A CURA
sexta-feira, março 21, 2014
A barbeiragem - ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 21/03
A crise saiu maior do Palácio
Diante do fracasso da operação para colocar a presidente na condição de vítima, o ministro Aloizio Mercadante montou um pronto-socorro. Na noite de quarta-feira, ele pediu dados da Petrobras e acionou os líderes do governo. Ontem o senador Eduardo Braga (PMDB) e o deputado Arlindo Chinaglia (PT) saíram em defesa da compra da refinaria de Pasadena. E inundaram seus discursos com dólares lá e cá. O relatório “falho” perdeu peso. O líder do PT, Vicentinho, proclamou: “Com o crescimento da produção americana, as margens de lucro do refino de óleo leve retornaram aos níveis de 2005 e 2006, justificando a continuidade da refinaria de Pasadena no portfólio de ativos da Petrobras.”
“Está muito ruim. Uma confusão dos diabos. O processo eleitoral está atiçando o debate sobre a compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras”
Um ministro palaciano
Sobre a bateção de cabeça entre o governo e a Petrobras
O encanador
O chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, está procurando ministros que participam de reuniões no Planalto e mandando que eles fechem a boca. A presidente Dilma anda reclamando que há muitos vazamentos de discussões internas.
Agora vai
A atitude mais agressiva do candidato do PSDB ao Planalto, Aécio Neves, agradou ao DEM. Mas o ex-líder Ronaldo Caiado disse que é preciso mais: “O Aécio está light demais, ainda está água com açúcar”. Seu presidente, senador José Agripino (RN), reuniu a Executiva, quando foi fixada meta de eleger 40 deputados nas eleições de outubro.
As voltas que o mundo dá
Os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Henrique Alves, ambos do PMDB, vão ter que matar no peito, na próxima semana, e não colocar em votação projeto de resolução que fura a fila para a criação da CPI da Petrobras.
Direito à vida
Por recomendação do Comitê pela Eliminação da Discriminação contra as Mulheres da ONU, as Secretarias das Mulheres e de Direitos Humanos promovem ato de reparação financeira à família de Alyne Teixeira, na terça-feira. Alyne, moradora de Belford Roxo, morreu em 2002 vítima de atendimento precário na rede de saúde do Rio.
O conciliador
O vice Michel Temer promoveu reuniões do líder do PMDB, Eduardo Cunha, com os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Guido Mantega (Fazenda). Um grande acordo para votar o Marco Civil da Internet e a MP 627 foi costurado.
A questão de fundo
A direção do PT está convencida que a crise na relação com o PMDB tem uma única razão. O principal aliado dos petistas no governo não quer o ex-presidente Lula nem a presidente Dilma subindo nos palanques estaduais nas eleições.
O GOVERNADOR Camilo Capiberibe (PSB) terá o apoio do PT e do PSOL à sua reeleição. Cada candidato ao Planalto terá de montar seu palanque no Amapá.
O Delúbio da vez - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 21/03
O Palácio do Planalto age para "distensionar" as relações com a Petrobras, abaladas depois que a presidente Dilma Rousseff deu uma versão diferente da sustentada pela empresa para a aprovação da compra da refinaria de Pasadena (EUA), em 2006. O primeiro passo será a demissão de Nestor Cerveró da diretoria da BR Distribuidora. A ideia é circunscrever ao ex-diretor internacional as "falhas" no processo de compra, preservando os demais membros do colegiado no governo Lula.
Ao mar? A estratégia incluía isentar o ex-presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli, mas sua entrevista contradizendo a nota de Dilma irritou o governo. Petistas apostam que ele também pode ser demitido do governo da Bahia.
DNA 1 Diante do jogo de empurra entre os senadores Delcídio Amaral (PT-MS) e Renan Calheiros (PMDB-AL) sobre a indicação de Cerveró, um aliado ironiza: "Deveriam solucionar a questão no programa Casos de Família".
DNA 2 Em 2006, Cerveró doou R$ 8.000 para a campanha ao Senado de José Eduardo Dutra (SE), ex-presidente da Petrobras, que depois comandou o PT. Em 2010, contribuiu com R$ 12 mil para o diretório do PT do Rio.
Pela mão Um ex-membro do governo Lula relata que, em 2004, o então ministro José Dirceu (Casa Civil) levou Paulo Roberto Costa, preso ontem, a gabinetes do governo para angariar apoio para emplacá-lo na diretoria de Abastecimento da Petrobras.
Origem Dirceu disse que Costa tinha aval do então presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP). Um ex-diretor da Petrobras retrucou que a indicação era de José Janene (PP) e não poderia ser debitada na cota do PT.
Sem fim A liberação de restos a pagar de 2012 abriu nova crise na base. De R$ 335 milhões, R$ 110 milhões se referem a emendas do PT, contra R$ 11 milhões do PMDB.
Recomposição 1 Dirigentes do PR foram avisados de que o partido poderá voltar a indicar nomes para a diretoria do Dnit, vinculado ao Ministério dos Transportes. A diretoria-geral, no entanto, permanecerá com o general Jorge Ernesto Pinto Fraxe.
Recomposição 2 O segundo escalão do órgão estava na mão de técnicos do Exército desde a "faxina" de 2011. O recuo é para tentar conter a rebelião na sigla.
Abatido... Os tiros em série desferidos pelo governo e pelo PT na candidatura de Eduardo Campos (PSB) se devem a um diagnóstico da cúpula da campanha de Dilma de que é preferível um segundo turno entre ela e o senador Aécio Neves (PSDB).
... no solo
Petistas dizem que uma disputa com o mineiro deixa a presidente em uma "zona de conforto", pois reeditaria as últimas disputas. Com Campos, a guerra seria em terreno desconhecido.
Alívio A Sabesp homologou a concorrência para realizar sua publicidade em 2014, suspensa desde o ano passado após contestação judicial.
Na veia O governo espera que parte da campanha faça um balanço das obras feitas pela estatal, o que rebateria discurso de adversários, de que faltou planejamento.
Mudou? Tucanos se surpreenderam com entrevista de Vicente Andreu, presidente da Ana, ligado ao PT, em que ele critica a gestão dos recursos hídricos pelo governo Sérgio Cabral (PMDB).
Lupa Auxiliares de Alckmin se debruçaram ontem sobre a nota técnica do Cade a respeito da ação do cartel de trens. Ficaram aliviados com a ausência de nomes políticos do governo tucano.
com BRUNO BOGHOSSIAN e PAULO GAMA
tiroteio
"Como é emergencial e em situação crítica, há a preocupação de que impactos ambientais não tenham sido devidamente avaliados."
DE ALEXANDRA FACCIOLLI, promotora de Justiça, que finaliza questionamento formal ao governo paulista sobre uso da água do volume morto do Cantareira.
contraponto
Orgulho cívico
Cerca de 250 pessoas, entre prefeitos e vereadores, participaram ontem do segundo dia do Congresso Estadual de Municípios, em Campos do Jordão (SP).
Antes do discurso do pré-candidato do PT ao governo, Alexandre Padilha, prefeitos e vereadores se revezaram no palanque para falar dos problemas municipais. Um deles conseguiu chamar a atenção da plateia dispersa:
--Olá, sou vereador de Penápolis. Para quem não sabe onde fica, eu explico: é a cidade do time que eliminou o Corinthians do Campeonato Paulista!
Até o corintiano Padilha riu diante da apresentação.
A gênese do mensalão - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 21/03
Quem entende do traçado do petróleo no governo avisa que o parecer “técnica e juridicamente falho” é apenas uma pontinha da montanha de sujeira no motor da Petrobras. Tem ainda a compra da refinaria do Japão, realizada com um passivo ambiental e licenças vencidas e, ainda, a operação de venda dos ativos da empresa brasileira na África ao banco BTG Pactual sem licitação ou qualquer forma de oferta pública. Essas duas pérolas prometem ampliar o tabuleiro aberto com as declarações da presidente sobre o parecer que permitiu a compra de Pasadena — que colocou a confusão da empresa no seio do Planalto.
Para completar o clima de tempestade à vista, a prisão do ex-diretor de Refino da Petrobras Paulo Roberto Costa dentro da Operação Lava-Jato (que investiga lavagem de dinheiro) foi recebida por parlamentares como um recado aos partidos aliados que patrocinaram a indicação dele, PP e PMDB, para que não insistam em afrontar o governo e o PT com um pedido de CPI da Petrobras. Costa foi demitido por Dilma em 2012, e quem acompanhou de perto a exoneração lembra que os caciques desses partidos não gostaram da substituição.
Vale recordar que a briga do mensalão começou com um funcionário dos Correios recebendo propina, o que funcionou como uma bomba de efeito retardado para azedar as relações entre o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o presidente do PTB à época, Roberto Jefferson. Deu no que deu.
Toma que o filho é teu!
Petistas, peemedebistas e pepistas começaram um verdadeiro jogo de empurra sobre os padrinhos de Paulo Roberto Costa nos tempos em que ele exerceu o cargo de diretor da Petrobras. Até os petistas entraram na onda, ao dizer que o ex-executivo tinha sido herança do governo Fernando Henrique Cardoso.
Pisca-alerta ligado
O fato de a pesquisa Ibope ter apresentado a presidente Dilma Rousseff com os mesmos 43% do último levantamento e a perspectiva de vitória no primeiro turno vai segurar a base por um período. No entanto, muitos alertam que os 64% que pedem mudança, combinados com o desconhecimento que a população tem tanto de Aécio Neves quanto de Eduardo Campos, tiram qualquer comemoração mais eufórica neste momento.
A mãe é de todos, já o pai…
A reunião do PT de ontem serviu para explicitar aquilo que o partido ensaiava havia tempos: a ideia de fazer palanques de Dilma em todos os estados, independentemente das campanhas estaduais. Significa que, nas visitas a estados onde houver dois ou mais candidatos aliados ao governo federal, todos serão convidados a participar do evento da campanha presidencial pela reeleição. Lula, entretanto, é outra conversa. O ex-presidente será o garoto-propaganda do PT, e disso o partido não abre.
CURTIDAS
Se Lula pedir…/ Até aqui, nenhum partido do Rio de Janeiro largou o projeto de lançar candidato próprio a governador em prol de alianças. Até o PCdoB, hoje o maior aliado de esquerda dos petistas, tem colocada a pré-candidatura da deputada Jandira Feghali (foto) ao governo estadual. Jandira lidera a bancada na Câmara e, se for chamada a compor uma aliança com o PT, por exemplo, está aberta a conversar.
Chamou a atenção/ Os embaixadores estrangeiros recém-chegados ao Brasil não escondem a curiosidade a respeito dos movimentos políticos dos últimos dias, em especial, o blocão. Conversa vai, conversa vem, eles, invariavelmente, saem com essa: “E o ‘big block’”?
A culpa é do líder!!!/ Sabe aquele menino da escola que termina culpado por todas as ações de rebeldia na aula da “tia”? Pois é. No caso do líder do PMDB, Eduardo Cunha, já virou até piada. Bastou ele passar por Veneza antes do carnaval para os deputados dizerem, em tom de brincadeira, que ele é o responsável pelo plebiscito em curso por lá para saber se os cidadãos da região de Vêneto querem se emancipar da Itália. A votação termina neste sábado no site plebiscito.eu. Ok, o plebiscito é apenas simbólico, mas em tempos de Crimeia, chama a atenção.
