O GLOBO - 10/04
Para Gabrielli, o assunto morre aí: Dilma não tinha informação e a compra da Pasadena foi correta
Então, ficamos assim: de todas as pessoas que aprovaram a compra da refinaria de Pasadena, só Dilma Rousseff acha que foi um mau negócio. Mas ela não teve culpa nenhuma nisso, a julgar pelo que disse José Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras à época da compra, em 2006. Mudando versões anteriores, Gabrielli admitiu nesta semana que Dilma, então presidente do Conselho de Administração da estatal, não tinha todas as informações quando aprovou o negócio.
Não seria estranho isso? No mínimo uma falha administrativa e funcional da diretoria da empresa e da própria conselheira?
Não, nada de mais, garante Gabrielli, pois o negócio era bom na época.
Ficamos assim, portanto: quando considerou a compra boa, em 2006, Dilma estava mal informada. Quando tomou conhecimento de novos termos do contrato e passou a achar que o negócio havia sido uma fria, em 2008, Dilma continuava equivocada, pois o negócio havia sido bom, garante Gabrielli.
Nessa versão, a presidente enganou-se duas vezes: na primeira, aprovou um negócio sem informações suficientes; na segunda, desaprovou e condenou abertamente um negócio bom.
Para Gabrielli, o assunto morre aí: Dilma não tinha informação e a compra da Pasadena foi correta.
Não é por nada, não, mas parece que a presidente teria algo a acrescentar. Se fosse tão simples como diz o ex-presidente da Petrobras, por que razão Dilma, já como presidente da República, teria tomado a iniciativa de divulgar nota oficial dizendo que, se tivesse todas as informações na época, não teria aprovado a compra?
Teria sido o terceiro equívoco da presidente? Ou falta dizer alguma coisa?
SÓ?
Na semana passada, o favor que o deputado André Vargas, vice-presidente da Câmara, recebera do amigo Youssef, o doleiro preso, era de uns 200 mil reais — o preço de um aluguel de jatinho no percurso ida e volta Londrina-João Pessoa.
Aí apareceram e-mails e grampos mostrando que as relações entre os dois tinham mais negócios do que um simples voo na faixa.
O ex-presidente Lula disse que Vargas precisa se explicar bem, para que o PT não pague o pato. E acrescentou esperar que tudo não passe de um aluguel de jatinho.
Ressalvou que o jatinho já seria um erro. Quer dizer que ser for isso, é só isso, um erro?
FORA DA LEI
O senador Gim Argello, aspirante a uma vaga de ministro do Tribunal de Contas da União, responde a inquéritos no Supremo Tribunal Federal por peculato, lavagem de dinheiro, crime contra a Lei de Licitações, crime eleitoral e corrupção ativa.
Por isso, auditores e procuradores do TCU lançaram uma campanha para barrar a indicação. Argello respondeu que processo não é sentença e que ele não tem qualquer condenação.
Auditores e procuradores alegaram que ministro do TCU precisa ter reputação ilibada.
O leitor imaginaria que, nessa altura, Argello defendesse sua situação. Mas ele preferiu outro caminho: disse que a exigência de reputação ilibada não está na lei. Assim, qual o problema?
Parece que muitos senadores acham que tem problema, sim.
PORTUGUÊS
Por que a gente lê, estuda e até decora Camões? Para aprender bem a nossa língua — e isso significa ler e entender, pensar, sentir e se expressar, por escrito e oralmente.
Logo, colocar um verso de Camões numa prova do terceiro ano do ensino médio e pedir que o aluno interprete, comente, descubra os sentidos e sentimentos ali expostos, está muito certo.
Se a prova pedisse apenas que o aluno soubesse a sequência de “Alma minha gentil, que te partiste...” — não seria uma boa pergunta, só decoreba, mas, enfim, Camões.
Agora, qual o sentido de pedir que os alunos saibam de cor o verso de Valesca Popozuda “é só tiro, porrada e bomba”? Foi para criar polêmica na imprensa sensacionalista, disse o professor de filosofia que aplicou a prova numa escola pública de Taguatinga.
E os alunos aprenderam o que mais?
TUDO BEM
O FMI, o Banco Mundial, consultorias locais e internacionais, agências de classificação de risco — está todo mundo dizendo que a economia brasileira enfrenta um impasse de crescimento baixo, inflação elevada e tudo isso com juros na lua.
A inflação se aproxima dos 6,5% anuais e as pesquisas mostram que a maioria ampla dos brasileiros acha que a carestia incomoda e que vai piorar. E acha também que o desemprego vai aumentar.
Estão todos enganados, responde o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland. O Brasil está entre os melhores do mundo.
quinta-feira, abril 10, 2014
Pororoca na inflação - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 10/04
Inflação pode subir no telhado da meta em maio, como já o fez em um terço do governo Dilma
A inflação deve furar o teto da meta em maio, a julgar pelas previsões de bancos para a alta de preços no próximo bimestre. Esse novo vexame do governo deve causar alguma pororoca política e alguma algazarra no mundo dos "formadores de opinião", das "elites". Talvez nem isso. A inflação de maio deve ser conhecida poucos dias antes da Copa.
Na prática, os números do bimestre não devem ter impacto maior. Ainda assim, a inflação deste início de ano é o atestado de óbito em vida da política econômica. Na boca do povo, o controle da inflação está para lá de mal falado. Além disso, não há muita diferença entre inflação anual de 6,15%, como agora, e uma de 6,51%, chute-se.
Na política econômica, o IPCA de abril pode incentivar o Banco Central a levar a taxa de juros de 11% para 11,25%, o que também não vai fazer lá grande diferença para a inflação ou para o crescimento, dados o adiantado da hora e os demais estragos na economia.
Pelas projeções, a inflação deve triscar no teto em abril, em 6,4%; em maio, viria o furo no teto, com IPCA anual em 6,6%. Pior ainda que estar quase no teto da meta, um dedo acima ou abaixo, é a inflação estar faz tanto tempo longe da meta oficial, de 4,5% (no entanto, a presidente tem reiterado que a meta é de 6,5%, inadvertidamente ou não).
Que a inflação venha a subir no telhado também não será novidade no país de Dilma Rousseff. O IPCA esteve no teto da meta, 6,5%, ou acima disso durante quase um terço deste governo.
A inflação esteve acima da meta entre abril e novembro de 2011, quando se registrava o primeiro acesso de mau humor popular com a inflação. Esteve riscando o teto e subiu outra vez no telhado entre março e junho de 2013.
Foi então que houve outro repique de ansiedade inflacionária, segundo dados do Datafolha e a onda de piadas sarcásticas sobre a inflação do tomate, causa menorzinha do dilúvio de protestos de junho.
A inflação horrorosa de março não parece prenúncio de nada ainda pior, de "descontrole inflacionário" ou sabe-se lá qual exagero ou eufemismo vão sair da boca ou da pena de críticos e defensores vulgares do governo. Mas o IPCA de março não é também um acidente, um soluço causado pela carestia da comida, causada pelo tempo ruim no Brasil e em vários lugares do mundo, ou pelas exorbitâncias da passagem de avião no Carnaval (imagina na Copa).
Dos preços medidos pelo IBGE, 71% aumentaram. Excluídos os alimentos, quase 72% dos preços restantes subiram. Os aumentos de preços não eram tão disseminados fazia mais de uma década, ao menos.
O núcleo da inflação está em 6,3% nos últimos 12 meses (na média de três medidas do "núcleo". Nessa medida, excluem-se justamente os preços com variação mais extremada e preços como os da comida, variáveis demais).
O resultado prático mais provável dessa inflação renitente e do mau humor popular com a carestia é uma piora extra da administração da economia. Isto é, o governo deve empurrar os reajustes necessários para depois da eleição, legando para 2015 problemas ainda piores do que aqueles que já estão no estoque.
Não vai haver desastre operístico. Apenas uma deterioração lenta, gradual e segura.
Inflação pode subir no telhado da meta em maio, como já o fez em um terço do governo Dilma
A inflação deve furar o teto da meta em maio, a julgar pelas previsões de bancos para a alta de preços no próximo bimestre. Esse novo vexame do governo deve causar alguma pororoca política e alguma algazarra no mundo dos "formadores de opinião", das "elites". Talvez nem isso. A inflação de maio deve ser conhecida poucos dias antes da Copa.
Na prática, os números do bimestre não devem ter impacto maior. Ainda assim, a inflação deste início de ano é o atestado de óbito em vida da política econômica. Na boca do povo, o controle da inflação está para lá de mal falado. Além disso, não há muita diferença entre inflação anual de 6,15%, como agora, e uma de 6,51%, chute-se.
Na política econômica, o IPCA de abril pode incentivar o Banco Central a levar a taxa de juros de 11% para 11,25%, o que também não vai fazer lá grande diferença para a inflação ou para o crescimento, dados o adiantado da hora e os demais estragos na economia.
Pelas projeções, a inflação deve triscar no teto em abril, em 6,4%; em maio, viria o furo no teto, com IPCA anual em 6,6%. Pior ainda que estar quase no teto da meta, um dedo acima ou abaixo, é a inflação estar faz tanto tempo longe da meta oficial, de 4,5% (no entanto, a presidente tem reiterado que a meta é de 6,5%, inadvertidamente ou não).
Que a inflação venha a subir no telhado também não será novidade no país de Dilma Rousseff. O IPCA esteve no teto da meta, 6,5%, ou acima disso durante quase um terço deste governo.
A inflação esteve acima da meta entre abril e novembro de 2011, quando se registrava o primeiro acesso de mau humor popular com a inflação. Esteve riscando o teto e subiu outra vez no telhado entre março e junho de 2013.
Foi então que houve outro repique de ansiedade inflacionária, segundo dados do Datafolha e a onda de piadas sarcásticas sobre a inflação do tomate, causa menorzinha do dilúvio de protestos de junho.
A inflação horrorosa de março não parece prenúncio de nada ainda pior, de "descontrole inflacionário" ou sabe-se lá qual exagero ou eufemismo vão sair da boca ou da pena de críticos e defensores vulgares do governo. Mas o IPCA de março não é também um acidente, um soluço causado pela carestia da comida, causada pelo tempo ruim no Brasil e em vários lugares do mundo, ou pelas exorbitâncias da passagem de avião no Carnaval (imagina na Copa).
Dos preços medidos pelo IBGE, 71% aumentaram. Excluídos os alimentos, quase 72% dos preços restantes subiram. Os aumentos de preços não eram tão disseminados fazia mais de uma década, ao menos.
O núcleo da inflação está em 6,3% nos últimos 12 meses (na média de três medidas do "núcleo". Nessa medida, excluem-se justamente os preços com variação mais extremada e preços como os da comida, variáveis demais).
O resultado prático mais provável dessa inflação renitente e do mau humor popular com a carestia é uma piora extra da administração da economia. Isto é, o governo deve empurrar os reajustes necessários para depois da eleição, legando para 2015 problemas ainda piores do que aqueles que já estão no estoque.
Não vai haver desastre operístico. Apenas uma deterioração lenta, gradual e segura.
A grande confusão no setor elétrico - RIBAMAR OLIVEIRA
VALOR ECONÔMICO - 10/04
Sem nada explicar, governo mudou o que tinha anunciado antes
No dia 4 de abril, a Secretaria do Tesouro Nacional encaminhou o ofício nº 2 COAPI/SUPOF/STN/MF-DF à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), formalizando a intenção de fazer um aporte adicional de R$ 4 bilhões, dos quais R$ 1,2 bilhão seria destinado ao pagamento das despesas com as termelétricas em janeiro de 2014 e os outros R$ 2,8 bilhões destinados às "despesas ordinárias" da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Ou seja, sem qualquer explicação ao público, a STN mudou o que tinha sido anunciado anteriormente pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e pelo próprio secretário do Tesouro, Arno Augustin, durante entrevista coletiva, no dia 13 de março.
Não houve explicação do governo para essa mudança, mas não é difícil entendê-la. O aporte adicional de R$ 2,8 bilhões do Tesouro será utilizado para "despesas ordinárias" da CDE, que são aquelas relacionadas com a indenização dos ativos por ocasião da reversão das concessões, a compensação do efeito decorrente da não adesão à prorrogação das concessões de geração de energia elétrica, a compensação dos descontos tarifários aplicados aos usuários dos serviços públicos de energia, as despesas do programa Luz para Todos e o subsídio da tarifa social, entre outras. Antes, o Tesouro já tinha colocado R$ 9 bilhões para cobrir esses gastos. No total, os recursos do Tesouro neste ano para a CDE pagar "despesas ordinárias" serão de R$ 11,8 bilhões (R$ 9 bilhões mais R$ 2,8 bilhões).
Em fevereiro deste ano, a Aneel estimou todas as receitas e despesas do setor elétrico, considerando o déficit de 2013, concluindo que faltava R$ 5,6 bilhões para fechar as contas de 2014. Este foi o valor encontrado para a quota anual (chamada tecnicamente de "quota CDE") a ser rateada entre as distribuidoras. A Aneel informou que esse valor implicava aumento médio de aproximadamente 4,6% nas tarifas de energia elétrica neste ano para os consumidores finais e os usuários do sistema de distribuição de energia elétrica.
O aumento seria adicional aos reajustes anuais previamente definidos em contratos da Aneel com as distribuidoras, que levam em conta a variação do IGP-M e o impacto do câmbio sobre a energia comprada de Itaipu, entre outros fatores.
Essa proposta da Aneel de aumento adicional de 4,6%, com o respectivo rateio entre as distribuidoras, foi submetida à audiência pública. É importante observar que esse cálculo da Aneel partiu do pressuposto de que não haverá elevação da tarifa de energia elétrica neste ano para começar a repor parte dos R$ 9,8 bilhões gastos pela CDE, com recursos do Tesouro, com o acionamento das termelétricas em 2013. Decreto da presidente Dilma Rousseff havia definido o prazo de cinco anos para que esses recursos fossem recolhidos à CDE por meio de elevação das tarifas dos consumidores. Achava-se, inicialmente, que essa reposição começaria em 2014. O adiamento foi anunciado pela Aneel em fevereiro.
Para evitar esse aumento adicional de 4,6%, o governo decidiu mudar as medidas anunciadas em 13 de março. Dos R$ 4 bilhões que tinha reservado para cobrir os gastos com as térmicas, destinou R$ 2,8 bilhões para reforçar o caixa da CDE. Com o novo aporte do Tesouro e outras alterações em receitas e despesas, o balanço da Aneel resultou na necessidade de R$ 1,6 bilhão para fechar as contas deste ano. Esse é o valor da quota que será rateada com as distribuidoras e resultará em aumento adicional de tarifa aos consumidores em torno de 1% e não mais de 4,6%.
A mudança no jogo foi feita pelo governo, portanto, para evitar uma elevação mais forte das tarifas de energia neste ano, que é de eleições gerais. Mesmo com isso, nesta semana, a Aneel autorizou aumento de 14,24% na conta de luz para os consumidores residenciais da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), que atende 7,7 milhões de residências. O reajuste para os clientes residenciais da CPFL Paulista, que atende 3,9 milhões de consumidores, foi de 16,46%. Os reajustes das demais distribuidoras ocorrerão ao longo deste ano e todos serão na casa de dois dígitos.
O custo pelo acionamento das térmicas em 2013 e 2014 será coberto, portanto, pelo aumento das tarifas em 2015 e nos anos seguintes. Há, no entanto, uma questão extremamente séria que precisa ser considerada nesta equação. A escassez de chuvas, bem abaixo da média histórica, e a decisão do governo de não adotar medidas de diminuição do consumo, mesmo que para estimular a redução voluntária do consumo, pode deixar os reservatórios em níveis excessivamente baixos.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) admitiu, em reunião com associações do setor, que o seu cenário padrão para este ano contemplava a queda dos reservatórios nas regiões Sudeste e Centro-Oeste para 15,5% da capacidade. Se isto vier a ocorrer será o menor nível já registrado na história e muito perto do que os técnicos do setor definem como "operação kamikaze" - quando se chega a níveis próximos de 10% da capacidade é preciso mais água para mover as turbinas e gerar a mesma quantidade de energia.
Com isso, a operação do sistema fica mais vulnerável a blecautes imprevistos e prolongados. Este quadro projeta também para 2015 a necessidade de manter as termelétricas ligadas a plena carga, permanentemente, com novos custos bilionários a serem repassados aos consumidores.
Cuidado, Brasil - RAUL VELLOSO
O Estado de S.Paulo - 10/04
A atual situação da Argentina, caracterizada por crescente deterioração das contas públicas, inflação em alta, forte fuga de capitais e drástica queda de reservas externas, combina todos os elementos de uma enfermidade muito grave. A esses problemas se somam, ainda, uma intensa crise energética e déficits no balanço de pagamentos que, mesmo inferiores aos do Brasil, enfrentam um quadro de financiamento externo quase nulo.
