ESTADÃO - 30/08
Seguindo uma tendência iniciada durante a crise financeira de 2008, a Justiça do Trabalho vem procurando restringir ao máximo as demissões coletivas promovidas por empresas que, por causa da retração da economia, não estão conseguindo manter-se equilibradas.
Em 2008, quando as empresas demitiram para se adequar a uma conjuntura econômica adversa, os sindicatos laborais recorreram à Justiça do Trabalho. Na época, o principal alvo dos recursos foi a Embraer, uma das maiores fabricantes de aviões de todo o mundo. Por causa do cancelamento dos pedidos de compra por parte das companhias aéreas, a empresa foi obrigada a enxugar seus quadros e, apesar de ter observado rigorosamente a legislação trabalhista, pagando todas as verbas rescisórias aos funcionários demitidos, enfrentou problemas com a Justiça do Trabalho. Os tribunais entenderam que as demissões coletivas só podiam ser promovidas depois de prévia negociação com os sindicatos laborais, o que não está previsto na legislação trabalhista. Mesmo assim, esse entendimento tem sido mantido desde então pela Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em nome da manutenção de empregos e da preservação dos direitos sociais. As instâncias inferiores seguem a mesma orientação.
Por mais generosas que sejam as intenções da Justiça do Trabalho, a posição por ela assumida atropela o funcionamento do universo empresarial. Na lógica da economia de mercado, quando a economia cresce, as empresas contratam mais funcionários. Mas, nos períodos de recessão, reduzem o quadro de pessoal para manter as contas equilibradas e aguardam a economia se recuperar para voltar a contratar. A proibição de promover demissões coletivas sem anuência de sindicatos laborais representa assim uma restrição da liberdade de gestão das empresas.
Entre outras consequências, essa proibição impede as empresas de fechar unidades de produção ou as obriga a manter unidades deficitárias, nos períodos de crise econômica. Já os sindicatos trabalhistas, movidos por motivos exclusivamente corporativos, se recusam a negociar medidas de enxugamento de custos que as empresas precisam tomar para sobreviver. Os dirigentes sindicais parecem não ver que, se os empregadores não tiverem liberdade para gerir seus negócios, correrão o risco de fechá-los e, se isso ocorrer, o número de funcionários desligados será muito maior do que o das chamadas dispensas em massa.
Desde que a economia brasileira entrou em recessão, há dois anos, as entidades patronais passaram a questionar no Supremo Tribunal Federal a proibição das empresas de promover demissões em massa sem prévia negociação coletiva com sindicatos trabalhistas, determinada pela Seção de Dissídios Coletivos do TST. Além de afirmar que não há base legal para essa proibição, elas alegam que nos cortes de pessoal não há demissão coletiva, mas diversas demissões individuais realizadas num mesmo momento. O argumento é polêmico e o número de recursos judiciais é tão alto que o Supremo não apenas reconheceu a repercussão geral do tema, como pretende julgá-lo nos próximos meses.
Independentemente da resposta que a mais alta Corte do País vier a dar a esses recursos, o caso sinaliza o grau de urgência da reforma da legislação trabalhista, cujos principais dispositivos vigoram há mais de sete décadas. Diante da complexidade da economia brasileira e da crise que ela hoje atravessa, quanto mais essa reforma for postergada, mais a Justiça do Trabalho será tentada a criar regras e a promover inovações legislativas, ultrapassando os limites de sua jurisdição. Quando as interpretações da Corte ignoram a lei ou vão muito além delas, sob o pretexto de preservar o emprego, o resultado é sempre o mesmo. A falta de segurança jurídica causada por quem deveria garanti-la dissemina a insegurança e desestimula o empresariado de investir – o que, como num círculo vicioso, acaba resultando em mais desemprego.
terça-feira, agosto 30, 2016
As 10 Medidas legitimariam torturas? - DELTAN DALLAGNOL
ESTADÃO - 30/08
A legitimação das provas pela boa-fé não é uma invencionice nem serviria para legalizar atos de má-fé
A Operação Lava Jato revelou a existência de uma corrupção histórica e sistêmica, arraigada em diversos níveis de governo. A investigação conscientizou a sociedade sobre a importância de se enfrentar esse problema, o que significa atacar as condições que o favorecem no Brasil. Dentre os diversos fatores que contribuem para esse fenômeno, dois saltam aos olhos no contexto brasileiro: as falhas do sistema político e a impunidade da corrupção.
Para corrigir as primeiras é necessária uma ampla reforma política. Contra a impunidade, que alimenta a corrupção, segundo os maiores estudiosos do assunto no mundo, o Ministério Público lançou 10 Medidas Contra a Corrupção. Estas foram abraçadas pela sociedade e levadas ao Congresso Nacional com mais de 2 milhões de assinaturas.
Cada uma das dez medidas apresenta um problema e oferece uma solução. A sétima proposta é talvez a mais polêmica. Ela identifica como problema a existência de brechas na lei que conduziram à anulação de uma série de grandes investigações com base numa teoria de provas ilícitas capenga, que foi importada dos Estados Unidos pela metade, provocando um desequilíbrio. Foi trazida a primeira metade da teoria, que protege os direitos do réu, mas não a outra metade, que protege os direitos da vítima e da sociedade.
Dentre os casos anulados estão as Operações Castelo de Areia, Boi Barrica, Pôr do Sol, Navalha, Poseidon, Dilúvio, White Martins e Diamante. Com sua queda, graves crimes de corrupção restaram impunes e foi cancelada a maior multa aplicada contra um cartel, de R$ 1,76 bilhão. A solução proposta é a legitimação de provas obtidas de boa-fé. Houve, recentemente, quem atacasse a proposta afirmando que isso poderia justificar torturas – como se torturas pudessem ser praticadas de boa-fé –, o que me leva a esclarecê-la.
Tomemos a Operação Castelo de Areia por paradigma. Se ela não tivesse sido anulada, poderia ter antecipado a Lava Jato em seis anos, evitando que bilhões fossem desviados da Petrobrás. De fato, aquela operação se debruçou sobre evidências de pagamentos de propinas a funcionários públicos e políticos, feitos por uma empresa que veio a ser, mais tarde, a ponta do fio do novelo da Lava Jato.
A investigação foi, contudo, completamente anulada pelo Superior Tribunal de Justiça porque se entendeu que a primeira decisão judicial, que determinou a quebra do sigilo telefônico dos investigados, não estava suficientemente fundamentada. Caindo por terra tal decisão, todos os atos e provas decorrentes foram derrubados, por serem considerados “frutos da árvore envenenada” (“fruits of the poisonous tree”). Como peças de dominó que caem umas sobre as outras em sequência, foram anulados todos os monitoramentos telefônicos e as buscas e apreensões que apontavam para um escândalo de corrupção.
Nos Estados Unidos, o exato país de onde importamos a teoria da prova ilícita, a solução seria completamente diferente: as provas teriam sido preservadas; os criminosos, punidos; e o dinheiro, recuperado; gerando um efeito inibidor contra a corrupção. Como bem coloca a Suprema Corte norte-americana, o objetivo da exclusão das provas ilícitas (“exclusionary rule”) é proteger o cidadão contra abusos do Estado.
A fim de que a polícia não pratique tortura para obter informações ou entre em residências sem mandado para colher provas, as evidências eventualmente colhidas em decorrência de abusos policiais são excluídas do processo. Contudo, se a polícia tiver agido de boa-fé, lastreada numa decisão judicial com aparência legítima, a exclusão da prova não é realizada, porque não serviria para conter abusos.
Um famoso precedente norte-americano, US versusLeon (1984), traçou uma linha divisória entre abuso da polícia e erro da Justiça. Uma decisão judicial razoável, emitida por um juiz imparcial, o qual tem por objetivo proteger os direitos fundamentais do réu na investigação, mesmo que venha a ser revisada, legitima a ação policial dela decorrente.
A revisão de decisões judiciais por instâncias superiores deve ser encarada como algo natural e próprio do sistema jurídico. A reversão não torna a decisão original “ilícita”. Afinal, como diz o ditado, “cada cabeça, uma sentença”. Existe bastante abertura na lei e na valoração das provas, o que acarreta conclusões judiciais diferentes, juridicamente possíveis, sobre uma mesma realidade.
Assim, em contextos nos quais tenha havido uma decisão judicial aparentemente legítima, excluir a prova não tem nenhuma finalidade útil, porquanto a polícia atuou de boa-fé e não se deve cercear o livre exercício da atividade jurisdicional. Portanto, a boa-fé deve excepcionar a regra de exclusão da prova – é a “good faith exception”.
A legitimação das provas pela boa-fé, em conclusão, não é uma invencionice nem serviria para legalizar atos de má-fé, como a tortura. A proposta tem origem num país que é berço da democracia mundial, da presunção da inocência e da proteção dos direitos individuais. Além disso, a medida busca restabelecer o equilíbrio de um sistema de ilicitudes manco, importado pela metade dos Estados Unidos, deixando uma brecha que derrubou uma série de operações que revelaram crimes que sangram o nosso país.
Porque as dez medidas têm um forte fundamento, mais de mil entidades aderiram a elas, incluindo dezenas de entidades de juízes, promotores, procuradores da República e advogados. É possível discordar de modo legítimo da solução proposta, contudo se espera respeito a essas entidades e que a crítica seja feita de modo construtivo e fundamentado.
A impunidade da corrupção é inegável. Àqueles que discordam das soluções propostas cumpre o ônus de oferecer propostas alternativas. Fica, aqui, o desafio: a cada crítica, uma solução.
*Procurador da República, é coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba
A legitimação das provas pela boa-fé não é uma invencionice nem serviria para legalizar atos de má-fé
A Operação Lava Jato revelou a existência de uma corrupção histórica e sistêmica, arraigada em diversos níveis de governo. A investigação conscientizou a sociedade sobre a importância de se enfrentar esse problema, o que significa atacar as condições que o favorecem no Brasil. Dentre os diversos fatores que contribuem para esse fenômeno, dois saltam aos olhos no contexto brasileiro: as falhas do sistema político e a impunidade da corrupção.
Para corrigir as primeiras é necessária uma ampla reforma política. Contra a impunidade, que alimenta a corrupção, segundo os maiores estudiosos do assunto no mundo, o Ministério Público lançou 10 Medidas Contra a Corrupção. Estas foram abraçadas pela sociedade e levadas ao Congresso Nacional com mais de 2 milhões de assinaturas.
Cada uma das dez medidas apresenta um problema e oferece uma solução. A sétima proposta é talvez a mais polêmica. Ela identifica como problema a existência de brechas na lei que conduziram à anulação de uma série de grandes investigações com base numa teoria de provas ilícitas capenga, que foi importada dos Estados Unidos pela metade, provocando um desequilíbrio. Foi trazida a primeira metade da teoria, que protege os direitos do réu, mas não a outra metade, que protege os direitos da vítima e da sociedade.
Dentre os casos anulados estão as Operações Castelo de Areia, Boi Barrica, Pôr do Sol, Navalha, Poseidon, Dilúvio, White Martins e Diamante. Com sua queda, graves crimes de corrupção restaram impunes e foi cancelada a maior multa aplicada contra um cartel, de R$ 1,76 bilhão. A solução proposta é a legitimação de provas obtidas de boa-fé. Houve, recentemente, quem atacasse a proposta afirmando que isso poderia justificar torturas – como se torturas pudessem ser praticadas de boa-fé –, o que me leva a esclarecê-la.
Tomemos a Operação Castelo de Areia por paradigma. Se ela não tivesse sido anulada, poderia ter antecipado a Lava Jato em seis anos, evitando que bilhões fossem desviados da Petrobrás. De fato, aquela operação se debruçou sobre evidências de pagamentos de propinas a funcionários públicos e políticos, feitos por uma empresa que veio a ser, mais tarde, a ponta do fio do novelo da Lava Jato.
A investigação foi, contudo, completamente anulada pelo Superior Tribunal de Justiça porque se entendeu que a primeira decisão judicial, que determinou a quebra do sigilo telefônico dos investigados, não estava suficientemente fundamentada. Caindo por terra tal decisão, todos os atos e provas decorrentes foram derrubados, por serem considerados “frutos da árvore envenenada” (“fruits of the poisonous tree”). Como peças de dominó que caem umas sobre as outras em sequência, foram anulados todos os monitoramentos telefônicos e as buscas e apreensões que apontavam para um escândalo de corrupção.