Bons companheiros/ Em meio aos riscos de investigações sobre a Petrobras, a presidente Dilma aproveita as viagens para afagar os aliados, especialmente, aqueles com influência no Senado. Ontem, em Belém, foi a vez do senador Jader Barbalho, com promessas de reforço à candidatura de Helder Barbalho ao governo paraense, em aliança com o PT.
Um poço profundo - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 21/03
Não há explicação boa para a presidente Dilma no caso Pasadena. Se todo o seu marketing político foi feito com a ideia de que ela é boa gerente, a explicação mostra um desempenho sofrível. Se ela foi enganada, já houve muito tempo para apurar, entender e punir quem omitiu as informações sobre o desastroso negócio. A revelação do prejuízo da empresa foi feita há dois anos.
A prisão do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa reforça ainda mais a suspeita sobre alguns dos negócios feitos pela empresa. O incrível caso da refinaria Abreu e Lima, cujo preço saiu de US$ 2,5 bilhões para US$ 20 bilhões, as denúncias de pagamentos de propina a funcionários na Holanda, tudo mostra erros na primeira gestão da Petrobras sob o governo do PT.
Dos escândalos da Petrobras, o maior prejuízo à empresa até agora é a refinaria Abreu e Lima. Foi uma ideia do ex-presidente Lula, em setembro de 2005, para agradar o então presidente venezuelano Hugo Chávez. Um dos vários casos de ingerência política na petrolífera. A refinaria foi desenhada para refinar o petróleo daquele país e isso não pode mais ser mudado. A Venezuela pulou fora, não colocou um tostão. A Petrobras teve que assumir tudo e o custo da refinaria deu um salto. Ficaria pronta em 2009, mas ainda está em construção.
Em 2009, surgiram notícias de superfaturamento na obra que começou a ser investigado pelo TCU. O BNDES anunciou em seu balanço que emprestou R$ 10 bilhões para a construção da refinaria. Em fevereiro de 2011, numa entrevista concedida para esta coluna, o então diretor Paulo Roberto Costa, responsável pelo projeto, disse que quando se decidiu fazer a refinaria sob medida para o petróleo venezuelano não havia ainda as perspectivas do pré-sal. Na época, o preço estava calculado em US$ 13 bilhões. Já chegou a US$ 20 bilhões e a atual presidente da empresa, Graça Foster, disse que o custo foi reduzido para US$ 18,5 bilhões.
Recentemente, o jornal "Valor Econômico" publicou a notícia de que a holandesa SBM, que aluga plataformas, está sob investigação pelas autoridades de Holanda, Inglaterra e Estados Unidos, por suspeitas de pagamento de propina. Nas denúncias investigadas, a informação é de que pelo menos US$ 139 milhões foram pagos a funcionários da Petrobras.
O caso da compra da refinaria de Pasadena é outro que continua assombrando. E continua porque nunca foi explicado e nunca foi devidamente investigado pelo governo. Os números falam por si, não precisa nem ser um bom gerente para saber que não se paga US$ 360 milhões por metade de uma refinaria que no ano anterior havia sido comprada integralmente por US$ 42 milhões pela empresa belga Astra.
Mas quem achou que a Petrobras estava fazendo um mau negócio quando aceitou pagar isso por uma refinaria velha, ficou ainda mais perplexo ao saber que o pior estava por vir. Ao entrar em conflito com o seu sócio, a Petrobras teve que pagar mais US$ 860 milhões pela outra metade. Como já escrevi aqui neste espaço no ano passado: ou os belgas são muito astutos, ou alguém fez o papel de bobo na Petrobras ou os envolvidos são bem espertos.
Quando uma empresa do tamanho da Petrobras, com excelentes quadros em todas as áreas, começa a fazer tanto negócio ruim, a melhor resposta é investigar, explicar e punir.
O governo apostou na ideia de deixar tudo como está que o país esqueceria. Só que, a cada novo escândalo, os contribuintes e os acionistas que tanto dinheiro têm perdido na empresa ficam querendo ter, ao mínimo, boas explicações.
A resposta da presidente Dilma à matéria do "Estadão" - dizendo que, quando presidente do Conselho de Administração da empresa, aprovou o negócio porque foi informada por um parecer falho, que omitia a existência das cláusulas prejudiciais à Petrobras - tem dois defeitos. Primeiro, a explicação não combina com a imagem de uma gerente eficiente. Segundo, em 2012, todos souberam como o negócio era desastroso para a Petrobras. E, se ela foi enganada, por que mesmo ninguém foi punido, não se investigou, não se prestou contas à população e o diretor responsável pela negociação apenas trocou de área? Há muitas explicações a dar ao distinto público que não seja "eu não sabia".
A refinaria sem refinamento de Dilma - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 21/03
Na cúpula da Petrobras, diz-se que a presidente fez uma "baixeza" com a atual direção ou, mais ameno, uma "barbeiragem desinformada". No lulismo, que Dilma "se afobou como uma amadora e atirou no pé".
Dilma presidia o conselho de administração da Petrobras em fevereiro de 2006, quando ela e outros autorizaram a empresa a comprar refinaria nos EUA (US$ 360 milhões por 50% de um negócio que um ano antes saíra por US$ 42,5 milhões).
O negócio se revelaria pior. Dilma diz que não sabia que o negócio ficaria ainda pior, pois não teria recebido informações completas sobre o contrato, pelo que culpa Nestor Cerveró, então diretor da empresa.
A Petrobras comprou a metade da refinaria Pasadena da Astra Oil Trading. Além disso, Astra e Petrobras criaram uma trading (comercializadora) de petróleo e insumos para a refinaria.
A Astra faz parte do mundão de empresas do barão Albert Frère, 88, tido com o homem mais rico da Bélgica (não terminou o colegial e começou a carreira salvando o negócio de sucata da família).
Em meados de 2007, Astra e Petrobras começaram a divergir sobre "estratégias". Em dezembro de 2007, chegaram a firmar um acordo em que a Astra sairia do negócio. Pelo acordo de acionistas, a Astra tinha um direito meio fácil de obrigar a Petrobras a comprar sua parte.
Em 2008, o conselho da Petrobras rejeitaria a compra (que no acordo sairia por US$ 700 milhões, segundo consta do processo na Justiça americana). O caso virou então objeto de arbitragem em junho de 2008 e, a seguir, parou na Justiça, quando a Petrobras acusou a Astra de tirar vantagens indevidas na venda de petróleo, entre outros rolos.
A Petrobras perdeu na comissão de arbitragem e perdeu na Justiça. Foi condenada a pagar, até 27 de abril de 2009, US$ 295,6 milhões pela refinaria, US$ 170,7 milhões pela trading e US$ 156,4 milhões por um dinheiro que a Astra colocou no negócio, afora custas judiciais e juros, o que daria no fim uma conta de US$ 639 milhões. A Petrobras não pagou, recorreu e perdeu de novo.
Em 2012, jogou a toalha e fez um acordo final de US$ 820 milhões --é interessante investigar como se chegou a tal valor. De qualquer modo, enfim, a Petrobras não "pagou" outros US$ 820 milhões pela refinaria, mas também por outros negócios e pela lavada jurídica que levou.
Questões.
Cerveró caiu da direção em maio de 2008, quando o conselho e Dilma, dizem, foram informados de que seriam esfolados pela Astra. Mas caiu "para o lado". Era diretor financeiro da BR até ontem. Por que ficou? Era inocente? Sabia demais? Por que Dilma o expôs apenas agora?
Dilma achava que o negócio inicial era bom? Isto é, aprovou gastar US$ 360 milhões por 50% de uma refinaria vendida um ano antes por US$ 42 milhões?
O que foi feito para tirar a coisa a limpo? Houve tempo. Petrobras e Astra começaram a negociar um acordo no final de 2007. A petroleira jogou a toalha em março de 2012. Não deu tempo de investigar o motivo da tunda de US$ 1 bilhão?
Petrolambanças - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 21/03
Um jeito de analisar o conteúdo e as consequências da nota de próprio punho da presidente Dilma, de que foi enganada pelo corpo técnico da Petrobrás no caso da Refinaria de Pasadena (Texas, Estados Unidos), é tomá-la como um caso de corrupção, o de que alguém operou a Petrobrás em benefício sabe-se lá de quem. Esta não é, decididamente, a praia desta Coluna. Por isso, este texto se limita a considerações de ordem técnica, digamos.
A presidente Dilma afirmou que a Diretoria Executiva da Petrobrás manipulou o Conselho de Administração (veja o Confira), no caso da compra da primeira metade da Refinaria de Pasadena, em 2006. Com base em documento "técnica e juridicamente falho" e com "informações incompletas", o Conselho de Administração foi levado a autorizar um negócio lesivo para a Petrobrás. Se fossem conhecidas (pelo Conselho), diz a nota, as cláusulas Marlim e Put Option, "seguramente não seriam aprovadas".
As consequências meramente financeiras da operação desastrada levaram a Petrobrás a pagar um total de US$ 1,18 bilhão por uma refinaria que havia sido comprada meses antes por uma empresa belga por US$ 42,5 milhões e que hoje provavelmente não vale mais do que US$ 200 milhões. (No ano passado, dentro de seu projeto de desinvestimento, a Petrobrás tentou revender a refinaria por US$ 180 milhões, mas não encontrou interessado.)
A lógica da confissão da presidente Dilma leva à conclusão de que a direção da Petrobrás é capaz de megaoperações de enganação e de que seu Conselho de Administração se deixa manipular facilmente. E, ainda, se as informações completas estavam à disposição do Conselho, como parece garantir a Petrobrás, o Conselho presidido por Dilma foi, no mínimo, leviano.
Este não é o único caso reconhecidamente escabroso da Petrobrás, revelador de como decisões de tanta gravidade são tomadas lá dentro. Até agora, ninguém, nem na diretoria nem no governo federal, foi capaz de explicar por que a Refinaria Abreu e Lima, em obras no Nordeste, orçada em 2005 por US$ 2,3 bilhões, custará para a Petrobrás pelo menos dez vezes mais. Qualquer consultoria especializada garante que similar internacional não sairia por mais do que US$ 7 bilhões.
O argumento de que pelo mesmo dinheiro construiria três refinarias também foi apresentado pelo governo da Venezuela para retirar-se da parceria no empreendimento.
Em agosto de 2012, a presidente da Petrobrás, Graça Foster, apontou seu indicador para esse caso como "exemplo a ser estudado para que jamais volte a acontecer na companhia". Mas, aí também, ninguém foi cobrado pelas derrapadas que se sucederam.
Apesar do que aconteceu, nem a presidente Dilma, nem a administração anterior (José Gabrielli), nem a atual (Graça Foster) foram capazes de apurar responsabilidades ou de punir os culpados. Um dos autores do parecer "falho" e "incompleto", que recomendou o negócio com a Refinaria de Pasadena nos termos agora conhecidos, o então diretor da Área Internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró, nem foi administrativamente afastado do grupo. Ocupa hoje o cargo de diretor financeiro da BR Distribuidora. Ele administra o caixa de todos os postos de combustível da Petrobrás.
