quarta-feira, abril 27, 2016

Temer na porteira da Fazenda - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 27/04

Nomear um ministro da Fazenda capaz de fazer um remendão básico nas contas públicas é tão inevitável que o assunto se torna quase conversa secundária na formação do governo virtual de Michel Temer.

Sim, é essencial, mas óbvio. Sem isso, Temer não dura um trio de meses. Sem isso, rebrota o caos financeiro, a recessão revida e reforçam-se as conversas sobre eleições antecipadas, outro impeachment ou processo no TSE, o que convier à gente da rapina do poder.

Na economia, mais interessante é saber quais serão planos e equipes que vão recolocar já em funcionamento o governo e regiões de um país arrasado por furacões de inépcia.

Na política, interessa saber: 1) A coalizão temerista vai dar votos para o arrocho? Essa gente que até o mês passado estourava as contas públicas? 2) Quanto vai custar comprar o Congresso, em termos de qualidade da administração? Nacos do governo serão entregues ao "centrinhão", bloco de mais de 200 deputados de partidos expertos em mensalagem e petrolagem.

As centrais sindicais foram a Temer se opor à reforma da Previdência e pedir mais rombo fiscal (redução do IR), para não mencionar disparates maiores.

Além de criar tensão social e econômica extras, Estados falidos podem tumultuar o Congresso. Aliviar essa ruína sem a contrapartida dura de colocar as contas estaduais nos trilhos, nos moldes dos acordos dos anos 1990, é apenas mudar o endereço do desastre (para a União).

Na economia, há incêndios sem controle em áreas essenciais:

1) A trapaça jurídica da redução da dívida estadual com a União;

2) A necessidade de relançar já concessões;

3) A ruína no setor de energia, da Petrobras ao setor elétrico;

4) A falta de crédito imobiliário e a limpeza do balanço da Caixa (Cunha e o PP disputam o banco!);

5) A inadimplência que está para explodir nas empresas;

6) A reconstrução das agências reguladoras e similares: de mineração a teles, quase nada anda devido ao desmonte regulatório e outras tolices.

Essas são apenas algumas emergências.

Quem vai dar jeito nas concessões, meio de relançar o investimento? Dadas a taxa de juros e as inseguranças jurídica, regulatória e política, as empresas vão cobrar os olhos da cara e as calças a fim de investir. Essa encrenca exige especialistas de peso (em leilões, finanças, planejamento). Isso é quase um ministério extraordinário.

A Petrobras, como está, prejudica o crédito e o investimento. Há risco até de a produção vir a cair. Quem será o papa da Petrobras? Para a Infraestrutura, aliás, não pode ser nomeado um desses tipos que se ocupa de "fechar a porteira" do ministério e ali espalhar suas vacas, mas alguém que faça uma limpa grande e rápida.

Quase nada vai andar no crédito se não for possível baixar juros em breve. Mas, isto posto, quem vai, por exemplo, lidar com a míngua do crédito imobiliário, por exemplo?

Quede essas equipes e planos?

Enfim, com essa conversa de não aumentar imposto, Temer vai se arrepender muito quando vir o caixa vazio e hordas atacando o arrocho fiscal no Congresso. Se não aproveitar o embalo agora, em 2017 será tarde.


Problemas de Meirelles - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 27/04

Henrique Meirelles, caso assuma o Ministério da Fazenda, terá que se preocupar com o risco de nomeações políticas para a Caixa Econômica e o Banco do Brasil. Se nomear o presidente do Banco Central, estará tirando do BC aquilo que exigiu quando esteve no cargo: autonomia. O BC passará a ser então subordinado à Fazenda. Meirelles, quando foi convidado por Lula em 2002, exigiu carta branca no Banco Central.

As conversas com interlocutores do vice- presidente, Michel Temer, confirmam aquilo que ele disse para o colunista Jorge Bastos Moreno em entrevista ontem: ele quer Meirelles na Fazenda e o senador José Serra num ministério da área social. Mas não tem feito convites. Apenas sondagens. Conversa mais livremente apenas com o grupo de políticos dos quais se cerca: Moreira Franco, Eliseu Padilha, Romero Jucá, Geddel Vieira Lima.

Quem esteve no fim de semana no Palácio Jaburu por longo tempo foi ninguém menos do que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, mostrando estar bem à vontade. O senador Romero Jucá deve ser nomeado ministro do Planejamento.

O vice- presidente está imaginando que, com a nomeação de Meirelles, ele consegue dar um choque de credibilidade ao seu governo. Ontem o mercado reagiu bem à informação de que seria o ex- presidente do BC. O problema é a segunda parte do Plano Temer: ocupar com nomeações dos políticos as outras áreas e inclusive pedaços da área econômica.

Quem quer que assuma a Fazenda terá que ter poderes para nomear os presidentes dos dois bancos públicos que foram muito partidarizados. Temer tinha decidido entregar a Caixa para o PP. Se fizer isso, o novo ministro já entrará enfraquecido, e a área econômica ficará sujeita a escândalos. A Caixa está em situação financeira frágil, com as várias empreitadas nas quais foi jogada pelos governos petistas. Precisa de uma gestão técnica e eficiente.

O que Temer disse a Moreno foi que delegaria a Meirelles, caso ele assuma a Fazenda, a nomeação do presidente do Banco Central. Se nomear a direção do BC, Meirelles estará em contradição com sua própria história. Já do BNDES, ele deveria manter distância. Afinal, é atualmente o presidente do conselho do grupo JBS, que é o maior tomador de crédito do banco.

O eventual governo Temer terá que enfrentar, assim que chegar, necessidade urgente de corte de gastos porque as receitas estão caindo drasticamente, além das duas bombas fiscais que estão armadas. Uma será a necessidade de mudança até o dia 22 da meta fiscal. Se a meta não for aprovada no Congresso, o governo teria que suspender pagamentos e até fechar repartições. Seria um terrível início de governo. A outra bomba será a votação hoje do caso da dívida de Santa Catarina no Supremo que, se o governo perder, terá um impacto forte no aumento da dívida.