Nos Estados Unidos, o exato país de onde importamos a teoria da prova ilícita, a solução seria completamente diferente: as provas teriam sido preservadas; os criminosos, punidos; e o dinheiro, recuperado; gerando um efeito inibidor contra a corrupção. Como bem coloca a Suprema Corte norte-americana, o objetivo da exclusão das provas ilícitas (“exclusionary rule”) é proteger o cidadão contra abusos do Estado.
A fim de que a polícia não pratique tortura para obter informações ou entre em residências sem mandado para colher provas, as evidências eventualmente colhidas em decorrência de abusos policiais são excluídas do processo. Contudo, se a polícia tiver agido de boa-fé, lastreada numa decisão judicial com aparência legítima, a exclusão da prova não é realizada, porque não serviria para conter abusos.
Um famoso precedente norte-americano, US versusLeon (1984), traçou uma linha divisória entre abuso da polícia e erro da Justiça. Uma decisão judicial razoável, emitida por um juiz imparcial, o qual tem por objetivo proteger os direitos fundamentais do réu na investigação, mesmo que venha a ser revisada, legitima a ação policial dela decorrente.
A revisão de decisões judiciais por instâncias superiores deve ser encarada como algo natural e próprio do sistema jurídico. A reversão não torna a decisão original “ilícita”. Afinal, como diz o ditado, “cada cabeça, uma sentença”. Existe bastante abertura na lei e na valoração das provas, o que acarreta conclusões judiciais diferentes, juridicamente possíveis, sobre uma mesma realidade.
Assim, em contextos nos quais tenha havido uma decisão judicial aparentemente legítima, excluir a prova não tem nenhuma finalidade útil, porquanto a polícia atuou de boa-fé e não se deve cercear o livre exercício da atividade jurisdicional. Portanto, a boa-fé deve excepcionar a regra de exclusão da prova – é a “good faith exception”.
A legitimação das provas pela boa-fé, em conclusão, não é uma invencionice nem serviria para legalizar atos de má-fé, como a tortura. A proposta tem origem num país que é berço da democracia mundial, da presunção da inocência e da proteção dos direitos individuais. Além disso, a medida busca restabelecer o equilíbrio de um sistema de ilicitudes manco, importado pela metade dos Estados Unidos, deixando uma brecha que derrubou uma série de operações que revelaram crimes que sangram o nosso país.
Porque as dez medidas têm um forte fundamento, mais de mil entidades aderiram a elas, incluindo dezenas de entidades de juízes, promotores, procuradores da República e advogados. É possível discordar de modo legítimo da solução proposta, contudo se espera respeito a essas entidades e que a crítica seja feita de modo construtivo e fundamentado.
A impunidade da corrupção é inegável. Àqueles que discordam das soluções propostas cumpre o ônus de oferecer propostas alternativas. Fica, aqui, o desafio: a cada crítica, uma solução.
*Procurador da República, é coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba
O desprezo à democracia - DENIS ROSENFIELD
ZERO HORA - 30/08
O PT não cansa de nos surpreender. Por mais que tentemos, ele sempre consegue ir além de qualquer limite aceitável seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista democrático. Pudor e prudência são valores liminarmente desconsiderados. Só vale a lógica partidária, como se esta estivesse acima da moralidade e das instituições.
A semana nos ofereceu mais uma pérola lulista. Com o desfecho do processo de impeachment e o afastamento definitivo de sua criatura, esta mesma que arruinou o país, estaríamos entrando em uma semana da "vergonha" nacional.
Como assim? Será que tudo aquilo que atinge a imagem do ex-presidente e dos seus equivale a uma vergonha? Tesoureiros petistas estão presos, ex-presidente do partido preso, Lula ele mesmo já indiciado em um caso, denunciado em outro e réu em um terceiro. São campeões da política-policial. E mesmo assim, tudo aquilo que diz respeito a um julgamento é considerado uma afronta ou um atentado à democracia.
Será que a falta de vergonha e a cara de pau não conhecem limitações? O caso é grave, porque não revela apenas uma completa ausência de moralidade pessoal e pública, mas, também, um profundo desprezo com as instituições democráticas.
Na verdade, o PT, Lula, Dilma e consortes consideram-se acima da Constituição e das instituições em geral. Não aceitam ser julgados. Se são favorecidos pela democracia e pela liberdade de imprensa, eles se arvoram em verdadeiros democratas. Se são julgados e denunciados por essas mesmas instituições democráticas, consideram que há em curso um golpe.
Entenda-se a questão. Tudo o que os contrarie é antidemocrático; tudo o que os favorece é, então, democrático. Curiosa percepção da democracia! Devem tê-la aprendido com Chávez e Maduro ou com os irmãos Castro!
O trio que faz a defesa da ainda presidente Dilma no Senado, senadoras Gleisi Hoffmann e Vanessa Grazziotin e senador Lindbergh Farias são, em suas patetices histriônicas, uma amostra de quão grande pode ser a falta de apreço com as instituições democráticas.
A senadora Gleisi chegou à apoteose ao declarar que o Senado não teria condições morais de julgar a ainda presidente Dilma! O que ela quis dizer é que ninguém pode julgar o PT e seus quadros, exemplos, certamente, de moralidade pública. Aliás, ela e seu marido estão prestando contas à Justiça!
A que ponto chegaram os que outrora se diziam os representantes da ética na política! Tentam, contudo, tapar o sol com a peneira!
O PT não cansa de nos surpreender. Por mais que tentemos, ele sempre consegue ir além de qualquer limite aceitável seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista democrático. Pudor e prudência são valores liminarmente desconsiderados. Só vale a lógica partidária, como se esta estivesse acima da moralidade e das instituições.
A semana nos ofereceu mais uma pérola lulista. Com o desfecho do processo de impeachment e o afastamento definitivo de sua criatura, esta mesma que arruinou o país, estaríamos entrando em uma semana da "vergonha" nacional.
Como assim? Será que tudo aquilo que atinge a imagem do ex-presidente e dos seus equivale a uma vergonha? Tesoureiros petistas estão presos, ex-presidente do partido preso, Lula ele mesmo já indiciado em um caso, denunciado em outro e réu em um terceiro. São campeões da política-policial. E mesmo assim, tudo aquilo que diz respeito a um julgamento é considerado uma afronta ou um atentado à democracia.
Será que a falta de vergonha e a cara de pau não conhecem limitações? O caso é grave, porque não revela apenas uma completa ausência de moralidade pessoal e pública, mas, também, um profundo desprezo com as instituições democráticas.
Na verdade, o PT, Lula, Dilma e consortes consideram-se acima da Constituição e das instituições em geral. Não aceitam ser julgados. Se são favorecidos pela democracia e pela liberdade de imprensa, eles se arvoram em verdadeiros democratas. Se são julgados e denunciados por essas mesmas instituições democráticas, consideram que há em curso um golpe.
Entenda-se a questão. Tudo o que os contrarie é antidemocrático; tudo o que os favorece é, então, democrático. Curiosa percepção da democracia! Devem tê-la aprendido com Chávez e Maduro ou com os irmãos Castro!
O trio que faz a defesa da ainda presidente Dilma no Senado, senadoras Gleisi Hoffmann e Vanessa Grazziotin e senador Lindbergh Farias são, em suas patetices histriônicas, uma amostra de quão grande pode ser a falta de apreço com as instituições democráticas.
A senadora Gleisi chegou à apoteose ao declarar que o Senado não teria condições morais de julgar a ainda presidente Dilma! O que ela quis dizer é que ninguém pode julgar o PT e seus quadros, exemplos, certamente, de moralidade pública. Aliás, ela e seu marido estão prestando contas à Justiça!
A que ponto chegaram os que outrora se diziam os representantes da ética na política! Tentam, contudo, tapar o sol com a peneira!
O governo do Rio está nas cordas - ALVARO COSTA E SILVA
folha de sp - 30/08
RIO DE JANEIRO - No recém-lançado "Descobri que Estava Morto" — o qual, na melhor tradição do romance carioca, consegue juntar numa ponta Machado de Assis e Lima Barreto e, na outra, Rubem Fonseca e Carlos Heitor Cony (especialmente o de "Pilatos") —, J.P. Cuenca narra uma festa em Santa Teresa: quando o som de tiros e bombas lá fora deixa a música ambiente inaudível, o anfitrião aconselha aos fumantes que evitem a janela.
Agora que estamos ligados no julgamento de Dilma e, passadas pouco mais de duas semanas, ninguém mais lembra que a cidade sediou uma Olimpíada ("Bolt? Que Bolt? ), que resgatamos a honra do biscoito Globo, que estamos curados do vírus da zika e do complexo de vira-lata, que o nadador americano perdeu rios de dinheiro em patrocínios, que temos um bulevar à beira-baía plantado, um velódromo e uma Jady Duarte para mostrar ao mundo — quem sabe agora pudéssemos olhar além da janela de onde se vê o Corcovado e o Redentor?
Para ficar só no período dos Jogos – sim, eles existiram –, houve no Rio 95 tiroteios e ao menos 31 mortos e 51 feridos, segundo dados da Anistia Internacional. Os roubos aumentaram 44%, mesmo com todo o aparato montado pelas Forças Armadas e Força Nacional. Uma estatística assombrosa que, sobretudo nas periferias, só faz crescer, e registrou a morte de um herói já esquecido: o soldado Hélio Vieira Andrade, baleado na testa no Complexo da Maré.
O Estado está nas cordas. Vai decretar falência logo após as eleições municipais — ou antes. Uma recente pesquisa do Ibope revelou que o índice dos que consideram "ótimo" o governo do macróbio Francisco Dornelles foi de 0% (isso mesmo, 0%).
A sina de parte dos moradores da cidade, quando está numa festa, é intoxicar-se com fumaça de cigarro nos salões fechados. Uma outra parte morre.
RIO DE JANEIRO - No recém-lançado "Descobri que Estava Morto" — o qual, na melhor tradição do romance carioca, consegue juntar numa ponta Machado de Assis e Lima Barreto e, na outra, Rubem Fonseca e Carlos Heitor Cony (especialmente o de "Pilatos") —, J.P. Cuenca narra uma festa em Santa Teresa: quando o som de tiros e bombas lá fora deixa a música ambiente inaudível, o anfitrião aconselha aos fumantes que evitem a janela.
Agora que estamos ligados no julgamento de Dilma e, passadas pouco mais de duas semanas, ninguém mais lembra que a cidade sediou uma Olimpíada ("Bolt? Que Bolt? ), que resgatamos a honra do biscoito Globo, que estamos curados do vírus da zika e do complexo de vira-lata, que o nadador americano perdeu rios de dinheiro em patrocínios, que temos um bulevar à beira-baía plantado, um velódromo e uma Jady Duarte para mostrar ao mundo — quem sabe agora pudéssemos olhar além da janela de onde se vê o Corcovado e o Redentor?
Para ficar só no período dos Jogos – sim, eles existiram –, houve no Rio 95 tiroteios e ao menos 31 mortos e 51 feridos, segundo dados da Anistia Internacional. Os roubos aumentaram 44%, mesmo com todo o aparato montado pelas Forças Armadas e Força Nacional. Uma estatística assombrosa que, sobretudo nas periferias, só faz crescer, e registrou a morte de um herói já esquecido: o soldado Hélio Vieira Andrade, baleado na testa no Complexo da Maré.
O Estado está nas cordas. Vai decretar falência logo após as eleições municipais — ou antes. Uma recente pesquisa do Ibope revelou que o índice dos que consideram "ótimo" o governo do macróbio Francisco Dornelles foi de 0% (isso mesmo, 0%).
A sina de parte dos moradores da cidade, quando está numa festa, é intoxicar-se com fumaça de cigarro nos salões fechados. Uma outra parte morre.
O dia D de Dilma - ARNALDO JABOR
O Globo - 30/08
Eu vos escrevo do passado. Hoje é o dia D de Dilma. Como terá sido o discurso de Dilma no Senado? Bem, fazer “mea-culpa” nem pensar. Eu a entendo. Ninguém sai na rua ou vai ao Senado para bater no peito e dizer: “Eu sou um (a) incompetente, eu sou responsável pela quebra do país!” Tudo bem, mas a autocrítica era um hábito recorrente durante aquele ex-socialismo que ainda viceja nas cabeças petistas. Lembro-me da hilariante autocrítica de um alto dirigente chinês durante a Revolução Cultural: “Eu sou um cão imperialista, eu sou o verme dos arrozais!...”