Omissão também é lambança.
Um jeito de analisar o conteúdo e as consequências da nota de próprio punho da presidente Dilma, de que foi enganada pelo corpo técnico da Petrobrás no caso da Refinaria de Pasadena (Texas, Estados Unidos), é tomá-la como um caso de corrupção, o de que alguém operou a Petrobrás em benefício sabe-se lá de quem. Esta não é, decididamente, a praia desta Coluna. Por isso, este texto se limita a considerações de ordem técnica, digamos.
A presidente Dilma afirmou que a Diretoria Executiva da Petrobrás manipulou o Conselho de Administração (veja o Confira), no caso da compra da primeira metade da Refinaria de Pasadena, em 2006. Com base em documento "técnica e juridicamente falho" e com "informações incompletas", o Conselho de Administração foi levado a autorizar um negócio lesivo para a Petrobrás. Se fossem conhecidas (pelo Conselho), diz a nota, as cláusulas Marlim e Put Option, "seguramente não seriam aprovadas".
As consequências meramente financeiras da operação desastrada levaram a Petrobrás a pagar um total de US$ 1,18 bilhão por uma refinaria que havia sido comprada meses antes por uma empresa belga por US$ 42,5 milhões e que hoje provavelmente não vale mais do que US$ 200 milhões. (No ano passado, dentro de seu projeto de desinvestimento, a Petrobrás tentou revender a refinaria por US$ 180 milhões, mas não encontrou interessado.)
A lógica da confissão da presidente Dilma leva à conclusão de que a direção da Petrobrás é capaz de megaoperações de enganação e de que seu Conselho de Administração se deixa manipular facilmente. E, ainda, se as informações completas estavam à disposição do Conselho, como parece garantir a Petrobrás, o Conselho presidido por Dilma foi, no mínimo, leviano.
Este não é o único caso reconhecidamente escabroso da Petrobrás, revelador de como decisões de tanta gravidade são tomadas lá dentro. Até agora, ninguém, nem na diretoria nem no governo federal, foi capaz de explicar por que a Refinaria Abreu e Lima, em obras no Nordeste, orçada em 2005 por US$ 2,3 bilhões, custará para a Petrobrás pelo menos dez vezes mais. Qualquer consultoria especializada garante que similar internacional não sairia por mais do que US$ 7 bilhões.
O argumento de que pelo mesmo dinheiro construiria três refinarias também foi apresentado pelo governo da Venezuela para retirar-se da parceria no empreendimento.
Em agosto de 2012, a presidente da Petrobrás, Graça Foster, apontou seu indicador para esse caso como "exemplo a ser estudado para que jamais volte a acontecer na companhia". Mas, aí também, ninguém foi cobrado pelas derrapadas que se sucederam.
Apesar do que aconteceu, nem a presidente Dilma, nem a administração anterior (José Gabrielli), nem a atual (Graça Foster) foram capazes de apurar responsabilidades ou de punir os culpados. Um dos autores do parecer "falho" e "incompleto", que recomendou o negócio com a Refinaria de Pasadena nos termos agora conhecidos, o então diretor da Área Internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró, nem foi administrativamente afastado do grupo. Ocupa hoje o cargo de diretor financeiro da BR Distribuidora. Ele administra o caixa de todos os postos de combustível da Petrobrás.
Omissão também é lambança.
Mais um passo do Fed - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
FOLHA DE SP - 21/03
Mas nessa reunião seus membros foram mais além ao retirar do comunicado oficial a referência de que apenas quando a taxa de desemprego chegasse a 6,5% é que o órgão consideraria um aumento dos juros de intervenção nos mercados. De agora em diante essa decisão estará vinculada a uma avaliação meramente qualitativa da maioria dos membros do colegiado.
Com o objetivo de dar mais transparência à sua atuação, o Fed deixou vazar a informação de que alguns membros acreditam que as taxas de juros da instituição estarão próximas de 1% ao ano, ao final de 2015. Um número ainda muito baixo quando comparado ao padrão dos anos anteriores à crise de 2008.
Como fazem trimestralmente, os membros do Fed que participam do comitê de política monetária revelaram suas expectativas sobre o comportamento da economia nos próximos anos. A opinião média é que o crescimento da economia americana deve chegar a 3,2% em 2014, entre 2,5% e 3% em 2015 e entre 2,5% e 3,2% em 2016. São números próximos do chamado crescimento potencial, o que revela que, na visão do Fed, a crise dos últimos cinco anos ficou definitivamente para trás.
Mesmo nesse cenário de crescimento próximo de 3% ao ano, a taxa de desemprego em 2014 e 2015 deverá ficar acima do que é considerada como situação de pleno emprego nos EUA. Por isso a política monetária deve continuar expansionista, para desespero dos partidários da chamada regra de Taylor ou de outras receitas de bolo como essa. Em razão da folga no mercado de trabalho, a inflação deve continuar rodando abaixo do objetivo do banco central dos EUA, hoje de 2% ao ano.
Em 2014, os preços ao consumidor devem ficar abaixo dessa métrica de referência, que só seria atingida, de acordo com as expectativas do Fed, em 2016. O cenário que se pode extrair dos números divulgados é o de uma economia em franca recuperação, com juros e inflação ainda bem abaixo do padrão da primeira parte da década que vivemos. Em outras palavras, um cenário muito favorável para as economias da Europa e do mundo emergente, inclusive a brasileira.
Mas, mesmo assim, após a divulgação do comunicado oficial, os mercados ensaiaram uma piora nos seus segmentos de maior risco, seguindo com o andor de que a recuperação americana vai jogar o mundo exterior em uma crise de liquidez e de volatilidade. Entretanto essa atitude não deve prosperar pela simples razão de que os juros ainda ficarão baixos nos EUA por muito tempo e que a União Europeia vive sob a ameaça real de uma deflação.
Nos últimos 12 meses terminados em fevereiro, a taxa anual de inflação foi de apenas 0,8%, o que torna ainda penosos os projetos de ajuste fiscal nos países periféricos. Reforçando essa minha opinião estão eventos que ocorreram nos últimos dias. Cito ao leitor da Folha alguns que considero os mais importantes. Nesta semana, um banco grego --lembra-se deles?-- emitiu títulos no mercado privado com juros de pouco mais de 5% ao ano. Nesse mesmo período, a Irlanda também conseguiu romper a barreira do descrédito dos últimos anos e emitiu títulos de dez anos com taxas de 3,2% ao ano, o mesmo acontecendo com a problemática Itália.
Como explicar, com essas taxas tão baixas, mesmo em mercados de alto risco, a tese de que vão faltar recursos financeiros para o mundo emergente, principalmente para os países que operam hoje com taxas reais acima de 7% ao ano, como o Brasil? Não me parece crível que isso vá acontecer ainda em 2014.
Restam como consolo, para os defensores da crise no mundo emergente, os últimos dados econômicos na China. Nos primeiros dois meses do ano eles mostraram uma economia em desaceleração, em meio a uma intensa movimentação do governo em continuar suas várias batalhas contra os excessos na área do crédito e na transformação da economia via fortalecimento do consumo e moderação do investimento das empresas estatais. Vamos continuar observando a segunda maior economia do planeta nos próximos meses.
Gaby Amarantos canta para Dilma - REINALDO AZEVEDO
FOLHA DE SP - 21/03
Na vitrine dos fatos, a desculpa da presidente da República não vale R$ 1,99, filosofaria a cantora
No dia 29 de agosto de 2010, esta Folha publicou uma reportagem (folha.com/no790511) informando que, entre março de 1995 e julho de 1996, Dilma foi empresária. Montou uma lojinha, que chegou a ter uma filial, de bugigangas importadas do Panamá. Como diz a meninada, era um negócio "tipo" R$ 1,99. Não deu certo. Fechou. Chamava-se "Pão & Circo". Entendo. Liberais ainda na primeira dentição tendem a achar que bons empresários seriam bons gestores públicos. Não necessariamente. Trata-se de domínios e de propósitos distintos. Ocorre que a então candidata Dilma era oferecida ao país como gerente sem igual e planejadora rigorosa. Como ela era, e ainda é, meio enfezada, esse temperamento se confundia com competência. Gente que está sempre dando bafão, na vida ou no trabalho, recorre aos maus bofes para escamotear com o mau humor as suas deficiências técnicas. A eficiência costuma ser amigável.
Indagada, naquela época, sobre a sua experiência frustrada, depois de um encontro com o presidente da Confederação Nacional da Indústria, a petista explicou: "Quando o dólar está 1 por 1 e passa para 2 ou 3 por 1, ele [o microempresário] quebra. É isso que acontece com o microempresário, ele fecha. A minha experiência é essa e de muitos microempresários desse país". Epa! Resposta errada! A cotação média do dólar em março de 1995, quando Dilma abriu sua lojinha, foi de R$ 0,884. Aquele ano fechou com a moeda a R$ 0,967. Em julho de 1996, quando ela cerrou as portas, foi de R$ 1,006. Em 17 meses, portanto, houve uma variação de 14%, não de 200%. Sempre lembrando que a moeda local supervalorizada beneficia esse tipo de negócio. Na vitrine dos fatos, a desculpa de Dilma não vale R$ 1,99, filosofaria Gaby Amarantos.
As pessoas, como já escreveu o poeta, não costumam confessar que já levaram porrada, que foram traídas ou que não tiveram paciência para tomar banho. Procuram também esconder a própria incompetência. É normal. Transferir, no entanto, para terceiros as consequências das próprias inabilidades e irresponsabilidades já é coisa mais séria. Na função pública, as consequências podem ser dramáticas.
Quando chefe da Casa Civil, Dilma mandava no setor energético mais do que havia conseguido mandar na sua lojinha. Em 2006, a Petrobras comprou de uma empresa belga chamada Astra Oil 50% de uma refinaria que fica em Pasadena, nos EUA, por US$ 360 milhões. Ocorre que a Astra havia pagado pela refinaria inteira, menos de um ano antes, apenas US$ 42,5 milhões. A Petrobras comprou por US$ 360 milhões aquilo que valia US$ 21,25 milhões --um ágio de 1.590%. Cláusulas contratuais obrigaram a empresa brasileira a ficar com a outra metade, aí por US$ 820,5 milhões. A sucata está lá, parada.
A presidente recorreu à desculpa nº 13 dos petistas: "Eu não sabia". Refere-se à obrigação contratual da Petrobras, que teria sido omitida, de comprar a segunda metade da refinaria. Diretores da empresa já a desmentiram nesta Folha. Acontece que a aquisição da primeira metade, com a sua anuência --além das de Antônio Palocci e Jaques Wagner-- já é um descalabro. Quem negociou em nome dos belgas foi Alberto Feilhaber, que, antes de trabalhar para a Astra, havia sido funcionário da Petrobras por 20 anos. Quem preparou o papelório foi Nestor Cerveró, então diretor da área internacional da empresa brasileira. Foi ele que fez o resumo da operação, que Dilma agora considera incompleto. Não deve ter ficado muito zangada. Afinal, Cerveró é hoje diretor financeiro da BR Distribuidora.