Até recentemente, o País crescia a "taxas chinesas", impulsionadas pela bonança externa das commodities. O ponto de inflexão foi 2007, ano da chegada de Cristina Kirchner ao poder, quando o crescimento do gasto público, muito superior ao da arrecadação, praticamente eliminou os superávits primários obtidos nos anos anteriores. Ante a perspectiva de uma inflação na casa dos 20% ao ano, o governo recorreu ao controle de preços e à adulteração das estatísticas oficiais.
A despesa pública não parou mais de crescer, principalmente pela expansão dos subsídios à energia e ao transporte público, que permaneceram congelados ou com preços fixados abaixo dos custos. Hoje, esses subsídios atingem 5% do PIB e são em grande parte responsáveis pela geração de déficits primários acima de 4% do PIB.
As baixas tarifas de energia, resultantes de intervenções nos preços e subsídios, além de incentivar o consumo, levaram a uma situação de altíssimo risco no setor, com falta de investimentos, ocorrendo falhas frequentes no sistema elétrico, que se traduziram nos múltiplos apagões observados no último verão em Buenos Aires.
Situação similar é observada no segmento de petróleo e gás, em que as distorções de preços e o baixo investimento em pesquisa e exploração se somam ao estímulo ao consumo de veículos. O aumento na demanda e a queda na produção tiveram de ser compensados por importações cada vez maiores de gás natural e petróleo, com fortes impactos negativos nas contas externas.
Quando a gastança não pôde mais ser financiada pelo aumento da arrecadação, foram expropriados os recursos do sistema de fundos privados de aposentadorias, e o Banco Central vem sendo crescentemente utilizado como "caixa" do governo para cobrir os buracos do Tesouro.
O descaso com a inflação, o intervencionismo sem limites nos mercados, a piora no balanço de pagamentos e a situação fiscal cada vez mais frágil levaram a uma enorme perda de confiança, observada não só na queda do investimento, mas, muito mais preocupante no curto prazo, na enorme fuga de capitais e na galopante perda de reservas internacionais, que caíram pela metade nos últimos dois anos.
A maxidesvalorização do peso, o aumento da taxa de juros e o corte de alguns subsídios, de safra mais recente, não representam uma virada na política econômica, uma vez que permanecem basicamente intactos os controles de preços e o descontrole fiscal. A sua motivação básica parece ter sido a de estancar a sangria das reservas, a fim de evitar o colapso das contas externas, que deterioraria fortemente a situação política até o fim do mandato da atual presidente, em 2015.
Embora distante de uma situação de crise aguda, o Brasil se aproxima das eleições de 2014 com a casa em relativa desordem, afetada por elementos muito parecidos com os de nossos vizinhos: superávits fiscais em queda, populismo tarifário e consequente aumento dos subsídios públicos, inflação em alta, economia em desaceleração, déficits externos elevados, crise de energia, etc. Outro ponto em comum é a popularidade do governo em queda, com o risco de recorrer a remédios menos dolorosos, mas de efeito apenas temporário. A bomba estouraria, obviamente, em 2015.
Para mais detalhes, diante do grave momento vivido no Cone Sul, resolvi, com colegas daqui e de lá, apresentar ao Fórum Nacional do Inae, em 26 de maio, um livro contendo análise aprofundada do caso argentino e algumas lições para o difícil momento que vivemos. Uma versão preliminar estará disponível em breve em www.raulvelloso.com.br.
A atual situação da Argentina, caracterizada por crescente deterioração das contas públicas, inflação em alta, forte fuga de capitais e drástica queda de reservas externas, combina todos os elementos de uma enfermidade muito grave. A esses problemas se somam, ainda, uma intensa crise energética e déficits no balanço de pagamentos que, mesmo inferiores aos do Brasil, enfrentam um quadro de financiamento externo quase nulo.
Até recentemente, o País crescia a "taxas chinesas", impulsionadas pela bonança externa das commodities. O ponto de inflexão foi 2007, ano da chegada de Cristina Kirchner ao poder, quando o crescimento do gasto público, muito superior ao da arrecadação, praticamente eliminou os superávits primários obtidos nos anos anteriores. Ante a perspectiva de uma inflação na casa dos 20% ao ano, o governo recorreu ao controle de preços e à adulteração das estatísticas oficiais.
A despesa pública não parou mais de crescer, principalmente pela expansão dos subsídios à energia e ao transporte público, que permaneceram congelados ou com preços fixados abaixo dos custos. Hoje, esses subsídios atingem 5% do PIB e são em grande parte responsáveis pela geração de déficits primários acima de 4% do PIB.
As baixas tarifas de energia, resultantes de intervenções nos preços e subsídios, além de incentivar o consumo, levaram a uma situação de altíssimo risco no setor, com falta de investimentos, ocorrendo falhas frequentes no sistema elétrico, que se traduziram nos múltiplos apagões observados no último verão em Buenos Aires.
Situação similar é observada no segmento de petróleo e gás, em que as distorções de preços e o baixo investimento em pesquisa e exploração se somam ao estímulo ao consumo de veículos. O aumento na demanda e a queda na produção tiveram de ser compensados por importações cada vez maiores de gás natural e petróleo, com fortes impactos negativos nas contas externas.
Quando a gastança não pôde mais ser financiada pelo aumento da arrecadação, foram expropriados os recursos do sistema de fundos privados de aposentadorias, e o Banco Central vem sendo crescentemente utilizado como "caixa" do governo para cobrir os buracos do Tesouro.
O descaso com a inflação, o intervencionismo sem limites nos mercados, a piora no balanço de pagamentos e a situação fiscal cada vez mais frágil levaram a uma enorme perda de confiança, observada não só na queda do investimento, mas, muito mais preocupante no curto prazo, na enorme fuga de capitais e na galopante perda de reservas internacionais, que caíram pela metade nos últimos dois anos.
A maxidesvalorização do peso, o aumento da taxa de juros e o corte de alguns subsídios, de safra mais recente, não representam uma virada na política econômica, uma vez que permanecem basicamente intactos os controles de preços e o descontrole fiscal. A sua motivação básica parece ter sido a de estancar a sangria das reservas, a fim de evitar o colapso das contas externas, que deterioraria fortemente a situação política até o fim do mandato da atual presidente, em 2015.
Embora distante de uma situação de crise aguda, o Brasil se aproxima das eleições de 2014 com a casa em relativa desordem, afetada por elementos muito parecidos com os de nossos vizinhos: superávits fiscais em queda, populismo tarifário e consequente aumento dos subsídios públicos, inflação em alta, economia em desaceleração, déficits externos elevados, crise de energia, etc. Outro ponto em comum é a popularidade do governo em queda, com o risco de recorrer a remédios menos dolorosos, mas de efeito apenas temporário. A bomba estouraria, obviamente, em 2015.
Para mais detalhes, diante do grave momento vivido no Cone Sul, resolvi, com colegas daqui e de lá, apresentar ao Fórum Nacional do Inae, em 26 de maio, um livro contendo análise aprofundada do caso argentino e algumas lições para o difícil momento que vivemos. Uma versão preliminar estará disponível em breve em www.raulvelloso.com.br.
Inflação no debate eleitoral - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 10/04
A inflação de março surpreendeu e assustou. Os economistas têm a má fama de pessimistas. Desta vez, a realidade os superou. O número 0,92% de março foi ainda pior porque o que mais subiu foi o item comida dentro de casa, que inclui os preços mais visíveis. As projeções mostram que a taxa estará acima do teto da meta nos meses mais intensos do debate eleitoral.
O economista e professor da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha projeta para abril uma in- flação também alta, de 0,85%, porque os remédios aumentaram, os alimentos continuam em alta, e alguns deles pesam bastante no índice, como carne e leite. O aumento da energia que entrará no IPCA será apenas o da Cemig, porque o da Cesp é do interior de São Paulo. Ainda assim, é mais um peso. A inflação no acumulado de 12 meses encostaria no teto da meta, se isso se confirmar.
No ano passado, a inflação ficou baixa de maio a agosto. Nessa sequência: 0,37%; 0,26%; 0,03% e 0,24%. Foi um refresco no meio do ano depois de um início pesado com a inflação de alimentos disparando. Pode acontecer isso agora de novo?
— Não acredito, porque exatamente em 2013 houve aumento forte nos quatro primeiros meses do ano. Em 2014, a dinâmica está diferente. A taxa mensal vai se reduzir, mas se ela for de 0,35%, em média, nos quatro meses, a inflação em 12 meses será de 7% em agosto. Se ficar, no melhor cenário, em 0,3%, em média mensal, chegará a agosto em 6,79% — diz Roberto Cunha.
A economista Monica de Bolle também acredita que até o meio do ano a inflação superará o teto da meta. O que coloca o Banco Central numa situação difícil, porque ele deu sinal, ao fim da última reunião do Comitê de Política Monetária, que pensa em parar o período de elevação das taxas. Poderá parar com o índice ameaçando furar o limite permitido pelo regime de metas? Hoje será divulgada a ata da última reunião.
— O que aconteceu foi que a inflação tem se mantido alta por muito tempo e quando isso acontece qualquer choque eleva a taxa e ela sai dos trilhos. O número do IPCA de março mudou o cenário para o ano. Há alguns meses, a avaliação mais comum era que a eleição ocorreria numa conjuntura de desemprego baixo e inflação alta, mas em um nível que não provocaria maiores debates. O grande problema é que os preços represados (de combustíveis e energia) têm um efeito horroroso porque todos pensam: em algum momento esses preços vão subir — diz Monica.
Essa elevação da taxa é coisa nossa. A economia internacional está até ajudando, segundo Monica:
— O mundo está numa conjuntura deflacionária; não há inflação vindo da China e nos países desenvolvidos a preocupação é com a taxa baixa demais. O cenário é benigno.
O Brasil, como sabem os mais velhos, já viu índices muito maiores. Por que se preocupar com uma taxa de 0,92% num mês? A resposta é simples. O país rompeu com aquele passado e hoje é muito menos tolerante com a alta de preços. Acima de 6%, em 12 meses, o desconforto econômico é forte. E isso costuma levar o consumidor a querer do governo uma resposta convincente. O congelamento de algumas tarifas não é resposta convincente.
Em algumas cidades, os números de ontem foram piores. No Rio de Janeiro, foi de 1,28%, chegando a incríveis 7,87% em 12 meses. A inflação dos alimentos dentro do domicílio ficou em 2,43%. Em Porto Alegre, os preços dos alimentos consumidos em casa subiram 4,21%; em Curitiba, 3,52%. Isso tira o humor de qualquer consumidor.
Com o país mais sensível à elevação dos preços, a inflação acabará sendo um item da campanha. O governo certamente usará os truques de fazer um gráfico com um ponto de corte que o favoreça. Ajudará pouco. O que vale é o que o consumidor sente no bolso.
A inflação de março surpreendeu e assustou. Os economistas têm a má fama de pessimistas. Desta vez, a realidade os superou. O número 0,92% de março foi ainda pior porque o que mais subiu foi o item comida dentro de casa, que inclui os preços mais visíveis. As projeções mostram que a taxa estará acima do teto da meta nos meses mais intensos do debate eleitoral.
O economista e professor da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha projeta para abril uma in- flação também alta, de 0,85%, porque os remédios aumentaram, os alimentos continuam em alta, e alguns deles pesam bastante no índice, como carne e leite. O aumento da energia que entrará no IPCA será apenas o da Cemig, porque o da Cesp é do interior de São Paulo. Ainda assim, é mais um peso. A inflação no acumulado de 12 meses encostaria no teto da meta, se isso se confirmar.
No ano passado, a inflação ficou baixa de maio a agosto. Nessa sequência: 0,37%; 0,26%; 0,03% e 0,24%. Foi um refresco no meio do ano depois de um início pesado com a inflação de alimentos disparando. Pode acontecer isso agora de novo?
— Não acredito, porque exatamente em 2013 houve aumento forte nos quatro primeiros meses do ano. Em 2014, a dinâmica está diferente. A taxa mensal vai se reduzir, mas se ela for de 0,35%, em média, nos quatro meses, a inflação em 12 meses será de 7% em agosto. Se ficar, no melhor cenário, em 0,3%, em média mensal, chegará a agosto em 6,79% — diz Roberto Cunha.
A economista Monica de Bolle também acredita que até o meio do ano a inflação superará o teto da meta. O que coloca o Banco Central numa situação difícil, porque ele deu sinal, ao fim da última reunião do Comitê de Política Monetária, que pensa em parar o período de elevação das taxas. Poderá parar com o índice ameaçando furar o limite permitido pelo regime de metas? Hoje será divulgada a ata da última reunião.
— O que aconteceu foi que a inflação tem se mantido alta por muito tempo e quando isso acontece qualquer choque eleva a taxa e ela sai dos trilhos. O número do IPCA de março mudou o cenário para o ano. Há alguns meses, a avaliação mais comum era que a eleição ocorreria numa conjuntura de desemprego baixo e inflação alta, mas em um nível que não provocaria maiores debates. O grande problema é que os preços represados (de combustíveis e energia) têm um efeito horroroso porque todos pensam: em algum momento esses preços vão subir — diz Monica.
Essa elevação da taxa é coisa nossa. A economia internacional está até ajudando, segundo Monica:
— O mundo está numa conjuntura deflacionária; não há inflação vindo da China e nos países desenvolvidos a preocupação é com a taxa baixa demais. O cenário é benigno.
O Brasil, como sabem os mais velhos, já viu índices muito maiores. Por que se preocupar com uma taxa de 0,92% num mês? A resposta é simples. O país rompeu com aquele passado e hoje é muito menos tolerante com a alta de preços. Acima de 6%, em 12 meses, o desconforto econômico é forte. E isso costuma levar o consumidor a querer do governo uma resposta convincente. O congelamento de algumas tarifas não é resposta convincente.
Em algumas cidades, os números de ontem foram piores. No Rio de Janeiro, foi de 1,28%, chegando a incríveis 7,87% em 12 meses. A inflação dos alimentos dentro do domicílio ficou em 2,43%. Em Porto Alegre, os preços dos alimentos consumidos em casa subiram 4,21%; em Curitiba, 3,52%. Isso tira o humor de qualquer consumidor.
Com o país mais sensível à elevação dos preços, a inflação acabará sendo um item da campanha. O governo certamente usará os truques de fazer um gráfico com um ponto de corte que o favoreça. Ajudará pouco. O que vale é o que o consumidor sente no bolso.
Perto do transbordamento - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 10/04
Desculpas não faltarão, mas serão esfarrapadas. Nada justifica esse nível de inflação tão alto, em dobradinha com o crescimento do PIB tão fraco.
O avanço do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o medidor oficial para efeito de definição dos juros e da meta de inflação, foi de 0,92% em março (em relação a fevereiro), o mais alto para o mês de março desde 2003.
Em 12 meses, atingiu 6,15% (veja o gráfico). Se alcançar 0,88% em abril, como alguns analistas começam a admitir, em 12 meses a inflação transbordará o teto da meta (6,5%) e acima desse teto quase inevitavelmente ficará, pelo menos até agosto.
A conversa de que a economia enfrenta um choque de oferta de alimentos em consequência da seca é apenas um pedacinho da verdade. Em março, nada menos que 71,0% dos preços que compõem a cesta de consumo sofreram elevação (índice de difusão), mesmo não tendo nada a ver com alimentos.
A escalada é essa que estamos vendo porque a demanda sanciona as remarcações. É só conferir as listas de preços dos restaurantes e em quase toda a área de serviços, mesmo onde não há choque de oferta. Até os preços médios da gasolina subiram 0,67% em março. E não houve reajuste dos combustíveis na ponta da refinaria. O aumento de 26,5% nas passagens aéreas, por exemplo, nada tem a ver com choques de oferta. O consumidor aceita as remarcações, às vezes reclama, mas para por aí.
Em outras palavras, a inflação é o resultado da política econômica. O governo gasta demais e cria demanda. Até mesmo o represamento dos preços administrados, como os da energia elétrica e dos combustíveis, produz inflação em outras áreas porque está todo mundo sabendo que o governo prepara uma paulada para depois das eleições. Por conta disso, os formadores de preços vão se defendendo desde já com remarcações. Em 12 meses, a alta dos serviços, por exemplo, foi de 9,09%. Em março, os preços livres subiram 1,2% e os administrados, que dependem de aprovação prévia do governo, recuaram 0,02%. (Veja, ainda, o Confira.) Embora discretamente, o Banco Central já denunciou as consequências ruins desse represamento.
Neste momento, as quatro únicas respostas do governo Dilma contra a inflação são: a alta dos juros promovida pela política monetária; a retranca dos preços administrados; a baixa do dólar (âncora cambial); e a promessa de que fará um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 1,9% do PIB. É decididamente pouco, diante do forte avanço das despesas públicas, da fúria da indexação e da relativa escassez de mão de obra, que aumenta os custos de produção.