O advogado- geral da União, José Eduardo Cardozo, negou que a AGU esteja se descuidando desta grave questão da dívida dos estados. Ele disse que há uma divisão natural de trabalho no órgão que comanda.

— Há muitas frentes aqui. A secretária- geral de Contencioso, Grace Mendonça, está trabalhando nisso intensamente em conversas com ministros do Supremo, aos quais levou o memorial preparado pela AGU em defesa da União. Se eu fosse falar com ministros, a esta altura, poderia ser interpretado como sendo sobre o processo de impeachment. — explicou Cardozo.

Neste estranho momento do Brasil, enquanto no grupo de Temer prepara- se o novo governo num quebra- cabeças cheio de contradições e dúvidas, no governo propriamente dito, o grupo de Dilma prepara- se para a batalha do Senado. Ontem mesmo o PT apresentou requerimento para que falem na Comissão do Impeachment a ministra Kátia Abreu, o ministro Nelson Barbosa e o vice- presidente do Banco do Brasil Osmar Dias.

— No Senado, terá que haver formação de prova, e por isso será preciso que os senadores analisem cada um dos decretos que fazem parte da denúncia. E precisa ser analisado também o Plano Safra. Por isso a ida destas três pessoas que arrolamos é essencial — disse Cardozo.

O Brasil é um país com dois governos em que aquele que ainda não é se comporta como se já fosse, e o que legalmente governa luta para sobreviver.

De fato e ficção - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 27/04

Mais do que uma guerra de slogans, há em curso um conflito de "narrativas", para usar o termo da moda. A mais comum é o conto do "golpe", que, como notado, entre outros, por Demétrio Magnoli, não é uma tentativa de convencer a opinião pública, mas, na verdade, uma forma de manter a militância aguerrida para as eleições presidenciais de 2018.

Entre as demais, chamou-me a atenção a mais recente justificativa para o fracasso estrondoso do governo Dilma: seria resultado da "agenda do caos" promovida pela oposição, que teria recusado as propostas de reforma econômica, preferindo apostar no "quanto pior, melhor". Em que pese a atuação abaixo da crítica do PSDB no que tange à eliminação do fator previdenciário, trata-se de mais uma história que não para em pé.

A começar porque as raízes do fracasso vêm de muito antes e têm pouco a ver com a atuação do Congresso. A recessão propriamente dita, é bom lembrar, começou ainda em meados de 2014, seguindo-se a um período de crescimento muito abaixo do observado em anos anteriores.

Há, entre economistas que mantêm o saudável hábito de não se esquecer de olhar os dados, um virtual consenso acerca das causas dessa forte desaceleração que culminou na atual crise: por um lado, uma expansão fiscal sem precedentes, da qual fez parte um aumento extraordinário do crédito por meio de bancos oficiais; por outro, um grau de intervenção na economia que só tem paralelo ao registrado durante os governos militares nos anos 1970.

A primeira nos levou a um processo de aumento acelerado da dívida pública, solapando a confiança quanto à sua sustentabilidade. Não por acaso, o risco-país saltou de 1% ao ano para quase 5% anuais, antes de a perspectiva de mudança de governo levar a um recuo para 3,5% ao ano.

Já a intervenção excessiva provocou forte queda do ritmo de expansão da produtividade, de 1,6% anual para -0,5% ao ano, segundo estimativas de Samuel Pessôa.

Ambas resultaram de ações do Executivo, sob comando de Guido Mantega, mas, na prática, como se sabe, da própria presidente. Não se ouviu falar do Congresso; ainda menos das oposições.

Mais revelador ainda, não se pode deixar de lado o comportamento do PT, que, chamado a apoiar o programa de reformas elaborado pelo então ministro da Fazenda Joaquim Levy, fugiu da responsabilidade de forma acintosa. Pesquisa de 0,45 segundo no Google mostra a reação contrária do PT à proposta de reforma da Previdência, por exemplo, e exercícios similares revelam a mesma resposta no que diz respeito a temas como mudanças na política de salário mínimo ou vinculações orçamentárias.

De forma simples: quem se opôs às reformas foram principalmente o PT e seus líderes, que, a propósito, derrubaram Levy.

Não é por outro motivo que o mercado "comemora" (de maneira otimista demais, mas fica para outro dia) cada passo mais próximo do impedimento da presidente como um passo a mais no sentido de a- dotar as medidas que permitam ao país recuperar sua saúde financeira e restaurar o crescimento da produtividade.

Neil Gaiman escreveu memoravelmente que uma história não precisa ter acontecido para ser verdadeira. O que vale, porém, no reino da ficção lá deve permanecer; no mundo real essa ficção nada mais é do que outra mentira, a coroar as várias sob as quais vivemos nos últimos anos.

Protagonistas do subsolo - MONICA DE BOLLE

ESTADÃO - 27/04

No dia da votação do impeachment, 58% da população acompanhou o processo pela TV, um espanto. Brasileiros foram confrontados com aquilo que sabiam em tese, mas que talvez ainda não tivessem tido a oportunidade de ver: nossos representantes no Congresso são, em grande maioria, gente que maltrata o próprio idioma, discorre sobre a família, Deus, os corretores de seguros, a cidade natal, sem menção ao eleitor, ou mesmo ao que os havia levado aos salões de Brasília numa tarde de domingo. O choque não foi menor para os correspondentes internacionais aboletados na capital para cobrir a votação. Mas, por certo, foi diferente.