E, como estou no domingo passado, me pergunto: como terá sido o discurso? Sem dúvida Dilma falou com sinceridade total (não é ironia), falou de sua alma revolucionária.
O discurso de Dilma é para ela mesma. Para se convencer fundamente de que não cometeu erro algum. Vocês já viram. Eu imagino:
“Começo dizendo que minha consciência está em paz. Quando entrei em 2010, o Brasil estava ameaçado por ideologias reacionárias: a socialdemocracia, o neoliberalismo, mas eu restaurei o essencial: a luta contra o imperialismo norte-americano, contra a desnacionalização de nossas riquezas, contra essa sociedade de empresários irresponsáveis e também contra o lucro. Fiz o fundamental: coloquei o Estado no topo, no centro de tudo, pois de lá emana a verdade para essa sociedade de ignorantes, essa classe média reacionária, como bem acusou nossa filosofa. O Brasil é tão frágil que só um grande Estado provedor pode proteger as massas nas lutas sociais que elas nem sabem que estão travando; mas eu sei, porque nós somos a consciência do povo.
“Sou acusada de ter dilapidado as contas do país, rompendo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Rompi sim. Pois eu tive orgulho de usar o Estado e seu tesouro acumulado para estimular o consumo tão ansiado pelos pobres diabos, sim, mesmo que os cofres públicos tenham ficado vazios para investir. Populismo? Eu chamo de catequese, conquista de adeptos para o grande futuro que virá! Gasto público é vida! Eu não podia ficar aprisionada naquela leizinha de responsabilidade neoliberal que o FHC inventou. Fiz isso sim porque meus fins justificavam esse meio; o fim era garantir apoio para próximas eleições do nosso PT, para ficarmos no poder deste país alienado até a chegada do futuro socialista.
“Eu fiz tudo certo. Distribuí cargos sem fim, dei verbas gordas para seus currais, nobres senadores. Fiz isso porque sei que às vezes é preciso praticar o mal para atingir o bem. Será que o Maquiavel disse isso?
“Eu sabia de tudo, eu sabia que a compra da refinaria de Pasadena ia ser um rombo pavoroso, confesso, mas como conseguir dinheiro para minha reeleição sem propinas? Propinas de esquerda, é claro. Por isso, fiz vista grossa sim quando aquele Cerveró me entregou uma página solta, com uma piscadinha do olhinho vesgo.
“Tenho orgulho de tudo que fiz. Menti na campanha, dizendo que não ia ter comida no prato do povo, menti nos bilhões que arranquei dos bancos para esconder o déficit publico. Mas foram mentiras que chamo de “corrupção revolucionária”. Ahhh, esse meu povo, tão ignorante, desvalido. A miséria me fazia feliz. Explico: denunciar a miséria era um alívio para minha consciência. Desculpem a emoção (chora), mas há uma pureza doce na miséria que me comove muito (lágrimas). Mas nós do PT somos os sujeitos da História e, apesar de vossa injustiça contra nós, vamos construir o paraíso social.
“Meus fins uniram o país. Sim, uni vocês até mesmo contra mim, porque confundiram minha sutileza ideológica com incompetência, acharam que eu errava, sem saber que meu acerto era no futuro. Nunca errei. Não me arrependo de nada. Houve corrupção? Sim, mas adstrita a alguns elementos desonestos que traíram nossa missão. Dizem que roubamos; não, a palavra não é essa — é apenas a “desapropriação” de um tesouro comprometido com metas neoliberais... isso é que fizemos.
“É muito difícil desenvolver este país de merda, desculpem o termo. Por isso, temos de destruir o capitalismo por dentro, já que não dá mais pé uma revolução russa. Mesmo uma avacalhação é mais revolucionária — seria uma espécie de “esculhambação criativa” para arrasar administrações de direita.
“Foi isso que fez nosso líder Chávez, assassinado pelos imperialistas que lhe injetaram câncer no corpo e, depois que ele virou passarinho, passaram a roubar até os alimentos do povo, botando a culpa em nossos irmãos bolivarianos.
“Nosso povo também não sabe se governar. Por isso, digo, democracia clássica como? Para nós, ‘democracia’ sempre foi uma estratégia para tomada do poder. E não era hipocrisia; era dialética histórica. Tínhamos de apoiar a democracia burguesa para depois fazer o centralismo democrático que tanto usou nosso grande irmão Stalin, injustiçado por aqueles dois fascistas Kruschev e Gorbachev.
“Eu sou inocente, pura, não tenho dinheiro na Suíça, e toda minha paixão lancinante pelo povo brasileiro foi confundida com desonestidade e incompetência. As massas ainda vão sentir a minha falta, debaixo de um governo neoliberal que só pensa em contabilidade.
“Vocês hoje me baniram, mas vão se arrepender no futuro, pois o Brasil nasceu torto e nunca será consertado nem por Temer nem por ninguém.
“Arrependei-vos, fariseus do templo, pois, como disse a querida Gleisi Hoffmann: este Senado não tem moral para me julgar.
“Estou sofrendo um golpe. Sim, não adiantam rituais, votações; repito sim que é golpe tramado por essas instituições de direita, como o STF, o Congresso, o Ministério Publico, a OAB, a Polícia Federal.
“Estou orgulhosa de mim. Como Getúlio, saio da presidência para entrar na História. E, para terminar, cito o líder maoista João Pedro Stédile, quando disse aos camponeses: ‘Tenham filhos — eles conhecerão o socialismo!’ E eu acrescento: Seus filhos vão respeitar minha imagem no futuro. Adeus!” ______ Estou no passado, amigos leitores, mas deve ter sido algo mais ou menos assim. Que acham?
Eu vos escrevo do passado. Hoje é o dia D de Dilma. Como terá sido o discurso de Dilma no Senado? Bem, fazer “mea-culpa” nem pensar. Eu a entendo. Ninguém sai na rua ou vai ao Senado para bater no peito e dizer: “Eu sou um (a) incompetente, eu sou responsável pela quebra do país!” Tudo bem, mas a autocrítica era um hábito recorrente durante aquele ex-socialismo que ainda viceja nas cabeças petistas. Lembro-me da hilariante autocrítica de um alto dirigente chinês durante a Revolução Cultural: “Eu sou um cão imperialista, eu sou o verme dos arrozais!...”
E, como estou no domingo passado, me pergunto: como terá sido o discurso? Sem dúvida Dilma falou com sinceridade total (não é ironia), falou de sua alma revolucionária.
O discurso de Dilma é para ela mesma. Para se convencer fundamente de que não cometeu erro algum. Vocês já viram. Eu imagino:
“Começo dizendo que minha consciência está em paz. Quando entrei em 2010, o Brasil estava ameaçado por ideologias reacionárias: a socialdemocracia, o neoliberalismo, mas eu restaurei o essencial: a luta contra o imperialismo norte-americano, contra a desnacionalização de nossas riquezas, contra essa sociedade de empresários irresponsáveis e também contra o lucro. Fiz o fundamental: coloquei o Estado no topo, no centro de tudo, pois de lá emana a verdade para essa sociedade de ignorantes, essa classe média reacionária, como bem acusou nossa filosofa. O Brasil é tão frágil que só um grande Estado provedor pode proteger as massas nas lutas sociais que elas nem sabem que estão travando; mas eu sei, porque nós somos a consciência do povo.
“Sou acusada de ter dilapidado as contas do país, rompendo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Rompi sim. Pois eu tive orgulho de usar o Estado e seu tesouro acumulado para estimular o consumo tão ansiado pelos pobres diabos, sim, mesmo que os cofres públicos tenham ficado vazios para investir. Populismo? Eu chamo de catequese, conquista de adeptos para o grande futuro que virá! Gasto público é vida! Eu não podia ficar aprisionada naquela leizinha de responsabilidade neoliberal que o FHC inventou. Fiz isso sim porque meus fins justificavam esse meio; o fim era garantir apoio para próximas eleições do nosso PT, para ficarmos no poder deste país alienado até a chegada do futuro socialista.
“Eu fiz tudo certo. Distribuí cargos sem fim, dei verbas gordas para seus currais, nobres senadores. Fiz isso porque sei que às vezes é preciso praticar o mal para atingir o bem. Será que o Maquiavel disse isso?
“Eu sabia de tudo, eu sabia que a compra da refinaria de Pasadena ia ser um rombo pavoroso, confesso, mas como conseguir dinheiro para minha reeleição sem propinas? Propinas de esquerda, é claro. Por isso, fiz vista grossa sim quando aquele Cerveró me entregou uma página solta, com uma piscadinha do olhinho vesgo.
“Tenho orgulho de tudo que fiz. Menti na campanha, dizendo que não ia ter comida no prato do povo, menti nos bilhões que arranquei dos bancos para esconder o déficit publico. Mas foram mentiras que chamo de “corrupção revolucionária”. Ahhh, esse meu povo, tão ignorante, desvalido. A miséria me fazia feliz. Explico: denunciar a miséria era um alívio para minha consciência. Desculpem a emoção (chora), mas há uma pureza doce na miséria que me comove muito (lágrimas). Mas nós do PT somos os sujeitos da História e, apesar de vossa injustiça contra nós, vamos construir o paraíso social.
“Meus fins uniram o país. Sim, uni vocês até mesmo contra mim, porque confundiram minha sutileza ideológica com incompetência, acharam que eu errava, sem saber que meu acerto era no futuro. Nunca errei. Não me arrependo de nada. Houve corrupção? Sim, mas adstrita a alguns elementos desonestos que traíram nossa missão. Dizem que roubamos; não, a palavra não é essa — é apenas a “desapropriação” de um tesouro comprometido com metas neoliberais... isso é que fizemos.
“É muito difícil desenvolver este país de merda, desculpem o termo. Por isso, temos de destruir o capitalismo por dentro, já que não dá mais pé uma revolução russa. Mesmo uma avacalhação é mais revolucionária — seria uma espécie de “esculhambação criativa” para arrasar administrações de direita.
“Foi isso que fez nosso líder Chávez, assassinado pelos imperialistas que lhe injetaram câncer no corpo e, depois que ele virou passarinho, passaram a roubar até os alimentos do povo, botando a culpa em nossos irmãos bolivarianos.
“Nosso povo também não sabe se governar. Por isso, digo, democracia clássica como? Para nós, ‘democracia’ sempre foi uma estratégia para tomada do poder. E não era hipocrisia; era dialética histórica. Tínhamos de apoiar a democracia burguesa para depois fazer o centralismo democrático que tanto usou nosso grande irmão Stalin, injustiçado por aqueles dois fascistas Kruschev e Gorbachev.
“Eu sou inocente, pura, não tenho dinheiro na Suíça, e toda minha paixão lancinante pelo povo brasileiro foi confundida com desonestidade e incompetência. As massas ainda vão sentir a minha falta, debaixo de um governo neoliberal que só pensa em contabilidade.
“Vocês hoje me baniram, mas vão se arrepender no futuro, pois o Brasil nasceu torto e nunca será consertado nem por Temer nem por ninguém.
“Arrependei-vos, fariseus do templo, pois, como disse a querida Gleisi Hoffmann: este Senado não tem moral para me julgar.
“Estou sofrendo um golpe. Sim, não adiantam rituais, votações; repito sim que é golpe tramado por essas instituições de direita, como o STF, o Congresso, o Ministério Publico, a OAB, a Polícia Federal.
“Estou orgulhosa de mim. Como Getúlio, saio da presidência para entrar na História. E, para terminar, cito o líder maoista João Pedro Stédile, quando disse aos camponeses: ‘Tenham filhos — eles conhecerão o socialismo!’ E eu acrescento: Seus filhos vão respeitar minha imagem no futuro. Adeus!” ______ Estou no passado, amigos leitores, mas deve ter sido algo mais ou menos assim. Que acham?
Dilma e as elites - MÍRIAM LEITÃO
O Globo - 30/08
A presidente Dilma disse que as elites econômicas querem derrubá-la, porque sua eleição feriu seus interesses. Entre 2014 e 2015, o governo deu pelo menos R$ 94 bilhões só em redução de impostos às empresas, além de subsídios através do BB e do BNDES. Na sua defesa, ontem, atuaram Kátia Abreu e Armando Monteiro, que lideraram os donos de terra e a indústria.