Na melhor das hipóteses, estamos diante de um caso de incompetência e prevaricação. A pior fala por si, num escândalo que já nasce com as provas à mostra. Quando Dilma leva uma lojinha de R$ 1,99 à falência, o problema é dela. Quando autoriza uma operação como essa, diz-se enganada, não busca responsáveis pelo desastre e ainda promove um de seus protagonistas, aí o problema é nosso
Na vitrine dos fatos, a desculpa da presidente da República não vale R$ 1,99, filosofaria a cantora
No dia 29 de agosto de 2010, esta Folha publicou uma reportagem (folha.com/no790511) informando que, entre março de 1995 e julho de 1996, Dilma foi empresária. Montou uma lojinha, que chegou a ter uma filial, de bugigangas importadas do Panamá. Como diz a meninada, era um negócio "tipo" R$ 1,99. Não deu certo. Fechou. Chamava-se "Pão & Circo". Entendo. Liberais ainda na primeira dentição tendem a achar que bons empresários seriam bons gestores públicos. Não necessariamente. Trata-se de domínios e de propósitos distintos. Ocorre que a então candidata Dilma era oferecida ao país como gerente sem igual e planejadora rigorosa. Como ela era, e ainda é, meio enfezada, esse temperamento se confundia com competência. Gente que está sempre dando bafão, na vida ou no trabalho, recorre aos maus bofes para escamotear com o mau humor as suas deficiências técnicas. A eficiência costuma ser amigável.
Indagada, naquela época, sobre a sua experiência frustrada, depois de um encontro com o presidente da Confederação Nacional da Indústria, a petista explicou: "Quando o dólar está 1 por 1 e passa para 2 ou 3 por 1, ele [o microempresário] quebra. É isso que acontece com o microempresário, ele fecha. A minha experiência é essa e de muitos microempresários desse país". Epa! Resposta errada! A cotação média do dólar em março de 1995, quando Dilma abriu sua lojinha, foi de R$ 0,884. Aquele ano fechou com a moeda a R$ 0,967. Em julho de 1996, quando ela cerrou as portas, foi de R$ 1,006. Em 17 meses, portanto, houve uma variação de 14%, não de 200%. Sempre lembrando que a moeda local supervalorizada beneficia esse tipo de negócio. Na vitrine dos fatos, a desculpa de Dilma não vale R$ 1,99, filosofaria Gaby Amarantos.
As pessoas, como já escreveu o poeta, não costumam confessar que já levaram porrada, que foram traídas ou que não tiveram paciência para tomar banho. Procuram também esconder a própria incompetência. É normal. Transferir, no entanto, para terceiros as consequências das próprias inabilidades e irresponsabilidades já é coisa mais séria. Na função pública, as consequências podem ser dramáticas.
Quando chefe da Casa Civil, Dilma mandava no setor energético mais do que havia conseguido mandar na sua lojinha. Em 2006, a Petrobras comprou de uma empresa belga chamada Astra Oil 50% de uma refinaria que fica em Pasadena, nos EUA, por US$ 360 milhões. Ocorre que a Astra havia pagado pela refinaria inteira, menos de um ano antes, apenas US$ 42,5 milhões. A Petrobras comprou por US$ 360 milhões aquilo que valia US$ 21,25 milhões --um ágio de 1.590%. Cláusulas contratuais obrigaram a empresa brasileira a ficar com a outra metade, aí por US$ 820,5 milhões. A sucata está lá, parada.
A presidente recorreu à desculpa nº 13 dos petistas: "Eu não sabia". Refere-se à obrigação contratual da Petrobras, que teria sido omitida, de comprar a segunda metade da refinaria. Diretores da empresa já a desmentiram nesta Folha. Acontece que a aquisição da primeira metade, com a sua anuência --além das de Antônio Palocci e Jaques Wagner-- já é um descalabro. Quem negociou em nome dos belgas foi Alberto Feilhaber, que, antes de trabalhar para a Astra, havia sido funcionário da Petrobras por 20 anos. Quem preparou o papelório foi Nestor Cerveró, então diretor da área internacional da empresa brasileira. Foi ele que fez o resumo da operação, que Dilma agora considera incompleto. Não deve ter ficado muito zangada. Afinal, Cerveró é hoje diretor financeiro da BR Distribuidora.
Na melhor das hipóteses, estamos diante de um caso de incompetência e prevaricação. A pior fala por si, num escândalo que já nasce com as provas à mostra. Quando Dilma leva uma lojinha de R$ 1,99 à falência, o problema é dela. Quando autoriza uma operação como essa, diz-se enganada, não busca responsáveis pelo desastre e ainda promove um de seus protagonistas, aí o problema é nosso
Sob o signo da mudança - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 21/03
1- O eleitorado reafirma consistentemente, pesquisa após pesquisa, que quer mudanças e, de preferência, sem Dilma na Presidência.
2- A questão é saber se quando forem conhecidos do eleitorado brasileiro, os candidatos do PSDB e do PSB o convencerão de que têm a capacidade de fazer as mudanças por que ele anseia.
3- A presidente cometeu um "sincericídio" ao criticar a compra da refinaria de Pasadena que deu um prejuízo bilionário em dólares à Petrobras.
A vantagem que a presidente Dilma mostra consistentemente nas pesquisas de opinião, reafirmada ontem pelo Ibope, demonstra que os candidatos de oposição mais conhecidos, como o senador Aécio Neves ou o governador Eduardo Campos, não conseguiram até agora cativar o eleitorado que reafirma, também consistentemente, pesquisa após pesquisa, que quer mudanças e, de preferência, sem Dilma na Presidência.
Mas, se não aparecer ninguém com credibilidade suficiente para transformar o anseio do eleitorado em realidade, isto é, capaz de convencer de que tem uma proposta de governo melhor para colocar em prática, Dilma vai vencer a eleição por falta de opção melhor. É isso o que as pesquisas apontam.
Uma maioria que chega a 64% do eleitorado quer que o próximo presidente mude totalmente ou muita coisa na próxima gestão. Entre eles, apenas 27% consideram que a própria Dilma poderá fazer as mudanças necessárias. Os demais querem outra pessoa em seu lugar, mas por enquanto não encontraram entre os candidatos apresentados o perfil que buscam para a mudança.
Aécio e Campos têm a seu favor um relativo desconhecimento do eleitorado. Quando se avalia o potencial de votos, enquanto apenas 7% dizem não conhecer a presidente Dilma (serão de Marte?), nada menos que 35% não conhecem Eduardo Campos e 27% não conhecem Aécio Neves.
A presidente Dilma tem nesse quesito uma potencialidade muito maior que seus adversários, até o momento. Nada menos que 36% do eleitorado diz que votará nela com certeza, e outros 19% admitem votar, o que dá a ela um potencial de votos de 55%. Já Aécio Neves tem um potencial total de votos de 33% e Eduardo Campos, de apenas 27%. A questão é saber se, quando forem conhecidos do eleitorado brasileiro, os candidatos do PSDB e do PSB o convencerão de que têm a capacidade de fazer as mudanças por que ele anseia, ampliando assim a potencialidade de votos.
Por enquanto, a presidente Dilma tem um percentual de votos um pouco acima dos que afirmam que votarão nela com certeza, mas está estagnada na casa dos 40% desde o ano passado. O começo da campanha eleitoral pelo rádio e televisão pode mudar esse quadro.
Na eleição de 2010, Dilma a essa altura ainda perdia para o candidato do PSDB José Serra, mas o clima entre o eleitorado era de continuidade. Hoje, a eleição está se desenrolando num ambiente que exige mudanças.
´Sincericídio´
O voluntarismo da presidente Dilma colocou-a em uma situação embaraçosa na questão polêmica da compra da refinaria em Pasadena, nos Estados Unidos, que deu um prejuízo bilionário em dólares para a empresa.
Se a presidente admite que desde 2008, quando soube das cláusulas que considera inapropriadas, ela e outros conselheiros passaram a questionar o negócio dentro do Conselho da Petrobras, por que nenhuma providência concreta foi tomada àquela altura contra quem apresentou o negócio ao conselho com informações incompletas em um parecer técnica e juridicamente falho ?
Ao contrário, o então diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró continua na empresa, agora como diretor financeiro da BR Distribuidora. Também o então presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, continua com prestígio nas hostes petistas. Secretário de governo da Bahia, foi considerado para suceder o governador Jacques Wagner que, aliás, fazia parte do Conselho da Petrobras em 2006 quando a compra foi realizada.
O sincericídio da presidente Dilma tem a vantagem de ser uma atitude correta rejeitar a versão oficial da Petrobras que defende a compra alegando que parecia ser um bom negócio na ocasião.
Mas tem a desvantagem política de expô-la às críticas sem qualquer capacidade de se defender.
O verdadeiro mensalão - BARBARA GANCIA
FOLHA DE SP - 21/03
Não é de hoje que usam a compra da refinaria nos EUA como exemplo de desmandos do PT
Por outro lado, se você quiser usar o Nobel para valorizar sua argumentação, basta reverter o discurso. Tome uma unanimidade como o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, e diga que ele está equivocado quando prega que o governo erra na condução da economia. Mas diga com convicção que Armínio delira ao chamar de "crime econômico e ambiental" o controle de preços de combustíveis e tarifas de energia praticados por Dilma. Seja firme. Declare que esse pessimismo deveria ser tratado na base de remédios de tarja preta.
Em seguida, arremate com a frase de efeito: "Ué? O prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman, que costuma acertar nas previsões que faz, não acredita que as preocupações com o Brasil sejam justificadas. Diz ele que nosso país saiu-se muito bem na crise". Game over.
Só há um probleminha. Esse arsenal que estou lhe fornecendo pelo módico preço pago para ler este diário de cabo a rabo não tem mais serventia nenhuma no que diz respeito à segunda parte, aquela que fala sobre ser firme na hora de defender qualquer ação praticada pela presidência da República.
Deu chabu. Num estalar de dedos, a atividade de defender as posições de dona madama presidenta foi pro beleléu, danou-se, entubou-se e, inclusive, "mórreu", como diria Nerso da Capitinga.
Ao que parece, nem mesmo Dilma Rousseff defende mais Dilma Rousseff. Nesta semana, a presidente tomou a iniciativa de dar um tiro no dedão ao admitir ter assinado um contrato "técnica e juridicamente falho" pela compra de uma refinaria que valia dois tostões e pela qual o PT, no fim das contas, terá pago muito caro. Isto sendo que Dilma estava respaldada "técnica e juridicamente" por assento no conselho da Petrobras e por pastas na Casa Civil e Minas e Energia --as minas e a energia, melhor deixar claro, nada têm a ver com malhação de loiras e/ou dieta de ingestão de shakes de proteínas.
Só depois de consumada a transação da refinaria de Pasadena, que ora vem à tona com tudo, foi que a turma se deu conta de que faltavam regras vitais na papelada.
Ora, alguém que lê pela metade um contrato de compra de uma refinaria de petróleo, na condição de chefe de conselho e ex-ministra disto e daquilo só pode ser um arremedo de Zé Genoino, confere?
E a admissão de farsa é tão flagrante, inclusive pela facilidade com que se deu, que deixa transparecer, quiçá, o intuito de causar um tsunami que leve consigo todos os frutos do mar e terra encontrados pela frente. Nada como um aguaceiro para extinguir fogo amigo.