O Banco Central vai seguir no seu pinga-pinga, sabe-se lá até quando e com que eficácia. E o resto do governo não pretende passar nenhuma conta da alta de preços para a população, porque elegeu como prioridade número um a criação de clima propício para as eleições.
Isso quer dizer que um contra-ataque para valer só acontecerá antes de outubro se a própria inflação ameaçar os planos eleitorais do governo. Não parece ser a percepção atual.
Desculpas não faltarão, mas serão esfarrapadas. Nada justifica esse nível de inflação tão alto, em dobradinha com o crescimento do PIB tão fraco.
O avanço do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o medidor oficial para efeito de definição dos juros e da meta de inflação, foi de 0,92% em março (em relação a fevereiro), o mais alto para o mês de março desde 2003.
Em 12 meses, atingiu 6,15% (veja o gráfico). Se alcançar 0,88% em abril, como alguns analistas começam a admitir, em 12 meses a inflação transbordará o teto da meta (6,5%) e acima desse teto quase inevitavelmente ficará, pelo menos até agosto.
A conversa de que a economia enfrenta um choque de oferta de alimentos em consequência da seca é apenas um pedacinho da verdade. Em março, nada menos que 71,0% dos preços que compõem a cesta de consumo sofreram elevação (índice de difusão), mesmo não tendo nada a ver com alimentos.
A escalada é essa que estamos vendo porque a demanda sanciona as remarcações. É só conferir as listas de preços dos restaurantes e em quase toda a área de serviços, mesmo onde não há choque de oferta. Até os preços médios da gasolina subiram 0,67% em março. E não houve reajuste dos combustíveis na ponta da refinaria. O aumento de 26,5% nas passagens aéreas, por exemplo, nada tem a ver com choques de oferta. O consumidor aceita as remarcações, às vezes reclama, mas para por aí.
Em outras palavras, a inflação é o resultado da política econômica. O governo gasta demais e cria demanda. Até mesmo o represamento dos preços administrados, como os da energia elétrica e dos combustíveis, produz inflação em outras áreas porque está todo mundo sabendo que o governo prepara uma paulada para depois das eleições. Por conta disso, os formadores de preços vão se defendendo desde já com remarcações. Em 12 meses, a alta dos serviços, por exemplo, foi de 9,09%. Em março, os preços livres subiram 1,2% e os administrados, que dependem de aprovação prévia do governo, recuaram 0,02%. (Veja, ainda, o Confira.) Embora discretamente, o Banco Central já denunciou as consequências ruins desse represamento.
Neste momento, as quatro únicas respostas do governo Dilma contra a inflação são: a alta dos juros promovida pela política monetária; a retranca dos preços administrados; a baixa do dólar (âncora cambial); e a promessa de que fará um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 1,9% do PIB. É decididamente pouco, diante do forte avanço das despesas públicas, da fúria da indexação e da relativa escassez de mão de obra, que aumenta os custos de produção.
O Banco Central vai seguir no seu pinga-pinga, sabe-se lá até quando e com que eficácia. E o resto do governo não pretende passar nenhuma conta da alta de preços para a população, porque elegeu como prioridade número um a criação de clima propício para as eleições.
Isso quer dizer que um contra-ataque para valer só acontecerá antes de outubro se a própria inflação ameaçar os planos eleitorais do governo. Não parece ser a percepção atual.
Gasto público irracional - JOSÉ AGRIPINO
FOLHA DE SP - 10/04
Rejeitada, a PEC que tornava mais rigorosa a criação de órgãos públicos no país seria uma interdição a novas despesas sem fundamento
O governo federal acaba de rejeitar oportunidade única de sinalizar aos mercados e à sociedade de que está de fato comprometido com a diminuição dos gastos públicos.
No dia 26 de março, cumprindo uma determinação do Palácio do Planalto, o Senado deixou de aprovar a PEC (proposta de emenda constitucional) 34/2013, que tornava mais rigorosa a criação de estatais, ministérios e órgãos públicos no país. Seria uma interdição a novas despesas sem fundamento.
A emenda foi rejeitada na mesma semana em que a agência de classificação Standard & Poors rebaixou a nota de risco do Brasil devido à -entre outras razões- suspeita de irresponsabilidade fiscal da equipe econômica. Era também o momento em que o país descobria, atônito, uma série de desmandos em nossa maior estatal, a Petrobras.
A PEC propunha que a criação de empresas estatais, autarquias ou ministérios não fosse mais possível por decreto, medida provisória, ou lei ordinária, como hoje acontece. Novos órgãos só poderiam ser criados por lei complementar, que exige o voto de 41 senadores e 257 deputados federais.
Com o apoio do PMDB e mesmo do PT, a medida foi aprovada por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Submetida ao plenário, foi surpreendentemente derrotada pelo voto dos que resolveram seguir as ordens do Planalto.
O que poderíamos evitar com a PEC? Que se repetissem os abusos que ocorreram nos últimos 12 anos: fundaram-se 43 empresas ou autarquias novas, além de 18 ministérios, que ainda não disseram a que vieram além da barganha política com a distribuição de cargos. São estruturas que servem para gastar dinheiro público e levar o Brasil a perder pontos nas avaliações de risco.
A inépcia de gestão tem ameaçado vários pilares da economia brasileira. Entre as diversas razões que a S&P apontou para rebaixar a nota do país de BBB para BBB- estão o medíocre crescimento do PIB, com média inferior à da América Latina e dos países emergentes; a baixa taxa de investimento; a vulnerabilidade externa; e a fragilidade fiscal.
Na questão fiscal, inclusive, é onde a S&P faz os mais severos questionamentos. Mesmo com uma gigantesca carga tributária, em torno de 36% do PIB, os superávits primários alcançados pelo governo já não têm sido suficientes para coibir o crescimento da dívida interna, que pode chegar ao final deste ano a R$ 2,3 trilhões. Com a taxa de juros de 11% que o Brasil pratica para combater a inflação, o serviço da dívida é absolutamente insuportável. Se a relação dívida/PIB ainda não é alarmante, o custo para administrar essa dívida já o é.
E some-se isso ao fato de que as metas de superavit são cumpridas à base da famosa contabilidade criativa, que tira a credibilidade do Brasil perante os credores internacionais e o mercado financeiro.
Um dos resultados desse descontrole é que o Brasil, antes accessível, transformou-se num país caro. Para se ter uma ideia, em 2013, apesar da taxa de câmbio ter se elevado 15%, o volume de gastos de brasileiros no exterior aumentou em 14%. Nossos turistas gastaram US$ 25,3 bilhões lá fora e os estrangeiros deixaram aqui somente US$ 6,7 bilhões. Deficit de US$ 18,6 bilhões: mesmo com o dólar alto, ainda vale a pena viajar só para comprar.
Tudo isso gera desconfiança. Quem tem capital parou de investir: ou está aplicando no mercado financeiro ou mandando para o exterior.
Exatamente para conter o deficit público era fundamental aprovar a PEC. Pelo menos criaríamos expectativa e o governo do Brasil poderia sinalizar um caminho de austeridade e progresso.
Mas a proposta foi derrubada. Uma prova de que o Planalto, mesmo com a nota rebaixada, insiste em não racionalizar a qualidade do gasto público. Ou seja, erra e insiste no erro. Daqui a pouco estaremos fora do grau de investimento. Aí a vaca vai pro brejo.
O governo federal acaba de rejeitar oportunidade única de sinalizar aos mercados e à sociedade de que está de fato comprometido com a diminuição dos gastos públicos.
No dia 26 de março, cumprindo uma determinação do Palácio do Planalto, o Senado deixou de aprovar a PEC (proposta de emenda constitucional) 34/2013, que tornava mais rigorosa a criação de estatais, ministérios e órgãos públicos no país. Seria uma interdição a novas despesas sem fundamento.
A emenda foi rejeitada na mesma semana em que a agência de classificação Standard & Poors rebaixou a nota de risco do Brasil devido à -entre outras razões- suspeita de irresponsabilidade fiscal da equipe econômica. Era também o momento em que o país descobria, atônito, uma série de desmandos em nossa maior estatal, a Petrobras.
A PEC propunha que a criação de empresas estatais, autarquias ou ministérios não fosse mais possível por decreto, medida provisória, ou lei ordinária, como hoje acontece. Novos órgãos só poderiam ser criados por lei complementar, que exige o voto de 41 senadores e 257 deputados federais.
Com o apoio do PMDB e mesmo do PT, a medida foi aprovada por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Submetida ao plenário, foi surpreendentemente derrotada pelo voto dos que resolveram seguir as ordens do Planalto.
O que poderíamos evitar com a PEC? Que se repetissem os abusos que ocorreram nos últimos 12 anos: fundaram-se 43 empresas ou autarquias novas, além de 18 ministérios, que ainda não disseram a que vieram além da barganha política com a distribuição de cargos. São estruturas que servem para gastar dinheiro público e levar o Brasil a perder pontos nas avaliações de risco.
A inépcia de gestão tem ameaçado vários pilares da economia brasileira. Entre as diversas razões que a S&P apontou para rebaixar a nota do país de BBB para BBB- estão o medíocre crescimento do PIB, com média inferior à da América Latina e dos países emergentes; a baixa taxa de investimento; a vulnerabilidade externa; e a fragilidade fiscal.
Na questão fiscal, inclusive, é onde a S&P faz os mais severos questionamentos. Mesmo com uma gigantesca carga tributária, em torno de 36% do PIB, os superávits primários alcançados pelo governo já não têm sido suficientes para coibir o crescimento da dívida interna, que pode chegar ao final deste ano a R$ 2,3 trilhões. Com a taxa de juros de 11% que o Brasil pratica para combater a inflação, o serviço da dívida é absolutamente insuportável. Se a relação dívida/PIB ainda não é alarmante, o custo para administrar essa dívida já o é.
E some-se isso ao fato de que as metas de superavit são cumpridas à base da famosa contabilidade criativa, que tira a credibilidade do Brasil perante os credores internacionais e o mercado financeiro.
Um dos resultados desse descontrole é que o Brasil, antes accessível, transformou-se num país caro. Para se ter uma ideia, em 2013, apesar da taxa de câmbio ter se elevado 15%, o volume de gastos de brasileiros no exterior aumentou em 14%. Nossos turistas gastaram US$ 25,3 bilhões lá fora e os estrangeiros deixaram aqui somente US$ 6,7 bilhões. Deficit de US$ 18,6 bilhões: mesmo com o dólar alto, ainda vale a pena viajar só para comprar.
Tudo isso gera desconfiança. Quem tem capital parou de investir: ou está aplicando no mercado financeiro ou mandando para o exterior.
Exatamente para conter o deficit público era fundamental aprovar a PEC. Pelo menos criaríamos expectativa e o governo do Brasil poderia sinalizar um caminho de austeridade e progresso.
Mas a proposta foi derrubada. Uma prova de que o Planalto, mesmo com a nota rebaixada, insiste em não racionalizar a qualidade do gasto público. Ou seja, erra e insiste no erro. Daqui a pouco estaremos fora do grau de investimento. Aí a vaca vai pro brejo.
A frustração dos israelenses - OSIAS WURMAN
O GLOBO - 10/04
A pergunta que não cala: estão os palestinos verdadeira e sinceramente com vontade de atingir a paz com Israel?
O texto de Rasheed Abou-Alsamh “A frustração dos palestinos”, publicado no GLOBO, no dia 4 de abril de 2014, reflete, lamentavelmente, o extremismo de alguns setores anti-israelenses. Utilizar expressões como “nazistas” ou “apartheid” é totalmente repugnante e inaceitável, e seu único objetivo é dar continuidade ao cultivo do ódio, incitando à violência e ao enfrentamento.
O Estado de Israel é a única e verdadeira democracia no Oriente Médio. Parece-nos que, cada vez que os palestinos chegam a uma encruzilhada, onde é necessário tomar decisões importantes e, muitas vezes, difíceis, eles preferem dar um passo para trás e deixar passar mais uma oportunidade de alcançar um acordo com Israel.
Nos idos de Yasser Arafat, que precedeu Mahmoud Abbas na presidência da Autoridade Palestina, analistas internacionais especializados nos temas do Oriente Médio diziam que “Arafat nunca perdeu a chance de perder uma chance”.
Assim foi, com governos israelenses de tendência política de direita e de esquerda. Os palestinos viveram o período anterior a 1967, quando não existiam assentamentos, e Jerusalém Oriental, bem como a Cisjordânia, era ocupada pela Jordânia, e nunca desejaram encontrar uma paz verdadeira com Israel, usando os argumentos que estavam “na moda” à época.
Desta vez, quando estávamos a ponto de avançar em uma etapa das conversações de paz, os palestinos decidiram abandonar o diálogo pelo caminho das decisões unilaterais, conduzindo assuntos através da ONU.
As pesquisas de opinião sempre demonstraram amplamente que o povo de Israel quer a paz. O governo de Israel busca a paz. Israel demonstra agora, como já mostrou muitas vezes no passado, abertura, flexibilidade e disposição para fazer muitas concessões objetivando à paz. Porém, como sabemos, para isso, são necessárias abertura e flexibilidade da parte palestina também.
A pergunta que não cala: estão os palestinos verdadeira e sinceramente com vontade de atingir a paz com Israel? Estão eles abertos a reconhecer Israel como o lar nacional do povo judeu? Estarão dispostos a deixar, definitivamente, o caminho da violência e do terrorismo?
A tendência refletida no artigo de Rasheed Abou-Alsamh, que lança todas as culpas da situação dos palestinos contra Israel, e terceiros, precisa ter um fim.
Vale lembrar que hoje os palestinos de fato têm dois Estados: um da Autoridade Palestina, liderado por Mahmoud Abbas, e outro na Faixa de Gaza, controlada pelo grupo terrorista Hamas. Está na hora de os palestinos começarem a pensar em termos de paz e de convivência pacífica e que, de uma vez por todas, deixem para trás a cultura de ódio e de ressentimento contra tudo e todos. É importante repetir que Israel quer a paz. Israel busca a paz. Israel está disposto a fazer muitos sacrifícios para chegar à paz.
Irão deixar os palestinos passar mais esta nova chance?
A pergunta que não cala: estão os palestinos verdadeira e sinceramente com vontade de atingir a paz com Israel?
O texto de Rasheed Abou-Alsamh “A frustração dos palestinos”, publicado no GLOBO, no dia 4 de abril de 2014, reflete, lamentavelmente, o extremismo de alguns setores anti-israelenses. Utilizar expressões como “nazistas” ou “apartheid” é totalmente repugnante e inaceitável, e seu único objetivo é dar continuidade ao cultivo do ódio, incitando à violência e ao enfrentamento.
O Estado de Israel é a única e verdadeira democracia no Oriente Médio. Parece-nos que, cada vez que os palestinos chegam a uma encruzilhada, onde é necessário tomar decisões importantes e, muitas vezes, difíceis, eles preferem dar um passo para trás e deixar passar mais uma oportunidade de alcançar um acordo com Israel.
Nos idos de Yasser Arafat, que precedeu Mahmoud Abbas na presidência da Autoridade Palestina, analistas internacionais especializados nos temas do Oriente Médio diziam que “Arafat nunca perdeu a chance de perder uma chance”.
Assim foi, com governos israelenses de tendência política de direita e de esquerda. Os palestinos viveram o período anterior a 1967, quando não existiam assentamentos, e Jerusalém Oriental, bem como a Cisjordânia, era ocupada pela Jordânia, e nunca desejaram encontrar uma paz verdadeira com Israel, usando os argumentos que estavam “na moda” à época.
Desta vez, quando estávamos a ponto de avançar em uma etapa das conversações de paz, os palestinos decidiram abandonar o diálogo pelo caminho das decisões unilaterais, conduzindo assuntos através da ONU.
As pesquisas de opinião sempre demonstraram amplamente que o povo de Israel quer a paz. O governo de Israel busca a paz. Israel demonstra agora, como já mostrou muitas vezes no passado, abertura, flexibilidade e disposição para fazer muitas concessões objetivando à paz. Porém, como sabemos, para isso, são necessárias abertura e flexibilidade da parte palestina também.
A pergunta que não cala: estão os palestinos verdadeira e sinceramente com vontade de atingir a paz com Israel? Estão eles abertos a reconhecer Israel como o lar nacional do povo judeu? Estarão dispostos a deixar, definitivamente, o caminho da violência e do terrorismo?
A tendência refletida no artigo de Rasheed Abou-Alsamh, que lança todas as culpas da situação dos palestinos contra Israel, e terceiros, precisa ter um fim.