Dilma citou várias vezes esse inimigo: “as elites econômicas e políticas”. O mesmo bordão do ex-presidente Lula. Sempre foi falso, mas agora soa ainda mais estranho diante dos fatos e números.
Segundo Kátia Abreu, a presidente foi a que mais ajudou o agronegócio e a CNA. A entidade reúne os grandes proprietários rurais e entre outras ações, nos últimos anos, tentou suspender a divulgação pelo Ministério do Trabalho da lista suja das empresas flagradas com trabalho escravo.
A política econômica do PT beneficiou os grandes empresários através das desonerações, dos subsídios, de barreiras comerciais, de decisões que favoreciam as empreiteiras contra o meio ambiente. O Tesouro elevou a dívida pública em 8% do PIB, R$ 500 bilhões, para transferir para o BNDES e, assim, o banco emprestar para empresas com subsídio. Foram muitas as políticas que favoreceram os empresários.
Os pontos do processo viraram motivo para um diálogo de surdos. Cada lado sustenta a sua convicção. Sobre o uso do Banco do Brasil, a presidente Dilma repetiu, até cansar os ouvidos alheios, que a lei é de 1992 e que os outros presidentes também deram “subvenções” ao Plano Safra. O problema não é o Plano Safra, mas o fato de que o Tesouro não pagou o que devia ao Banco do Brasil e isso se transformou em uma operação de crédito bilionária. Os bancos privados receberam em dia; os públicos, só depois de muita pressão.
A presidente Dilma foi bem no discurso lido, em que o ponto alto foi a luta da sua juventude. Acertou também ao mostrar a contradição do governo Michel Temer: o Brasil elegeu uma mulher e assumiu um grupo sem mulher alguma entre os ministros. Ao dizer — nove vezes no discurso lido — que o processo no Congresso é um golpe, ela mostrou que não estava ali para conquistar votos e preferia o confronto. Até nos pequenos detalhes. Um senador levantou uma questão, e ela respondeu que ele estava mal informado. Outro reclamou da falta de diálogo e nem recebeu resposta. Senadores faziam discursos políticos, e ela respondia com respostas técnicas nas quais frequentemente se perdia. Dilma se atrapalhou em datas e teses e deu respostas que pareceram contraditórias aos especialistas e incompreensíveis a quem não acompanha a economia. Que sentido faz falar em “tapering”? (A propósito: redução dos estímulos monetários americanos)
Dilma tem razão ao dizer que no programa que a elegeu não havia a proposta — apresentada agora pelo presidente Michel Temer — de teto para os gastos públicos por 20 anos. Não havia também a proposta de um tarifaço de energia que elevaria a inflação a dois dígitos. Pelo contrário, como lembrou ontem o senador Aécio Neves, no último debate antes das eleições, Dilma afirmou que a inflação era zero e que só os pessimistas diziam o contrário.
A presidente culpou a crise internacional pela queda de 3,8% do PIB no ano passado. Os fatos: dos 191 países cuja economia é acompanhada pelo FMI, 180 tiveram desempenho melhor do que o do Brasil. Nos dez que tiveram quedas maiores estão Líbia, em guerra, e Venezuela, em caos econômico e político.
Durante o governo de Dilma algumas questões sociais avançaram como a participação da mulher e dos negros na estrutura do governo. O meio ambiente foi desprezado em favor dos interesses das grandes empreiteiras. A política energética sofreu uma desastrada intervenção. Mas o governo está caindo por ter desrespeitado a lei que o PT não assinou, a Lei de Responsabilidade Fiscal, e por ter jogado o país na mais profunda recessão de que se tem notícia. As pedaladas não foram apenas no Plano Safra, foi a prática comum nos anos Dilma. As estatísticas fiscais foram fraudadas com truques que inventavam receita, escondiam despesas, e usavam bancos públicos como se fossem uma extensão do caixa do Tesouro. Foi sistemático, foi uma política de governo.
A presidente Dilma disse que as elites econômicas querem derrubá-la, porque sua eleição feriu seus interesses. Entre 2014 e 2015, o governo deu pelo menos R$ 94 bilhões só em redução de impostos às empresas, além de subsídios através do BB e do BNDES. Na sua defesa, ontem, atuaram Kátia Abreu e Armando Monteiro, que lideraram os donos de terra e a indústria.
Dilma citou várias vezes esse inimigo: “as elites econômicas e políticas”. O mesmo bordão do ex-presidente Lula. Sempre foi falso, mas agora soa ainda mais estranho diante dos fatos e números.
Segundo Kátia Abreu, a presidente foi a que mais ajudou o agronegócio e a CNA. A entidade reúne os grandes proprietários rurais e entre outras ações, nos últimos anos, tentou suspender a divulgação pelo Ministério do Trabalho da lista suja das empresas flagradas com trabalho escravo.
A política econômica do PT beneficiou os grandes empresários através das desonerações, dos subsídios, de barreiras comerciais, de decisões que favoreciam as empreiteiras contra o meio ambiente. O Tesouro elevou a dívida pública em 8% do PIB, R$ 500 bilhões, para transferir para o BNDES e, assim, o banco emprestar para empresas com subsídio. Foram muitas as políticas que favoreceram os empresários.
Os pontos do processo viraram motivo para um diálogo de surdos. Cada lado sustenta a sua convicção. Sobre o uso do Banco do Brasil, a presidente Dilma repetiu, até cansar os ouvidos alheios, que a lei é de 1992 e que os outros presidentes também deram “subvenções” ao Plano Safra. O problema não é o Plano Safra, mas o fato de que o Tesouro não pagou o que devia ao Banco do Brasil e isso se transformou em uma operação de crédito bilionária. Os bancos privados receberam em dia; os públicos, só depois de muita pressão.
A presidente Dilma foi bem no discurso lido, em que o ponto alto foi a luta da sua juventude. Acertou também ao mostrar a contradição do governo Michel Temer: o Brasil elegeu uma mulher e assumiu um grupo sem mulher alguma entre os ministros. Ao dizer — nove vezes no discurso lido — que o processo no Congresso é um golpe, ela mostrou que não estava ali para conquistar votos e preferia o confronto. Até nos pequenos detalhes. Um senador levantou uma questão, e ela respondeu que ele estava mal informado. Outro reclamou da falta de diálogo e nem recebeu resposta. Senadores faziam discursos políticos, e ela respondia com respostas técnicas nas quais frequentemente se perdia. Dilma se atrapalhou em datas e teses e deu respostas que pareceram contraditórias aos especialistas e incompreensíveis a quem não acompanha a economia. Que sentido faz falar em “tapering”? (A propósito: redução dos estímulos monetários americanos)
Dilma tem razão ao dizer que no programa que a elegeu não havia a proposta — apresentada agora pelo presidente Michel Temer — de teto para os gastos públicos por 20 anos. Não havia também a proposta de um tarifaço de energia que elevaria a inflação a dois dígitos. Pelo contrário, como lembrou ontem o senador Aécio Neves, no último debate antes das eleições, Dilma afirmou que a inflação era zero e que só os pessimistas diziam o contrário.
A presidente culpou a crise internacional pela queda de 3,8% do PIB no ano passado. Os fatos: dos 191 países cuja economia é acompanhada pelo FMI, 180 tiveram desempenho melhor do que o do Brasil. Nos dez que tiveram quedas maiores estão Líbia, em guerra, e Venezuela, em caos econômico e político.
Durante o governo de Dilma algumas questões sociais avançaram como a participação da mulher e dos negros na estrutura do governo. O meio ambiente foi desprezado em favor dos interesses das grandes empreiteiras. A política energética sofreu uma desastrada intervenção. Mas o governo está caindo por ter desrespeitado a lei que o PT não assinou, a Lei de Responsabilidade Fiscal, e por ter jogado o país na mais profunda recessão de que se tem notícia. As pedaladas não foram apenas no Plano Safra, foi a prática comum nos anos Dilma. As estatísticas fiscais foram fraudadas com truques que inventavam receita, escondiam despesas, e usavam bancos públicos como se fossem uma extensão do caixa do Tesouro. Foi sistemático, foi uma política de governo.
A ética na advocacia - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO
ESTADÃO - 30/08
Apesar de inequívocas qualidades, o código vigente ressente-se da falta de objetividade
“Os deveres do advogado compreendem, além da defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados, o zelo do prestígio da sua classe, da dignidade da magistratura, do aperfeiçoamento das Instituições de Direito e, em geral, do que interesse à ordem jurídica.”
Código de Ética de 1934
Ao longo de séculos o exercício da advocacia tem sido alvo de implacáveis críticas, muitas vezes injustas. É do padre Bernardes a frase peçonhenta: “Porcos, entrai na pocilga, como os advogados entram no inferno”.
Piero Calamandrei, no conhecido livro Eles, os Juízes, Vistos por Nós, os Advogados, observa, com certo inconformismo, que “os lugares-comuns habituais sobre os defeitos dos advogados, que no decorrer dos séculos têm fornecido abundante matéria aos inocentes compiladores de facécias, cederam lugar, nos últimos anos, e não apenas na Itália, a uma deliberada hostilidade contra a gente do foro”.
Nas últimas décadas a profissão de advogado sofreu profundas alterações. O liberal deu lugar ao empregado e o escritório particular, às grandes sociedades de advogados, sendo ambas as figuras contempladas no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906, de 4/7/1994, artigos 15/21).
Segundo o artigo 18 do estatuto, “a relação de emprego, na qualidade de advogado, não retira a isenção técnica, nem reduz a independência profissional inerente à advocacia”. O parágrafo único complementa: “O advogado empregado não está obrigado à prestação de serviços profissionais de interesse pessoal dos empregadores, fora da relação de emprego”. A vida real, todavia, nem sempre se harmoniza com o idealismo da lei. Dependendo de salário para subsistência própria e da família, o advogado frequentemente se sente forçado a abdicar da independência profissional para não perder o emprego.
O Estatuto da Ordem trata também, nos artigos 15/17, da sociedade de advogados. Nessa esfera se exige o máximo cuidado. São conhecidos casos em que a sociedade é interpretada como disfarce para relação de emprego. Considera-se empregado, na definição do artigo 3.º da CLT, “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste mediante salário”. Participação minoritária em grande escritório, com subordinação à normas de comportamento, poderá, segundo julgados da Justiça do Trabalho, ocultar vinculo empregatício.
Faculdades de Direito criadas sem critério, divulgadas mediante fortes campanhas publicitárias, com improvisado quadro de professores, mandam à rua, ano após ano, milhares de bacharéis despreparados ávidos por dinheiro. Gigantescos escritórios praticam advocacia de massa, sobretudo na esfera do Direito do Trabalho, sem preocupação com a qualidade. Além de numeroso quadro de associados, admitem recém-formados, confinados em cubículos conhecidos como baias, munidos de microcomputador para redação de defesas, recursos, petições, como operários em linha de montagem. Quando o excessivo número de clientes torna insuficiente o quadro permanente, improvisam “audiencistas”, mediante módica remuneração por audiência.
Comenta-se, entre as paredes dos Fóruns, a existência de escritórios dedicados à aquisição de créditos, cujos titulares não dispõem de tempo e meios para aguardar o desfecho da demanda. Murmura-se, também, sobre advogados inescrupulosos que se apropriam do dinheiro de clientes. A cada cinco processos nas comissões de ética, pelo menos um resultaria de acusação dessa natureza.
Regras imperativas sobre ética revelam que a advocacia não foi reservada a anjos e beatos. O Código de Ética vigente, apesar de inequívocas qualidades, ressente-se da falta de objetividade. Não determina, por exemplo, que o advogado deve comportar-se com lealdade e boa-fé, e preserva, sob sigilo, as raras punições aplicadas. No capítulo que trata do processo disciplinar, o Estatuto da Ordem prescreve que “o Conselho Seccional pode adotar as medidas administrativas e judiciais pertinentes, objetivando a que o profissional suspenso ou excluído devolva os documentos de identidade”. Pode ou deve? Não seria mais eficiente a publicação do nome do apenado, como fazem os conselhos regionais de medicina em relação a médicos?
Não me recordo de haver tomado ciência, pelos jornais, de punição aplicada a infrator. As reservas mantidas no interior da Ordem devem ceder lugar à publicidade, como instrumento de dissuasão de todos os que se sintam atraídos para a quebra da disciplina e violação dos princípios éticos ante clientes, parte contrária e colegas.