Não é de hoje que a tal compra da refinaria de Pasadena surge na boca de empresários como sendo emblemática dos desmandos do PT. Ela é o verdadeiro mensalão. Ali é que eles veem a amostra de desmontagem de quadros técnicos e cargos de carreira para o aparelhamento de que tanto falam. Estão ali as grandes somas, sem aliados para repartir. Um contrato fajuto, um ativo multiplicado 100 vezes... E tudo isso tendo à disposição o maior financiador do país e uma das maiores empresas do mundo, que tinha recém descoberto a maior bacia de petróleo... Faz-me rir, mensalão, troco de pinga!
A banalidade do mal - JOSÉ PIO MARTINS
GAZETA DO POVO - PR - 21/03
Fiquei chocado com a cena de presos jogando bola com a cabeça de um detento morto por decapitação dentro da penitenciária. Imaginei até que ponto é possível o homem continuar sendo um ser humano, com capacidade de raciocínio e, ao mesmo tempo, perder completamente sua humanidade e qualquer rasgo de sensibilidade. Tentei uma explicação fazendo analogia com o nazista Adolf Eichmann.
Eichmann esteve no comando do transporte de judeus para os campos de concentração na Polônia. Ele não participou da decisão política de extermínio, mas esteve profundamente envolvido na organização do sistema ferroviário que tornou possível a matança de seres humanos apenas porque eram judeus. Eichmann era eficiente, disciplinado, e montou um organizado sistema de trens que partiam e chegavam no horário. Um belo trabalho.
Mas o resultado de seu trabalho foi a morte de milhões de pessoas – incluindo crianças, mulheres e velhos –, que seguiam nos trens eficientes, muitas vezes sem água, sem comida e sob frio extremo. No destino, eram queimados em massa nas câmaras de gás e os mais fortes eram postos em tortura e trabalhos forçados. Tendo fugido para a Argentina ao fim da guerra, Eichmann foi capturado em 1960 pelo Mossad, o serviço secreto israelense, e foi levado a julgamento em Jerusalém.
Adolf Eichmann apresentou-se diante do juiz como uma pessoa normal, um homem a quem ensinaram a ser patriota, a cumprir as leis e a obedecer às ordens. Se o Estado totalitário alemão, sob Adolf Hitler, criou leis tão cruéis, não caberia a ele discutir, mas apenas cumprir sua obra de engenharia com competência. Eichmann nunca matou ninguém, nunca visitou um campo de concentração. Ele apenas construiu trens e um notável sistema de transporte.
Hannah Arendt, a grande filósofa judia que conseguiu fugir às garras de Hitler, foi a Jerusalém para ver como era um monstro de perto. No julgamento de Eichmann, ela ficou estupefata ao notar que ali estava um homem normal, cujo trabalho ajudou a viabilizar a monstruosidade assassina de um Estado totalitário. Foi aí que Hannah Arendt cunhou a expressão “a banalidade do mal”.
Onde a analogia? Por estar impregnada de tanta violência, crime, medo e tragédias, a sociedade brasileira vem produzindo, em cada um de nós, certa redução da sensibilidade e uma quase indiferença diante de vidas assassinadas. Se o crime e a violência ficaram tão banais e tão rotineiros no país, por que a indignação diante da cena de presos jogando futebol com a cabeça de alguém que no dia anterior havia almoçado com eles?
A violência social brasileira está gerando – se não em todos, mas em muitos de nós – a mesma banalidade do mal que o Estado totalitário de Hitler gerou em Adolf Eichmann. A princípio, ele era apenas um homem bom e burocrata competente, que não perdia o sono porque seu eficiente sistema ferroviário transportava mulheres, crianças e velhos para serem mortos nos campos de concentração da Polônia.
Talvez o conformismo venha da constatação de que individualmente podemos fazer muito pouco, a não ser votar, gritar e sair às ruas em protesto.
Este artigo estava pronto quando a imprensa noticiou que um rapaz de Brasília, faltando um dia para completar 18 anos, matou a namorada de 14 anos, filmou tudo e mandou o vídeo aos amigos. Ele não irá para a cadeia, é inimputável. Essa monstruosidade tornou-se normal, não alterou nada e, no máximo, tomou alguns minutos da imprensa. Essa é a sociedade que vamos deixar aos nossos filhos.
Fiquei chocado com a cena de presos jogando bola com a cabeça de um detento morto por decapitação dentro da penitenciária. Imaginei até que ponto é possível o homem continuar sendo um ser humano, com capacidade de raciocínio e, ao mesmo tempo, perder completamente sua humanidade e qualquer rasgo de sensibilidade. Tentei uma explicação fazendo analogia com o nazista Adolf Eichmann.
Eichmann esteve no comando do transporte de judeus para os campos de concentração na Polônia. Ele não participou da decisão política de extermínio, mas esteve profundamente envolvido na organização do sistema ferroviário que tornou possível a matança de seres humanos apenas porque eram judeus. Eichmann era eficiente, disciplinado, e montou um organizado sistema de trens que partiam e chegavam no horário. Um belo trabalho.
Mas o resultado de seu trabalho foi a morte de milhões de pessoas – incluindo crianças, mulheres e velhos –, que seguiam nos trens eficientes, muitas vezes sem água, sem comida e sob frio extremo. No destino, eram queimados em massa nas câmaras de gás e os mais fortes eram postos em tortura e trabalhos forçados. Tendo fugido para a Argentina ao fim da guerra, Eichmann foi capturado em 1960 pelo Mossad, o serviço secreto israelense, e foi levado a julgamento em Jerusalém.
Adolf Eichmann apresentou-se diante do juiz como uma pessoa normal, um homem a quem ensinaram a ser patriota, a cumprir as leis e a obedecer às ordens. Se o Estado totalitário alemão, sob Adolf Hitler, criou leis tão cruéis, não caberia a ele discutir, mas apenas cumprir sua obra de engenharia com competência. Eichmann nunca matou ninguém, nunca visitou um campo de concentração. Ele apenas construiu trens e um notável sistema de transporte.
Hannah Arendt, a grande filósofa judia que conseguiu fugir às garras de Hitler, foi a Jerusalém para ver como era um monstro de perto. No julgamento de Eichmann, ela ficou estupefata ao notar que ali estava um homem normal, cujo trabalho ajudou a viabilizar a monstruosidade assassina de um Estado totalitário. Foi aí que Hannah Arendt cunhou a expressão “a banalidade do mal”.
Onde a analogia? Por estar impregnada de tanta violência, crime, medo e tragédias, a sociedade brasileira vem produzindo, em cada um de nós, certa redução da sensibilidade e uma quase indiferença diante de vidas assassinadas. Se o crime e a violência ficaram tão banais e tão rotineiros no país, por que a indignação diante da cena de presos jogando futebol com a cabeça de alguém que no dia anterior havia almoçado com eles?
A violência social brasileira está gerando – se não em todos, mas em muitos de nós – a mesma banalidade do mal que o Estado totalitário de Hitler gerou em Adolf Eichmann. A princípio, ele era apenas um homem bom e burocrata competente, que não perdia o sono porque seu eficiente sistema ferroviário transportava mulheres, crianças e velhos para serem mortos nos campos de concentração da Polônia.
Talvez o conformismo venha da constatação de que individualmente podemos fazer muito pouco, a não ser votar, gritar e sair às ruas em protesto.
Este artigo estava pronto quando a imprensa noticiou que um rapaz de Brasília, faltando um dia para completar 18 anos, matou a namorada de 14 anos, filmou tudo e mandou o vídeo aos amigos. Ele não irá para a cadeia, é inimputável. Essa monstruosidade tornou-se normal, não alterou nada e, no máximo, tomou alguns minutos da imprensa. Essa é a sociedade que vamos deixar aos nossos filhos.
Autoinsuficiência - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 21/03
Não há mistério nem mérito na confissão da presidente Dilma Rousseff de que aprovou sem ler os termos do contrato de compra da refinaria de Pasadena, no Texas, quando era ministra da Casa Civil e presidia o Conselho de Administração da Petrobrás.
Ela simplesmente quis tirar o corpo fora de um negócio altamente suspeito, investigado pelo Ministério Público, Tribunal de Contas e Polícia Federal devido aos prejuízos causados à estatal, que pagou US$ 1,18 bilhão por uma refinaria negociada a US$ 42 milhões sete anos antes.
Pela singeleza da nota oficial divulgada pela assessoria de comunicação do Palácio do Planalto, transferindo sem mais nem menos a responsabilidade a um resumo "incompleto" da diretoria internacional da Petrobrás, a presidente da República acreditou-se na posse dos mesmos poderes do antecessor a quem todos se dobravam calados e reverentes.
Fez o que lhe deu na cabeça, talvez estimulada pelos conselheiros eleitorais que a colocam na rota de gestos passíveis de repercussão popular. Dilma tinha em mãos um texto redigido por Graça Foster, dizendo em síntese que o caso da refinaria estava aos cuidados dos órgãos de fiscalização. Saída pela tangente.
A presidente não quis. Rasgou a nota e fez outra, ela mesma, provavelmente na tentativa de se mostrar "verdadeira" diante do eleitorado. De imediato, contabilizou inúmeros prejuízos, a começar por levar o tema que estava aos cuidados da polícia e do Tribunal de Contas para dentro do Palácio do Planalto.
Causou espanto no PT, que não conseguiu articular uma defesa. Ofereceu de bandeja um assunto para a oposição, abriu espaço para que seja criada uma comissão de inquérito para investigar esse e outros negócios da Petrobrás, pôs lenha na crise com o Congresso e deu mais um empurrão ladeira abaixo na empresa em momento já bastante delicado de preços de combustíveis defasados, perda de valor de mercado e risco para a classificação do grau de investimento.
Na estatal o clima é de beligerância total contra a presidente.
Primeiro porque é considerada inaceitável a versão dada por ela sobre a documentação incompleta, uma vez que os resumos para orientar as decisões do Conselho de Administração podem não conter todas as informações, mas eles são sempre acompanhados dos processos completos aos quais os conselheiros têm acesso a qualquer tempo.
E, depois, a maneira como Dilma apresentou a questão deu a impressão de que a Petrobrás é uma empresa sem governança, desprovida de controles, comparável a um armazém de secos e molhados. A presidente quis usar a estatal à sua conveniência e a corporação sentiu o golpe.
Publicamente não haverá reação, mas a falta de respaldo às declarações da presidente da República é eloquente. A presidente da empresa ficou em silêncio, bem como os outros participantes da reunião em que foi aprovada a compra da refinaria. Satisfeito com a atitude de Dilma ninguém está no governo nem no PT. Ao contrário. O mínimo que se ouve é que ela mais uma vez fez uma "trapalhada", piorou uma situação que já era ruim no momento mais inadequado possível.
A presidente está desprovida de defesas no Congresso, de onde é quase certo que virão convocações da presidente atual, de ex-presidentes da Petrobrás, de conselheiros e do diretor responsável pelo parecer que Dilma considerou "técnica e juridicamente falho", Nestor Cerveró. Funcionário de carreira, com 30 anos de empresa, dificilmente vai se acomodar de modo confortável à sinuca em que a presidente o colocou.