Vale lembrar que hoje os palestinos de fato têm dois Estados: um da Autoridade Palestina, liderado por Mahmoud Abbas, e outro na Faixa de Gaza, controlada pelo grupo terrorista Hamas. Está na hora de os palestinos começarem a pensar em termos de paz e de convivência pacífica e que, de uma vez por todas, deixem para trás a cultura de ódio e de ressentimento contra tudo e todos. É importante repetir que Israel quer a paz. Israel busca a paz. Israel está disposto a fazer muitos sacrifícios para chegar à paz.
Irão deixar os palestinos passar mais esta nova chance?
Um por todos, todos por um - DEMÉTRIO MAGNOLI
O GLOBO - 10/04
De volta ao passado: os EUA deslocaram 12 caças F-16 para a Polônia e 10 caças F-15 para os países bálticos, aos quais se juntarão 4 Typhoons britânicos. Depois do longo parênteses do Afeganistão, a Otan retoma sua função original de defesa territorial coletiva. “Enxergamos a Rússia falando e se comportando mais como um adversário que como um parceiro”, declarou Anders Fogh Rasmussen, secretário-geral da Aliança Atlântica, enquanto 50 mil soldados russos concentravam-se na fronteira oriental da Ucrânia. François Heisbourg, que preside o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, foi mais direto: “Ingressamos numa era de profundo e prolongado antagonismo com a Rússia”.
Vladimir Putin justificou a anexação da Crimeia invocando os “laços históricos” da região com a Rússia e o precedente da intervenção da Otan em Kosovo, em 1999. Um surpreendente e deplorável artigo de Anne-Marie Slaughter, ex-diretora de Planejamento Político no Departamento de Estado, repetiu os pretextos do Kremlin, fornecendo álibis para o crônico antiamericanismo de nosso Itamaraty. De fato, na esfera das leis internacionais, o paralelo apropriado para os discursos de Putin encontra-se nas razões brandidas por Hitler na hora da invasão dos Sudetos. A “proteção” da “minoria russa” na Ucrânia, como a da “minoria alemã” na Tchecoslováquia em 1938, cancela o princípio do Estado contratual, substituindo-o pelo da “nação de sangue”. E a menção a Kosovo não passa de um primitivo recurso confusionista.
As potências da Otan interromperam um massacre étnico na antiga província sérvia, algo que, vergonhosamente, o Conselho de Segurança da ONU negara-se a fazer em Ruanda, durante o genocídio iniciado exatas duas décadas atrás, em abril de 1994. Na Crimeia, ao contrário, nenhuma ameaça genocida pairava sobre a população russófona. A proteção dos albaneses étnicos de Kosovo não servia como pretexto para a anexação de territórios. A província tornou-se independente apenas uma década mais tarde, por decisão de um parlamento democraticamente eleito. A Crimeia, por outro lado, inscreve-se na coleção de territórios secessionistas criados pela geopolítica neoimperial russa, que abrange ainda a região moldava da Transnístria e as regiões georgianas da Ossétia do Sul e da Abkázia.
Um por todos, todos por um. A rocha sobre a qual se ergue a Otan é o artigo 5 do Tratado da Aliança Atlântica, que define um ataque contra um integrante como uma agressão contra todos. Na Guerra Fria, o compromisso implicava o engajamento militar dos EUA na hipótese de avanço de forças soviéticas em território da Alemanha Ocidental. Prudentemente, a URSS nunca pagou para ver – nem mesmo na crise de Berlim de 1961. Na década de 1970, os partidos social-democratas europeus, antes avessos à Otan, reconheceram que a aliança militar representava o escudo de segurança das democracias: uma garantia das liberdades políticas e dos direitos dos sindicatos. De um modo muito direto, a queda do Muro de Berlim testemunha o papel histórico desempenhado pela Aliança Atlântica. É essa herança que está em jogo hoje, diante de uma Rússia envenenada pelo revanchismo.
“Na hora da retirada soviética da Europa Oriental, o secretário-geral da Otan prometeu à Rússia que ela não deveria temer uma expansão da Otan além das suas fronteiras da época.” A acusação, explicitada por Putin em 2007, é compartilhada por quase toda a elite política russa – inclusive por Mikhail Gorbachev, o último presidente soviético. Documentos e depoimentos revelaram que inexiste uma resposta firme para a questão de saber se os russos foram vítimas de trapaça. Não se assinou nenhum acordo desse tipo entre 1989 e 1991, durante o desmantelamento do bloco soviético. Porém, figuras como o então secretário de Estado americano, James Baker, e o então ministro do Exterior alemão, Hans-Dietrich Genscher, ofereceram compromissos informais que podem ser interpretados dessa forma.
O problema reside na interpretação do que disseram os estadistas à luz das circunstâncias da época. No momento da reunificação alemã, o Pacto de Varsóvia ainda existia – e, portanto, não se colocava como tema prático o futuro geopolítico dos países do bloco soviético. Na mesa de negociações, a URSS aceitou a incorporação da totalidade da Alemanha na zona da Otan, com a condição de que não se estacionassem forças da aliança militar no território da antiga Alemanha Oriental. As potências ocidentais cumpriram o compromisso. Também deram a entender que não se projetava expansão futura da Otan, algo bastante abstrato numa conjuntura de rápida, turbulenta transição geopolítica.
O futuro chegou cedo, com a Guerra da Bósnia e a implosão da Iugoslávia, a partir de 1992. Naquele ponto da transição, um ano após a dissolução do Pacto de Varsóvia, os países do antigo bloco soviético ansiavam pela segurança geopolítica que o artigo 5 da Aliança Atlântica proporcionaria. Começava a expansão da Otan – e as palavras intercambiadas por Baker, Genscher e Gorbachev convertiam-se em objeto de estudo dos historiadores.
A expansão foi ancorada pelo Ato de Fundação Otan-Rússia, assinado em 1997, que continha três “nãos”. A aliança declarava não intencionar, não planejar e não ter motivos para instalar ativos militares significativos nos países incorporados após o colapso da URSS. Hoje, quando Moscou esgrime um discurso étnico que viola as leis internacionais e ameaçando invadir o leste da Ucrânia, os três “nãos” do Ato de Fundação transformaram-se na fumaça de uma perigosa política de apaziguamento. Nos países bálticos, sempre é bom lembrar, também existem “minorias russas”.
A Crimeia é o sinal de alerta. Mikhail Saakashvili, o chefe de Estado da Geórgia que experimentou a invasão russa de 2008, trouxe à tona o espectro da capitulação de Munique em artigo recente. Não vale a pena ignorá-lo.
De volta ao passado: os EUA deslocaram 12 caças F-16 para a Polônia e 10 caças F-15 para os países bálticos, aos quais se juntarão 4 Typhoons britânicos. Depois do longo parênteses do Afeganistão, a Otan retoma sua função original de defesa territorial coletiva. “Enxergamos a Rússia falando e se comportando mais como um adversário que como um parceiro”, declarou Anders Fogh Rasmussen, secretário-geral da Aliança Atlântica, enquanto 50 mil soldados russos concentravam-se na fronteira oriental da Ucrânia. François Heisbourg, que preside o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, foi mais direto: “Ingressamos numa era de profundo e prolongado antagonismo com a Rússia”.
Vladimir Putin justificou a anexação da Crimeia invocando os “laços históricos” da região com a Rússia e o precedente da intervenção da Otan em Kosovo, em 1999. Um surpreendente e deplorável artigo de Anne-Marie Slaughter, ex-diretora de Planejamento Político no Departamento de Estado, repetiu os pretextos do Kremlin, fornecendo álibis para o crônico antiamericanismo de nosso Itamaraty. De fato, na esfera das leis internacionais, o paralelo apropriado para os discursos de Putin encontra-se nas razões brandidas por Hitler na hora da invasão dos Sudetos. A “proteção” da “minoria russa” na Ucrânia, como a da “minoria alemã” na Tchecoslováquia em 1938, cancela o princípio do Estado contratual, substituindo-o pelo da “nação de sangue”. E a menção a Kosovo não passa de um primitivo recurso confusionista.
As potências da Otan interromperam um massacre étnico na antiga província sérvia, algo que, vergonhosamente, o Conselho de Segurança da ONU negara-se a fazer em Ruanda, durante o genocídio iniciado exatas duas décadas atrás, em abril de 1994. Na Crimeia, ao contrário, nenhuma ameaça genocida pairava sobre a população russófona. A proteção dos albaneses étnicos de Kosovo não servia como pretexto para a anexação de territórios. A província tornou-se independente apenas uma década mais tarde, por decisão de um parlamento democraticamente eleito. A Crimeia, por outro lado, inscreve-se na coleção de territórios secessionistas criados pela geopolítica neoimperial russa, que abrange ainda a região moldava da Transnístria e as regiões georgianas da Ossétia do Sul e da Abkázia.
Um por todos, todos por um. A rocha sobre a qual se ergue a Otan é o artigo 5 do Tratado da Aliança Atlântica, que define um ataque contra um integrante como uma agressão contra todos. Na Guerra Fria, o compromisso implicava o engajamento militar dos EUA na hipótese de avanço de forças soviéticas em território da Alemanha Ocidental. Prudentemente, a URSS nunca pagou para ver – nem mesmo na crise de Berlim de 1961. Na década de 1970, os partidos social-democratas europeus, antes avessos à Otan, reconheceram que a aliança militar representava o escudo de segurança das democracias: uma garantia das liberdades políticas e dos direitos dos sindicatos. De um modo muito direto, a queda do Muro de Berlim testemunha o papel histórico desempenhado pela Aliança Atlântica. É essa herança que está em jogo hoje, diante de uma Rússia envenenada pelo revanchismo.
“Na hora da retirada soviética da Europa Oriental, o secretário-geral da Otan prometeu à Rússia que ela não deveria temer uma expansão da Otan além das suas fronteiras da época.” A acusação, explicitada por Putin em 2007, é compartilhada por quase toda a elite política russa – inclusive por Mikhail Gorbachev, o último presidente soviético. Documentos e depoimentos revelaram que inexiste uma resposta firme para a questão de saber se os russos foram vítimas de trapaça. Não se assinou nenhum acordo desse tipo entre 1989 e 1991, durante o desmantelamento do bloco soviético. Porém, figuras como o então secretário de Estado americano, James Baker, e o então ministro do Exterior alemão, Hans-Dietrich Genscher, ofereceram compromissos informais que podem ser interpretados dessa forma.
O problema reside na interpretação do que disseram os estadistas à luz das circunstâncias da época. No momento da reunificação alemã, o Pacto de Varsóvia ainda existia – e, portanto, não se colocava como tema prático o futuro geopolítico dos países do bloco soviético. Na mesa de negociações, a URSS aceitou a incorporação da totalidade da Alemanha na zona da Otan, com a condição de que não se estacionassem forças da aliança militar no território da antiga Alemanha Oriental. As potências ocidentais cumpriram o compromisso. Também deram a entender que não se projetava expansão futura da Otan, algo bastante abstrato numa conjuntura de rápida, turbulenta transição geopolítica.
O futuro chegou cedo, com a Guerra da Bósnia e a implosão da Iugoslávia, a partir de 1992. Naquele ponto da transição, um ano após a dissolução do Pacto de Varsóvia, os países do antigo bloco soviético ansiavam pela segurança geopolítica que o artigo 5 da Aliança Atlântica proporcionaria. Começava a expansão da Otan – e as palavras intercambiadas por Baker, Genscher e Gorbachev convertiam-se em objeto de estudo dos historiadores.
A expansão foi ancorada pelo Ato de Fundação Otan-Rússia, assinado em 1997, que continha três “nãos”. A aliança declarava não intencionar, não planejar e não ter motivos para instalar ativos militares significativos nos países incorporados após o colapso da URSS. Hoje, quando Moscou esgrime um discurso étnico que viola as leis internacionais e ameaçando invadir o leste da Ucrânia, os três “nãos” do Ato de Fundação transformaram-se na fumaça de uma perigosa política de apaziguamento. Nos países bálticos, sempre é bom lembrar, também existem “minorias russas”.
A Crimeia é o sinal de alerta. Mikhail Saakashvili, o chefe de Estado da Geórgia que experimentou a invasão russa de 2008, trouxe à tona o espectro da capitulação de Munique em artigo recente. Não vale a pena ignorá-lo.
Fracasso anunciado - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 10/04
Em ano eleitoral, em que a diferença entre a percepção e a realidade se amplia muito devido à disputa política, há pouco espaço para uma análise mais profunda acerca das limitações do modelo econômico vigente, embora elas possam estar apontando para épocas futuras mais sombrias. É por essa razão, e com visão crítica, que os economistas Fabio Giambiagi e Alexandre Schwartsman escreveram o livro Complacência - Entenda por que o Brasil cresce menos do que pode , publicado pela editora Campus, lançado esta semana.
Um exemplo para ser pessimista: na última década, a taxa anual média de crescimento da economia brasileira foi de 3,5%. Nesse mesmo período, as taxas médias de Chile, Colômbia e Peru foram de 4,6 %, 4,7 % e 6,4%, respectivamente, enquanto o vizinho Uruguai cresceu 5,1 % ao ano. É bem possível que, ao fim do mandato da presidente Dilma, a taxa média dos quatro anos mal chegue a 2%.
Os economistas mostram que um conjunto de fatores contribuiu para o êxito das políticas oficiais após 2003, sobretudo a relação entre preços das exportações e das importações, baixas taxas de juros internacionais, taxa de câmbio e os excepcionais dados do emprego, fatores que os economistas denominam de quadrado mágico . Até o começo da atual década, vivemos a ´fase fácil´ e, para crescer, bastava injetar demanda na economia. Mas era algo que cedo ou tarde iria acabar. O fracasso do modelo adotado, após a fase da bonança mundial, estava anunciado , diz Giambiagi.
Com o início da etapa difícil , quando foi necessário expandir a capacidade de oferta, o governo falhou, na visão dos autores. Dessa forma, a poupança doméstica se manteve baixa, incapaz de financiar o investimento requerido, e tivemos o que chamam de risível crescimento da produtividade : apenas 1% ao ano entre 2001 e 2011. Na China, no mesmo período o crescimento da produtividade foi de 9,9% e na Índia, 6,4%.
O fato é que a maior parte dos países está se preparando com afinco para um mundo de muita competitividade, mas o Brasil está deixando a desejar , alertam os economistas, para quem as contas da política econômica da última década estão chegando. Para eles, um dos mais urgentes problemas a ser solucionado é a escassez de mão de obra qualificada, através do esforço educacional.
O grupo de pessoas que está no mercado de trabalho, a chamada população economicamente ativa, cresce a taxas cada vez menores. A pirâmide etária brasileira sofrerá uma alteração dramática nas próximas três décadas e meia , relata Giambiagi. Em razão do peso da questão demográfica e dos resultados do país no campo da Educação, a tendência à baixa produtividade se manterá, representando um constrangimento sério para o crescimento econômico futuro do país .
A Índia e a China massificaram o envio de alunos a universidades internacionais. Na Coreia do Sul, 64 % da geração entre 25 a 34 anos se formou em universidade (dados de 2011), representando um ganho de 51 pontos percentuais em relação à geração mais velha com idade entre 55 a 64 anos - que contabiliza 13% de pessoas com curso superior.
No caso do Brasil, onde apenas 9% da geração com idade entre 55 a 64 anos tem curso superior, a atual proporção de 13 % de pessoas com formação superior na geração de 25 a 34 anos revela um incremento de modestos quatro pontos percentuais, e representa três vezes menos que a taxa do Chile (41%) e quase quatro vezes menos que a taxa da Rússia (56%).
Os autores destacam que a proporção de alunos que conclui o ensino médio é muito baixa em termos comparativos, não só em relação aos países mais avançados, como em relação a outras economias emergentes. Enquanto no Brasil apenas seis de cada dez pessoas na faixa de 25 a 34 anos concluíram o ensino médio, no Chile essa proporção é de nove de cada dez pessoas.
Para retomar o crescimento sustentado com vistas a ganhos de competitividade, eficiência e produtividade, para substituir o quadrado mágico , que já não existe, Giambiagi e Schwartsman sugerem o pentágono virtuoso , representado pela ênfase em i) competição; ii) poupança; iii infraestrutura; iv) gasto público eficiente; e v) investimento em Educação. E ressaltam que o roteiro de reformas precisa ser complementado.
Um exemplo para ser pessimista: na última década, a taxa anual média de crescimento da economia brasileira foi de 3,5%. Nesse mesmo período, as taxas médias de Chile, Colômbia e Peru foram de 4,6 %, 4,7 % e 6,4%, respectivamente, enquanto o vizinho Uruguai cresceu 5,1 % ao ano. É bem possível que, ao fim do mandato da presidente Dilma, a taxa média dos quatro anos mal chegue a 2%.
