ESTADÃO - 27/04
No dia da votação do impeachment, 58% da população acompanhou o processo pela TV, um espanto. Brasileiros foram confrontados com aquilo que sabiam em tese, mas que talvez ainda não tivessem tido a oportunidade de ver: nossos representantes no Congresso são, em grande maioria, gente que maltrata o próprio idioma, discorre sobre a família, Deus, os corretores de seguros, a cidade natal, sem menção ao eleitor, ou mesmo ao que os havia levado aos salões de Brasília numa tarde de domingo. O choque não foi menor para os correspondentes internacionais aboletados na capital para cobrir a votação. Mas, por certo, foi diferente.
“Pessoas são como a propriedade adjacente dos outros: conhecemo-as apenas a partir de nossas fronteiras em comum”, disse Edith Wharton. Brasileiros talvez tenham visto nos deputados e deputadas características que não admiram em si. Estrangeiros, por sua vez, presenciaram algo que não foram capazes de assimilar. Não por acaso, a Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais soltou nota advertindo sobre a “ilegalidade” do impeachment.
A dificuldade de assimilar bizarra votação deu a tônica das publicações de grandes jornais mundo afora na semana pós-aprovação da Câmara. Parte do Brasil ficou consternada ao ver o País tratado como republiqueta esfacelada nas mãos de legisladores-réus e parlamentares que não aparentavam saber a gravidade daquilo que estava em votação. Congressistas que, ao invocarem todos, menos os eleitores, pareciam tratar com displicência o pedido de afastamento da Presidente da República. Nada contra a família, Deus ou os corretores de seguros, mas muitos estrangeiros espantaram-se com o que lhes pareceu descaso.
“Mas também foi assim em 1992”. De lá para cá foram-se quase duas décadas e meia. Duas décadas e meia em que o Brasil não apenas fez questão de enfatizar seu isolacionismo com política externa voltada para tudo, menos para o mundo todo – a não ser para o fortalecimento de relações com punhado de países que enfrentam gravíssimos problemas na região. Duas décadas e meia em que o distanciamento brasileiro do resto do mundo, sobretudo dos EUA e da Europa, cimentou narrativas equivocadas sobre a economia do País e o desconhecimento generalizado, o desinteresse por aquilo que de fato se passava. O isolacionismo acentuou-se ainda mais nos últimos treze anos ante ideologias ultrapassadas e visões torpes sobre as virtudes do mercado local.
Muito tem sido dito sobre os problemas internos da economia brasileira, sobre a necessidade de profunda reforma fiscal, a urgência de tratar do saneamento das contas públicas e da sustentabilidade da dívida para que se possa retomar o crescimento e a criação de empregos. Pouco tem se debatido, nesses dias de tamanha turbulência, o papel do Brasil no mundo. O Brasil não escapará do quadro de crescimento baixo – quando esse retornar – sem engajar-se com o resto do mundo, sem que tenha estratégia para facilitar o comércio com outros países, sem remover as travas que impedem a vinda do investimento estrangeiro para áreas tão necessitadas como a infraestrutura. O Brasil não sairá de situação modorrenta sem repensar a internacionalização de sua economia, à exemplo do que fizeram tantos países na região como México, Chile, Peru, Colômbia, à exemplo do que faz, hoje, a Argentina. “Argentina is back”, frase repetida à exaustão por autoridades do país durante as reuniões de primavera do FMI e do Banco Mundial para destacar suas prioridades. Enquanto isso, pouca atenção é dada ao País no centro das discussões globais, salvo a curiosidade natural de entender o que se passa na política, e de tentar compreender como pôde o Brasil ter ido do céu ao inferno em tão pouco tempo.
São essas as perguntas que mais ouço aqui em Washington, posto de observação privilegiado, longe do subsolo. Foram-se, inclusive, os dias em que o destaque brasileiro no G-20 se dava pelos brados de Guerra Cambial do ex-ministro Guido Mantega.
Fomos reduzidos a protagonistas do subsolo por falta prolongada de atenção ao mundo. Urge abandonar o subterrâneo.
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