“Pessoas são como a propriedade adjacente dos outros: conhecemo-as apenas a partir de nossas fronteiras em comum”, disse Edith Wharton. Brasileiros talvez tenham visto nos deputados e deputadas características que não admiram em si. Estrangeiros, por sua vez, presenciaram algo que não foram capazes de assimilar. Não por acaso, a Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais soltou nota advertindo sobre a “ilegalidade” do impeachment.

A dificuldade de assimilar bizarra votação deu a tônica das publicações de grandes jornais mundo afora na semana pós-aprovação da Câmara. Parte do Brasil ficou consternada ao ver o País tratado como republiqueta esfacelada nas mãos de legisladores-réus e parlamentares que não aparentavam saber a gravidade daquilo que estava em votação. Congressistas que, ao invocarem todos, menos os eleitores, pareciam tratar com displicência o pedido de afastamento da Presidente da República. Nada contra a família, Deus ou os corretores de seguros, mas muitos estrangeiros espantaram-se com o que lhes pareceu descaso.

“Mas também foi assim em 1992”. De lá para cá foram-se quase duas décadas e meia. Duas décadas e meia em que o Brasil não apenas fez questão de enfatizar seu isolacionismo com política externa voltada para tudo, menos para o mundo todo – a não ser para o fortalecimento de relações com punhado de países que enfrentam gravíssimos problemas na região. Duas décadas e meia em que o distanciamento brasileiro do resto do mundo, sobretudo dos EUA e da Europa, cimentou narrativas equivocadas sobre a economia do País e o desconhecimento generalizado, o desinteresse por aquilo que de fato se passava. O isolacionismo acentuou-se ainda mais nos últimos treze anos ante ideologias ultrapassadas e visões torpes sobre as virtudes do mercado local.

Muito tem sido dito sobre os problemas internos da economia brasileira, sobre a necessidade de profunda reforma fiscal, a urgência de tratar do saneamento das contas públicas e da sustentabilidade da dívida para que se possa retomar o crescimento e a criação de empregos. Pouco tem se debatido, nesses dias de tamanha turbulência, o papel do Brasil no mundo. O Brasil não escapará do quadro de crescimento baixo – quando esse retornar – sem engajar-se com o resto do mundo, sem que tenha estratégia para facilitar o comércio com outros países, sem remover as travas que impedem a vinda do investimento estrangeiro para áreas tão necessitadas como a infraestrutura. O Brasil não sairá de situação modorrenta sem repensar a internacionalização de sua economia, à exemplo do que fizeram tantos países na região como México, Chile, Peru, Colômbia, à exemplo do que faz, hoje, a Argentina. “Argentina is back”, frase repetida à exaustão por autoridades do país durante as reuniões de primavera do FMI e do Banco Mundial para destacar suas prioridades. Enquanto isso, pouca atenção é dada ao País no centro das discussões globais, salvo a curiosidade natural de entender o que se passa na política, e de tentar compreender como pôde o Brasil ter ido do céu ao inferno em tão pouco tempo.

São essas as perguntas que mais ouço aqui em Washington, posto de observação privilegiado, longe do subsolo. Foram-se, inclusive, os dias em que o destaque brasileiro no G-20 se dava pelos brados de Guerra Cambial do ex-ministro Guido Mantega.

Fomos reduzidos a protagonistas do subsolo por falta prolongada de atenção ao mundo. Urge abandonar o subterrâneo.

Carta fora do baralho - DORA KRAMER

O Estado de S. Paulo - 27/04

Além de anunciar medidas que possam dar um “choque de animação” na economia, se vier a assumir cargo de presidente para completar o mandato de Dilma Rousseff, Michel Temer deve comunicar ao público em geral e aos políticos em particular que encerra por aí sua carreira de candidato a quaisquer cargos eletivos.

Ele recebeu o conselho de abrir mão de pretensões futuras de Nelson Jobim. O ex-ministro da Justiça, da Defesa e do Supremo Tribunal Federal apresentou a Temer uma série de pré-requisitos para obter êxito no possível comando da transição entre o impeachment e uma nova eleição. Esse foi um deles e que tem sido examinado com seriedade, pois, segundo seus aliados, seria fundamental dar um sinal de desprendimento pessoal a fim de pacificar os ânimos na política e na sociedade.

Nessa percepção, tal desistência facilitaria as articulações tanto para a composição da equipe de governo quanto para a articulação de uma base parlamentar ampla, forte e fiel. Além de firmar diante do País uma boa impressão: a de que não pretenderia fazer uso eleitoral da Presidência.

Outros pontos do receituário de Jobim que foram aceitos com entusiasmo e, por isso, incorporados pelo vice e seu grupo, foram os seguintes: montar um ministério irretocável, não perseguir politicamente ninguém (leia-se PT) – retirando do dicionário a palavra “vingança” – e não tentar influenciar as eleições municipais e escolhas da candidatura presidencial em São Paulo, seu Estado de origem. Neste ponto, o ex-ministro Eliseu Padilha – cotado para a chefia da Casa Civil – vai mais longe adiantando que Temer não pode nem vai interferir em lugar algum, seja município ou Estado, para tentar favorecer o PMDB.

Não por altruísmo, mas por cálculo político. Levando em conta que vai precisar do apoio do maior número possível de partidos (fala-se numa base de 17 ou 18 legendas) Michel Temer não pode criar atrito com ninguém. Inclusive porque nem precisa. No PMDB tem gente de sobra para organizar as disputas eleitorais de forma favorável ao partido. Ainda no tema candidaturas, os pemedebistas mantém a ideia (na verdade, mais forte do que nunca) de concorrer à Presidência em 2018, coisa que não fazem há cerca de 20 anos.

Quanto ao programa de governo propriamente dito, a prioridade obviamente é a economia. A retomada da produção e, com isso geração de empregos. No grupo de Temer a isso dá-se o nome de “animação econômica”. Todos os integrantes da turma sabem que viradas em prazo curto são impossíveis, mas acreditam conseguir pôr em prática ações para estancar a queda da atividade econômica, a fim de colocá-la em “viés de alta”, e reunir apoio do Congresso para aprovar medidas necessárias ao ajuste fiscal.