Os economistas mostram que um conjunto de fatores contribuiu para o êxito das políticas oficiais após 2003, sobretudo a relação entre preços das exportações e das importações, baixas taxas de juros internacionais, taxa de câmbio e os excepcionais dados do emprego, fatores que os economistas denominam de quadrado mágico . Até o começo da atual década, vivemos a ´fase fácil´ e, para crescer, bastava injetar demanda na economia. Mas era algo que cedo ou tarde iria acabar. O fracasso do modelo adotado, após a fase da bonança mundial, estava anunciado , diz Giambiagi.
Com o início da etapa difícil , quando foi necessário expandir a capacidade de oferta, o governo falhou, na visão dos autores. Dessa forma, a poupança doméstica se manteve baixa, incapaz de financiar o investimento requerido, e tivemos o que chamam de risível crescimento da produtividade : apenas 1% ao ano entre 2001 e 2011. Na China, no mesmo período o crescimento da produtividade foi de 9,9% e na Índia, 6,4%.
O fato é que a maior parte dos países está se preparando com afinco para um mundo de muita competitividade, mas o Brasil está deixando a desejar , alertam os economistas, para quem as contas da política econômica da última década estão chegando. Para eles, um dos mais urgentes problemas a ser solucionado é a escassez de mão de obra qualificada, através do esforço educacional.
O grupo de pessoas que está no mercado de trabalho, a chamada população economicamente ativa, cresce a taxas cada vez menores. A pirâmide etária brasileira sofrerá uma alteração dramática nas próximas três décadas e meia , relata Giambiagi. Em razão do peso da questão demográfica e dos resultados do país no campo da Educação, a tendência à baixa produtividade se manterá, representando um constrangimento sério para o crescimento econômico futuro do país .
A Índia e a China massificaram o envio de alunos a universidades internacionais. Na Coreia do Sul, 64 % da geração entre 25 a 34 anos se formou em universidade (dados de 2011), representando um ganho de 51 pontos percentuais em relação à geração mais velha com idade entre 55 a 64 anos - que contabiliza 13% de pessoas com curso superior.
No caso do Brasil, onde apenas 9% da geração com idade entre 55 a 64 anos tem curso superior, a atual proporção de 13 % de pessoas com formação superior na geração de 25 a 34 anos revela um incremento de modestos quatro pontos percentuais, e representa três vezes menos que a taxa do Chile (41%) e quase quatro vezes menos que a taxa da Rússia (56%).
Os autores destacam que a proporção de alunos que conclui o ensino médio é muito baixa em termos comparativos, não só em relação aos países mais avançados, como em relação a outras economias emergentes. Enquanto no Brasil apenas seis de cada dez pessoas na faixa de 25 a 34 anos concluíram o ensino médio, no Chile essa proporção é de nove de cada dez pessoas.
Para retomar o crescimento sustentado com vistas a ganhos de competitividade, eficiência e produtividade, para substituir o quadrado mágico , que já não existe, Giambiagi e Schwartsman sugerem o pentágono virtuoso , representado pela ênfase em i) competição; ii) poupança; iii infraestrutura; iv) gasto público eficiente; e v) investimento em Educação. E ressaltam que o roteiro de reformas precisa ser complementado.
Lula no palanque - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 10/04
BRASÍLIA - "Poderíamos estar melhor, e a Dilma vai ter que dizer como é que a gente vai melhorar."
Quem acaba de chegar de Marte adivinha de onde partiu essa bronca?
Do Fernando Henrique? Errou. Do Aécio? Errou. Do Eduardo Campos? Errou. Então, da Marina? Errou de novo. É do ex-presidente Lula, repreendendo a pupila em público, para blogueiros amigos ouvirem e a imprensa independente amplificar.
Se o próprio Lula diz que "poderíamos estar melhor", é porque estamos bem mal. E ele apontou a culpada -que tem de se explicar, ou a coisa vai ficar feia para o lado dela.
Enquanto Lula falava, anteontem, saía a notícia de que o FMI continua reduzindo a previsão de crescimento brasileiro neste ano, agora já em pobres 1,8%. E, enquanto as manchetes dos jornais ainda estavam quentes, ontem de manhã, saía a informação de que a inflação supera o teto da meta (6,5%, que já é alto) em comida, casa, saúde, escola e diversão.
A isso somam-se a redução da nota do Brasil pela Standard & Poor"s, as críticas pela maquiagem na área fiscal, o recrudescimento dos juros depois de tanta propaganda, as incertezas na área de energia e o controle de tarifas estratégicas. E no ano da eleição... Não foi à toa que o Datafolha captou a queda na aprovação do governo e nos índices da candidata Dilma, sob o peso da inflação.
Lula, porém, deixou de lado os fatos e exortou Dilma a se explicar e o ministro Guido Mantega a rebater "as mentiras" sobre a economia. Ou seja, Dilma e Mantega que se virem com os seus erros, enquanto Lula trata de cuidar de si mesmo.
Por isso atiçou a militância para defender a Petrobras "com unhas e dentes". Leia-se: estanque ferozmente a torrente de dados negativos sobre a principal empresa do país, herdados do governo e do estilo Lula.
É por essas e outras que muita gente viu ali, na tal entrevista, não só o rei do PT ou o tutor de Dilma, mas o possível candidato -em oposição à sua própria criatura.
Sem palavras - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 10/04
Uma das maiores dificuldades - senão a maior - do PT para seguir o conselho do ex-presidente Luiz Inácio da Silva e "ir para cima" dos adversários é que o partido está com as cordas vocais afetadas. No sentido figurado, óbvio.
Pouco se ouve a voz dos líderes no Congresso; Lula mesmo estava calado há muito tempo. O presidente do partido, Rui Falcão, em uma entrevista nesta segunda-feira à Folha de S. Paulo quando perguntado sobre o que deveria fazer o governo para estancar queda da presidente Dilma Rousseff e voltar a crescer nas pesquisas, respondeu: "A continuidade das ações e o Marco Civil da Internet".
Convenhamos, diante do que o próprio Rui Falcão chamou de "tsunami" de notícias negativas, é pouco. Principalmente para um grupo que se notabiliza pela competência na atividade da agitação política, na mobilização dos movimentos, setores e redes sociais em sua defesa. O PT parece exausto, atordoado como quem dá um tempo para se recuperar em busca de forças para reagir.
O esforço da tropa governista para inviabilizar a CPI da Petrobrás não ajuda. O perfil e o histórico dos generais, Renan Calheiros, Romero Jucá e companhia, tampouco facilitam a tarefa dos petistas de convencerem a opinião pública de que estão do lado certo.
Ainda mais quando 78% dos consultados em pesquisa do Datafolha se dizem convencidos da existência de corrupção na Petrobrás e 40% atribuem responsabilidade à presidente Dilma.
O cenário adverso é ambiente em que o PT se desacostumou a transitar depois de tantos anos de altos índices de popularidade dos presidentes Lula e Dilma e de avaliações positivas dos governos. O partido habituou-se ao discurso ora ufanista ou meramente provocativo pelo fato de os índices de rejeição aos seus governantes serem tão reduzidos.
As circunstâncias mudaram, a sorte virou e a unidade não é mais aquela dos tempos de bonança sob o guarda-chuva de Lula e a prática cotidiana de levar a nação na conversa. O que se vê são petistas reclamando da presidente de seu partido e, portanto, sem energia vital nem argumentos para defendê-la.
A realidade, porém, não contribui. Tem sido madrasta. Companheiros da antiga cúpula estão presos, um deputado partido está enrolado com um doleiro, a presidente da República precisa da tutela do ex-presidente para se fortalecer, a economia gera insegurança, a sensação de bem-estar se esvai e o PT está sem palavras para responder.
No pé. Os funcionários do Tribunal de Contas da União protestam, os ministros repudiam a companhia, os senadores rejeitaram a urgência proposta pelo governo para a aprovação da indicação do senador Gim Argello para o TCU.
A razão? Seis inquéritos no Supremo Tribunal Federal por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica, peculato e infração à lei de licitações. Ainda assim, o Palácio do Planalto insiste no nome de Argello para assumir uma vaga no tribunal, a fim de atender ao PTB. Como se já não tivesse problemas suficientes.
Por essa e várias outras acima relatadas é que o PT fica impossibilitado de fazer milagre.
Censura. Ao pregar a retomada "com muita força" do tema da regulação dos meios de comunicação, Lula justificou-se assim: "Quando vejo o tratamento a Dilma, é de falta de respeito e de compromisso com a verdade".
De onde se vê que, ao contrário das alegações formais, se trata realmente do controle de conteúdo. Com a "regulagem" defendida pelo PT o Estado daria as balizas do tratamento considerado respeitoso em relação a autoridades, bem como firmaria os termos da verdade para com a qual os meios de comunicação estariam compromissados.
Uma das maiores dificuldades - senão a maior - do PT para seguir o conselho do ex-presidente Luiz Inácio da Silva e "ir para cima" dos adversários é que o partido está com as cordas vocais afetadas. No sentido figurado, óbvio.
Pouco se ouve a voz dos líderes no Congresso; Lula mesmo estava calado há muito tempo. O presidente do partido, Rui Falcão, em uma entrevista nesta segunda-feira à Folha de S. Paulo quando perguntado sobre o que deveria fazer o governo para estancar queda da presidente Dilma Rousseff e voltar a crescer nas pesquisas, respondeu: "A continuidade das ações e o Marco Civil da Internet".
Convenhamos, diante do que o próprio Rui Falcão chamou de "tsunami" de notícias negativas, é pouco. Principalmente para um grupo que se notabiliza pela competência na atividade da agitação política, na mobilização dos movimentos, setores e redes sociais em sua defesa. O PT parece exausto, atordoado como quem dá um tempo para se recuperar em busca de forças para reagir.
O esforço da tropa governista para inviabilizar a CPI da Petrobrás não ajuda. O perfil e o histórico dos generais, Renan Calheiros, Romero Jucá e companhia, tampouco facilitam a tarefa dos petistas de convencerem a opinião pública de que estão do lado certo.
Ainda mais quando 78% dos consultados em pesquisa do Datafolha se dizem convencidos da existência de corrupção na Petrobrás e 40% atribuem responsabilidade à presidente Dilma.
O cenário adverso é ambiente em que o PT se desacostumou a transitar depois de tantos anos de altos índices de popularidade dos presidentes Lula e Dilma e de avaliações positivas dos governos. O partido habituou-se ao discurso ora ufanista ou meramente provocativo pelo fato de os índices de rejeição aos seus governantes serem tão reduzidos.
As circunstâncias mudaram, a sorte virou e a unidade não é mais aquela dos tempos de bonança sob o guarda-chuva de Lula e a prática cotidiana de levar a nação na conversa. O que se vê são petistas reclamando da presidente de seu partido e, portanto, sem energia vital nem argumentos para defendê-la.
A realidade, porém, não contribui. Tem sido madrasta. Companheiros da antiga cúpula estão presos, um deputado partido está enrolado com um doleiro, a presidente da República precisa da tutela do ex-presidente para se fortalecer, a economia gera insegurança, a sensação de bem-estar se esvai e o PT está sem palavras para responder.
No pé. Os funcionários do Tribunal de Contas da União protestam, os ministros repudiam a companhia, os senadores rejeitaram a urgência proposta pelo governo para a aprovação da indicação do senador Gim Argello para o TCU.
A razão? Seis inquéritos no Supremo Tribunal Federal por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica, peculato e infração à lei de licitações. Ainda assim, o Palácio do Planalto insiste no nome de Argello para assumir uma vaga no tribunal, a fim de atender ao PTB. Como se já não tivesse problemas suficientes.
Por essa e várias outras acima relatadas é que o PT fica impossibilitado de fazer milagre.
Censura. Ao pregar a retomada "com muita força" do tema da regulação dos meios de comunicação, Lula justificou-se assim: "Quando vejo o tratamento a Dilma, é de falta de respeito e de compromisso com a verdade".
De onde se vê que, ao contrário das alegações formais, se trata realmente do controle de conteúdo. Com a "regulagem" defendida pelo PT o Estado daria as balizas do tratamento considerado respeitoso em relação a autoridades, bem como firmaria os termos da verdade para com a qual os meios de comunicação estariam compromissados.
Desceu até o chão - SÍLVIO RIBAS
CORREIO BRAZILIENSE - 10/04
Ainda não vivemos um quadro venezuelano de escassez nas prateleiras, mas, certamente, o estoque de óleo de peroba deve estar perto do fim no Brasil. É desconcertante até mesmo para um cidadão minimamente ligado aos fatos, acostumado a ver tanta coisa errada rolar impune no dia a dia, perceber o quão longe a desfaçatez de membros das instituições políticas chegou. Ou melhor, recorrendo às letras de canções do funk carioca, é duro constatar o quão baixo o nível da atividade pública desceu: até o chão.
Nenhuma autoridade do Executivo e poucos parlamentares mostram vergonha com os flagrantes desvios do dinheiro público. Para piorar, começa a engrossar o velho discurso escapista de que denúncias graves de crimes são meros instrumentos da disputa eleitoral. É possível anular os efeitos danosos de roubo de dinheiro do contribuinte se classificá-los apenas como o "carnaval da oposição"? Ninguém mostra constrangimento, nenhuma resposta clara é dada e o povo toca a vida.
Se a honradez fosse uma preocupação real da classe política, nem sequer seria preciso correr atrás de comissões parlamentares de inquérito (CPI) para investigar rolos como os supostamente envolvendo a Petrobras. A simples prisão de suspeitos e os pareceres técnicos desabonadores seriam suficientes para haver pedidos de renúncia em série e novas investidas da Polícia Federal. Mas o que se assiste no meio do salão do baile da corrupção é à culpa contornável e aos escândalos que não escandalizam caberem no tamanho pequeno do ringue das eleições.
Prova disso é ver o ex-presidente Lula, vestido com a armadura de teflon, indo para a beirada do campo, como técnico de time de futebol, gritando para os jogadores do PT: "Chuta a bola para o mato, que é jogo de campeonato". Outrora estilingue a pedir CPIs contra governos, o partido se esforça hoje em blindar a própria vidraça e a repetir as falas dos que antes atacava.
É triste ver que a força da democracia brasileira ainda esbarre nos maus costumes e em conchavos resistentes ao voto popular. Para os governistas, a receita é esconder o malfeito e continuar dourando a pílula das alegadas realizações da gestão atual. Aos oposicionistas, por seu turno, resta torcer para que a sujeira sob o tapete alheio transborde e pratear a bala de sua arma. Que bom seria se ambos os lados competissem pela confiança do eleitor, com crítica honesta e autocrítica desejável.
Nenhuma autoridade do Executivo e poucos parlamentares mostram vergonha com os flagrantes desvios do dinheiro público. Para piorar, começa a engrossar o velho discurso escapista de que denúncias graves de crimes são meros instrumentos da disputa eleitoral. É possível anular os efeitos danosos de roubo de dinheiro do contribuinte se classificá-los apenas como o "carnaval da oposição"? Ninguém mostra constrangimento, nenhuma resposta clara é dada e o povo toca a vida.
Se a honradez fosse uma preocupação real da classe política, nem sequer seria preciso correr atrás de comissões parlamentares de inquérito (CPI) para investigar rolos como os supostamente envolvendo a Petrobras. A simples prisão de suspeitos e os pareceres técnicos desabonadores seriam suficientes para haver pedidos de renúncia em série e novas investidas da Polícia Federal. Mas o que se assiste no meio do salão do baile da corrupção é à culpa contornável e aos escândalos que não escandalizam caberem no tamanho pequeno do ringue das eleições.
Prova disso é ver o ex-presidente Lula, vestido com a armadura de teflon, indo para a beirada do campo, como técnico de time de futebol, gritando para os jogadores do PT: "Chuta a bola para o mato, que é jogo de campeonato". Outrora estilingue a pedir CPIs contra governos, o partido se esforça hoje em blindar a própria vidraça e a repetir as falas dos que antes atacava.
É triste ver que a força da democracia brasileira ainda esbarre nos maus costumes e em conchavos resistentes ao voto popular. Para os governistas, a receita é esconder o malfeito e continuar dourando a pílula das alegadas realizações da gestão atual. Aos oposicionistas, por seu turno, resta torcer para que a sujeira sob o tapete alheio transborde e pratear a bala de sua arma. Que bom seria se ambos os lados competissem pela confiança do eleitor, com crítica honesta e autocrítica desejável.
A geometria de Dilma é pré-euclidiana - JOSÉ SERRA
O Estado de S.Paulo - 10/04
"Grande erro da natureza é a incompetência não doer" - Millôr Fernandes.
"A menor distância entre dois pontos é uma linha reta? Euclides de Alexandria, 300 anos antes de Cristo, demonstrou que sim. Mas o grande problema do Brasil atual é que o governo Dilma é pré-euclidiano, ou seja, nas suas concepções, estratégias e ações a menor distância entre dois pontos não é uma linha reta, mas uma curva espiralada e tridimensional. Por isso mesmo, tudo o que pretende fazer de bom ou ruim custa muito mais tempo e recursos. Perde-se no caminho das espirais e, com frequência, não chega ao ponto almejado."