Advocacia é função essencial à justiça. Quem a exerce é “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Trata-se de atividade de interesse social, equiparável ao serviço público, aplicando-se-lhe os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (Constituição, artigo 37). Publicidade no sentido de que tudo quanto é de interesse da advocacia e da justiça não pode ficar sob sigilo, exceção feita “aos fatos de que tome conhecimento no exercício da profissão”.
Registro, para encerrar, repetitórias notícias de advogados submetidos a constrangimentos causados por juízes, membros do Ministério Público do Trabalho, agentes da polícia. No legítimo exercício das atividades não conseguem ser ouvidos em audiência. Na melhor das hipóteses são recebidos por assessor ou chefe de gabinete. Há casos, também, de impedimento, expresso em sentença, de utilização de recurso previsto em lei, como sucede com embargos de declaração recebidos como ofensa pessoal ao prolator da decisão.
O resgate das prerrogativas e o zelo na defesa da disciplina e da ética devem ocupar posição proeminente entre as ocupações da Ordem dos Advogados do Brasil e seções estaduais, em benefício da maioria honrada dos advogados.
*Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do TST
Apesar de inequívocas qualidades, o código vigente ressente-se da falta de objetividade
“Os deveres do advogado compreendem, além da defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados, o zelo do prestígio da sua classe, da dignidade da magistratura, do aperfeiçoamento das Instituições de Direito e, em geral, do que interesse à ordem jurídica.”
Código de Ética de 1934
Ao longo de séculos o exercício da advocacia tem sido alvo de implacáveis críticas, muitas vezes injustas. É do padre Bernardes a frase peçonhenta: “Porcos, entrai na pocilga, como os advogados entram no inferno”.
Piero Calamandrei, no conhecido livro Eles, os Juízes, Vistos por Nós, os Advogados, observa, com certo inconformismo, que “os lugares-comuns habituais sobre os defeitos dos advogados, que no decorrer dos séculos têm fornecido abundante matéria aos inocentes compiladores de facécias, cederam lugar, nos últimos anos, e não apenas na Itália, a uma deliberada hostilidade contra a gente do foro”.
Nas últimas décadas a profissão de advogado sofreu profundas alterações. O liberal deu lugar ao empregado e o escritório particular, às grandes sociedades de advogados, sendo ambas as figuras contempladas no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906, de 4/7/1994, artigos 15/21).
Segundo o artigo 18 do estatuto, “a relação de emprego, na qualidade de advogado, não retira a isenção técnica, nem reduz a independência profissional inerente à advocacia”. O parágrafo único complementa: “O advogado empregado não está obrigado à prestação de serviços profissionais de interesse pessoal dos empregadores, fora da relação de emprego”. A vida real, todavia, nem sempre se harmoniza com o idealismo da lei. Dependendo de salário para subsistência própria e da família, o advogado frequentemente se sente forçado a abdicar da independência profissional para não perder o emprego.
O Estatuto da Ordem trata também, nos artigos 15/17, da sociedade de advogados. Nessa esfera se exige o máximo cuidado. São conhecidos casos em que a sociedade é interpretada como disfarce para relação de emprego. Considera-se empregado, na definição do artigo 3.º da CLT, “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste mediante salário”. Participação minoritária em grande escritório, com subordinação à normas de comportamento, poderá, segundo julgados da Justiça do Trabalho, ocultar vinculo empregatício.
Faculdades de Direito criadas sem critério, divulgadas mediante fortes campanhas publicitárias, com improvisado quadro de professores, mandam à rua, ano após ano, milhares de bacharéis despreparados ávidos por dinheiro. Gigantescos escritórios praticam advocacia de massa, sobretudo na esfera do Direito do Trabalho, sem preocupação com a qualidade. Além de numeroso quadro de associados, admitem recém-formados, confinados em cubículos conhecidos como baias, munidos de microcomputador para redação de defesas, recursos, petições, como operários em linha de montagem. Quando o excessivo número de clientes torna insuficiente o quadro permanente, improvisam “audiencistas”, mediante módica remuneração por audiência.
Comenta-se, entre as paredes dos Fóruns, a existência de escritórios dedicados à aquisição de créditos, cujos titulares não dispõem de tempo e meios para aguardar o desfecho da demanda. Murmura-se, também, sobre advogados inescrupulosos que se apropriam do dinheiro de clientes. A cada cinco processos nas comissões de ética, pelo menos um resultaria de acusação dessa natureza.
Regras imperativas sobre ética revelam que a advocacia não foi reservada a anjos e beatos. O Código de Ética vigente, apesar de inequívocas qualidades, ressente-se da falta de objetividade. Não determina, por exemplo, que o advogado deve comportar-se com lealdade e boa-fé, e preserva, sob sigilo, as raras punições aplicadas. No capítulo que trata do processo disciplinar, o Estatuto da Ordem prescreve que “o Conselho Seccional pode adotar as medidas administrativas e judiciais pertinentes, objetivando a que o profissional suspenso ou excluído devolva os documentos de identidade”. Pode ou deve? Não seria mais eficiente a publicação do nome do apenado, como fazem os conselhos regionais de medicina em relação a médicos?
Não me recordo de haver tomado ciência, pelos jornais, de punição aplicada a infrator. As reservas mantidas no interior da Ordem devem ceder lugar à publicidade, como instrumento de dissuasão de todos os que se sintam atraídos para a quebra da disciplina e violação dos princípios éticos ante clientes, parte contrária e colegas.
Advocacia é função essencial à justiça. Quem a exerce é “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Trata-se de atividade de interesse social, equiparável ao serviço público, aplicando-se-lhe os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (Constituição, artigo 37). Publicidade no sentido de que tudo quanto é de interesse da advocacia e da justiça não pode ficar sob sigilo, exceção feita “aos fatos de que tome conhecimento no exercício da profissão”.
Registro, para encerrar, repetitórias notícias de advogados submetidos a constrangimentos causados por juízes, membros do Ministério Público do Trabalho, agentes da polícia. No legítimo exercício das atividades não conseguem ser ouvidos em audiência. Na melhor das hipóteses são recebidos por assessor ou chefe de gabinete. Há casos, também, de impedimento, expresso em sentença, de utilização de recurso previsto em lei, como sucede com embargos de declaração recebidos como ofensa pessoal ao prolator da decisão.
O resgate das prerrogativas e o zelo na defesa da disciplina e da ética devem ocupar posição proeminente entre as ocupações da Ordem dos Advogados do Brasil e seções estaduais, em benefício da maioria honrada dos advogados.
*Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do TST
A Dilma de sempre - MERVAL PEREIRA
O Globo - 30/08
A presidente afastada, Dilma Rousseff, conseguiu o cúmulo do paradoxo, em sua defesa ontem no Senado, ao elogiar a Lei de Responsabilidade Fiscal como o maior instrumento de gestão pública que o país tem, a mesma legislação que ela transgrediu, e por isso está sendo julgada. O paradoxo é acentuado quando atribui “à mídia” a culpa pelo golpe e, sempre que pode, utiliza-se da mesma “mídia” para apoiar sua tese de que o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha aceitou o impeachment por vingança.
Claro que ninguém esperaria que a presidente afastada fosse ao Senado admitir sua culpa. E dizer-se inocente é comportamento comum a todos que estão em julgamento. Mesmo quando confessam seus crimes, os acusados têm direito a julgamento, no qual o advogado de defesa tentará justificar o ato ilegal, minimizar suas consequências, pedir compreensão dos jurados pelo que motivou a atitude do acusado.
Com a presidente Dilma não foi diferente. Ela não admite seus erros, tenta convencer seus julgadores, os senadores, que nada do que fez desrespeitou a legislação brasileira. Mas, implicitamente, tenta minimizar as acusações, dizendo que está sendo acusada por causa de “apenas” três decretos de suplementação orçamentária e “pedaladas” no Banco do Brasil para financiar a safra agrícola.
Aproveita-se da desatualização da lei de impeachment, de 1950, que impede que um presidente da República seja julgado por ato ocorrido fora de seu mandato, não levando em conta que a reeleição foi aprovada em 1997. O senador petista Humberto Costa destacou o que vários outros apoiadores de Dilma repetiram ontem: o impeachment é uma pena exagerada para tão pequenos desvios.
Não é possível fazer essa relativização, pois seria a mesma coisa que aceitar “um pouco de inflação”, como aconteceu durante o governo Dilma. Essa é a origem do verdadeiro problema dos governos petistas, considerar que os objetivos de seus projetos, supostamente benéficos aos mais pobres, podem ser alcançados sem controles externos.
Paradoxalmente, esse descontrole foi justamente o que provocou a maior depressão econômica que o país já viveu. Se na fala inicial a presidente afastada foi calculadamente sensata e alguma coisa emotiva, ao responder às perguntas dos senadores e senadoras ela voltou a ser a velha Dilma de sempre, misturando conceitos e teses, confusa na sua fala e, sobretudo, insistindo nos mesmos argumentos que atribuem principalmente à crise internacional as causas das nossas mazelas econômicas e sociais.
Dilma insistiu sempre nos mesmos argumentos, de que não houve crime de responsabilidade. A questão é que, em todos os julgamentos, há visões distintas em embate, e quem decide é a maioria dos jurados, isto é, os senadores e senadoras. A presidente afastada insistiu, no seu discurso e nas respostas, na tese do golpe parlamentar que estaria em curso.
Mas ela fez um rearranjo no seu conceito sobre o golpe, afirmando que até o momento ele não se caracterizou, mas, se ela for condenada, aí, sim, o golpe estará caracterizado. Como salientou o senador tucano Cassio Cunha Lima, essa tese é o mesmo que um pai dizer ao filho: pode torcer para qualquer time, desde que seja o Flamengo.
A tese de que o golpe será dado pela definição da maioria dos senadores a favor do impeachment, que continua sendo o resultado mais provável do julgamento, significa que a presidente afastada e seus seguidores não aceitam os senadores e senadoras como juízes, mas os qualificam como militantes políticos, golpistas no caso de condenação, e democratas e republicanos em caso de absolvição.
Não resiste a um raciocínio linear. Se a presidente afastada aceita todo o processo de julgamento, submete-se a todo o rito que foi definido pelo Supremo Tribunal Federal, vai pessoalmente ao Senado convalidando o processo, e só o considera distorcido ou golpista em caso de sua condenação, não há como levar a sério um provável recurso que ela já deixou insinuado ao Supremo Tribunal Federal.
A presidente afastada, Dilma Rousseff, conseguiu o cúmulo do paradoxo, em sua defesa ontem no Senado, ao elogiar a Lei de Responsabilidade Fiscal como o maior instrumento de gestão pública que o país tem, a mesma legislação que ela transgrediu, e por isso está sendo julgada. O paradoxo é acentuado quando atribui “à mídia” a culpa pelo golpe e, sempre que pode, utiliza-se da mesma “mídia” para apoiar sua tese de que o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha aceitou o impeachment por vingança.
Claro que ninguém esperaria que a presidente afastada fosse ao Senado admitir sua culpa. E dizer-se inocente é comportamento comum a todos que estão em julgamento. Mesmo quando confessam seus crimes, os acusados têm direito a julgamento, no qual o advogado de defesa tentará justificar o ato ilegal, minimizar suas consequências, pedir compreensão dos jurados pelo que motivou a atitude do acusado.
Com a presidente Dilma não foi diferente. Ela não admite seus erros, tenta convencer seus julgadores, os senadores, que nada do que fez desrespeitou a legislação brasileira. Mas, implicitamente, tenta minimizar as acusações, dizendo que está sendo acusada por causa de “apenas” três decretos de suplementação orçamentária e “pedaladas” no Banco do Brasil para financiar a safra agrícola.
Aproveita-se da desatualização da lei de impeachment, de 1950, que impede que um presidente da República seja julgado por ato ocorrido fora de seu mandato, não levando em conta que a reeleição foi aprovada em 1997. O senador petista Humberto Costa destacou o que vários outros apoiadores de Dilma repetiram ontem: o impeachment é uma pena exagerada para tão pequenos desvios.
Não é possível fazer essa relativização, pois seria a mesma coisa que aceitar “um pouco de inflação”, como aconteceu durante o governo Dilma. Essa é a origem do verdadeiro problema dos governos petistas, considerar que os objetivos de seus projetos, supostamente benéficos aos mais pobres, podem ser alcançados sem controles externos.