Reformas estruturais (política e trabalhista), à exceção de alguma coisa na Previdência, ficam para um segundo momento ou para o próximo governo. Já uma reformulação na distribuição de receitas hoje concentradas na União, entre Estados e municípios está entre os assuntos considerados urgentes. Em resumo, serão três os eixos a serem enfrentados: economia, políticas sociais e infraestrutura.

No tocante aos nomes de prováveis integrantes do primeiro escalão pode até haver definições, mas são mantidas em sigilo. De realidade, o que existe é que hoje Romero Jucá seria o ministro do Planejamento; Henrique Meirelles da Fazenda; Temer preferindo José Serra na área social e decidido a consultar os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica antes de escolher o ministro da Defesa. Na Justiça, alguém que tenha especial sensibilidade para o tema dos Direitos Humanos. Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF, se encaixa no perfil e, embora não seja o único cogitado, é o preferido de gente influente junto a Michel Temer.

Bate o desespero - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 27/04

A eleição ontem do presidente e do relator da comissão do impeachment no Senado serviu para confirmar que a oposição tem maioria esmagadora — o senador Antonio Anastasia, do PSD B, foi eleito por 15 a5— eque os governistas, à falta do que fazer para evitar o afastamento da presidente Dilma dentro de 15 dias, tentam retardar decisões com expedientes simplesmente ridículos.

O senador petista Lindbergh Farias está de volta aos tempos de líder estudantil, com manobras regimentais as mais rasteiras, com o objetivo de provocar reações da oposição. O sentido desse comportamento dos senadores da situação não é outro senão ganhar tempo para que o julgamento da aceitação do processo do impeachment demore o mais possível.

Não que isso vá mudar o rumo dos acontecimentos, pois dificilmente essa maioria que já existe será desfeita, mas qualquer dia amai salém dos 15 que lhe restam na presidência da República permite à presidente Dilma a chan cede continuar dando vazão à sua obsessão, queé denunciar um suposto golpe de que estaria sendo vítima.

Ela e o PT estão montando uma narrativa que dará suporte, mais adiante, à campanha que a presidente tentará organizara partirdes eu exílio no Palácio Alvorada, onde permanecerá durantes eu afastamento do cargo, cuja decisão final pode se dar em até 180 dias após o impeachment ser admitido no Senado.

O projeto petista, por enquanto, é manter viva a chama da revolta contra o impeachment, mas, até mesmo antes da decisão do Senado, a presidente pode ser questionada no próprio Supremo por suas atitudes. Já existem parlamentares dispostos a pedir que ela seja proibida de acusara Câmara dos Deputados de golpista, depois que a decisão oficial foi tomada pela ampla maioria de seus membros.

Continuando nessa toada, ela estará infringindo a Constituição e cometendo novosc rimes derespon sabilidade por tentar impedira atuação dos poderes Legislativo e Judiciário.

Teremos então a tentativa petista de montar um governo paralelo a partir do Alvorada, apoiado pelos movimentos sociais. A presidente Dilma pretende inclusive ter acessoa aviões da FAB para deslocamentos pelo país, eé previsível que tenhamos uma disputa judicial em torno dos direitos e deveres de uma presidente afastada.

Provavelmente o Supremo Tribunal Federal será chamado a decidir, por exemplo, se Dilma poderá se manifestar publicamente sobre o governo do presidente em exercício Michel Temer. E se poderá criticálo livremente, usando imóveis do governo e utilizando- se de aviões oficiais para suas viagens políticas.

Outra questão que certamente o STF terá que enfrentar será a regulamentação das facilidades que serão colocadas à disposição da presidente afastada. Não há legislação a esse respeito, e caberá ao Supremo definir os limites de atuação da presidente nesse período de 180 dias, findos os quais ela poderia voltar ao cargo se o julgamento não estiver terminado.

Dificilmente, porém, o PT e seus cada vez menos associados partidários conseguirão retardar o processo aponto de não estar concluído em seis meses.

Se o parâmetro for o processo de Collor, como tem sido nos ritos do Congresso, assessores próximos do então presidente quando este foi impichado relembram que lhe foi negado um imóvel oficial — pensou- se inicialmente na cessão da Granja do Riacho Fundo —e o apoio de assessores.

Collor permaneceu na Casa da Dinda, e despachava de um escritório improvisado na garagem. O processo durou em torno de quatro meses. Um futuro governo de Michel Temer terá pela frente, portanto, uma oposição minoritária no Congresso, e movimentos sociais tentando conturbar o país.

Resta saber se a disposição desses movimentos se manterá sem as verbas oficiais que os alimentam, e mais ainda se o interesse político do PT será mesmo apoiar uma presidente afastada e em julgamento. Certamente o PT e os movimentos sociais que orbitam em torno dele terão que arcar com as consequências de suas ações, pois o país está ladeira abaixo.

Caberá ao novo governo manter o apoio da maioria do Congresso para não apenas aprovar as medidas necessárias à retomada do crescimento econômico, como também mostrar- se robusto politicamente para resistir às investidas da minoria barulhenta que tentará, por todas as maneiras, colocar- lhe obstáculos.

Para resistira esses previsíveis passos, o governo terá também que conquistar uma popularidade que hoje o vice Michel Temer não tem. Eque as medidas a serem adotadas não facilitarão.

Um ritual político - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 27/04


No Brasil, é uma ofensa chamar alguém de “político”, pois “ser político” é ser falso, maquinador, hipócrita e, no limite, desonesto. Quem vive fazendo “política” penderia para o lado mais vantajoso, mas – como compensação – seria o paradoxal e imprescindível negociador, cuja malandragem permite inibir o conflito, empolgar o poder e, eventualmente, fazer justiça entre bandidos.

