema PC. Como petista, não faz referência à gravidade comparativa do mensalão.
Não obstante o alcance das suspeitas, ele aposta (descontado o imponderável) que as investigações ficarão restritas ao âmbito do já apurado pela Polícia Federal e que, pelos nomes já ventilados para compor a CPI, prevalecerá a "prudência".
O ministro não acredita que suas excelências enveredem pelo caminho da retaliação recíproca nem que tenham interesse em ampliar o espectro de acusados. Faz um cotejo com a CPI da Petrobrás: começou embalada em clima de fim de mundo e terminou em estado de reversão de expectativas justamente por ação da aludida "prudência".
Três Poderes - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 22/04/12
BRASÍLIA - A República é formada por três Poderes independentes, Executivo, Judiciário e Legislativo. E eles estão pegando fogo.
O Legislativo, o mais tradicional saco de pancadas, está criando uma CPI para investigar tudo e todos, inclusive membros dos próprios três Poderes que andaram perigosamente próximos de cachoeiras, macacos, cachorros e outros bichos.
O Judiciário está de dar dó. Nunca antes na história deste país -sem exagero- os ministros do Supremo se xingam tanto publicamente. Cezar Peluso saiu da presidência do tribunal acusando a presidente da República de desrespeitar a Constituição e o colega Joaquim Barbosa de ser populista, inseguro e temperamental.
Não bastasse, Barbosa, que é relator do mensalão e vai assumir a presidência da mais alta corte do país em sete meses, reagiu em entrevista a Carolina Brígido, do "Globo", despejando os seguintes adjetivos sobre Peluso: "ridículo", "brega", "caipira", "corporativo", "desleal", "tirano", "pequeno", "imperial".
Dá para acreditar numa coisa assim? São esses, nesse clima, que vão julgar o mensalão, um dos casos mais complexos em décadas.
Enquanto isso, o Executivo, que defenestrou sete ministros, faz que não é com ele. A presidente Dilma disse -muito bem, aliás- que vai manter "uma posição absolutamente de respeito" ao Congresso e, portanto, aos trabalhos da CPI.
E quem conhece um pouco do palácio do Planalto diz que o andar do gabinete presidencial parece estar num outro mundo: ninguém fala em CPI, só em economia.
Aparentemente, é ótimo. Enquanto parlamentares e magistrados se engalfinham, a presidente pensa no crescimento, na desoneração das empresas, na garantia de empregos e de salários. Na normalidade, enfim.
Tomara, sinceramente, que dê certo, mas governos não lucram com CPIs e podem perder muito. Depende das torrentes do Cachoeira.
BRASÍLIA - A República é formada por três Poderes independentes, Executivo, Judiciário e Legislativo. E eles estão pegando fogo.
O Legislativo, o mais tradicional saco de pancadas, está criando uma CPI para investigar tudo e todos, inclusive membros dos próprios três Poderes que andaram perigosamente próximos de cachoeiras, macacos, cachorros e outros bichos.
O Judiciário está de dar dó. Nunca antes na história deste país -sem exagero- os ministros do Supremo se xingam tanto publicamente. Cezar Peluso saiu da presidência do tribunal acusando a presidente da República de desrespeitar a Constituição e o colega Joaquim Barbosa de ser populista, inseguro e temperamental.
Não bastasse, Barbosa, que é relator do mensalão e vai assumir a presidência da mais alta corte do país em sete meses, reagiu em entrevista a Carolina Brígido, do "Globo", despejando os seguintes adjetivos sobre Peluso: "ridículo", "brega", "caipira", "corporativo", "desleal", "tirano", "pequeno", "imperial".
Dá para acreditar numa coisa assim? São esses, nesse clima, que vão julgar o mensalão, um dos casos mais complexos em décadas.
Enquanto isso, o Executivo, que defenestrou sete ministros, faz que não é com ele. A presidente Dilma disse -muito bem, aliás- que vai manter "uma posição absolutamente de respeito" ao Congresso e, portanto, aos trabalhos da CPI.
E quem conhece um pouco do palácio do Planalto diz que o andar do gabinete presidencial parece estar num outro mundo: ninguém fala em CPI, só em economia.
Aparentemente, é ótimo. Enquanto parlamentares e magistrados se engalfinham, a presidente pensa no crescimento, na desoneração das empresas, na garantia de empregos e de salários. Na normalidade, enfim.
Tomara, sinceramente, que dê certo, mas governos não lucram com CPIs e podem perder muito. Depende das torrentes do Cachoeira.