Paradoxalmente, esse descontrole foi justamente o que provocou a maior depressão econômica que o país já viveu. Se na fala inicial a presidente afastada foi calculadamente sensata e alguma coisa emotiva, ao responder às perguntas dos senadores e senadoras ela voltou a ser a velha Dilma de sempre, misturando conceitos e teses, confusa na sua fala e, sobretudo, insistindo nos mesmos argumentos que atribuem principalmente à crise internacional as causas das nossas mazelas econômicas e sociais.
Dilma insistiu sempre nos mesmos argumentos, de que não houve crime de responsabilidade. A questão é que, em todos os julgamentos, há visões distintas em embate, e quem decide é a maioria dos jurados, isto é, os senadores e senadoras. A presidente afastada insistiu, no seu discurso e nas respostas, na tese do golpe parlamentar que estaria em curso.
Mas ela fez um rearranjo no seu conceito sobre o golpe, afirmando que até o momento ele não se caracterizou, mas, se ela for condenada, aí, sim, o golpe estará caracterizado. Como salientou o senador tucano Cassio Cunha Lima, essa tese é o mesmo que um pai dizer ao filho: pode torcer para qualquer time, desde que seja o Flamengo.
A tese de que o golpe será dado pela definição da maioria dos senadores a favor do impeachment, que continua sendo o resultado mais provável do julgamento, significa que a presidente afastada e seus seguidores não aceitam os senadores e senadoras como juízes, mas os qualificam como militantes políticos, golpistas no caso de condenação, e democratas e republicanos em caso de absolvição.
Não resiste a um raciocínio linear. Se a presidente afastada aceita todo o processo de julgamento, submete-se a todo o rito que foi definido pelo Supremo Tribunal Federal, vai pessoalmente ao Senado convalidando o processo, e só o considera distorcido ou golpista em caso de sua condenação, não há como levar a sério um provável recurso que ela já deixou insinuado ao Supremo Tribunal Federal.
Os dias seguintes - JOSÉ CASADO
O GLOBO - 30/08
Se destituída, Dilma fica inelegível, sem foro especial e sob investigação criminal. O sucessor Temer será um presidente ‘sub judice’ por iniciativa do seu principal avalista, o PSDB
Alguns protagonistas da política estarão em novas posições depois de amanhã, quando setembro chegar, se confirmadas as previsões sobre o julgamento político de hoje no Senado.
Destituída da Presidência, Dilma Rousseff fica inelegível pelos próximos oito anos, até os 76 de idade. Volta à planície dos cidadãos, agora sem foro privilegiado e sob investigação criminal. Terá a companhia do antecessor Lula, que em outubro completa 70 anos.
Ambos são personagens de inquérito conduzido pelo juiz Teori Zavascki, do Supremo, por suspeita de obstrução à Justiça na apuração de crimes de corrupção na Petrobras.
Michel Temer deixa a presidência interina para virar sucessor definitivo. Será, no entanto, um presidente “sub judice”, dependente de uma decisão da Justiça sobre o seu mandato.
Isso porque o impeachment não afeta o processo em curso para impugnação da chapa Dilma-Temer. Eles foram acusados por abuso de poder, uso da máquina estatal e financiamento ilícito na campanha de 2014.
Deposta da Presidência, Dilma sai desses autos. Temer passa a ser o único réu. Por ironia, a iniciativa judicial foi do PSDB, hoje principal avalista do governo Temer no Congresso.
O vice se defendeu, em abril, cinco semanas antes de a Câmara afastar a presidente. Pediu julgamento separado das contas de campanha. Sendo individuais, argumentou, ele não poderia responder por eventuais crimes de Dilma.
Juízes do TSE identificam problemas. Um deles é a jurisprudência estabelecida, contrária a julgamentos separados de contas de candidatos da mesma chapa. Outro está na defesa em conjunto apresentada por Temer e Dilma ao tribunal, em 2015, com a mesma argumentação.
Assim, acrescentam, existiriam em tese poucas chances de Temer não ser condenado.
Pelo rigor da lei, ele precisaria demonstrar que não foi beneficiário direto de ilegalidades provadas. E atestar uma suposta “irrelevância” na contribuição do vice à eleição do presidente — ou seja, mostrar que o PMDB não influenciou na votação dos seus candidatos em 2014.
A decisão do tribunal eleitoral está prevista para o início do ano que vem. Será um marco na gestão do juiz-presidente do TSE, Gilmar Mendes, tanto pelo caráter inédito quanto pelas consequências.
Definirá se Temer cumpre o restante do mandato, até dezembro de 2018. Ou, então, se perde a presidência e se aposenta da política, por estar inelegível até completar 83 anos. Como resultado, abriria caminho para o Congresso escolher um dos seus para mandato-tampão até à eleição seguinte.
Essa seria outra amarga ironia: a cassação da presidente e do vice eleitos pelo voto direto conduziria à eleição indireta num Legislativo atropelado por múltiplos inquéritos sobre corrupção e pela desconfiança dos eleitores — apenas dois em cada dez dizem confiar na instituição, informa o Ibope.
Visto de hoje, o futuro parece mais favorável a Temer do que a Dilma. Tendo êxito na recuperação da economia, possivelmente contará com a indulgência característica das cortes onde juízes são políticos vestidos de toga.
É o cenário da República para quando setembro vier, depois de amanhã — descontado o imponderável, aquilo que se convencionou chamar de Lava-Jato.
Se destituída, Dilma fica inelegível, sem foro especial e sob investigação criminal. O sucessor Temer será um presidente ‘sub judice’ por iniciativa do seu principal avalista, o PSDB
Alguns protagonistas da política estarão em novas posições depois de amanhã, quando setembro chegar, se confirmadas as previsões sobre o julgamento político de hoje no Senado.
Destituída da Presidência, Dilma Rousseff fica inelegível pelos próximos oito anos, até os 76 de idade. Volta à planície dos cidadãos, agora sem foro privilegiado e sob investigação criminal. Terá a companhia do antecessor Lula, que em outubro completa 70 anos.
Ambos são personagens de inquérito conduzido pelo juiz Teori Zavascki, do Supremo, por suspeita de obstrução à Justiça na apuração de crimes de corrupção na Petrobras.
Michel Temer deixa a presidência interina para virar sucessor definitivo. Será, no entanto, um presidente “sub judice”, dependente de uma decisão da Justiça sobre o seu mandato.
Isso porque o impeachment não afeta o processo em curso para impugnação da chapa Dilma-Temer. Eles foram acusados por abuso de poder, uso da máquina estatal e financiamento ilícito na campanha de 2014.
Deposta da Presidência, Dilma sai desses autos. Temer passa a ser o único réu. Por ironia, a iniciativa judicial foi do PSDB, hoje principal avalista do governo Temer no Congresso.
O vice se defendeu, em abril, cinco semanas antes de a Câmara afastar a presidente. Pediu julgamento separado das contas de campanha. Sendo individuais, argumentou, ele não poderia responder por eventuais crimes de Dilma.
Juízes do TSE identificam problemas. Um deles é a jurisprudência estabelecida, contrária a julgamentos separados de contas de candidatos da mesma chapa. Outro está na defesa em conjunto apresentada por Temer e Dilma ao tribunal, em 2015, com a mesma argumentação.
Assim, acrescentam, existiriam em tese poucas chances de Temer não ser condenado.
Pelo rigor da lei, ele precisaria demonstrar que não foi beneficiário direto de ilegalidades provadas. E atestar uma suposta “irrelevância” na contribuição do vice à eleição do presidente — ou seja, mostrar que o PMDB não influenciou na votação dos seus candidatos em 2014.
A decisão do tribunal eleitoral está prevista para o início do ano que vem. Será um marco na gestão do juiz-presidente do TSE, Gilmar Mendes, tanto pelo caráter inédito quanto pelas consequências.
Definirá se Temer cumpre o restante do mandato, até dezembro de 2018. Ou, então, se perde a presidência e se aposenta da política, por estar inelegível até completar 83 anos. Como resultado, abriria caminho para o Congresso escolher um dos seus para mandato-tampão até à eleição seguinte.
Essa seria outra amarga ironia: a cassação da presidente e do vice eleitos pelo voto direto conduziria à eleição indireta num Legislativo atropelado por múltiplos inquéritos sobre corrupção e pela desconfiança dos eleitores — apenas dois em cada dez dizem confiar na instituição, informa o Ibope.
Visto de hoje, o futuro parece mais favorável a Temer do que a Dilma. Tendo êxito na recuperação da economia, possivelmente contará com a indulgência característica das cortes onde juízes são políticos vestidos de toga.
É o cenário da República para quando setembro vier, depois de amanhã — descontado o imponderável, aquilo que se convencionou chamar de Lava-Jato.
Ato final - ELIANE CANTANHÊDE
ESTADÃO - 30/08
Se houve uma surpresa ontem no Senado, foi justamente a falta de surpresas. Dilma Rousseff repetiu tudo que vem dizendo nesses nove meses, sobretudo na “mensagem aos Senado e ao povo brasileiro”. E os senadores, a favor ou contra o impeachment, também ficaram no mais do mesmo. Logo, sem nenhuma novidade, tudo fica onde estava.
O único fato realmente surpreendente desde as 9h da manhã foi que Dilma não partiu para o confronto e os senhores senadores e senhoras senadoras foram duros, mas elegantes, pelo menos até o fechamento desta edição. Ou seja, a sessão histórica foi marcada por um legítimo embate político, mas com civilidade.
O dia amanheceu com mais uma pancada no ex-presidente Lula, responsável por Dilma dar um passo maior do que a perna e virar presidente da República. Indiciado pela Polícia Federal na sexta-feira pelo triplex dos outros, Lula ontem viu a Receita Federal aplicar pesadas multas e cortar subsídios do instituto que leva o seu nome, sob acusação de que o dinheiro das empreiteiras da Lava Jato entrava por uma porta e saía por outra, por exemplo, para empresa de um de seus filhos.
Apesar do constrangimento, lá estava Lula nas galerias do Senado para prestigiar Dilma, e carregando um adereço espetacular: Chico Buarque, ídolo de gerações. Chico perde muito com essa exposição, mas Dilma, Lula e o PT lucram muito. Virtualmente derrotados no Senado, eles jogam para a opinião pública e constroem uma narrativa para a história.
Mais uma vez, o grande ausente foi “o povo”, ou seja, os movimentos pró e contra Dilma e sua excelência, o eleitor. A cerca de um quilômetro instalada nos gramados de Oscar Niemeyer, para isolar as duas grandes torcidas, revelou-se um cuidado desnecessário.
Ao discursar, com claque no plenário, Dilma repetiu tudo o que sempre diz e acaba de escrever na “mensagem”: a tortura, o câncer, é honesta e vítima de uma injustiça. Logo, alvo de um golpe contra a democracia, de uma ruptura constitucional, mas resiste, como sempre resistiu. “Entre meus defeitos não estão a deslealdade e a covardia.”
Citando Getúlio, Jango e JK, mas esquecendo seu privilegiado interlocutor Fernando Collor, ela disse que, como eles, é alvo de uma elite que teve seus interesses contrariados. Os crimes de responsabilidade, disse, são “meros pretextos”. O resto é golpe, golpe, golpe.
Seu alvo frontal foi Eduardo Cunha, o ex-presidente da Câmara, inimigo número um da opinião pública. Mas é claro que sobrou para Michel Temer e seu “governo usurpador”. Ficou faltando alguma coisa? Sim, faltaram duas coisas bastante importantes.
Uma delas foi a tese de convocação de um plebiscito para antecipar as eleições de 2018, abatida já na decolagem pelo próprio PT. A outra foi qualquer traço de autocrítica, afora o fato de ter repetido, literalmente, o que já tinha escrito na “mensagem”: que teve muito contato com “o povo” nesses meses, foi recebida com reconhecimento e carinho e ouviu “algumas críticas” pelos seus erros. Convenhamos, é pouco.
Dilma Rousseff foi a primeira mulher eleita presidente, chegou a bater recordes de popularidade e foi reeleita com 54 milhões de votos, como não cansa de repetir. Logo, precisou errar muito, mas muito mesmo, para estar à beira de um impeachment constitucional defendido pela maioria da sociedade, votado na Câmara e Senado e referendado pelo Supremo. Mas Dilma teve praticamente dois anos desde a reeleição para admitir um, unzinho erro que fosse, e não foi capaz.