A saída do governo será trabalhar para evitar as convocações e a CPI. Tarefa complicada no cenário de conturbação na base governista, hoje muito mais interessada em dificultar que em facilitar a vida da presidente da República.
Nesse quadro, se custar caro ao Planalto ainda sairá barato porque nessa altura é possível que já não tenha preço que pague a imposição de novas derrotas a Dilma.
Pode ser que a presidente encontre abrigo na oposição, caso prevaleça a voz contrária do ex-presidente Fernando Henrique à criação da CPI da Petrobrás. Mas, nesse caso o pressuposto seria um pedido de arreglo que contrariaria os interesses de parte a parte.
Não há mistério nem mérito na confissão da presidente Dilma Rousseff de que aprovou sem ler os termos do contrato de compra da refinaria de Pasadena, no Texas, quando era ministra da Casa Civil e presidia o Conselho de Administração da Petrobrás.
Ela simplesmente quis tirar o corpo fora de um negócio altamente suspeito, investigado pelo Ministério Público, Tribunal de Contas e Polícia Federal devido aos prejuízos causados à estatal, que pagou US$ 1,18 bilhão por uma refinaria negociada a US$ 42 milhões sete anos antes.
Pela singeleza da nota oficial divulgada pela assessoria de comunicação do Palácio do Planalto, transferindo sem mais nem menos a responsabilidade a um resumo "incompleto" da diretoria internacional da Petrobrás, a presidente da República acreditou-se na posse dos mesmos poderes do antecessor a quem todos se dobravam calados e reverentes.
Fez o que lhe deu na cabeça, talvez estimulada pelos conselheiros eleitorais que a colocam na rota de gestos passíveis de repercussão popular. Dilma tinha em mãos um texto redigido por Graça Foster, dizendo em síntese que o caso da refinaria estava aos cuidados dos órgãos de fiscalização. Saída pela tangente.
A presidente não quis. Rasgou a nota e fez outra, ela mesma, provavelmente na tentativa de se mostrar "verdadeira" diante do eleitorado. De imediato, contabilizou inúmeros prejuízos, a começar por levar o tema que estava aos cuidados da polícia e do Tribunal de Contas para dentro do Palácio do Planalto.
Causou espanto no PT, que não conseguiu articular uma defesa. Ofereceu de bandeja um assunto para a oposição, abriu espaço para que seja criada uma comissão de inquérito para investigar esse e outros negócios da Petrobrás, pôs lenha na crise com o Congresso e deu mais um empurrão ladeira abaixo na empresa em momento já bastante delicado de preços de combustíveis defasados, perda de valor de mercado e risco para a classificação do grau de investimento.
Na estatal o clima é de beligerância total contra a presidente.
Primeiro porque é considerada inaceitável a versão dada por ela sobre a documentação incompleta, uma vez que os resumos para orientar as decisões do Conselho de Administração podem não conter todas as informações, mas eles são sempre acompanhados dos processos completos aos quais os conselheiros têm acesso a qualquer tempo.
E, depois, a maneira como Dilma apresentou a questão deu a impressão de que a Petrobrás é uma empresa sem governança, desprovida de controles, comparável a um armazém de secos e molhados. A presidente quis usar a estatal à sua conveniência e a corporação sentiu o golpe.
Publicamente não haverá reação, mas a falta de respaldo às declarações da presidente da República é eloquente. A presidente da empresa ficou em silêncio, bem como os outros participantes da reunião em que foi aprovada a compra da refinaria. Satisfeito com a atitude de Dilma ninguém está no governo nem no PT. Ao contrário. O mínimo que se ouve é que ela mais uma vez fez uma "trapalhada", piorou uma situação que já era ruim no momento mais inadequado possível.
A presidente está desprovida de defesas no Congresso, de onde é quase certo que virão convocações da presidente atual, de ex-presidentes da Petrobrás, de conselheiros e do diretor responsável pelo parecer que Dilma considerou "técnica e juridicamente falho", Nestor Cerveró. Funcionário de carreira, com 30 anos de empresa, dificilmente vai se acomodar de modo confortável à sinuca em que a presidente o colocou.
A saída do governo será trabalhar para evitar as convocações e a CPI. Tarefa complicada no cenário de conturbação na base governista, hoje muito mais interessada em dificultar que em facilitar a vida da presidente da República.
Nesse quadro, se custar caro ao Planalto ainda sairá barato porque nessa altura é possível que já não tenha preço que pague a imposição de novas derrotas a Dilma.
Pode ser que a presidente encontre abrigo na oposição, caso prevaleça a voz contrária do ex-presidente Fernando Henrique à criação da CPI da Petrobrás. Mas, nesse caso o pressuposto seria um pedido de arreglo que contrariaria os interesses de parte a parte.
Populismo no setor elétrico e estelionato eleitoral - ROBERTO FREIRE
Brasil Econômico - 21/03
Ministra de Minas e Energia e chefe da Casa Civil durante o governo Lula, além de responsável por uma peça de ficção conhecida como Programa de Aceleração do Crescimento, a presidente Dilma Rousseff jamais se constrangeu em praticar o mais desabrido populismo sempre que tratou do setor elétrico. Em janeiro de 2013, em rede nacional, a petista anunciou que o Brasil teria "energia cada vez melhor e mais barata" e que não haveria "nenhum risco de racionamento ou de qualquer tipo de estrangulamento no curto, no médio ou no longo prazo".
Um ano depois, o cenário é bem menos promissor do que o discurso edulcorado de campanha.
Com a falta de chuva dos últimos meses, o nível dos reservatórios baixou e o acionamento das usinas térmicas, que produzem energia mais cara, fez com que as distribuidoras aumentassem seus custos. Atordoado diante do rombo no setor, o governo do PT decidiu socorrer as empresas com a liberação de R$ 12 bilhões: R$ 4 bilhões do Tesouro e mais R$ 8 bilhões em forma de empréstimos por meio de bancos públicos e privados.
Além desse montante, o governo já previa no orçamento de 2014 um aporte de R$ 9 bilhões para ressarcir as empresas que aderiram ao pacote anunciado por Dilma para a redução das tarifas. O setor receberá cerca de R$ 30 bilhões até o fim deste ano e, para não variar, a fatura será cobrada dos consumidores por meio de reajuste na conta de luz e elevação de impostos.
Como a presidente só pensa na reeleição e lidera um governo cuja desfaçatez não tem limites, o aumento da tarifa ficou "pendurado" para 2015. A sete meses de enfrentar as urnas, Dilma optou novamente pelo populismo barato em nome das conveniências eleitorais, mas o mero adiamento do reajuste não resolverá o problema, pois o contribuinte pagará uma taxa ainda maior no próximo ano.
Ao vender aos brasileiros a ilusão da conta de luz mais barata, Dilma e o PT alimentaram uma fantasia e potencializaram o desperdício de energia. Quando a estiagem tomou conta do país, a presidente se absteve de encampar um movimento pelo consumo consciente. O resultado, inapelável, é a média de cinco apagões por mês desde o início de seu governo.
O estelionato eleitoral nos remete ao fracasso do Plano Cruzado, lançado pelo presidente José Sarney em 1986 para combater a inflação. Na época, o governo congelou os preços, o que levou ao controle inflacionário nos primeiros meses. O congelamento não foi revisto justamente por causa do processo eleitoral, contrariando as recomendações de muitos economistas, inclusive de alguns ligados ao governo. Com o passar do tempo, começou a faltar mercadoria nos supermercados - já que muitos empresários retiraram seus produtos das prateleiras porque não podiam reajustá-los -, resultando em desabastecimento e na escalada da inflação. Ao fim e ao cabo, o uso político da economia trouxe um enorme prejuízo ao país.
O setor elétrico enfrenta, há anos, uma crise agravada recentemente pela falta de chuvas. O PT chegou ao poder como crítico implacável dos equívocos cometidos por FHC na área de energia, mas revelou despreparo e incompetência como nunca antes neste país - para usar expressão ao feitio de Lula. Dilma, preocupada em não perder votos, só adia uma tragédia anunciada, mas cedo ou tarde a bomba explodirá. E quem pagará a conta, literalmente, será o povo brasileiro.
Ministra de Minas e Energia e chefe da Casa Civil durante o governo Lula, além de responsável por uma peça de ficção conhecida como Programa de Aceleração do Crescimento, a presidente Dilma Rousseff jamais se constrangeu em praticar o mais desabrido populismo sempre que tratou do setor elétrico. Em janeiro de 2013, em rede nacional, a petista anunciou que o Brasil teria "energia cada vez melhor e mais barata" e que não haveria "nenhum risco de racionamento ou de qualquer tipo de estrangulamento no curto, no médio ou no longo prazo".
Um ano depois, o cenário é bem menos promissor do que o discurso edulcorado de campanha.
Com a falta de chuva dos últimos meses, o nível dos reservatórios baixou e o acionamento das usinas térmicas, que produzem energia mais cara, fez com que as distribuidoras aumentassem seus custos. Atordoado diante do rombo no setor, o governo do PT decidiu socorrer as empresas com a liberação de R$ 12 bilhões: R$ 4 bilhões do Tesouro e mais R$ 8 bilhões em forma de empréstimos por meio de bancos públicos e privados.
Além desse montante, o governo já previa no orçamento de 2014 um aporte de R$ 9 bilhões para ressarcir as empresas que aderiram ao pacote anunciado por Dilma para a redução das tarifas. O setor receberá cerca de R$ 30 bilhões até o fim deste ano e, para não variar, a fatura será cobrada dos consumidores por meio de reajuste na conta de luz e elevação de impostos.
Como a presidente só pensa na reeleição e lidera um governo cuja desfaçatez não tem limites, o aumento da tarifa ficou "pendurado" para 2015. A sete meses de enfrentar as urnas, Dilma optou novamente pelo populismo barato em nome das conveniências eleitorais, mas o mero adiamento do reajuste não resolverá o problema, pois o contribuinte pagará uma taxa ainda maior no próximo ano.
Ao vender aos brasileiros a ilusão da conta de luz mais barata, Dilma e o PT alimentaram uma fantasia e potencializaram o desperdício de energia. Quando a estiagem tomou conta do país, a presidente se absteve de encampar um movimento pelo consumo consciente. O resultado, inapelável, é a média de cinco apagões por mês desde o início de seu governo.
O estelionato eleitoral nos remete ao fracasso do Plano Cruzado, lançado pelo presidente José Sarney em 1986 para combater a inflação. Na época, o governo congelou os preços, o que levou ao controle inflacionário nos primeiros meses. O congelamento não foi revisto justamente por causa do processo eleitoral, contrariando as recomendações de muitos economistas, inclusive de alguns ligados ao governo. Com o passar do tempo, começou a faltar mercadoria nos supermercados - já que muitos empresários retiraram seus produtos das prateleiras porque não podiam reajustá-los -, resultando em desabastecimento e na escalada da inflação. Ao fim e ao cabo, o uso político da economia trouxe um enorme prejuízo ao país.