Os ladinos, os bobos e a esperança - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 22/04/12
"Tenho a certeza de que, após a deflagração desta operação, muitos dirão que o jogo ilegal era reprimido em Goiás. Não é verdade." Esta é a opinião do juiz federal Paulo Augusto Moreira Lima, manifestada por escrito na decisão em que deferiu o pedido da Polícia Federal para que, com base no que se apurou na Operação Monte Carlo, fosse decretada a prisão do contraventor Carlinhos Cachoeira, cujas trampolinagens serão agora objeto de investigação também pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) em processo de constituição no Congresso Nacional.
Para o magistrado, a "assustadora" ingerência da quadrilha de Cachoeira no Estado de Goiás, particularmente no que diz respeito ao aparelho policial, resultou numa enorme farsa no combate à rede de meliantes que, sob o comando daquela figura notória, explora a jogatina no Estado: "É a famosa conversa de ladino para bobo. Tínhamos 'pseudoatuações' e simulação de persecução penal, para conferir impressão de enfrentamento ao crime", afirma o juiz em seu despacho de 23 de fevereiro. E assim, tendo as garantias da impunidade, Carlinhos Cachoeira comandou o crime em Goiás por 17 anos.
A manifestação do magistrado goiano só não é completamente estarrecedora porque, a partir da prisão de Cachoeira, não houve um só dia em que novas revelações não tenham escancarado a extensão e a profundidade da ação criminosa daquela quadrilha e seus cúmplices - agentes oficiais e privados -, não apenas em Goiás, mas em praticamente todo o País, e em todos os níveis de governo.
Por exemplo, está na berlinda o governador tucano Marconi Perillo, cujo governo, como as evidências sugerem, parece ter o rabo preso com o meliante. E a mesma suposição é válida para o governo petista do Distrito Federal e sabe-se lá quantas outras administrações públicas, a começar pela federal, que tem na Construtora Delta, a maior beneficiária das obras do PAC, um prestador de serviços envolvido no esquema corruptor de Carlinhos Cachoeira.
O Brasil já perdeu, no escândalo do mensalão, em 2005, uma excelente oportunidade de ir a fundo no combate à corrupção na vida pública. A deliberada omissão e conivência dos governantes e políticos em geral, inclusive os da oposição, permitiu que os principais responsáveis saíssem do escândalo incólumes - a não ser aqueles que ainda correm o risco de ser condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) - e até fortalecidos nas urnas, a ponto de se sentirem à vontade para definir o episódio como "farsa". Como consequência, durante o segundo mandato de Lula, o relacionamento espúrio entre agentes públicos e privados, como têm revelado as investigações da Polícia Federal, criou raízes cuja extensão talvez agora se revele, se a CPI do Cachoeira não terminar em pizza.
Ecoando as palavras do magistrado federal que olha para o aparato policial do Estado de Goiás e vê uma organização criminosa, as atenções dos brasileiros que ainda têm capacidade de se indignar com a dissolução ética e moral que parece dominar a coisa pública começam a se voltar para o julgamento do processo do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal, e para os trabalhos da nova CPI, que poderão ajudar a remover parte do entulho de corrupção que contamina o País.
A rara convergência das forças parlamentares do governo e da oposição a favor da instalação da CPI do Cachoeira seria uma notícia auspiciosa se não se soubesse que o que cada banda pretende não é mais do que colocar a outra na linha de fogo.
O Partido dos Trabalhadores, atiçado por Lula, entra na refrega com a faca nos dentes, sequioso por demonstrar que os criadores da "farsa do mensalão" não têm idoneidade para acusá-lo de nada. Os oposicionistas querem botar lenha na fogueira de um novo "mensalão", talvez como recurso derradeiro para obstar a hegemonia política do lulopetismo nas próximas décadas. O PMDB, com astúcia, permanece atento às oportunidades que certamente surgirão para aumentar seu cacife na partilha do butim. E o Palácio do Planalto, comprometido com as reiteradas manifestações de Dilma Rousseff a favor da "transparência", atua discreta e diligentemente para manter a CPI sob controle. Para o distinto público resta a esperança!
Uma empresa de um novo Brasil - ELIO GASPARI
O GLOBO - 22/04/12
COMO DIRIA Bob Dylan, alguma coisa está acontecendo aqui, mr. Jones, mas você não sabe o que é. Na semana passada, a empresa brasileira BRMalls, que é dona e/ou administradora de 46 shoppings em 15 Estados e 29 cidades, anunciou que no primeiro trimestre deste ano seu faturamento cresceu 25%, chegando a R$ 4,1 bilhões.