Diante das perguntas dos senadores, ela traçou um perfil assustador do governo Temer. Em nota, ele rebateu as “inverdades” atribuídas “de forma irresponsável e leviana”: não vai estipular de 70 a 75 anos para a idade mínima de aposentadoria, a extinção do auxílio-doença, a regulamentação do trabalho escravo, a privatização do pré-sal, a revogação da CLT. Anotem aí, porque em algumas horas Dilma vai sair de cena e o foco estará em Temer.
Se houve uma surpresa ontem no Senado, foi justamente a falta de surpresas. Dilma Rousseff repetiu tudo que vem dizendo nesses nove meses, sobretudo na “mensagem aos Senado e ao povo brasileiro”. E os senadores, a favor ou contra o impeachment, também ficaram no mais do mesmo. Logo, sem nenhuma novidade, tudo fica onde estava.
O único fato realmente surpreendente desde as 9h da manhã foi que Dilma não partiu para o confronto e os senhores senadores e senhoras senadoras foram duros, mas elegantes, pelo menos até o fechamento desta edição. Ou seja, a sessão histórica foi marcada por um legítimo embate político, mas com civilidade.
O dia amanheceu com mais uma pancada no ex-presidente Lula, responsável por Dilma dar um passo maior do que a perna e virar presidente da República. Indiciado pela Polícia Federal na sexta-feira pelo triplex dos outros, Lula ontem viu a Receita Federal aplicar pesadas multas e cortar subsídios do instituto que leva o seu nome, sob acusação de que o dinheiro das empreiteiras da Lava Jato entrava por uma porta e saía por outra, por exemplo, para empresa de um de seus filhos.
Apesar do constrangimento, lá estava Lula nas galerias do Senado para prestigiar Dilma, e carregando um adereço espetacular: Chico Buarque, ídolo de gerações. Chico perde muito com essa exposição, mas Dilma, Lula e o PT lucram muito. Virtualmente derrotados no Senado, eles jogam para a opinião pública e constroem uma narrativa para a história.
Mais uma vez, o grande ausente foi “o povo”, ou seja, os movimentos pró e contra Dilma e sua excelência, o eleitor. A cerca de um quilômetro instalada nos gramados de Oscar Niemeyer, para isolar as duas grandes torcidas, revelou-se um cuidado desnecessário.
Ao discursar, com claque no plenário, Dilma repetiu tudo o que sempre diz e acaba de escrever na “mensagem”: a tortura, o câncer, é honesta e vítima de uma injustiça. Logo, alvo de um golpe contra a democracia, de uma ruptura constitucional, mas resiste, como sempre resistiu. “Entre meus defeitos não estão a deslealdade e a covardia.”
Citando Getúlio, Jango e JK, mas esquecendo seu privilegiado interlocutor Fernando Collor, ela disse que, como eles, é alvo de uma elite que teve seus interesses contrariados. Os crimes de responsabilidade, disse, são “meros pretextos”. O resto é golpe, golpe, golpe.
Seu alvo frontal foi Eduardo Cunha, o ex-presidente da Câmara, inimigo número um da opinião pública. Mas é claro que sobrou para Michel Temer e seu “governo usurpador”. Ficou faltando alguma coisa? Sim, faltaram duas coisas bastante importantes.
Uma delas foi a tese de convocação de um plebiscito para antecipar as eleições de 2018, abatida já na decolagem pelo próprio PT. A outra foi qualquer traço de autocrítica, afora o fato de ter repetido, literalmente, o que já tinha escrito na “mensagem”: que teve muito contato com “o povo” nesses meses, foi recebida com reconhecimento e carinho e ouviu “algumas críticas” pelos seus erros. Convenhamos, é pouco.
Dilma Rousseff foi a primeira mulher eleita presidente, chegou a bater recordes de popularidade e foi reeleita com 54 milhões de votos, como não cansa de repetir. Logo, precisou errar muito, mas muito mesmo, para estar à beira de um impeachment constitucional defendido pela maioria da sociedade, votado na Câmara e Senado e referendado pelo Supremo. Mas Dilma teve praticamente dois anos desde a reeleição para admitir um, unzinho erro que fosse, e não foi capaz.
Diante das perguntas dos senadores, ela traçou um perfil assustador do governo Temer. Em nota, ele rebateu as “inverdades” atribuídas “de forma irresponsável e leviana”: não vai estipular de 70 a 75 anos para a idade mínima de aposentadoria, a extinção do auxílio-doença, a regulamentação do trabalho escravo, a privatização do pré-sal, a revogação da CLT. Anotem aí, porque em algumas horas Dilma vai sair de cena e o foco estará em Temer.
O julgamento da história - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 30/08
SÃO PAULO - Como a história julgará Dilma Rousseff? Ela própria e seus apoiadores tentam organizar a narrativa da queda sob o eixo da justiça. Nesse "framing", uma presidente honesta está sendo apeada do poder por forças conservadoras muito menos honestas que ela e com base em frágeis pretextos contábeis.
Concordo com alguns pontos. Até aqui, nada indica que Dilma tenha se beneficiado pessoalmente de esquemas de corrupção, o que não se pode dizer de outras lideranças, tanto do PT como mais próximas do atual governo. De todo modo, eu hesitaria um pouco antes de declarar Dilma uma vestal. Ou ela foi conivente com vários episódios de desvio de dinheiro ou então não os percebeu, o que não seria muito menos grave.
Também compreendo o sentimento de injustiça experimentado pelos petistas. Dilma, afinal, está objetivamente sendo julgada e condenada por atos que vários outros presidentes praticaram. Isso, porém, só ocorre porque a acusação contra ela acabou ficando limitada tanto no tempo –só foram aceitos fatos do segundo mandato— quanto no escopo —o pedido de impeachment da OAB, por exemplo, trazia vários outros temas.
O ponto central, me parece, é que não dá para restringir o julgamento de Dilma ao aspecto da justiça. Penso que a narrativa só fica completa se incorporar o eixo da política, que é o determinante tanto para o desfecho do caso como para o juízo da história. Aqui, não dá para ignorar tudo aquilo que não entrou na peça acusatória, mas os senadores levarão em conta na hora de votar: o volume das pedaladas de 2014, a tentativa de esconder o estado das contas públicas na campanha, o estelionato eleitoral, as barbeiragens no Congresso e, principalmente, a ruína econômica que resultou de seu governo.
Até acho que a história será generosa com a honorabilidade pessoal de Dilma, mas não vejo como deixaria de classificar sua gestão como desastrosa, que foi o que a inviabilizou.
SÃO PAULO - Como a história julgará Dilma Rousseff? Ela própria e seus apoiadores tentam organizar a narrativa da queda sob o eixo da justiça. Nesse "framing", uma presidente honesta está sendo apeada do poder por forças conservadoras muito menos honestas que ela e com base em frágeis pretextos contábeis.
Concordo com alguns pontos. Até aqui, nada indica que Dilma tenha se beneficiado pessoalmente de esquemas de corrupção, o que não se pode dizer de outras lideranças, tanto do PT como mais próximas do atual governo. De todo modo, eu hesitaria um pouco antes de declarar Dilma uma vestal. Ou ela foi conivente com vários episódios de desvio de dinheiro ou então não os percebeu, o que não seria muito menos grave.
Também compreendo o sentimento de injustiça experimentado pelos petistas. Dilma, afinal, está objetivamente sendo julgada e condenada por atos que vários outros presidentes praticaram. Isso, porém, só ocorre porque a acusação contra ela acabou ficando limitada tanto no tempo –só foram aceitos fatos do segundo mandato— quanto no escopo —o pedido de impeachment da OAB, por exemplo, trazia vários outros temas.
O ponto central, me parece, é que não dá para restringir o julgamento de Dilma ao aspecto da justiça. Penso que a narrativa só fica completa se incorporar o eixo da política, que é o determinante tanto para o desfecho do caso como para o juízo da história. Aqui, não dá para ignorar tudo aquilo que não entrou na peça acusatória, mas os senadores levarão em conta na hora de votar: o volume das pedaladas de 2014, a tentativa de esconder o estado das contas públicas na campanha, o estelionato eleitoral, as barbeiragens no Congresso e, principalmente, a ruína econômica que resultou de seu governo.
Até acho que a história será generosa com a honorabilidade pessoal de Dilma, mas não vejo como deixaria de classificar sua gestão como desastrosa, que foi o que a inviabilizou.
Ficção e pieguice - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 30/08
Num discurso de 50 minutos feito ontem perante o Senado Federal, com o qual pretendeu se defender das acusações pelas quais será julgada nas próximas horas pelos senadores, a presidente afastada Dilma Rousseff produziu uma peça de ficção entremeada por lances de pieguice explícita. Foi um fecho melancólico do itinerário político de uma chefe de governo que, simplesmente, fez tudo errado e levou o País para o buraco. Tudo consequência do autoritarismo e da soberba de um projeto de poder irresponsavelmente populista, agravado pela incompetência gerencial e pela inapetência para o jogo político reveladas pela criatura imposta por Lula para revezar com ele a cadeira presidencial.
O argumento central da defesa de Dilma, repetido à saciedade ao longo de todo o processo do impeachment que chega agora a seu desfecho, é que, alimentados pelo ódio e pela intolerância, seus adversários, ao verem “contrariados e feridos nas urnas os interesses da elite econômica e política”, assacam contra ela acusações infundadas. E protestou: “As provas produzidas deixam claro e inconteste que as acusações contra mim dirigidas são meros pretextos, embasados por uma frágil retórica jurídica”. Dilma tem todo o direito de pensar o que quiser sobre o julgamento no qual é ré, mas não é a ela, e sim aos juízes, constitucionalmente investidos de autoridade jurídica e política para tanto, que caberá decidir se ela é ou não culpada. Essa é uma responsabilidade atribuída ao Congresso Nacional. E até agora, seja no âmbito da competência dos deputados, seja na dos senadores, Dilma perdeu sempre.
A presidente afastada sabe que perderá até o amargo fim e, portanto, nada mais lhe resta senão apelar para o ilusionismo retórico e as lágrimas de crocodilo em desesperada tentativa de reverter os votos de senadores que imagina que ainda possam ser persuadidos a absolvê-la e de convencer a opinião pública de que merece um lugar de destaque e honra na história que se escreverá. Foi certamente com essa intenção que Dilma reiterou com insistência, ao longo de sua fala, dois pontos: as “marcas da tortura” de que foi vítima quando pegou em armas para combater a ditadura militar e o fato de que “não há crime” nos crimes que lhe são imputados pela acusação.
Dilma classificou sua reeleição como “rude golpe a setores da elite conservadora brasileira”. Na verdade, foi um tremendo golpe para todos os brasileiros. É que, durante a campanha presidencial, ela fez tudo para dissimular a grave situação das contas públicas e a forte retração da atividade econômica, atribuindo aos adversários a intenção de praticar todas as “maldades” que ela própria, tão logo reeleita, tentou em vão implantar para aliviar a crise.
Dos argumentos de que a presidente afastada lançou mão em sua arenga, o mais ridículo é o de que, primeiro “é uma desproporção” mover um processo de impeachment por crimes como os que constam da acusação – ou seja, de pequena monta. Dilma protestou contra a tentativa de “criminalizar” o Plano Safra, quando em momento algum a acusação emitiu juízo de valor sobre aquele plano de subsídio à agricultura, limitando-se a denunciar que a forma de efetivação do financiamento violou a lei, pois o governo – controlador de bancos públicos – fez operações de crédito com essas instituições, numa prática vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Dilma ainda teve de fazer malabarismos para não entrar em choque com o PT, que acaba de rejeitar sua ideia de, caso seja reconduzida à Presidência, convocar um plebiscito para decidir sobre a antecipação das eleições presidenciais: “Chego à última etapa desse processo comprometida com a realização de uma demanda da maioria dos brasileiros: convocá-los a decidir, nas urnas, sobre o futuro de nosso país. Diálogo, participação e voto direto e livre são as melhores armas que temos para a preservação da democracia”.
Como era inevitável, Dilma protestou também contra o fato de estar sendo julgada pelo “conjunto da obra”. De fato, a profunda crise em que ela afundou o País agrava sua situação. Mas o julgamento em curso é, por definição, também político. E dessa perspectiva é impossível ignorar o “conjunto da obra”.