Como o mundo é mais marcado pelos retornos do que pelos avanços, não seria exagero sugerir que a equação entre política e falsidade; ou entre política e hipocrisia, encaixa-se em sistemas de viés aristocrático. Neles, a mobilidade é lida mais como fruto de compadrio maquiavélico do que como mérito. Daí, o papel da malandragem e da mentira com suas vergonhosas consequências como estamos sofrendo nesta chamada “crise”, que é tão brasileira quanto o carnaval, o você sabe com quem está falando e a feijoada.

O ato político que divide resulta de sistemas nos quais o discordar é tão central quanto o bom senso – essa difícil arte de respeitar a opinião contrária, honrando a liberdade individual sem perder, entretanto, a capacidade de dizer não a si mesmo.

No domingo, 17 do corrente, aconteceu um rito político fora do comum. Testemunhamos em tempo real a votação do prosseguimento ou não do impeachment da presidente Dilma Rousseff. O inusitado foi o voto numa situação em que existiam duas possibilidades. Em outros termos, todos – o baixo e o alto clero, os de direita ou de esquerda, os radicais e os liberais – eram obrigados a tomar um partido, Ora, se o “político” se define também pela indefinição, pelo adiamento ou pelo ocultamento, vimos um ato contrário a toda a nossa índole pública. Nele, cada um dos 500 e tantos deputados tinha não só um tempo limitado, mas – muito pior que isso – era obrigado a dizer de que lado estava. Era, coisa rara e típica nos impedimentos, como uma confissão ou um juramento.

Vários amigos e pelo menos um querido e consagrado cronista, Ancelmo Gois, perguntaram-me por que grande parte desse meio milhar de políticos “dedicou” seu voto invocando tanto a família, quanto Deus – sem esquecer suas cidades, Estados, a Constituição e a democracia. Uma tabela publicada no The Economist (edição do dia 23) mostra a distribuição claramente, endossando um cenário muito menos carnavalesco do que pensa a nossa reação mais emocionada. Sem, é óbvio, deixar de mencionar os infelizes e intoleráveis elogios à violência e à tortura.

A invocação de Deus é mais do que rotineira no Brasil. Juramos por Deus em muitas situações e neste contexto inusitado do sim ou não, nada mais brasileiro do que usá-lo como garantia e escudo. Além disso, não se pode esquecer que o ritual para decidir sobre um processo de apuração da verdade era presidido por um indiciado e, pior ainda, contra um governo dito de esquerda e popular. Um governo que conseguiu promover, pelo erro político e pela roubalheira, um desastre econômico sem precedentes.

Ao lado da invocação divina, vem a afirmação hegemônica de que todos os deputados são gente boa e de família. Filhos dispostos a brigar pelo nome sagrado de nossas mães e esposas. A invocação da casa revela como ainda lemos a nós mesmos como um coletivo constituído muito mais por sangue e carne, do que como uma comunidade feita de leis, projetos e escolhas. Pode-se denegar um partido, mas não a filiação e a paternidade.

Neste drama do sim ou não, vi a aflição e o surto do malandro obrigado a recolher sua lábia para, forçosamente, declarar o seu lado. E do radical a revelar-se emparelhado com a morte, a violência e a tortura. Foi uma minoria que julgou não a pessoa, mas o papel e o seu lado institucional, e que exprimiu seu constrangimento diante dos paradoxos políticos ali concretizados com elegância.

Mas a verdade inescapável foi voltar a enxergar como o ritual funcionou como um espelho de nossa vida social. Em tempos de Collor, não havia bancada evangélica e quem estava no poder era a chamada “direita corrupta”. Hoje, um Deus impessoal é muito mais popular e a corrupção, infelizmente, trocou de lado.

Em geral, consternei-me com a penúria das invocações. Mas, sejamos justos, o que sairia se juntássemos meio milhar de jornalistas, professores, militares, clérigos ou doutores?

Para mim, com tudo o que deixou a desejar, esse ritual foi muito melhor do que o poço de demagogia e de incompetência que o motivou.

Uma crise tão brasileira quanto o carnaval, a feijoada e o você sabe com quem está falando?

PT e democracia, uma relação difícil - SÉRGIO FAUSTO

O Estado de S. Paulo - 27/04

Derrotado por larga margem na Câmara, desaprovado pela maioria da sociedade brasileira, o governo refugia-se na narrativa do impeachment como golpe branco. A narrativa é frágil para tirar o lulopetismo da defensiva, mas é eficaz para arregimentar suas bases sociais e políticas mais fiéis com vista ao período pós-impeachment. Frágil porque, ao distorcer demasiadamente os fatos, não é capaz de persuadir senão quem já esteja de antemão convencido da tese do golpe branco. Eficaz porque recupera um espaço político simbólico em que o petismo se sente em casa. Evita assim que a militância se desorganize. No caso atual, a narrativa é facilitada pela presença de Eduardo Cunha na presidência da Câmara e de figuras execráveis como Jair Bolsonaro entre os favoráveis ao impeachment.

A divisão do campo político em dois lados opostos, segundo uma linha que demarca um plano moralmente elevado (o lugar do PT e seus satélites) e outro decaído (o lugar de todos os demais), é uma estrutura mental e retórica recorrente no petismo. Desde sua origem, em momentos críticos o partido apela a essa estratégia, com o auxílio lamentável de não poucos intelectuais petistas.

Em 1982 realizaram-se as primeiras eleições diretas para os governos estaduais depois que a ditadura militar as proibiu. Com Lula candidato, o PT atacou mais o candidato do PMDB, Franco Montoro, um dos líderes da oposição democrática ao regime autoritário, do que o candidato apoiado pelo malufismo e pelos militares. Eram ambos, para o petismo nascente, “farinha do mesmo saco”. Na verdade, eram água e óleo: eleito, Montoro impulsionou a campanha das Diretas-Já, que pavimentou o trecho final da transição do autoritarismo para a democracia.