Tenho recorrido a essa alegoria em palestras feitas desde 2011. É claro que no governo Lula - e, em geral, o PT em suas administrações - também houve repúdio a Euclides. Mas Dilma Rousseff o levou ao paroxismo, por dois motivos. Primeiro, porque o quadro econômico é bem mais opaco e adverso. Lula faturou uma grande bonança externa decorrente da subida dos preços de nossas matérias-primas exportadas e torrou o dinheiro em consumo importado, inclusive substituindo a produção industrial doméstica pela estrangeira. E ainda deixou a taxa de câmbio insustentavelmente supervalorizada, com toda a implicação inflacionária que isso teria no futuro. Em suma, comeu o filé e a alcatra, repartiu a carne de segunda e deixou apenas lascas e ossos para a sucessora que ele próprio elegeu.
Mas há um segundo fator que aperfeiçoou o ataque à geometria: a inexperiência de Dilma na gestão de assuntos públicos, acompanhada, porém, de sua convicção íntima de que é uma excepcional gestora. Eis uma mistura explosiva para a qualidade da administração pública em qualquer lugar do mundo - pior num regime presidencialista, especialmente o brasileiro.
Um belo exemplo dessa vocação antieuclidiana é (ou foi) o trem-bala. É para melhorar o transporte terrestre de passageiros entre São Paulo e Rio? Comece-se investindo nos metrôs e trens urbanos dessas cidades, modernizando a linha de trem já existente entre elas, adicionando alguns trechos. Agora, se é para abandonar a linha reta e embarcar na espiral, deixem-se de lado os transportes dentro das cidades, implante-se um trem interestadual de altíssima velocidade, sem demanda que o justifique e ao custo de R$ 75 bilhões!
Dois outros exemplos, bastante feios, por sinal, pois suas consequências adversas já se verificam, são os casos da Eletrobrás e da Petrobrás, empresas de energia que resultaram de batalhas históricas. A primeira delas, criada pelo governo João Goulart em 1963, foi consolidada e fortalecida pelos governos militares, com seus ministros Roberto Campos, Otávio Bulhões, Delfim Netto, Reis Veloso e Mário Henrique Simonsen. Algum suspeito de esquerdista (ou de "nacional-desenvolvimentista")? Pois bem, o governo Dilma conseguiu, com muita determinação e, aí, sim, talento, quebrá-la, desorganizando o sistema elétrico nacional. Com uma simples medida provisória, de setembro de 2012, cometeu um erro perfeito: aquele que é cometido de graça, bestamente, é difícil de corrigir e tem efeitos desastrosos.
A Petrobrás, monopólio estatal de petróleo criado graças a um líder parlamentar (relator da Lei 2.004) da União Democrática Nacional, a UDN, considerada entreguista e golpista, e resultado de tantas lutas nacionalistas e estudantis, foi simplesmente quebrada e desmoralizada pelo PT nas gestões de Dilma Rousseff no Ministério de Minas e Energia, na Casa Civil e na Presidência da República.
Do ponto de vista dos costumes, já se sabe bastante e se vai saber muito mais: trata-se, dados os custos e efeitos morais, do maior escândalo de corrupção e inépcia de nossa História de nação independente. Desses que nos causam vergonha íntima. Faz do Brasil pré-64 uma era de ingenuidade; do regime militar, um sucessor de Esparta; do governo Collor, um amador no ramo. Do ponto de vista da estratégia da empresa, tem-se a incompetência suicida na construção de refinarias e a implantação do método da partilha no caso do petróleo do pré-sal. Havia um modelo de concessões que funcionava bem, mas foi deixado de lado em troca de outro que obriga a Petrobrás a pôr pelo menos 30% do dinheiro de cada novo campo explorado, recursos que ela não tem. Junto à compressão de seus preços, isso elevou brutalmente suas dívidas e desvalorizou seu patrimônio.
Numa palestra em agosto de 2013 analisei as características do que chamei o estilo lulista de crescimento e sua fase de esgotamento. Mostrei a falta ou ineficácia de políticas que deveriam deter a desaceleração econômica e reabrir, nem que fosse no médio prazo, um ciclo de expansão sustentado. Enunciei as razões do pessimismo dos agentes econômicos quanto à economia, que tenderia a aprofundar-se e representar ele mesmo um fator adverso para a recuperação, na base da profecia que se autorrealiza. Foi inevitável a pergunta leninista do público: "O que fazer?".
Respondi: "A presidente Dilma ir para a TV e anunciar: 'Em 2014 não serei candidata à reeleição. A situação nacional exige que formemos um governo acima das paixões eleitorais, dedicado cem por cento à identificação e ao encaminhamento das soluções de cada um dos nossos principais problemas. É o que farei. Chamarei os melhores quadros do País para colaborar'". Imagine-se o alívio geral.
Explico-me: não disse aquilo porque achasse factível Dilma tomar essa atitude de estadista. A ideia foi mostrar que a principal causa do pessimismo era, como é, a possibilidade de tê-la mais quatro anos à frente do governo. De lá para cá, essa ansiedade se espalhou de tal maneira que hoje atinge o próprio PT.
E que fique claro: a presidente da República é, pessoalmente, um fator agravante da crise, mas não é a crise ela mesma. Esta, de fato, é de modelo, é de paradigma. Lula fez algumas poucas escolhas certas em circunstâncias que não dependiam dele e fez outras muito erradas quando tinha alternativas. É contra a natureza achar que um político não vai pensar na sua popularidade. Mas um homem de Estado precisa ir além do aplauso e da vaia - e já sabemos que ele não resiste à ovação. O País pagou o pato. Assistimos à gangrena de um modelo: vai apodrecendo, mas ainda está vivo.
"Grande erro da natureza é a incompetência não doer" - Millôr Fernandes.
"A menor distância entre dois pontos é uma linha reta? Euclides de Alexandria, 300 anos antes de Cristo, demonstrou que sim. Mas o grande problema do Brasil atual é que o governo Dilma é pré-euclidiano, ou seja, nas suas concepções, estratégias e ações a menor distância entre dois pontos não é uma linha reta, mas uma curva espiralada e tridimensional. Por isso mesmo, tudo o que pretende fazer de bom ou ruim custa muito mais tempo e recursos. Perde-se no caminho das espirais e, com frequência, não chega ao ponto almejado."
Tenho recorrido a essa alegoria em palestras feitas desde 2011. É claro que no governo Lula - e, em geral, o PT em suas administrações - também houve repúdio a Euclides. Mas Dilma Rousseff o levou ao paroxismo, por dois motivos. Primeiro, porque o quadro econômico é bem mais opaco e adverso. Lula faturou uma grande bonança externa decorrente da subida dos preços de nossas matérias-primas exportadas e torrou o dinheiro em consumo importado, inclusive substituindo a produção industrial doméstica pela estrangeira. E ainda deixou a taxa de câmbio insustentavelmente supervalorizada, com toda a implicação inflacionária que isso teria no futuro. Em suma, comeu o filé e a alcatra, repartiu a carne de segunda e deixou apenas lascas e ossos para a sucessora que ele próprio elegeu.
Mas há um segundo fator que aperfeiçoou o ataque à geometria: a inexperiência de Dilma na gestão de assuntos públicos, acompanhada, porém, de sua convicção íntima de que é uma excepcional gestora. Eis uma mistura explosiva para a qualidade da administração pública em qualquer lugar do mundo - pior num regime presidencialista, especialmente o brasileiro.
Um belo exemplo dessa vocação antieuclidiana é (ou foi) o trem-bala. É para melhorar o transporte terrestre de passageiros entre São Paulo e Rio? Comece-se investindo nos metrôs e trens urbanos dessas cidades, modernizando a linha de trem já existente entre elas, adicionando alguns trechos. Agora, se é para abandonar a linha reta e embarcar na espiral, deixem-se de lado os transportes dentro das cidades, implante-se um trem interestadual de altíssima velocidade, sem demanda que o justifique e ao custo de R$ 75 bilhões!
Dois outros exemplos, bastante feios, por sinal, pois suas consequências adversas já se verificam, são os casos da Eletrobrás e da Petrobrás, empresas de energia que resultaram de batalhas históricas. A primeira delas, criada pelo governo João Goulart em 1963, foi consolidada e fortalecida pelos governos militares, com seus ministros Roberto Campos, Otávio Bulhões, Delfim Netto, Reis Veloso e Mário Henrique Simonsen. Algum suspeito de esquerdista (ou de "nacional-desenvolvimentista")? Pois bem, o governo Dilma conseguiu, com muita determinação e, aí, sim, talento, quebrá-la, desorganizando o sistema elétrico nacional. Com uma simples medida provisória, de setembro de 2012, cometeu um erro perfeito: aquele que é cometido de graça, bestamente, é difícil de corrigir e tem efeitos desastrosos.
A Petrobrás, monopólio estatal de petróleo criado graças a um líder parlamentar (relator da Lei 2.004) da União Democrática Nacional, a UDN, considerada entreguista e golpista, e resultado de tantas lutas nacionalistas e estudantis, foi simplesmente quebrada e desmoralizada pelo PT nas gestões de Dilma Rousseff no Ministério de Minas e Energia, na Casa Civil e na Presidência da República.
Do ponto de vista dos costumes, já se sabe bastante e se vai saber muito mais: trata-se, dados os custos e efeitos morais, do maior escândalo de corrupção e inépcia de nossa História de nação independente. Desses que nos causam vergonha íntima. Faz do Brasil pré-64 uma era de ingenuidade; do regime militar, um sucessor de Esparta; do governo Collor, um amador no ramo. Do ponto de vista da estratégia da empresa, tem-se a incompetência suicida na construção de refinarias e a implantação do método da partilha no caso do petróleo do pré-sal. Havia um modelo de concessões que funcionava bem, mas foi deixado de lado em troca de outro que obriga a Petrobrás a pôr pelo menos 30% do dinheiro de cada novo campo explorado, recursos que ela não tem. Junto à compressão de seus preços, isso elevou brutalmente suas dívidas e desvalorizou seu patrimônio.
Numa palestra em agosto de 2013 analisei as características do que chamei o estilo lulista de crescimento e sua fase de esgotamento. Mostrei a falta ou ineficácia de políticas que deveriam deter a desaceleração econômica e reabrir, nem que fosse no médio prazo, um ciclo de expansão sustentado. Enunciei as razões do pessimismo dos agentes econômicos quanto à economia, que tenderia a aprofundar-se e representar ele mesmo um fator adverso para a recuperação, na base da profecia que se autorrealiza. Foi inevitável a pergunta leninista do público: "O que fazer?".
Respondi: "A presidente Dilma ir para a TV e anunciar: 'Em 2014 não serei candidata à reeleição. A situação nacional exige que formemos um governo acima das paixões eleitorais, dedicado cem por cento à identificação e ao encaminhamento das soluções de cada um dos nossos principais problemas. É o que farei. Chamarei os melhores quadros do País para colaborar'". Imagine-se o alívio geral.
Explico-me: não disse aquilo porque achasse factível Dilma tomar essa atitude de estadista. A ideia foi mostrar que a principal causa do pessimismo era, como é, a possibilidade de tê-la mais quatro anos à frente do governo. De lá para cá, essa ansiedade se espalhou de tal maneira que hoje atinge o próprio PT.
E que fique claro: a presidente da República é, pessoalmente, um fator agravante da crise, mas não é a crise ela mesma. Esta, de fato, é de modelo, é de paradigma. Lula fez algumas poucas escolhas certas em circunstâncias que não dependiam dele e fez outras muito erradas quando tinha alternativas. É contra a natureza achar que um político não vai pensar na sua popularidade. Mas um homem de Estado precisa ir além do aplauso e da vaia - e já sabemos que ele não resiste à ovação. O País pagou o pato. Assistimos à gangrena de um modelo: vai apodrecendo, mas ainda está vivo.
Joaquim Barbosa e a eleição - ROGÉRIO GENTILE
FOLHA DE S. PAULO - 10//04
SÃO PAULO - Joaquim Barbosa não sucumbiu à mosca azul, o que é bom para o país e para a sua própria biografia. Terminado o prazo legal de desincompatibilização, o ministro segue no Supremo tribunal Federal e não vai disputar a Presidência da República nem qualquer outro cargo na eleição de outubro.
Abraçado nas ruas como uma espécie de herói nacional por conta do julgamento do mensalão, Barbosa teria condições de embaralhar a eleição presidencial, sobretudo num momento em que a população pede mudanças, mas não enxerga novidade na oposição. Marina Silva encarna essa simbologia, mas não está na disputa porque Eduardo Campos pensa apenas no próprio umbigo.
Barbosa seria um presidenciável forte, com boas chances de chegar ao segundo turno, mas fragilizaria sobremaneira o Judiciário e a credibilidade do próprio processo do mensalão, que o PT do deputado André Vargas ainda hoje não perde a oportunidade de chamar de "julgamento político". Se tivesse virado candidato, não haveria como deixar de pensar que tudo não passou de um grande espetáculo.
Juiz é juiz. Político é político. Ou pelo menos deveria ser assim. Ao não entrar para a corrida presidencial, Barbosa deu exemplo numa instituição acostumada com a lógica do oportunismo. Na falta de uma legislação que estabeleça uma quarentena obrigatória, que deveria ser de pelo menos quatro anos, quase tudo já se viu por aqui.
Francisco Rezek tornou-se ministro de Collor após ter sido o presidente do Tribunal Superior Eleitoral na disputa que levou o ex-governador alagoano ao Planalto; Maurício Corrêa saiu diretamente do governo Itamar para o Supremo; Nelson Jobim era ministro de FHC, foi nomeado para o STF e largou o cargo para tentar ser vice na chapa de Lula -não conseguiu e acabou no seu ministério. É isso o que se chama de separação dos Poderes? Barbosa mostrou que é possível evoluir.
Lula assumiu - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 10/04
Nunca antes, desde a posse da presidente Dilma Rousseff, o seu patrono Luiz Inácio Lula da Silva assumiu publicamente, em alto e bom som, a tutela sobre a apadrinhada como na sua entrevista de anteontem a nove blogueiros selecionados por sua lealdade, para ter de antemão a garantia de não ser surpreendido por perguntas incômodas, muito menos ter contestadas as suas respostas. Essa encenação em que uns se limitam a levantar a bola para que o outro, livre de marcação, arremate e comemore foi a forma que Lula escolheu para sair da muda e informar o País do seguinte:
Se pudesse, registraria em cartório a sua condição de não candidato ao Planalto este ano, e os jornalistas de sua confiança deveriam "contribuir para acabar com essa boataria toda"; o governo tem que "ir para cima" e o PT tem que reagir "com unhas e dentes" à tentativa da oposição de fazer a CPI da Petrobrás, e se o partido assim tivesse procedido em relação à CPI dos Correios, em 2005, "possivelmente a história teria sido outra" (ou seja, o mensalão acabaria abafado); a economia está aquém do que ele e a presidente gostariam, mas não tanto como faz crer "a massa feroz de informação deformada", e de todo modo Dilma precisa explicar na campanha eleitoral o que fará para melhorar a situação a partir de 2015.
Desde sexta-feira, quando se encontraram em São Paulo, a criatura sabia que o criador iria ele próprio "para cima" do desencanto e do pessimismo que não cessam de ensombrear o governo. O que ele ouve em seu confessionário no bairro paulistano do Ipiranga, onde funciona o instituto que leva o seu nome, confere com a sua proverbial intuição para convencê-lo de que o descrédito de confiança das elites políticas, a começar dos companheiros, e das lideranças empresariais nas aptidões da presidente chegou a um nível alarmante. Se o poder fosse uma conta bancária, ela estaria afundada no cheque especial, beirando a inadimplência.
Isso, há de raciocinar Lula, ainda não prenuncia o desmanche do projeto da reeleição, mas deixa antever acidentes de percurso capazes de ameaçar a travessia com o imponderável. O mais desalentador terá sido descobrir, a cada conselho dado, mas não atendido, que a pupila ou apenas finge concordar com ele, por se achar em posse de atributos suficientes para exercer o mando como lhe pareça melhor, ou por não conseguir segui-los, porque, em poucas palavras, não é do ramo. Seja como for, Lula deve ter sido particularmente enfático ao lhe ordenar que proclamasse estar disposta a investir com unhas e dentes contra a CPI da Petrobrás - o que ela fez na segunda-feira ao avisar que não recuará um milímetro da "disputa política" com a oposição.