Ela surgiu há cinco anos, com seis pequenos shoppings. Tornou-se a líder do mercado e no ano passado seus centros comerciais tiveram 360 milhões de visitantes, que movimentaram R$ 16 bilhões. Suas ações valorizaram-se 360%. A empresa vale R$ 10 bilhões.
Mr. Jones tem dificuldade para entender isso, sobretudo porque ele viu as imagens de shoppings vazios na China, por excesso de oferta. O êxito do BRMalls reflete a conjunção de três acertos: percebeu que o consumidor brasileiro mudou, viu que quem investe ganha dinheiro e entrou no mercado com uma gestão profissional e meritocrática.
Entre 2008 e 2010, a empresa tomou um olho roxo metendo-se a administrar a Daslu, templo de exibicionismo da grã-finagem nacional.
Hoje a clientela dos shoppings da BRMalls é a chamada classe média emergente, um nome chique para o que nada mais é que o trabalhador brasileiro. As classes B e C têm uma renda familiar que vai de R$ 1.600 a R$ 6.900. Em 2003, havia 66 milhões de pessoas na classe C. Em 2009, chegaram a 95 milhões e, em 2014, poderão ser 113 milhões.
Enquanto no andar de cima o dinheiro que sobra vai para investimentos e no de baixo vai para alimentação, esse segmento consome. De uma maneira geral, nessa faixa a renda dos trabalhadores cresceu 9%, contra uma inflação de 5%. O freguês dos shoppings gasta em média cerca de R$ 70.
A empresa acreditou na expansão do mercado, na ampliação do acesso ao crédito e na queda dos juros. Em janeiro de 2007, a taxa Selic estava a 13,25% ao ano e agora está em 9%, com os bancos finalmente competindo nos custos que jogam em cima de seus clientes. A BRMalls investiu R$ 6 bilhões, no ano passado abriu um grande shopping na Mooca (SP), outro no Irajá (RJ) e inaugurará um terceiro em cima da rodoviária de Belo Horizonte.
Até aí o êxito foi da empresa para fora. Para dentro, enquanto o comércio é controlado por empresas familiares, a BRMalls é inteiramente profissional. Parente, nem namorada. A idade média de seus 350 funcionários está em 30 anos. Quando foi criada, tinha 15 sócios e a cada ano promove três pessoas de seu quadro. Hoje são 27. Todos os funcionários ganham bônus, mas se um leva dois salários, o melhor leva 20. Um craque que entra na empresa aos 25 anos pode sonhar em fechar seu primeiro milhão de reais aos 30.
A BRMalls descende da cabeça de Jorge Paulo Lemann, o empresário que mais produziu milionários na história do Brasil e também o que mais botou dinheiro em atividades filantrópicas. Seu negócio é a caça ao mérito. Formado no sistema financeiro, hoje tem os pés na produção (AmBev). Na lista da Forbes, além dele, com US$ 12 bilhões, há duas de suas crias: Marcel Telles (US$ 5,7 bilhões) e Carlos Alberto Sicupira (US$ 5,2 bilhões).
O sucesso da BRMalls deve-se a Carlos Medeiros, seu executivo-chefe. Ele organizou a empresa aos 33 anos, vindo do banco de investimentos de Lemann. Fala pouco, não vai a Brasília desde 1998 e, nos últimos cinco anos, jamais pisou no BNDES. Viaja com mala de mão e o que gosta mesmo é de correr maratonas pelo mundo afora. A BRMalls trabalha com uma infantaria de 3.000 funcionários nos shoppings. Vai dar trabalho, mas Medeiros acredita que conseguirá desenhar um sistema de bonificação (por meio de ações) para uma parte dessa tropa.
AO CARPATHIA
O comissariado petista desistiu da ideia de procrastinar o julgamento do mensalão. Discute-se agora quem conseguirá chegar ao Carpathia, o navio que recolheu um terço dos passageiros do transatlântico cujo naufrágio completou cem anos.
Ele recolheu um terço dos desabrigados. (Como o outro barco não trazia sorte para quem se metia com ele, o Carpathia foi torpedeado em 1918, quatro meses antes do fim da Primeira Guerra.)
DESASTRE
Numa longa entrevista ao repórter Carlos Costa em que criticou a ação da ministra Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Cezar Peluso lembrou que, trabalhando na corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, lidava assim com alguns juízes: "Chamávamos os envolvidos e abríamos o jogo: 'Temos tantas provas contra vocês e, se não forem para a rua agora, iremos abrir processo. Nunca fizemos escarcéu com esses casos".
De fato, houve um caso em que pouca gente ouviu o grampo. O que faltou foi escarcéu.