Em 1988 o PT votou contra a aprovação da Constituição e hesitou em assiná-la por ser “conservadora”. Desconsiderou que ali estava o produto de um amplo processo de negociação do qual participou, sem restrições, o conjunto das forças políticas e sociais, como nunca antes na história brasileira. No momento que consagrou o retorno definitivo do Brasil à democracia, com eleições diretas para a Presidência, ampla liberdade de organização partidária, expansão dos direitos sociais, enfim, todas as principais bandeiras da oposição democrática ao regime autoritário, o PT preferiu reiterar o princípio da divisão entre “nós” e “eles”.

Passaram-se vários anos, o PT ampliou seu leque de alianças e Lula finalmente venceu a eleição presidencial em outubro de 2002. O então presidente Fernando Henrique Cardoso organizou um processo de transição de governo raro de encontrar mesmo nas democracias mais maduras do mundo. Criavam-se, em tese, condições para uma convivência democrática construtiva e civilizada entre o novo governo e a oposição.

Ledo engano. Em resposta, uma vez instalado no poder, o PT escolheu o governo anterior e seu partido como alvo principal de uma campanha de destruição política. Ao mesmo tempo que se empenhava na denúncia da suposta “herança maldita”, estimulava com dinheiro a transferência de parlamentares para legendas de aluguel e comprava na mesma moeda apoio no Congresso, no esquema que ficou conhecido como mensalão. O anátema da “herança maldita” repetia a caracterização do governo FHC como “neoliberal e entreguista”. Esse slogan, mais um, que não resiste ao exame minimamente isento dos fatos e hoje soa ainda mais ultrajante em face da destruição a que os governos petistas submeteram as maiores empresas estatais do País, em particular a Petrobrás, serviu de base não apenas para uma luta política feita de “bravatas” e mentiras, mas também para a montagem de uma indústria de ações populares visando a acossar juridicamente integrantes do governo FHC.

Em retrospectiva, vê-se a dificuldade do PT em estabelecer relações políticas que sejam propriamente democráticas. O partido só parece conhecer duas opções: submissão ou estigmatização. Para não falar na peculiar forma de parceria revelada pelo petrolão.

A democracia supõe que os adversários se legitimem mutuamente. O suposto é de que cada qual representa uma parte e uma perspectiva do interesse geral. Este é concretamente definido com base na disputa política travada dentro das regras do jogo. Nesse processo vale a regra da maioria, preservado os direitos da minoria, em particular o de vir a se tornar maioria. Daí, entre outras coisas, o governo de turno não poder se apoderar do Estado. A estigmatização do adversário é sempre um ataque à democracia. A cooptação dos aliados por dinheiro, também.

Argumenta o lulopetismo que o impeachment representa quebra das regras do jogo democrático. Quer fazer crer que todos os outros somos “golpistas”: você, eu, os ministros do STF, que regulamentaram o rito do processo, cerca de 65% dos brasileiros ouvidos em diversas pesquisas de opinião, 367 deputados federais, representando 71,6% da Câmara.

É possível sustentar que o hábito petista de dividir a política em dois campos opostos e colocar-se em plano moralmente superior ao dos demais serviu para que o PT se consolidasse como expressão política de atores antes sub-representados na esfera política e na sociedade civil. Nesse sentido, apesar de negar avanços no processo de democratização, como a eleição de governadores de oposição em 1982 e a Constituição de 1988, o PT contraditória, mas efetivamente contribuiu para democratizar em maior profundidade a política e a sociedade brasileira.

Hoje, porém, o recurso à mesma surrada estrutura mental e retórica é pura farsa. No passado, o crescimento do PT teve aspectos inegavelmente positivos. No presente, a recuperação do lulopetismo implica a ruína política e moral do País. Isso não interessa a ninguém, nem aos petistas lúcidos e democráticos, de cuja contribuição o Brasil não pode prescindir.

Eduardo Paes e sua realidade própria - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 27/04

A“ciclovia mais bonita do mundo” foi inaugurada em janeiro por um prefeito seguro de si, capaz de dizer que “todo governante tem inveja de mim”. Parte da estrutura desabou na semana passada, duas pessoas morreram, e quando Eduardo Paes reuniu a imprensa para tratar do desastre disse o seguinte:

“É óbvio que se essa ciclovia tivesse sido feita de forma perfeita, nós não teríamos essa tragédia, nem esse absurdo. Obviamente você tem problemas aí”.

É óbvio que se Kennedy não tivesse ido a Dallas, não teria morrido.

A manipulação do óbvio ululante é uma arma de dois gumes. No caso da tragédia da ciclovia, há outras obviedades, todas chocantes.

É óbvio que se funcionários da prefeitura de Paes tivessem colocado cones de trânsito nos acessos à ciclovia, interditando-a, ninguém teria morrido. Defeitos estruturais são coisa para especialistas, mas ressaca é um fenômeno visível a olho nu. Guarda-vidas interditam trechos de praias. A Ponte Rio-Niterói fecha quando os ventos colocam em risco o trânsito.

Quem se revelou incapaz de perceber o óbvio não foi a audiência de Paes, mas sua prefeitura. Diante do óbvio, seu herdeiro presuntivo, o secretário Pedro Paulo Teixeira, espancou a lógica e disse o seguinte:

“A ressaca não é um fenômeno novo, mas a incidência, naquele ponto, não há duvida de que foi um evento novo”.

Ganha uma viagem a Saturno quem souber o que ele quis dizer. Talvez ache que nos eventos velhos a ressaca não atingia aquele ponto do litoral.