Decerto Lula também lhe terá dito que pretendia vir a público para defender o governo. Não se sabe se acrescentou algo como "ainda que fosse necessário cobrar da governante promessas de dias melhores para a economia". Seria uma contraofensiva ao seu estilo, a que não poderiam faltar as habituais caneladas na imprensa. "Temos que retomar com muita força essa questão da regulação dos meios de comunicação do País", aos quais acusa de tratar Dilma com "falta de respeito e de compromisso com a verdade". (Isso não o impediu de propor a Dilma "uma política agressiva de comunicação".) A sucessora não só enfiou a obsessão de Lula no fundo da gaveta, como disse logo depois da posse que "devemos preferir o som das vozes críticas da imprensa livre ao silêncio das ditaduras".
Se tiver apenas metade da inteligência de que há de se achar dotada, Dilma deve ter passado pelo desconforto de atinar com o que Lula efetivamente pretendia ao chamar os holofotes para si - mostrar a tutti quanti que resolveu exercer, agora à plenitude, a função de fiador da presidente. Ou seja, ele não precisa "voltar" para acalmar a legião de queixosos da conduta da afilhada. E ele estará por perto até o fim de seu mandato para prevenir ou, em último caso, remediar, a tempo e a hora, derrapadas da mandatária. Por sinal, como quem não quer nada, mas querendo, Lula disse aos seus blogueiros que tem recebido mais políticos, ativistas e empresários do que no seu tempo de presidente.
Nunca antes, desde a posse da presidente Dilma Rousseff, o seu patrono Luiz Inácio Lula da Silva assumiu publicamente, em alto e bom som, a tutela sobre a apadrinhada como na sua entrevista de anteontem a nove blogueiros selecionados por sua lealdade, para ter de antemão a garantia de não ser surpreendido por perguntas incômodas, muito menos ter contestadas as suas respostas. Essa encenação em que uns se limitam a levantar a bola para que o outro, livre de marcação, arremate e comemore foi a forma que Lula escolheu para sair da muda e informar o País do seguinte:
Se pudesse, registraria em cartório a sua condição de não candidato ao Planalto este ano, e os jornalistas de sua confiança deveriam "contribuir para acabar com essa boataria toda"; o governo tem que "ir para cima" e o PT tem que reagir "com unhas e dentes" à tentativa da oposição de fazer a CPI da Petrobrás, e se o partido assim tivesse procedido em relação à CPI dos Correios, em 2005, "possivelmente a história teria sido outra" (ou seja, o mensalão acabaria abafado); a economia está aquém do que ele e a presidente gostariam, mas não tanto como faz crer "a massa feroz de informação deformada", e de todo modo Dilma precisa explicar na campanha eleitoral o que fará para melhorar a situação a partir de 2015.
Desde sexta-feira, quando se encontraram em São Paulo, a criatura sabia que o criador iria ele próprio "para cima" do desencanto e do pessimismo que não cessam de ensombrear o governo. O que ele ouve em seu confessionário no bairro paulistano do Ipiranga, onde funciona o instituto que leva o seu nome, confere com a sua proverbial intuição para convencê-lo de que o descrédito de confiança das elites políticas, a começar dos companheiros, e das lideranças empresariais nas aptidões da presidente chegou a um nível alarmante. Se o poder fosse uma conta bancária, ela estaria afundada no cheque especial, beirando a inadimplência.
Isso, há de raciocinar Lula, ainda não prenuncia o desmanche do projeto da reeleição, mas deixa antever acidentes de percurso capazes de ameaçar a travessia com o imponderável. O mais desalentador terá sido descobrir, a cada conselho dado, mas não atendido, que a pupila ou apenas finge concordar com ele, por se achar em posse de atributos suficientes para exercer o mando como lhe pareça melhor, ou por não conseguir segui-los, porque, em poucas palavras, não é do ramo. Seja como for, Lula deve ter sido particularmente enfático ao lhe ordenar que proclamasse estar disposta a investir com unhas e dentes contra a CPI da Petrobrás - o que ela fez na segunda-feira ao avisar que não recuará um milímetro da "disputa política" com a oposição.
Decerto Lula também lhe terá dito que pretendia vir a público para defender o governo. Não se sabe se acrescentou algo como "ainda que fosse necessário cobrar da governante promessas de dias melhores para a economia". Seria uma contraofensiva ao seu estilo, a que não poderiam faltar as habituais caneladas na imprensa. "Temos que retomar com muita força essa questão da regulação dos meios de comunicação do País", aos quais acusa de tratar Dilma com "falta de respeito e de compromisso com a verdade". (Isso não o impediu de propor a Dilma "uma política agressiva de comunicação".) A sucessora não só enfiou a obsessão de Lula no fundo da gaveta, como disse logo depois da posse que "devemos preferir o som das vozes críticas da imprensa livre ao silêncio das ditaduras".
Se tiver apenas metade da inteligência de que há de se achar dotada, Dilma deve ter passado pelo desconforto de atinar com o que Lula efetivamente pretendia ao chamar os holofotes para si - mostrar a tutti quanti que resolveu exercer, agora à plenitude, a função de fiador da presidente. Ou seja, ele não precisa "voltar" para acalmar a legião de queixosos da conduta da afilhada. E ele estará por perto até o fim de seu mandato para prevenir ou, em último caso, remediar, a tempo e a hora, derrapadas da mandatária. Por sinal, como quem não quer nada, mas querendo, Lula disse aos seus blogueiros que tem recebido mais políticos, ativistas e empresários do que no seu tempo de presidente.
Grilo falante - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 10/04
Diante da rápida queda de popularidade do governo Dilma Rousseff, Lula decide cobrar ações para melhorar a economia brasileira
Já não constituíam novidade a deterioração das expectativas econômicas e o desconforto de empresários e investidores com relação a um eventual segundo mandato de Dilma Rousseff (PT). A velocidade com que tem caído a aprovação do governo, entretanto, parece ter sido a senha para o ex-presidente Lula voltar à ribalta.
Foi numa entrevista concedida a nove blogueiros na sede do Instituto Lula, em São Paulo. Com sua verborragia característica, o petista asseverou que o país poderia estar melhor e cobrou de sua afilhada política manifestações mais claras a respeito do que fará para reanimar a economia brasileira.
Não há como imaginar que Dilma tenha se sentido confortável com tais declarações. Primeiro, porque Lula, a despeito das negativas explícitas, mantém implícita e muito viva a possibilidade de ele se candidatar, caso isso seja necessário para os planos do PT.
Além disso, o conselho de Lula não é daqueles que podem ser postos em prática sem mais considerações. Afinal, será difícil para Dilma explicar -se o fizer sinceramente- como pretende arrumar a casa sem com isso deixar claro que muitos dos problemas presentes foram causados por erros dos próprios governos petistas.
Vale lembrar, a propósito, que a guinada desenvolvimentista que está na raiz das dificuldades atuais teve início na administração de Lula. Foi a reação à crise financeira de 2008 que desencadeou a receita de aumento dos gastos do governo, uso dos bancos públicos para estimular a economia e crescimento do intervencionismo setorial.
Pode-se identificar, ademais, alguma leniência com a inflação já em 2010, quando o Banco Central evitou corrigir os juros com o vigor necessário. E assim continuou. A escalada dos preços é hoje uma das grandes preocupações da população, sentimento generalizado em todos os segmentos sociais.
À luz das pressões nas mais variadas frentes -alimentos, serviços, itens importados-, não surpreenderá se o teto da meta de inflação, de 6,5%, for rompido justamente no período eleitoral.
O PIB, por sua vez, patina. O FMI, por exemplo, pela terceira vez rebaixou a previsão de crescimento da economia neste ano, para 1,8%. O Brasil destoa dos emergentes, que crescem mais.
Pressionado pela eleição, o Planalto conta agora com pouca margem de manobra para fazer os ajustes de que o país precisa. Ao adiar decisões difíceis, porém, o governo pinta um 2015 preocupante, com tintas recessivas mais fortes do que o necessário caso tivesse começado a misturar as cores mais cedo.
Em outros carnavais, Dilma Rousseff seria exibida na campanha como a gestora ideal para lidar com o cenário conturbado. Esse tempo passou, e Lula parece saber disso melhor do que ninguém.
Já não constituíam novidade a deterioração das expectativas econômicas e o desconforto de empresários e investidores com relação a um eventual segundo mandato de Dilma Rousseff (PT). A velocidade com que tem caído a aprovação do governo, entretanto, parece ter sido a senha para o ex-presidente Lula voltar à ribalta.
Foi numa entrevista concedida a nove blogueiros na sede do Instituto Lula, em São Paulo. Com sua verborragia característica, o petista asseverou que o país poderia estar melhor e cobrou de sua afilhada política manifestações mais claras a respeito do que fará para reanimar a economia brasileira.
Não há como imaginar que Dilma tenha se sentido confortável com tais declarações. Primeiro, porque Lula, a despeito das negativas explícitas, mantém implícita e muito viva a possibilidade de ele se candidatar, caso isso seja necessário para os planos do PT.
Além disso, o conselho de Lula não é daqueles que podem ser postos em prática sem mais considerações. Afinal, será difícil para Dilma explicar -se o fizer sinceramente- como pretende arrumar a casa sem com isso deixar claro que muitos dos problemas presentes foram causados por erros dos próprios governos petistas.
Vale lembrar, a propósito, que a guinada desenvolvimentista que está na raiz das dificuldades atuais teve início na administração de Lula. Foi a reação à crise financeira de 2008 que desencadeou a receita de aumento dos gastos do governo, uso dos bancos públicos para estimular a economia e crescimento do intervencionismo setorial.
Pode-se identificar, ademais, alguma leniência com a inflação já em 2010, quando o Banco Central evitou corrigir os juros com o vigor necessário. E assim continuou. A escalada dos preços é hoje uma das grandes preocupações da população, sentimento generalizado em todos os segmentos sociais.
À luz das pressões nas mais variadas frentes -alimentos, serviços, itens importados-, não surpreenderá se o teto da meta de inflação, de 6,5%, for rompido justamente no período eleitoral.
O PIB, por sua vez, patina. O FMI, por exemplo, pela terceira vez rebaixou a previsão de crescimento da economia neste ano, para 1,8%. O Brasil destoa dos emergentes, que crescem mais.
Pressionado pela eleição, o Planalto conta agora com pouca margem de manobra para fazer os ajustes de que o país precisa. Ao adiar decisões difíceis, porém, o governo pinta um 2015 preocupante, com tintas recessivas mais fortes do que o necessário caso tivesse começado a misturar as cores mais cedo.
Em outros carnavais, Dilma Rousseff seria exibida na campanha como a gestora ideal para lidar com o cenário conturbado. Esse tempo passou, e Lula parece saber disso melhor do que ninguém.
Onde está a mentira? - EDITORIAL ZERO HORA
ZERO HORA - 10/04
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a inspirar manchetes da imprensa com declarações dadas nesta semana, em meio a um cenário especialmente conturbado para o governo. É natural que ex-ocupantes de cargos públicos se manifestem sobre questões políticas controversas, desde que estejam dispostos a submeter suas afirmações também a discordâncias. No caso das recentes declarações do petista, em entrevista a blogueiros simpáticos ao governo, mereceu destaque a referência direta à imprensa. Disse o entrevistado que “os meios de comunicação no Brasil pioraram muito do ponto de vista da neutralidade”.
Afirmou ainda o ex-presidente, numa referência às notícias sobre indícios de irregularidades na Petrobras, que “a gente não pode permitir que, por omissão nossa, as mentiras continuem prevalecendo”. Há uma evidente preocupação com a divulgação de fatos desfavoráveis ao Executivo e que colocam em xeque as exaltadas virtudes de gestora de sua sucessora. Ao se referir a inverdades, o ex-presidente tem como alvo fatos que já vêm sendo investigados por Polícia Federal, Ministério Público e Tribunal de Contas da União e serão objeto de sindicância de CPI no Senado.
Observe-se que, ao contrário do que defende, o ex-presidente sentou-se à mesa com pessoas que não têm como oferecer a neutralidade reclamada. Seus ouvintes eram responsáveis por blogs assumidamente governistas, muitos dos quais sustentados por verbas oficiais. A manifestação reproduz o comportamento de líderes políticos que, ao orientar a reação de seguidores a acusações, desqualificam o trabalho dos jornalistas. O ex-presidente seria mais efetivo se contribuisse para que a presidente da República esclarecesse por que, quando chefiava o conselho de administração da estatal, teve informações sonegadas pelos que conduziam as tratativas para aquisição da refinaria. Esta é uma das verdades que não podem ser sonegadas.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a inspirar manchetes da imprensa com declarações dadas nesta semana, em meio a um cenário especialmente conturbado para o governo. É natural que ex-ocupantes de cargos públicos se manifestem sobre questões políticas controversas, desde que estejam dispostos a submeter suas afirmações também a discordâncias. No caso das recentes declarações do petista, em entrevista a blogueiros simpáticos ao governo, mereceu destaque a referência direta à imprensa. Disse o entrevistado que “os meios de comunicação no Brasil pioraram muito do ponto de vista da neutralidade”.
Afirmou ainda o ex-presidente, numa referência às notícias sobre indícios de irregularidades na Petrobras, que “a gente não pode permitir que, por omissão nossa, as mentiras continuem prevalecendo”. Há uma evidente preocupação com a divulgação de fatos desfavoráveis ao Executivo e que colocam em xeque as exaltadas virtudes de gestora de sua sucessora. Ao se referir a inverdades, o ex-presidente tem como alvo fatos que já vêm sendo investigados por Polícia Federal, Ministério Público e Tribunal de Contas da União e serão objeto de sindicância de CPI no Senado.
Observe-se que, ao contrário do que defende, o ex-presidente sentou-se à mesa com pessoas que não têm como oferecer a neutralidade reclamada. Seus ouvintes eram responsáveis por blogs assumidamente governistas, muitos dos quais sustentados por verbas oficiais. A manifestação reproduz o comportamento de líderes políticos que, ao orientar a reação de seguidores a acusações, desqualificam o trabalho dos jornalistas. O ex-presidente seria mais efetivo se contribuisse para que a presidente da República esclarecesse por que, quando chefiava o conselho de administração da estatal, teve informações sonegadas pelos que conduziam as tratativas para aquisição da refinaria. Esta é uma das verdades que não podem ser sonegadas.
Inflação e insegurança travam Argentina - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 10/04
A Argentina, que hoje enfrenta uma greve geral, já não inspira confiança. Para o Brasil, o país governado por Cristina Kirchner se tornou um mercado de alto risco
A Argentina pode parar hoje, a depender do nível de adesão à greve geral convocada por três das cinco centrais sindicais do país, em protesto contra a tentativa do governo de Cristina Kirchner de impor limites aos reajustes salariais dos trabalhadores e contra o aumento da criminalidade no país. Um dos líderes do movimento é o caminhoneiro Hugo Moyano, que comanda a ala da CGT antes aliada e agora na oposição à presidente. O sucesso dependerá, em grande parte, da disposição de condutores de trens e de metrô, motoristas de ônibus e caminhões e do pessoal do tráfego fluvial e aéreo de atender à convocação de líderes como Moyano.
O país vive sob o impacto da deterioração da economia e da escalada do crime. A insegurança tomou conta da província de Buenos Aires a ponto de o governador Daniel Scioli decretar estado de emergência. Scioli fez isso diante de uma onda de linchamentos públicos de delinquentes — doze em dez dias.
O problema é que, no vácuo político, a insegurança pública foi sugada, precocemente, para o centro da disputa eleitoral com vistas à sucessão de Cristina, em 2015. Scioli, cauteloso aliado peronista da Casa Rosada, é um dos prováveis presidenciáveis. Seu plano de emergência, que pretende reincorporar 5 mil policiais aposentados ao serviço, foi visto como uma resposta à violência criminal, mas também como uma jogada política de olho nas eleições. O deputado oposicionista Sergio Massa, peronista, mas em oposição ao governo e também presidenciável, justificou a reação agressiva do povo citando a “ausência do Estado” no combate ao crime.
Para analistas, a insegurança deu ao governador Scioli uma oportunidade para se distanciar do governo nacional. Sua intenção seria deixar claro aos eleitores que a principal meta deve ser o combate à criminalidade. Já a Casa Rosada se apega à mensagem de que “não há segurança sem inclusão e equidade social”, num esforço para, na impossibilidade de reeleger Cristina, conservar um eleitorado supostamente progressista.
O último informe do FMI confirmou a estagnação econômica e comparou a situação argentina à da Venezuela, advertindo sobre o aumento da inflação num contexto de “elevada incerteza”. O Fundo antecipa para o país um crescimento de apenas 0,5% este ano e de 1% em 2015. Segundo consultorias privadas, a inflação foi de mais de 28% em 2013. Mas o FMI não faz projeções para os próximos anos porque não confia nas estatísticas oficiais, sabidamente manipuladas.
A Argentina não inspira confiança, nem às instituições internacionais nem aos investidores. Inspira cuidados. Para o Brasil, que tem no vizinho seu principal comprador de produtos manufaturados, o país governado por Cristina Kirchner é hoje um mercado de alto risco.