Num discurso de 50 minutos feito ontem perante o Senado Federal, com o qual pretendeu se defender das acusações pelas quais será julgada nas próximas horas pelos senadores, a presidente afastada Dilma Rousseff produziu uma peça de ficção entremeada por lances de pieguice explícita. Foi um fecho melancólico do itinerário político de uma chefe de governo que, simplesmente, fez tudo errado e levou o País para o buraco. Tudo consequência do autoritarismo e da soberba de um projeto de poder irresponsavelmente populista, agravado pela incompetência gerencial e pela inapetência para o jogo político reveladas pela criatura imposta por Lula para revezar com ele a cadeira presidencial.
O argumento central da defesa de Dilma, repetido à saciedade ao longo de todo o processo do impeachment que chega agora a seu desfecho, é que, alimentados pelo ódio e pela intolerância, seus adversários, ao verem “contrariados e feridos nas urnas os interesses da elite econômica e política”, assacam contra ela acusações infundadas. E protestou: “As provas produzidas deixam claro e inconteste que as acusações contra mim dirigidas são meros pretextos, embasados por uma frágil retórica jurídica”. Dilma tem todo o direito de pensar o que quiser sobre o julgamento no qual é ré, mas não é a ela, e sim aos juízes, constitucionalmente investidos de autoridade jurídica e política para tanto, que caberá decidir se ela é ou não culpada. Essa é uma responsabilidade atribuída ao Congresso Nacional. E até agora, seja no âmbito da competência dos deputados, seja na dos senadores, Dilma perdeu sempre.
A presidente afastada sabe que perderá até o amargo fim e, portanto, nada mais lhe resta senão apelar para o ilusionismo retórico e as lágrimas de crocodilo em desesperada tentativa de reverter os votos de senadores que imagina que ainda possam ser persuadidos a absolvê-la e de convencer a opinião pública de que merece um lugar de destaque e honra na história que se escreverá. Foi certamente com essa intenção que Dilma reiterou com insistência, ao longo de sua fala, dois pontos: as “marcas da tortura” de que foi vítima quando pegou em armas para combater a ditadura militar e o fato de que “não há crime” nos crimes que lhe são imputados pela acusação.
Dilma classificou sua reeleição como “rude golpe a setores da elite conservadora brasileira”. Na verdade, foi um tremendo golpe para todos os brasileiros. É que, durante a campanha presidencial, ela fez tudo para dissimular a grave situação das contas públicas e a forte retração da atividade econômica, atribuindo aos adversários a intenção de praticar todas as “maldades” que ela própria, tão logo reeleita, tentou em vão implantar para aliviar a crise.
Dos argumentos de que a presidente afastada lançou mão em sua arenga, o mais ridículo é o de que, primeiro “é uma desproporção” mover um processo de impeachment por crimes como os que constam da acusação – ou seja, de pequena monta. Dilma protestou contra a tentativa de “criminalizar” o Plano Safra, quando em momento algum a acusação emitiu juízo de valor sobre aquele plano de subsídio à agricultura, limitando-se a denunciar que a forma de efetivação do financiamento violou a lei, pois o governo – controlador de bancos públicos – fez operações de crédito com essas instituições, numa prática vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Dilma ainda teve de fazer malabarismos para não entrar em choque com o PT, que acaba de rejeitar sua ideia de, caso seja reconduzida à Presidência, convocar um plebiscito para decidir sobre a antecipação das eleições presidenciais: “Chego à última etapa desse processo comprometida com a realização de uma demanda da maioria dos brasileiros: convocá-los a decidir, nas urnas, sobre o futuro de nosso país. Diálogo, participação e voto direto e livre são as melhores armas que temos para a preservação da democracia”.
Como era inevitável, Dilma protestou também contra o fato de estar sendo julgada pelo “conjunto da obra”. De fato, a profunda crise em que ela afundou o País agrava sua situação. Mas o julgamento em curso é, por definição, também político. E dessa perspectiva é impossível ignorar o “conjunto da obra”.
Dilma não responde a acusações e repete argumentos - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 30/08
Presidente afastada perde oportunidade de se defender de maneira efetiva, e se limita a fazer o discurso destinado à luta política do lulopetismo de volta à oposição
O comparecimento da presidente afastada Dilma Rousseff ao Senado poderia reservar alguma surpresa. Chegou-se a prever que o discurso de Dilma entraria para a História. Mas a decisão, até corajosa, da ré, de ir ao Congresso se defender foi frustrante. Viu-se apenas a enfadonha repetição de velhos argumentos.
O pronunciamento da presidente afastada repetiu a ideia, sem pé nem cabeça, de que é vítima de um “golpe parlamentar”, desfechado por uma conspiração fantasiosa das elites, sob o “silêncio cúmplice da mídia”. Ora, agride-se o mensageiro pelo teor da mensagem, o que vem acontecendo, por parte de lulopetistas, desde o mensalão, noticiado com destaque, como teria de ser, pelo jornalismo profissional.
Estranho foi o fato de a denúncia do “golpe” ser feita no Congresso, em pleno funcionamento, e na presença do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, responsável por conduzir o julgamento propriamente dito. STF este ao qual a defesa da presidente recorreu algumas vezes, o que jamais seria possível num verdadeiro golpe. Aliás, sequer haveria STF num golpe para valer, não de fantasia. Na verdade, tudo transcorre dentro do estado democrático de direito, garantida toda a liberdade de defesa, substituindo-se, pelo Congresso, uma presidente que cometeu crimes de responsabilidade pelo seu vice, eleito em chapa única pelos mesmos 54 milhões de votos. Simples assim.
Esta versão delirante do processo de impeachment visa a encobrir o desrespeito, comprovado de forma sólida pela acusação, à Constituição e à Lei de Responsabilidade, pela presidente Dilma, em 2015, ao continuar com as “pedaladas”, e na emissão de decretos de liberação de despesas, sem a aprovação do Congresso.
O período abordado pelo processo é apenas o primeiro ano do segundo governo de Dilma, porque assim foi decidido pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ao aceitar o pedido de impedimento, em dezembro desse ano.
Mas a manobra de fazer com que instituições financeiras oficiais (Banco do Brasil, Caixa , BNDES) e até o FGTS arcassem com despesas do Tesouro, em operações disfarçadas, ilegais, de financiamento à União, havia começado a ser feita em maior escala desde o final do segundo governo Lula.
O truque é atrasar repasses do Tesouro a essas instituições, feitos para ressarci-las pela equalização de taxas de juros, por exemplo, em financiamentos agrícolas, industriais etc. Também houve atrasos no Bolsa Família.
Se essas operações, as “pedaladas”, serviram para mascarar rombos no Tesouro, a emissão de decretos de gastos sem o aval do Congresso — um ato monárquico — se baseou na filosofia da política do “novo marco macroeconômico”, a favor de mais gastos, a qualquer custo, na vã tentativa de resgatar a economia da recessão. Não deu certo, como se viu.
Na conhecida visão de Dilma, a crise surgiu da conjuntura internacional. Na sua versão dos fatos não existiu o estelionato eleitoral praticado por ela e aliados na campanha de 2014, jogando para debaixo do tapete a gravidade da situação fiscal e mantendo a inflação artificialmente baixa, por meio do condenável represamento de tarifas.
A presidente afastada desafiou a prudência ao misturar momentos históricos muito diversos, comparando-se a Getúlio Vargas, a Juscelino Kubitschek e a João Goulart. Mas vale tudo para insistir na farsa do “golpe”. Também é insensata a tentativa da presidente afastada de colocar no mesmo plano o julgamento pelo qual passou na Justiça Militar, na ditadura, com o atual, em tramitação dentro de todas as norma legais.
Dilma repetiu que Eduardo Cunha, ex-aliado do PT, foi peça-chave no impeachment, ao se vingar dela supostamente por ter se recusado a levar o PT a ajudá-lo no Conselho de Ética. Mas o impeachment só chegou a este ponto porque até agora a grande maioria de deputados e senadores tem concordado com as acusações. Sozinho, Cunha nada conseguiria.
A presidente afastada perdeu grande oportunidade de fazer uma defesa efetiva. Só repetiu o discurso da sua bancada, mais voltado para um futuro sem ela no Planalto.
Presidente afastada perde oportunidade de se defender de maneira efetiva, e se limita a fazer o discurso destinado à luta política do lulopetismo de volta à oposição
O comparecimento da presidente afastada Dilma Rousseff ao Senado poderia reservar alguma surpresa. Chegou-se a prever que o discurso de Dilma entraria para a História. Mas a decisão, até corajosa, da ré, de ir ao Congresso se defender foi frustrante. Viu-se apenas a enfadonha repetição de velhos argumentos.
O pronunciamento da presidente afastada repetiu a ideia, sem pé nem cabeça, de que é vítima de um “golpe parlamentar”, desfechado por uma conspiração fantasiosa das elites, sob o “silêncio cúmplice da mídia”. Ora, agride-se o mensageiro pelo teor da mensagem, o que vem acontecendo, por parte de lulopetistas, desde o mensalão, noticiado com destaque, como teria de ser, pelo jornalismo profissional.
Estranho foi o fato de a denúncia do “golpe” ser feita no Congresso, em pleno funcionamento, e na presença do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, responsável por conduzir o julgamento propriamente dito. STF este ao qual a defesa da presidente recorreu algumas vezes, o que jamais seria possível num verdadeiro golpe. Aliás, sequer haveria STF num golpe para valer, não de fantasia. Na verdade, tudo transcorre dentro do estado democrático de direito, garantida toda a liberdade de defesa, substituindo-se, pelo Congresso, uma presidente que cometeu crimes de responsabilidade pelo seu vice, eleito em chapa única pelos mesmos 54 milhões de votos. Simples assim.
Esta versão delirante do processo de impeachment visa a encobrir o desrespeito, comprovado de forma sólida pela acusação, à Constituição e à Lei de Responsabilidade, pela presidente Dilma, em 2015, ao continuar com as “pedaladas”, e na emissão de decretos de liberação de despesas, sem a aprovação do Congresso.
O período abordado pelo processo é apenas o primeiro ano do segundo governo de Dilma, porque assim foi decidido pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ao aceitar o pedido de impedimento, em dezembro desse ano.
Mas a manobra de fazer com que instituições financeiras oficiais (Banco do Brasil, Caixa , BNDES) e até o FGTS arcassem com despesas do Tesouro, em operações disfarçadas, ilegais, de financiamento à União, havia começado a ser feita em maior escala desde o final do segundo governo Lula.
O truque é atrasar repasses do Tesouro a essas instituições, feitos para ressarci-las pela equalização de taxas de juros, por exemplo, em financiamentos agrícolas, industriais etc. Também houve atrasos no Bolsa Família.
Se essas operações, as “pedaladas”, serviram para mascarar rombos no Tesouro, a emissão de decretos de gastos sem o aval do Congresso — um ato monárquico — se baseou na filosofia da política do “novo marco macroeconômico”, a favor de mais gastos, a qualquer custo, na vã tentativa de resgatar a economia da recessão. Não deu certo, como se viu.
Na conhecida visão de Dilma, a crise surgiu da conjuntura internacional. Na sua versão dos fatos não existiu o estelionato eleitoral praticado por ela e aliados na campanha de 2014, jogando para debaixo do tapete a gravidade da situação fiscal e mantendo a inflação artificialmente baixa, por meio do condenável represamento de tarifas.
A presidente afastada desafiou a prudência ao misturar momentos históricos muito diversos, comparando-se a Getúlio Vargas, a Juscelino Kubitschek e a João Goulart. Mas vale tudo para insistir na farsa do “golpe”. Também é insensata a tentativa da presidente afastada de colocar no mesmo plano o julgamento pelo qual passou na Justiça Militar, na ditadura, com o atual, em tramitação dentro de todas as norma legais.
Dilma repetiu que Eduardo Cunha, ex-aliado do PT, foi peça-chave no impeachment, ao se vingar dela supostamente por ter se recusado a levar o PT a ajudá-lo no Conselho de Ética. Mas o impeachment só chegou a este ponto porque até agora a grande maioria de deputados e senadores tem concordado com as acusações. Sozinho, Cunha nada conseguiria.
A presidente afastada perdeu grande oportunidade de fazer uma defesa efetiva. Só repetiu o discurso da sua bancada, mais voltado para um futuro sem ela no Planalto.
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