O setor elétrico enfrenta, há anos, uma crise agravada recentemente pela falta de chuvas. O PT chegou ao poder como crítico implacável dos equívocos cometidos por FHC na área de energia, mas revelou despreparo e incompetência como nunca antes neste país - para usar expressão ao feitio de Lula. Dilma, preocupada em não perder votos, só adia uma tragédia anunciada, mas cedo ou tarde a bomba explodirá. E quem pagará a conta, literalmente, será o povo brasileiro.
Perguntar não ofende - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 21/03
BRASÍLIA - A compra da refinaria de Pasadena (EUA) virou um jogo de empurra: Dilma culpa a antiga diretoria da Petrobras, que culpa o Conselho Administrativo, que culpa a gestão de José Sérgio Gabrielli.
Como diz o líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno, "essa história está cheirando mal". E há muitas perguntas sem resposta:
1 - Como a tão centralizadora e detalhista Dilma, então chefe da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobras, votou a favor de uma operação tão esquisita?
2 - Se havia todo um detalhamento da proposta, por que Dilma e os conselheiros, que são bem remunerados, contentaram-se com um mero resumo agora criticado como "técnica e juridicamente falho"?
3 - Como, à época, o diretor internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, pivô da crise, acabou diretor financeiro da BR Distribuidora?
4 - E como o presidente Gabrielli virou secretário do governo da Bahia, subordinado ao governador petista Jaques Wagner, e até é um dos pré-candidatos à sua sucessão?
5 - Mas a mais importante questão de todas, no caso Pasadena, é aritmética: como, quando e por que pagar US$ 360 milhões pela metade de uma refinaria que acabara de ser vendida um ano antes, integralmente, por US$ 42,5 milhões?
6 - E a cláusula que obrigava uma das partes a comprar 100% da refinaria em caso de divergências não acendeu nenhum sinal amarelo?
7 - É comum uma refinaria de US$ 42,5 milhões passar a valer mais de US$ 1 bilhão num passe de mágica?
8 - Por que Dilma ficou esses anos todos calada e agora resolveu soltar uma nota jogando o escândalo dentro do Palácio do Planalto? Ela quis se antecipar a outros dados que estão para pipocar?
9 - Nessa nota, Dilma disse que, se todas as cláusulas fossem conhecidas, "seguramente" a compra da refinaria de Pasadena não seria aprovada. Admitiu, assim, que o negócio foi um verdadeiro escândalo?
Hidrelétricas sem reservatórios foram tiro pela culatra - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 21/03
O Brasil já acumulou no passado água suficiente para suprir o país por cinco anos; atualmente, esse volume de água não dá para mais de cinco meses
Como um país que dobrou sua capacidade de geração de energia elétrica em um período relativamente curto, de menos de vinte anos, pode se ver na contingência de racioná-la, mesmo que o consumo não tenha se expandido em igual proporção? A razão é que essa expansão de capacidade não tem igual correspondência com a chamada energia firme, aquela que é efetivamente assegurada.
A maior parte das hidrelétricas, por exemplo, só consegue assegurar ao longo de um ano ano, em média, o equivalente à metade de capacidade de geração. Nos momentos que os rios estão cheios, no máximo de sua vazão, tais usinas podem até operar a plena capacidade. A futura usina de Belo Monte, no Rio Xingu, contribuirá pouco para o sistema interligado em alguns meses do ano, enquanto só no período da cheia poderá operar a 100%. As usinas eólicas também costumam assegurar energia equivalente a menos de 40% de sua capacidade, e isso quando há bons ventos. A vantagem é que há uma complementaridade com o sistema hidráulico; geralmente venta mais quando chove pouco no Nordeste, e vice-versa . E, à noite, quando o consumo de energia diminui na região, os ventos são mais predominantes, e, nesse horário, usinas hidráulicas podem ser menos acionadas, possibilitando o enchimento de reservatórios. E aí está o xis da questão. Na matriz elétrica brasileira, a energia precisa ser armazenada sob a forma de água acumulada nos reservatórios. No passado, essa acumulação de água possibilitava o planejamento da oferta de energia por cinco anos à frente. Esse horizonte foi se estreitando à medida que novas hidrelétricas foram construídas sem reservatórios. No quadro atual, a energia acumulada nos reservatórios existentes só poderia suprir o país por cinco meses. Usinas com reservatórios de acumulação são aquelas em que a vazão dos rios permite que, ao menos durante uma fase do ano, se guarde parte da água junto (a montante) às barragens. As demais usinas são a fio d’água, porque não há essa acumulação, e o volume de água que chega às barragens é o mesmo que passa pelas turbinas e pelas comportas dos vertedouros. Assim, quando os rios estão cheios, as usinas podem operar a plena carga. Por causa da altura das barragens, uma usina a fio d’água pode represar água a montante, como é o caso de Itaipu, mas tecnicamente o lago formado não é considerado reservatório.
A topografia muitas vezes ajuda a formação de reservatórios e esse é o caso dos vários existentes. Nas regiões mais planas, reservatórios podem ser menos profundos e se estender por vastas áreas, o que não se admite nos critérios de proteção ambiental. Esse foi o argumento que acabou prevalecendo no Brasil para se banir do cenário a construção de novas hidrelétricas com reservatórios de acumulação. Mas, se o propósito foi proteger o ambiente, o tiro saiu pela culatra, pois a alternativa tem sido construir usinas térmicas, bem mais caras e com impacto muito mais poluente.
O Brasil já acumulou no passado água suficiente para suprir o país por cinco anos; atualmente, esse volume de água não dá para mais de cinco meses
Como um país que dobrou sua capacidade de geração de energia elétrica em um período relativamente curto, de menos de vinte anos, pode se ver na contingência de racioná-la, mesmo que o consumo não tenha se expandido em igual proporção? A razão é que essa expansão de capacidade não tem igual correspondência com a chamada energia firme, aquela que é efetivamente assegurada.
A maior parte das hidrelétricas, por exemplo, só consegue assegurar ao longo de um ano ano, em média, o equivalente à metade de capacidade de geração. Nos momentos que os rios estão cheios, no máximo de sua vazão, tais usinas podem até operar a plena capacidade. A futura usina de Belo Monte, no Rio Xingu, contribuirá pouco para o sistema interligado em alguns meses do ano, enquanto só no período da cheia poderá operar a 100%. As usinas eólicas também costumam assegurar energia equivalente a menos de 40% de sua capacidade, e isso quando há bons ventos. A vantagem é que há uma complementaridade com o sistema hidráulico; geralmente venta mais quando chove pouco no Nordeste, e vice-versa . E, à noite, quando o consumo de energia diminui na região, os ventos são mais predominantes, e, nesse horário, usinas hidráulicas podem ser menos acionadas, possibilitando o enchimento de reservatórios. E aí está o xis da questão. Na matriz elétrica brasileira, a energia precisa ser armazenada sob a forma de água acumulada nos reservatórios. No passado, essa acumulação de água possibilitava o planejamento da oferta de energia por cinco anos à frente. Esse horizonte foi se estreitando à medida que novas hidrelétricas foram construídas sem reservatórios. No quadro atual, a energia acumulada nos reservatórios existentes só poderia suprir o país por cinco meses. Usinas com reservatórios de acumulação são aquelas em que a vazão dos rios permite que, ao menos durante uma fase do ano, se guarde parte da água junto (a montante) às barragens. As demais usinas são a fio d’água, porque não há essa acumulação, e o volume de água que chega às barragens é o mesmo que passa pelas turbinas e pelas comportas dos vertedouros. Assim, quando os rios estão cheios, as usinas podem operar a plena carga. Por causa da altura das barragens, uma usina a fio d’água pode represar água a montante, como é o caso de Itaipu, mas tecnicamente o lago formado não é considerado reservatório.
A topografia muitas vezes ajuda a formação de reservatórios e esse é o caso dos vários existentes. Nas regiões mais planas, reservatórios podem ser menos profundos e se estender por vastas áreas, o que não se admite nos critérios de proteção ambiental. Esse foi o argumento que acabou prevalecendo no Brasil para se banir do cenário a construção de novas hidrelétricas com reservatórios de acumulação. Mas, se o propósito foi proteger o ambiente, o tiro saiu pela culatra, pois a alternativa tem sido construir usinas térmicas, bem mais caras e com impacto muito mais poluente.
Omissão ou mentira - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 21/03
Ao saber que o Estado tinha apurado que a então presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, Dilma Rousseff, aprovou em 2006 a compra de metade da Refinaria de Pasadena, no Texas, da belga Astra Oil - por um preço 8,5 vezes maior do que esta havia pago um ano antes pela instalação inteira -, a chefe do governo mandou a estatal preparar uma nota explicativa sobre o caso. O negócio foi um rematado desastre, que acabaria custando à petroleira quase US$ 1,2 bilhão. Desgostosa com o texto, simplesmente rasgou o papel. E redigiu de próprio punho a versão publicada ontem por este jornal.
Nela, como foi amplamente divulgado, Dilma admite que apoiou a operação com base apenas em um resumo executivo, "técnica e juridicamente falho", do diretor internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró. O seu presidente, à época, Sérgio Gabrielli, era um entusiástico defensor da transação. Hoje ele é secretário de Planejamento do governador da Bahia, o também petista Jaques Wagner. Este e o então ministro da Fazenda, o companheiro Antonio Palocci, integravam o Conselho. A presidente diz ainda que só em 2008 teve ciência das cláusulas leoninas a que a Petrobrás se submeteu no contrato com a Astra Oil - uma das quais a obrigou, por decisão da Justiça americana, a ficar com 100% da refinaria, acarretando-lhe imenso prejuízo.
Se tais condições constassem do documento levado ao Conselho, garante Dilma, "seguramente não seriam aprovadas". Ela também sustenta que, naquele ano, a estatal informou o colegiado da "abertura de procedimento de apuração de prejuízos e responsabilidades". Passados cinco anos, a investigação não tinha começado - se é que havia a intenção de fazê-la -, como a Petrobrás declarou ao Congresso em setembro de 2013, quando o escândalo já mobilizava os políticos. Gabrielli foi ouvido pelo Senado. A sua sucessora, Graça Foster, pela Câmara. Até a confissão de Dilma, eles talvez imaginassem que o caso estava sob controle. Atingidos pelo súbito maremoto que pegou desprevenida a empresa, seus dirigentes foram à forra.
Uma fonte que não quis se identificar disse que a nota causadora do tsunami "foi mais uma bizarrice da Dilma, que não conversa com ninguém e toma decisões à base da veneta". Executivos da estatal, também sob anonimato, chamaram a atenção para um dado que confina a presidente ao proverbial beco sem saída, com desdobramentos políticos ainda imprevisíveis. Eles esclareceram que os membros do Conselho, a começar de sua titular, tinham, por definição, acesso irrestrito à papelada relativa à Refinaria de Pasadena. O processo completo - muito além do mero resumo executivo que teria induzido Dilma a apoiar a operação - poderia ser requisitado.
De duas, uma, portanto. Ou ela deixou de fazer o que lhe competia e que estava ao seu alcance ou o fez e ainda assim deixou a aquisição se consumar. Na primeira hipótese, ela foi omissa, podendo ser acusada de ter cometido, mais do que uma irresponsabilidade, um ato de desídia. Na segunda - equivalente a uma explosão nuclear para a estabilidade política de seu governo -, ela mentiu ao negar que conhecesse as cláusulas lesivas à Petrobrás, omitidas no resumo a que atribui o seu voto. De todo modo, em poucas horas ela aglutinou contra si uma tácita e improvável coligação.