Deixem-se de lado detalhes da empreitada da ciclovia entregue à família de outro secretário de Paes, com seus custos e aditivos. Pedro Paulo tornou-se nacionalmente conhecido por ter batido na mulher. É óbvio que era um assunto privado, apesar de ela ter dado queixa à polícia, uma instituição pública.

Não foi o primeiro astro da equipe de Paes a encrencar-se. O secretário da Ordem Pública, Rodrigo Bethlem, disse à ex-mulher que coletava R$ 100 mil mensais em propina. Ela gravou. O ex-“xerife do Rio” saiu de cena e tempos depois Paes disse que “se cruzar com ele, dou uma bordoada”.

Ainda não cruzou, mas em 2013, acolitado por guarda-costas, meteu-se numa briga de restaurante com um mal-educado que o insultara. Talvez seja por isso que as pessoas que lidavam com seu nome numa planilha da empreiteira Odebrecht apelidaram-no “nervosinho”.

Há um Eduardo Paes moderno e outro, arcaico. Juntos, formam um personagem com toques perigosamente trumpescos. O moderno resolveu multar os cariocas que jogam lixo no chão. O arcaico foi a um evento em Sepetiba, comeu uma fruta e atirou longe a sobra. Flagrado num vídeo, disse que jogou o lixo para um assessor, que estaria metros adiante. Acreditasse quem quisesse.

Recentemente, teve um piti num hospital público quando foi buscar atendimento para um filho. Teria dito o seguinte a uma médica: “A senhora está demitida. Não quero mais ouvir sua voz. Aqui não estou falando como cidadão, mas como seu patrão. Não quero mais que você trabalhe para mim”. Ele realmente acha que é patrão dos servidores e não empregado dos eleitores.

É óbvio que, em tese, Paes sabe se comportar. O problema é que às vezes, sob pressão, acha que pode se comportar como quiser. Ele diria que isso “é coisa de pobre”.

Só restou a truculência - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 27/04

A presidente Dilma Rousseff sofreu mais uma significativa derrota na tramitação do processo de impeachment no Congresso. A comissão do Senado que avalia o caso escolheu como relator o tucano Antonio Anastasia (MG), ligado ao presidente do PSDB, Aécio Neves. Os governistas tentaram de todas as formas impedir que Anastasia fosse eleito, mas o colegiado foi implacável: seu nome foi avalizado com apenas 5 votos contrários entre os 21 membros titulares, placar que reitera a galopante desvantagem de Dilma na luta contra o impeachment.

Essa desvantagem tende a crescer, porque o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), em quem o Palácio do Planalto depositava a esperança de manipular o processo em seu favor, demonstrou indisposição para interferir nas escolhas da comissão e no prazo para a conclusão dos trabalhos, que a maioria oposicionista pretende encurtar.

Os seguidos reveses de Dilma e do PT no campo institucional – na Câmara, no Senado e no Supremo Tribunal Federal, que avalizou todo o processo de impeachment até aqui – certamente explicam o destempero do chefão petista Luiz Inácio Lula da Silva, que chamou sua tropa para ir às ruas e desestabilizar um eventual governo de Michel Temer.

Sem argumentos legais ou políticos para derrubar o impeachment, já que o afastamento de Dilma é consenso entre os brasileiros e segue estritamente a previsão constitucional, Lula deixou de lado o pouco que lhe restava de responsabilidade e partiu para o ataque frontal às instituições.

Em encontro da Aliança Progressista, que reúne partidos de esquerda de várias partes do mundo, Lula disse que Dilma é vítima de “uma aliança oportunista entre a grande imprensa, os partidos de oposição e uma verdadeira quadrilha legislativa, que implantou a agenda do caos”. Essa frase – que estava num discurso escrito, ou seja, não foi dita de forma impensada – resume o atentado que Lula da Silva e seus comparsas estão dispostos a cometer contra a democracia no Brasil.

Incapaz de reunir os votos necessários para impedir o impeachment, nem mesmo depois de tentar comprar deputados num quarto de hotel em Brasília, Lula agora desqualifica o mesmo Congresso que lhe foi tão útil nesses anos todos – e que, acima de qualquer consideração sobre sua qualidade, foi eleito pelo voto direto e, portanto, é legítima representação popular.

No discurso, Lula disse também que o impeachment é uma “farsa” que “envergonha o Brasil aos olhos do mundo”, como se a grande vergonha brasileira não fosse a devastadora corrupção capitaneada pelo PT e seus acólitos, que gangrenou as estruturas do Estado, arruinou a Petrobrás e rebaixou a política nacional a um ordinário balcão de negócios.

O que se vê é Lula fazendo o possível para ampliar essa vergonha, lançando no exterior sua campanha para desacreditar as instituições democráticas. Àqueles dirigentes partidários estrangeiros, o chefão petista disse que “em todo o mundo há vozes responsáveis alertando para os riscos de um golpe de Estado no Brasil” e pediu aos colegas que “levem a seus países a mensagem de que a sociedade brasileira vai resistir ao golpe do impeachment”.

O problema, para Lula, é que sua voz já não tem o vigor dos tempos em que se julgava um grande líder mundial. A campanha movida por ele e por Dilma para sensibilizar governos e entidades mundo afora contra o tal “golpe” tem sido um completo fracasso.

Nem mesmo a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), bloco de inspiração bolivariana, conseguiu aprovar alguma moção de repúdio ao impeachment.

Mas Lula não parece se importar com o vexame. “As ameaças à democracia no Brasil e na América Latina dizem respeito a toda a comunidade mundial. Dizem respeito à luta entre civilização e barbárie”, disse o líder da tigrada. Ele tem razão: hoje, mais do que nunca, é preciso defender a civilização, calçada no respeito às leis, contra a barbárie, representada pela truculência daqueles que, por não terem mais um pingo de dignidade, não sabem perder.