SÉRGIO KIRCHNER
Cristina Kirchner assumiu o controle da petrolífera YPF em nome do futuro da Argentina. Pelo menos é o que ela diz.
O governador Sérgio Cabral desapropriou um edifício de 13 andares avaliado em R$ 500 milhões, onde funcionam 14 grandes empresas, nas quais trabalham 4.000 pessoas, para servir de anexo à Assembleia Legislativa e dar conforto a 70 deputados.
Até 2011, 33 deles estavam espetados na Justiça.
Quem sabe, até o fim do mandato, desapropriará sua casa de Mangaratiba para servir de colônia de praia para os deputados.
A ANS precisa fiscalizar o que diz
A Agência Nacional de Saúde Suplementar deveria cuidar melhor do que diz à patuleia. No domingo passado leu-se aqui que a professora Lígia Bahia tivera uma pesquisa feita para o CNPq rebarbada e estava convidada a devolver R$ 141 mil à Viúva. O trabalho mostrava as debilidades do atendimento dos planos de saúde privados que a agência é paga para fiscalizar.
No dia seguinte, numa nota oficial, os doutores informaram que “a ANS tem reiteradamente solicitado ao CNPq a entrega da referida pesquisa ou a devolução dos valores pagos, o que não foi feito até o momento”.
Horas depois, a agência divulgou outra nota. Nela, enfiaram o seguinte: “No segundo semestre de 2011, em reunião do CNPq com a ANS, obteve-se o que seria relatório da pesquisadora, Dr+. Lígia Bahia, que não guardava relação com o plano de trabalho, razão pela qual a ANS considerou a pesquisa como não realizada.”
Primeiro a professora foi acusada de não ter entregue o serviço encomendado, o que não é pouca coisa. Na mesma tarde, o centro da questão migrou para a discussão de sua qualidade, o que é outra coisa.
Fizeram isso sem explicar o que foi feito da primeira acusação. Como os doutores dizem, “a ANS se pauta pela transparência”. É tão transparente que, por meio dela, não se vê nada.
COMO DIRIA Bob Dylan, alguma coisa está acontecendo aqui, mr. Jones, mas você não sabe o que é. Na semana passada, a empresa brasileira BRMalls, que é dona e/ou administradora de 46 shoppings em 15 Estados e 29 cidades, anunciou que no primeiro trimestre deste ano seu faturamento cresceu 25%, chegando a R$ 4,1 bilhões.
Ela surgiu há cinco anos, com seis pequenos shoppings. Tornou-se a líder do mercado e no ano passado seus centros comerciais tiveram 360 milhões de visitantes, que movimentaram R$ 16 bilhões. Suas ações valorizaram-se 360%. A empresa vale R$ 10 bilhões.
Mr. Jones tem dificuldade para entender isso, sobretudo porque ele viu as imagens de shoppings vazios na China, por excesso de oferta. O êxito do BRMalls reflete a conjunção de três acertos: percebeu que o consumidor brasileiro mudou, viu que quem investe ganha dinheiro e entrou no mercado com uma gestão profissional e meritocrática.
Entre 2008 e 2010, a empresa tomou um olho roxo metendo-se a administrar a Daslu, templo de exibicionismo da grã-finagem nacional.
Hoje a clientela dos shoppings da BRMalls é a chamada classe média emergente, um nome chique para o que nada mais é que o trabalhador brasileiro. As classes B e C têm uma renda familiar que vai de R$ 1.600 a R$ 6.900. Em 2003, havia 66 milhões de pessoas na classe C. Em 2009, chegaram a 95 milhões e, em 2014, poderão ser 113 milhões.
Enquanto no andar de cima o dinheiro que sobra vai para investimentos e no de baixo vai para alimentação, esse segmento consome. De uma maneira geral, nessa faixa a renda dos trabalhadores cresceu 9%, contra uma inflação de 5%. O freguês dos shoppings gasta em média cerca de R$ 70.
A empresa acreditou na expansão do mercado, na ampliação do acesso ao crédito e na queda dos juros. Em janeiro de 2007, a taxa Selic estava a 13,25% ao ano e agora está em 9%, com os bancos finalmente competindo nos custos que jogam em cima de seus clientes. A BRMalls investiu R$ 6 bilhões, no ano passado abriu um grande shopping na Mooca (SP), outro no Irajá (RJ) e inaugurará um terceiro em cima da rodoviária de Belo Horizonte.