Ela vai de seu padrinho Lula, em cujo primeiro mandato a Petrobrás fez o danoso negócio; o ex e a atual presidente da estatal (Gabrielli, porque o patrocinou; Graça, porque viu ruir o seu esforço junto ao Congresso e ainda foi humilhada por ter a amiga destruído a nota que havia pedido à empresa); a banda do PT pronta a tomar as dores de Gabrielli; os políticos que puseram Cerveró na diretoria internacional da petroleira; aos colegas que acham que ele está sendo transformado em bode expiatório. Ao mesmo tempo, a oposição, com a cumplicidade dos aliados desavindos com Dilma, prepara a CPI de Pasadena, enquanto a Polícia Federal, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público aguçam as vistas para os presumíveis ilícitos da transação: superfaturamento e evasão de divisas.
Mais uma vez, Dilma só tem a culpar a si própria por seus dissabores.
Ao saber que o Estado tinha apurado que a então presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, Dilma Rousseff, aprovou em 2006 a compra de metade da Refinaria de Pasadena, no Texas, da belga Astra Oil - por um preço 8,5 vezes maior do que esta havia pago um ano antes pela instalação inteira -, a chefe do governo mandou a estatal preparar uma nota explicativa sobre o caso. O negócio foi um rematado desastre, que acabaria custando à petroleira quase US$ 1,2 bilhão. Desgostosa com o texto, simplesmente rasgou o papel. E redigiu de próprio punho a versão publicada ontem por este jornal.
Nela, como foi amplamente divulgado, Dilma admite que apoiou a operação com base apenas em um resumo executivo, "técnica e juridicamente falho", do diretor internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró. O seu presidente, à época, Sérgio Gabrielli, era um entusiástico defensor da transação. Hoje ele é secretário de Planejamento do governador da Bahia, o também petista Jaques Wagner. Este e o então ministro da Fazenda, o companheiro Antonio Palocci, integravam o Conselho. A presidente diz ainda que só em 2008 teve ciência das cláusulas leoninas a que a Petrobrás se submeteu no contrato com a Astra Oil - uma das quais a obrigou, por decisão da Justiça americana, a ficar com 100% da refinaria, acarretando-lhe imenso prejuízo.
Se tais condições constassem do documento levado ao Conselho, garante Dilma, "seguramente não seriam aprovadas". Ela também sustenta que, naquele ano, a estatal informou o colegiado da "abertura de procedimento de apuração de prejuízos e responsabilidades". Passados cinco anos, a investigação não tinha começado - se é que havia a intenção de fazê-la -, como a Petrobrás declarou ao Congresso em setembro de 2013, quando o escândalo já mobilizava os políticos. Gabrielli foi ouvido pelo Senado. A sua sucessora, Graça Foster, pela Câmara. Até a confissão de Dilma, eles talvez imaginassem que o caso estava sob controle. Atingidos pelo súbito maremoto que pegou desprevenida a empresa, seus dirigentes foram à forra.
Uma fonte que não quis se identificar disse que a nota causadora do tsunami "foi mais uma bizarrice da Dilma, que não conversa com ninguém e toma decisões à base da veneta". Executivos da estatal, também sob anonimato, chamaram a atenção para um dado que confina a presidente ao proverbial beco sem saída, com desdobramentos políticos ainda imprevisíveis. Eles esclareceram que os membros do Conselho, a começar de sua titular, tinham, por definição, acesso irrestrito à papelada relativa à Refinaria de Pasadena. O processo completo - muito além do mero resumo executivo que teria induzido Dilma a apoiar a operação - poderia ser requisitado.
De duas, uma, portanto. Ou ela deixou de fazer o que lhe competia e que estava ao seu alcance ou o fez e ainda assim deixou a aquisição se consumar. Na primeira hipótese, ela foi omissa, podendo ser acusada de ter cometido, mais do que uma irresponsabilidade, um ato de desídia. Na segunda - equivalente a uma explosão nuclear para a estabilidade política de seu governo -, ela mentiu ao negar que conhecesse as cláusulas lesivas à Petrobrás, omitidas no resumo a que atribui o seu voto. De todo modo, em poucas horas ela aglutinou contra si uma tácita e improvável coligação.
Ela vai de seu padrinho Lula, em cujo primeiro mandato a Petrobrás fez o danoso negócio; o ex e a atual presidente da estatal (Gabrielli, porque o patrocinou; Graça, porque viu ruir o seu esforço junto ao Congresso e ainda foi humilhada por ter a amiga destruído a nota que havia pedido à empresa); a banda do PT pronta a tomar as dores de Gabrielli; os políticos que puseram Cerveró na diretoria internacional da petroleira; aos colegas que acham que ele está sendo transformado em bode expiatório. Ao mesmo tempo, a oposição, com a cumplicidade dos aliados desavindos com Dilma, prepara a CPI de Pasadena, enquanto a Polícia Federal, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público aguçam as vistas para os presumíveis ilícitos da transação: superfaturamento e evasão de divisas.
Mais uma vez, Dilma só tem a culpar a si própria por seus dissabores.
Margem de segurança é estreita para inflação em alta - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 21/03
Por leniência, governo deixou inflação escapar da meta de 4,5%, e agora há pouco espaço para absorver choques como o dos preços de alimentos
Na sua última passagem pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, esta semana, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, repetiu duas vezes que nada condena o Brasil a continuar com uma inflação acima da meta de 4,5%.
Talvez, mas dependerá do governo. Não mais deste, é certo, que se notabiliza por jamais ter mantido a variação dos preços neste nível, até alto se comparado com a inflação de vizinhos — com a exceção dramática da Venezuela e Argentina — e do bloco de economias emergentes em geral. Serão quatro anos em que o melhor resultado foram 4,92%, em junho de 2012, com o agravante de o teto da meta, de perigosos 6,5%, ter sido furado algumas vezes. Como, prevê-se, acontecerá novamente em 2014.
Não sem motivo, a última pesquisa Focus, feita entre analistas do mercado, apontou para uma inflação anual de 6,1% em dezembro. Reconhece-se que, neste início de ano em especial, a pressão dos preços dos alimentos está forte, devido à seca. Mas, se o fenômeno climático explica, não justifica.
As margens na meta de inflação, de dois pontos percentuais para cima e para baixo, serve para a economia absorver choques, sem a necessidade de ações mais firmes da autoridade monetária (o BC). O governo Dilma, entretanto, contaminado pela visão “desenvolvimentista”, nunca assumiu formalmente mas caiu na armadilha de permitir um pouco mais de inflação, para obter um pouco mais de crescimento. Só conseguiu mais inflação.
O BC teve sensibilidade técnica para aproveitar os ventos deflacionistas soprados da crise europeia e jogar os juros internos para impensáveis 7, 25%. Mas, como quase sempre na Era do lulopetismo, o Ministério da Fazenda, sob estrito controle da presidente, não contribuiu com uma política fiscal responsável. E colocou o país em outra arapuca, ao acelerar o consumo sem a contrapartida dos investimentos internos no aumento da capacidade produtiva e na infraestrutura. Os resultados estão aí: déficits externos crescentes e inflação enrijecida nas vizinhanças de 6%, algo muito grave devido à existência, ainda, de mecanismos de indexação automática, o do salário mínimo apenas um deles. E mesmo assim porque o governo joga inflação para debaixo do tapete, ao conter artificialmente tarifas públicas (energia, etc) e combustíveis. É por isso que os preços chamados “livres” têm subido na faixa dos 7,5%/8%.
O BC, até agora, tem feito seu trabalho: voltou a apertar a política monetária,e os juros retornaram aos 10,75% de quando Dilma assumiu. Mas, como não é da índole deste o governo enfrentar para valer a inflação, ainda mais em ano de eleições presidenciais, a letal mistura de preços em alta — mesmo sem descontrole — e baixo crescimento, também reflexo da compreensível desconfiança dos empresários, ficará à espera de quem assumir o Planalto em 1º de janeiro de 2015. Que pode ser a própria Dilma Rousseff, a favorita nas pesquisas. Receberia, assim, a própria “herança maldita”.
Por leniência, governo deixou inflação escapar da meta de 4,5%, e agora há pouco espaço para absorver choques como o dos preços de alimentos
Na sua última passagem pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, esta semana, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, repetiu duas vezes que nada condena o Brasil a continuar com uma inflação acima da meta de 4,5%.
Talvez, mas dependerá do governo. Não mais deste, é certo, que se notabiliza por jamais ter mantido a variação dos preços neste nível, até alto se comparado com a inflação de vizinhos — com a exceção dramática da Venezuela e Argentina — e do bloco de economias emergentes em geral. Serão quatro anos em que o melhor resultado foram 4,92%, em junho de 2012, com o agravante de o teto da meta, de perigosos 6,5%, ter sido furado algumas vezes. Como, prevê-se, acontecerá novamente em 2014.
Não sem motivo, a última pesquisa Focus, feita entre analistas do mercado, apontou para uma inflação anual de 6,1% em dezembro. Reconhece-se que, neste início de ano em especial, a pressão dos preços dos alimentos está forte, devido à seca. Mas, se o fenômeno climático explica, não justifica.
As margens na meta de inflação, de dois pontos percentuais para cima e para baixo, serve para a economia absorver choques, sem a necessidade de ações mais firmes da autoridade monetária (o BC). O governo Dilma, entretanto, contaminado pela visão “desenvolvimentista”, nunca assumiu formalmente mas caiu na armadilha de permitir um pouco mais de inflação, para obter um pouco mais de crescimento. Só conseguiu mais inflação.
O BC teve sensibilidade técnica para aproveitar os ventos deflacionistas soprados da crise europeia e jogar os juros internos para impensáveis 7, 25%. Mas, como quase sempre na Era do lulopetismo, o Ministério da Fazenda, sob estrito controle da presidente, não contribuiu com uma política fiscal responsável. E colocou o país em outra arapuca, ao acelerar o consumo sem a contrapartida dos investimentos internos no aumento da capacidade produtiva e na infraestrutura. Os resultados estão aí: déficits externos crescentes e inflação enrijecida nas vizinhanças de 6%, algo muito grave devido à existência, ainda, de mecanismos de indexação automática, o do salário mínimo apenas um deles. E mesmo assim porque o governo joga inflação para debaixo do tapete, ao conter artificialmente tarifas públicas (energia, etc) e combustíveis. É por isso que os preços chamados “livres” têm subido na faixa dos 7,5%/8%.
O BC, até agora, tem feito seu trabalho: voltou a apertar a política monetária,e os juros retornaram aos 10,75% de quando Dilma assumiu. Mas, como não é da índole deste o governo enfrentar para valer a inflação, ainda mais em ano de eleições presidenciais, a letal mistura de preços em alta — mesmo sem descontrole — e baixo crescimento, também reflexo da compreensível desconfiança dos empresários, ficará à espera de quem assumir o Planalto em 1º de janeiro de 2015. Que pode ser a própria Dilma Rousseff, a favorita nas pesquisas. Receberia, assim, a própria “herança maldita”.
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