Decisão acertada - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 27/04

A saída de senadores e deputados brasileiros da solenidade do Parlamento do Mercosul (Parlasul), em comemoração aos 25 anos da criação do bloco econômico, em Montevidéu, no Uruguai, foi a mais acertada em reação à postura do presidente da entidade, Jorge Taiana, diante da crise política pela qual passa o Brasil. O argentino Taiana dispensou tratamento inadequado aos representantes brasileiros na solenidade comemorativa. Dos 20 parlamentares presentes, 17 abandonaram a sessão plenária do Parlasul em discordância à decisão do presidente da entidade considerada "uma humilhação" pela maioria dos brasileiros. A delegação do Brasil foi posicionada na última fila do auditório onde seria realizada a solenidade, atrás de funcionários de segundo e terceiro escalões. Uma verdadeira inversão da hierarquia e bons modos.

Ligado por fortes laços com a ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner, Taiana faz parte do pelotão bolivariano que ocupa postos estratégicos nos organismos internacionais do continente sul-americano. Um dia antes da plenária em comemoração à criação do Mercosul, o presidente do Parlasul, orgão de representação civil dos países-membros, divulgou nota oficial em que condena o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e omite opiniões que extrapolam a sua esfera de atuação. Chega ao ponto de dizer que o Brasil vive "situação escandalosa" e existe um golpe parlamentar em curso, "com a utilização forçada da lei do impeachment".

Diante do inusitado da situação criada pelo Sr. Taiana, a delegação parlamentar brasileira tem a intenção de cobrar do bolivariano kirchenista uma explicação pela sua postura e pelas "palavras irresponsáveis" que usou ao contestar o processo de impeachment ora em curso durante a sessão plenária do Mercosul. O deputado Arthur Oliveira (PPS-BA) revelou que a delegação brasileira ficou surpreendida com as declarações de Taiana no site oficial do órgão de representação parlamentar dos países-membros do bloco econômico.

A tropa de choque do movimento bolivariano, criado pelo falecido presidente venezuelano Hugo Chávez, vem se movimentando em outros órgãos continentais para contestar o processo de impeachment em apreciação no Senado. Entre essas organizações está a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), presidida pelo não menos bolivariano Ernesto Samper. O colombiano prega a expulsão do Brasil da entidade caso o impeachment de Dilma Rousseff seja aprovado pelo parlamento brasileiro. Ele inclusive encontrou-se recentemente com a presidente para expressar-lhe solidariedade.

Indiferente a essas movimentações dos bolivarianos, ministros do Supremo Tribunal Federal, como nos últimos dias se manifestaram Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Celso de Mello, não deixam dúvidas de que o rito constitucional está sendo respeitado no processo de impedimento da presidente da República.

STF pode dar golpe fatal em Tesouro e sistema financeiro - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 27/04

Se a Corte aceitar a reclamação de estados contra a incidência de juros compostos nas suas dívidas — prática universal —, tornará ainda mais séria a já grave crise fiscal



Todo o desenrolar da política fiscal nos últimos tempos em boa parte da Federação, mais as pressões por uma nova renegociação de dívidas de estados e grandes municípios com o Tesouro, e a evolução desse imbróglio até aqui têm sido desastrosos.

E pode piorar, a depender da decisão que o Supremo Tribunal Federal (STF) deverá tomar hoje sobre liminares concedidas a estados, inicialmente o de Santa Catarina, que impedem, nesta repactuação, o uso de juros compostos, uma prática financeira universal.

Caso vença a tese de que a União só pode aplicar juros simples nas dívidas públicas de demais entes federativos, surgirá, num Tesouro já muito abalado, um rombo adicional de R$ 300 bilhões, estima o governo. Mesmo menor, já será trágico. Significa aprofundar a crise fiscal de forma talvez irreversível, rumo a uma situação de ruptura.

Também o sistema financeiro ficará abalado, porque em todos os seus segmentos — créditos, dívidas, investimentos —, e como em qualquer lugar do mundo, usam-se os juros compostos. Haverá, por óbvio, devedores recorrendo à Justiça.

É uma longa sucessão de equívocos, desde o desregramento fiscal na Federação a uma renegociação de dívidas mal encaminhada pelo governo Dilma, de que se aproveitam estados para fazer esta contestação no STF, como se não soubessem do risco que existe para todos decorrente de uma eventual vitória do veto aos juros compostos, na sessão plenária da Corte.

A crise fiscal tem responsáveis conhecidos: Lula e Dilma, além de governadores que aproveitaram a frouxidão fiscal para também explodir os gastos. No domingo, O GLOBO mostrou o ponto a que chegou a festa da gastança em estados: entre 2009 e 2015, descontando-se a inflação, portanto em termos reais, o Rio de Janeiro aumentou a folha de salários do funcionalismo em 69,6%, apenas um pouco à frente de Santa Catarina (64,8%); Tocantins elevou a sua em 55,9% etc. Este é apenas um indicador da má gestão fiscal de estados.

Instaurada a recessão, devido à própria política fiscal sem medidas, veio a queda da arrecadação tributária, e se tornou impossível para estados e municípios pagar contas que, por lei, não se pode cortar — salários, previdência e benefícios.

A primeira grande rodada de renegociação de dívidas foi fechada em 1997, ainda no primeiro governo FH. Ali acertaram-se contrapartidas, juros e tudo o mais. Com o tempo, passou a haver algum consenso de que os juros precisariam ser revistos — pois haviam sido estabelecidos em outro momento da economia —, para que a dívida remanescente não ficasse impagável.

Sem força política, tampouco convicção da importância do equilíbrio fiscal, o governo aceitou que as novas taxas — IPCA mais 4% ou Selic, o que for mais baixo — retroajam, num ataque ao espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O julgamento no STF sobre os juros é muito importante. Mas apenas parte de uma história nada edificante. Sobre como não fazer.