Até aí o êxito foi da empresa para fora. Para dentro, enquanto o comércio é controlado por empresas familiares, a BRMalls é inteiramente profissional. Parente, nem namorada. A idade média de seus 350 funcionários está em 30 anos. Quando foi criada, tinha 15 sócios e a cada ano promove três pessoas de seu quadro. Hoje são 27. Todos os funcionários ganham bônus, mas se um leva dois salários, o melhor leva 20. Um craque que entra na empresa aos 25 anos pode sonhar em fechar seu primeiro milhão de reais aos 30.
A BRMalls descende da cabeça de Jorge Paulo Lemann, o empresário que mais produziu milionários na história do Brasil e também o que mais botou dinheiro em atividades filantrópicas. Seu negócio é a caça ao mérito. Formado no sistema financeiro, hoje tem os pés na produção (AmBev). Na lista da Forbes, além dele, com US$ 12 bilhões, há duas de suas crias: Marcel Telles (US$ 5,7 bilhões) e Carlos Alberto Sicupira (US$ 5,2 bilhões).
O sucesso da BRMalls deve-se a Carlos Medeiros, seu executivo-chefe. Ele organizou a empresa aos 33 anos, vindo do banco de investimentos de Lemann. Fala pouco, não vai a Brasília desde 1998 e, nos últimos cinco anos, jamais pisou no BNDES. Viaja com mala de mão e o que gosta mesmo é de correr maratonas pelo mundo afora. A BRMalls trabalha com uma infantaria de 3.000 funcionários nos shoppings. Vai dar trabalho, mas Medeiros acredita que conseguirá desenhar um sistema de bonificação (por meio de ações) para uma parte dessa tropa.
AO CARPATHIA
O comissariado petista desistiu da ideia de procrastinar o julgamento do mensalão. Discute-se agora quem conseguirá chegar ao Carpathia, o navio que recolheu um terço dos passageiros do transatlântico cujo naufrágio completou cem anos.
Ele recolheu um terço dos desabrigados. (Como o outro barco não trazia sorte para quem se metia com ele, o Carpathia foi torpedeado em 1918, quatro meses antes do fim da Primeira Guerra.)
DESASTRE
Numa longa entrevista ao repórter Carlos Costa em que criticou a ação da ministra Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Cezar Peluso lembrou que, trabalhando na corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, lidava assim com alguns juízes: "Chamávamos os envolvidos e abríamos o jogo: 'Temos tantas provas contra vocês e, se não forem para a rua agora, iremos abrir processo. Nunca fizemos escarcéu com esses casos".
De fato, houve um caso em que pouca gente ouviu o grampo. O que faltou foi escarcéu.
SÉRGIO KIRCHNER
Cristina Kirchner assumiu o controle da petrolífera YPF em nome do futuro da Argentina. Pelo menos é o que ela diz.
O governador Sérgio Cabral desapropriou um edifício de 13 andares avaliado em R$ 500 milhões, onde funcionam 14 grandes empresas, nas quais trabalham 4.000 pessoas, para servir de anexo à Assembleia Legislativa e dar conforto a 70 deputados.
Até 2011, 33 deles estavam espetados na Justiça.
Quem sabe, até o fim do mandato, desapropriará sua casa de Mangaratiba para servir de colônia de praia para os deputados.
A ANS precisa fiscalizar o que diz
A Agência Nacional de Saúde Suplementar deveria cuidar melhor do que diz à patuleia. No domingo passado leu-se aqui que a professora Lígia Bahia tivera uma pesquisa feita para o CNPq rebarbada e estava convidada a devolver R$ 141 mil à Viúva. O trabalho mostrava as debilidades do atendimento dos planos de saúde privados que a agência é paga para fiscalizar.
No dia seguinte, numa nota oficial, os doutores informaram que “a ANS tem reiteradamente solicitado ao CNPq a entrega da referida pesquisa ou a devolução dos valores pagos, o que não foi feito até o momento”.
Horas depois, a agência divulgou outra nota. Nela, enfiaram o seguinte: “No segundo semestre de 2011, em reunião do CNPq com a ANS, obteve-se o que seria relatório da pesquisadora, Dr+. Lígia Bahia, que não guardava relação com o plano de trabalho, razão pela qual a ANS considerou a pesquisa como não realizada.”
Primeiro a professora foi acusada de não ter entregue o serviço encomendado, o que não é pouca coisa. Na mesma tarde, o centro da questão migrou para a discussão de sua qualidade, o que é outra coisa.
Fizeram isso sem explicar o que foi feito da primeira acusação. Como os doutores dizem, “a ANS se pauta pela transparência”. É tão transparente que, por meio dela, não se vê nada.
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