A Argentina, que hoje enfrenta uma greve geral, já não inspira confiança. Para o Brasil, o país governado por Cristina Kirchner se tornou um mercado de alto risco
A Argentina pode parar hoje, a depender do nível de adesão à greve geral convocada por três das cinco centrais sindicais do país, em protesto contra a tentativa do governo de Cristina Kirchner de impor limites aos reajustes salariais dos trabalhadores e contra o aumento da criminalidade no país. Um dos líderes do movimento é o caminhoneiro Hugo Moyano, que comanda a ala da CGT antes aliada e agora na oposição à presidente. O sucesso dependerá, em grande parte, da disposição de condutores de trens e de metrô, motoristas de ônibus e caminhões e do pessoal do tráfego fluvial e aéreo de atender à convocação de líderes como Moyano.
O país vive sob o impacto da deterioração da economia e da escalada do crime. A insegurança tomou conta da província de Buenos Aires a ponto de o governador Daniel Scioli decretar estado de emergência. Scioli fez isso diante de uma onda de linchamentos públicos de delinquentes — doze em dez dias.
O problema é que, no vácuo político, a insegurança pública foi sugada, precocemente, para o centro da disputa eleitoral com vistas à sucessão de Cristina, em 2015. Scioli, cauteloso aliado peronista da Casa Rosada, é um dos prováveis presidenciáveis. Seu plano de emergência, que pretende reincorporar 5 mil policiais aposentados ao serviço, foi visto como uma resposta à violência criminal, mas também como uma jogada política de olho nas eleições. O deputado oposicionista Sergio Massa, peronista, mas em oposição ao governo e também presidenciável, justificou a reação agressiva do povo citando a “ausência do Estado” no combate ao crime.
Para analistas, a insegurança deu ao governador Scioli uma oportunidade para se distanciar do governo nacional. Sua intenção seria deixar claro aos eleitores que a principal meta deve ser o combate à criminalidade. Já a Casa Rosada se apega à mensagem de que “não há segurança sem inclusão e equidade social”, num esforço para, na impossibilidade de reeleger Cristina, conservar um eleitorado supostamente progressista.
O último informe do FMI confirmou a estagnação econômica e comparou a situação argentina à da Venezuela, advertindo sobre o aumento da inflação num contexto de “elevada incerteza”. O Fundo antecipa para o país um crescimento de apenas 0,5% este ano e de 1% em 2015. Segundo consultorias privadas, a inflação foi de mais de 28% em 2013. Mas o FMI não faz projeções para os próximos anos porque não confia nas estatísticas oficiais, sabidamente manipuladas.
A Argentina não inspira confiança, nem às instituições internacionais nem aos investidores. Inspira cuidados. Para o Brasil, que tem no vizinho seu principal comprador de produtos manufaturados, o país governado por Cristina Kirchner é hoje um mercado de alto risco.
CPIs desmoralizadas - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 10/04
Uma CPI para investigar tudo, como quer o PT, acabará não investigando nada, como bem sabe o PT
Quando o presidente do Senado, Renan Calheiros, fez pouco de suas responsabilidades e remeteu à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa os requerimentos do governo e da oposição para a criação de CPIs que investigassem a Petrobras e uma série de outras denúncias, o desfecho já estava decidido: como a CCJ tem ampla maioria governista, obviamente prevaleceria a farsa que o PT montou para inviabilizar as investigações sobre a gestão desastrosa da estatal, responsável por escândalos como os das refinarias de Pasadena e Abreu e Lima, as supostas propinas pagas por uma empresa holandesa e os malfeitos de ex-diretores como Paulo Alberto Costa, preso na Operação Lava Jato, da Polícia Federal.
Ontem, a CCJ aprovou, como se imaginava, o pedido do governo para a criação de uma CPI que investigue não apenas a Petrobras, mas também o cartel dos trens paulistas e o Porto de Suape, em Pernambuco – acusações lançadas sob medida para atacar os partidos dos dois principais candidatos de oposição a Dilma Rousseff em outubro, Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB). O PT, afinal, não quer investigar nada; quer apenas tumultuar a apuração das graves denúncias que envolvem a Petrobras, que em apenas um ano perdeu mais de 100 posições no ranking das maiores empresas do mundo.
É claro que uma CPI que se proponha a investigar tudo vai acabar não investigando nada. A falta de foco, proposital, vai arruinar qualquer tentativa de descobrir o que de fato acontece nos bastidores da maior empresa brasileira. Como bem disse, na terça-feira, o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira, se o PT quisesse investigar até o Trem das Onze, que pedisse a abertura de uma CPI específica, pois tem assinaturas suficientes para tal. Não é coincidência que o escândalo dos trens paulistas tenha aparecido na imprensa há tanto tempo e só agora, quando a oposição pede a investigação sobre a Petrobras, os petistas tenham se dado conta de que ele merecia uma CPI. “Querem embaralhar as cartas”, resumiu o tucano.
O PT demonstra, assim, mais uma vez, que tem compromisso apenas consigo próprio; não tem compromisso com a transparência, com o patrimônio do Estado e dos brasileiros, com a decência na administração pública, nem mesmo com a coerência – pois o partido pedia uma CPI que investigasse fatos completamente independentes entre si enquanto tentava inviabilizar a CPI da oposição, que só pretendia investigar a Petrobras, alegando que as denúncias envolvendo a estatal eram desconexas.
Durante seus anos no poder, o PT já atacou uma série de instituições: as agências reguladoras, aparelhadas pelo partido, perderam a força necessária para defender o consumidor; com o mensalão, o partido tentou comprar o Legislativo para submetê-lo ao Executivo; o Supremo Tribunal Federal sofreu uma campanha de desmoralização constante desde o início do julgamento dos mensaleiros. Agora, o PT destrói as CPIs, um dos poucos recursos que restam à oposição para cumprir seu papel de fiscalizar o governo. A partir de agora, sempre que surgir uma iniciativa de CPI que possa prejudicar o governo, bastará à base aliada sugerir uma comissão “combo”, acrescentando mais um punhado de assuntos variados para atacar a oposição, para matar no nascedouro a investigação.
Especialmente triste para o Paraná é o fato de a senadora Gleisi Hoffmann estar na linha de frente da farsa petista para acabar com a investigação sobre a Petrobras. “Apresentaremos também um mandado de segurança ao Supremo Tribunal Federal com base nos mesmos argumentos para que se conceda uma liminar para que se suspenda a instalação da CPI [da oposição] por não atendimento da determinação e conexão dos fatos”, prometia, ontem, na CCJ, enquanto seu grupo garantia a aprovação da “CPI de tudo”, em contradição com o que alegava a senadora para atacar a “CPI só da Petrobras”. Já existe um pedido, da oposição, para que o Supremo coloque ordem no caos causado pelo governo e mantenha o foco na CPI. O plenário do Senado decidirá na próxima terça-feira se segue ou não o entendimento da CCJ, mas tudo indica que o Judiciário, agora, é a única esperança de que tenhamos uma investigação decente sobre o desastre que tem sido a administração da Petrobras.
Uma CPI para investigar tudo, como quer o PT, acabará não investigando nada, como bem sabe o PT
Quando o presidente do Senado, Renan Calheiros, fez pouco de suas responsabilidades e remeteu à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa os requerimentos do governo e da oposição para a criação de CPIs que investigassem a Petrobras e uma série de outras denúncias, o desfecho já estava decidido: como a CCJ tem ampla maioria governista, obviamente prevaleceria a farsa que o PT montou para inviabilizar as investigações sobre a gestão desastrosa da estatal, responsável por escândalos como os das refinarias de Pasadena e Abreu e Lima, as supostas propinas pagas por uma empresa holandesa e os malfeitos de ex-diretores como Paulo Alberto Costa, preso na Operação Lava Jato, da Polícia Federal.
Ontem, a CCJ aprovou, como se imaginava, o pedido do governo para a criação de uma CPI que investigue não apenas a Petrobras, mas também o cartel dos trens paulistas e o Porto de Suape, em Pernambuco – acusações lançadas sob medida para atacar os partidos dos dois principais candidatos de oposição a Dilma Rousseff em outubro, Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB). O PT, afinal, não quer investigar nada; quer apenas tumultuar a apuração das graves denúncias que envolvem a Petrobras, que em apenas um ano perdeu mais de 100 posições no ranking das maiores empresas do mundo.
É claro que uma CPI que se proponha a investigar tudo vai acabar não investigando nada. A falta de foco, proposital, vai arruinar qualquer tentativa de descobrir o que de fato acontece nos bastidores da maior empresa brasileira. Como bem disse, na terça-feira, o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira, se o PT quisesse investigar até o Trem das Onze, que pedisse a abertura de uma CPI específica, pois tem assinaturas suficientes para tal. Não é coincidência que o escândalo dos trens paulistas tenha aparecido na imprensa há tanto tempo e só agora, quando a oposição pede a investigação sobre a Petrobras, os petistas tenham se dado conta de que ele merecia uma CPI. “Querem embaralhar as cartas”, resumiu o tucano.
O PT demonstra, assim, mais uma vez, que tem compromisso apenas consigo próprio; não tem compromisso com a transparência, com o patrimônio do Estado e dos brasileiros, com a decência na administração pública, nem mesmo com a coerência – pois o partido pedia uma CPI que investigasse fatos completamente independentes entre si enquanto tentava inviabilizar a CPI da oposição, que só pretendia investigar a Petrobras, alegando que as denúncias envolvendo a estatal eram desconexas.
Durante seus anos no poder, o PT já atacou uma série de instituições: as agências reguladoras, aparelhadas pelo partido, perderam a força necessária para defender o consumidor; com o mensalão, o partido tentou comprar o Legislativo para submetê-lo ao Executivo; o Supremo Tribunal Federal sofreu uma campanha de desmoralização constante desde o início do julgamento dos mensaleiros. Agora, o PT destrói as CPIs, um dos poucos recursos que restam à oposição para cumprir seu papel de fiscalizar o governo. A partir de agora, sempre que surgir uma iniciativa de CPI que possa prejudicar o governo, bastará à base aliada sugerir uma comissão “combo”, acrescentando mais um punhado de assuntos variados para atacar a oposição, para matar no nascedouro a investigação.
Especialmente triste para o Paraná é o fato de a senadora Gleisi Hoffmann estar na linha de frente da farsa petista para acabar com a investigação sobre a Petrobras. “Apresentaremos também um mandado de segurança ao Supremo Tribunal Federal com base nos mesmos argumentos para que se conceda uma liminar para que se suspenda a instalação da CPI [da oposição] por não atendimento da determinação e conexão dos fatos”, prometia, ontem, na CCJ, enquanto seu grupo garantia a aprovação da “CPI de tudo”, em contradição com o que alegava a senadora para atacar a “CPI só da Petrobras”. Já existe um pedido, da oposição, para que o Supremo coloque ordem no caos causado pelo governo e mantenha o foco na CPI. O plenário do Senado decidirá na próxima terça-feira se segue ou não o entendimento da CCJ, mas tudo indica que o Judiciário, agora, é a única esperança de que tenhamos uma investigação decente sobre o desastre que tem sido a administração da Petrobras.
É urgente o controle das finanças públicas - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 10/04
A inflação acumulada em 12 meses atingiu 6,15% em março. Mas as despesas totais do governo federal cresceram cerca de 15% no primeiro bimestre do ano
A inflação em março acabou superando as expectativas mais pessimistas, acumulando uma alta de 6,15% no período de 12 meses, medida pelo IPCA, índice de preços calculado pelo IBGE. Aproxima-se perigosamente do teto (6,5%) da meta estabelecida pelo próprio governo. É um quadro preocupante, pois é possível que todos os estragos da longa estiagem do último verão não tenham sido inteiramente absorvidos pelos preços dos alimentos e no custo da energia elétrica para os consumidores.
As taxas básicas de juros já estão em patamar elevado, e tendem a retrair o consumo doméstico dos bens que mais dependem de financiamentos. E, de certa, forma, contribuíram para anular uma das fontes de pressão inflacionária, que era a perspectiva de uma desvalorização mais forte do real.
Nessa conjuntura, há ainda um fator macroeconômico que continua contribuindo para a aceleração da inflação: as finanças públicas. Embora a presidente Dilma tenha publicamente assumido o compromisso de controlar a inflação, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, venha enfatizando que as finanças públicas sofrerão um ajuste significativo em 2014, o superávit primário do governo federal diminuiu em relação a 2013 nos dois primeiros meses do ano.
As autoridades alegam que é uma situação temporária, derivada do grande volume de restos a pagar transferidos de um exercício fiscal para o outro, e da inesperada estiagem na região Centro-Sul, que reduziu o nível dos reservatórios das hidrelétricas, o que levou ao encarecimento da energia elétrica pela necessidade de manter ligadas praticamente todas as usinas térmicas disponíveis do país.
Mas, numa conjuntura em que o problema da inflação se agrava, não há nada que justifique um aumento de mais de 15% nas despesas totais do governo federal no primeiro bimestre, enquanto as receitas tributárias não chegaram a crescer 6%. A conta de “pessoal e encargos sociais” cresceu nada menos que 13,5%, o que mostra que a explosão de gastos não é uma situação passageira e concentrada em restos a pagar ou nos repasses do Tesouro às distribuidoras para cobrir o rombo causado pelo encarecimento da energia.
Este ano não há possibilidade de o governo ir empurrando com a barriga um fraco superávit primário, pois não está prevista qualquer receita extraordinária no apagar das luzes do exercício, como ocorreu em 2013, com o leilão do campo de petróleo de Libra, na camada do pré-sal da Bacia de Santos, quando o Tesouro faturou R$ 15 bilhões de uma só tacada.
Para cumprir a promessa de pôr em ordem as finanças públicas em 2014, desde já o governo precisará apresentar resultados concretos. Se os agentes econômicos se sentirem ludibriados, a conta virá sob a forma de mais inflação, o que tornará o ajuste cada vez mais difícil.
A inflação acumulada em 12 meses atingiu 6,15% em março. Mas as despesas totais do governo federal cresceram cerca de 15% no primeiro bimestre do ano
A inflação em março acabou superando as expectativas mais pessimistas, acumulando uma alta de 6,15% no período de 12 meses, medida pelo IPCA, índice de preços calculado pelo IBGE. Aproxima-se perigosamente do teto (6,5%) da meta estabelecida pelo próprio governo. É um quadro preocupante, pois é possível que todos os estragos da longa estiagem do último verão não tenham sido inteiramente absorvidos pelos preços dos alimentos e no custo da energia elétrica para os consumidores.
As taxas básicas de juros já estão em patamar elevado, e tendem a retrair o consumo doméstico dos bens que mais dependem de financiamentos. E, de certa, forma, contribuíram para anular uma das fontes de pressão inflacionária, que era a perspectiva de uma desvalorização mais forte do real.
Nessa conjuntura, há ainda um fator macroeconômico que continua contribuindo para a aceleração da inflação: as finanças públicas. Embora a presidente Dilma tenha publicamente assumido o compromisso de controlar a inflação, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, venha enfatizando que as finanças públicas sofrerão um ajuste significativo em 2014, o superávit primário do governo federal diminuiu em relação a 2013 nos dois primeiros meses do ano.
As autoridades alegam que é uma situação temporária, derivada do grande volume de restos a pagar transferidos de um exercício fiscal para o outro, e da inesperada estiagem na região Centro-Sul, que reduziu o nível dos reservatórios das hidrelétricas, o que levou ao encarecimento da energia elétrica pela necessidade de manter ligadas praticamente todas as usinas térmicas disponíveis do país.
Mas, numa conjuntura em que o problema da inflação se agrava, não há nada que justifique um aumento de mais de 15% nas despesas totais do governo federal no primeiro bimestre, enquanto as receitas tributárias não chegaram a crescer 6%. A conta de “pessoal e encargos sociais” cresceu nada menos que 13,5%, o que mostra que a explosão de gastos não é uma situação passageira e concentrada em restos a pagar ou nos repasses do Tesouro às distribuidoras para cobrir o rombo causado pelo encarecimento da energia.
Este ano não há possibilidade de o governo ir empurrando com a barriga um fraco superávit primário, pois não está prevista qualquer receita extraordinária no apagar das luzes do exercício, como ocorreu em 2013, com o leilão do campo de petróleo de Libra, na camada do pré-sal da Bacia de Santos, quando o Tesouro faturou R$ 15 bilhões de uma só tacada.
Para cumprir a promessa de pôr em ordem as finanças públicas em 2014, desde já o governo precisará apresentar resultados concretos. Se os agentes econômicos se sentirem ludibriados, a conta virá sob a forma de mais inflação, o que tornará o ajuste cada vez mais difícil.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“A renúncia dele, agora, não muda nada”
Deputado Ricardo Izar (PSD-SP) sobre André Vargas, sócio do doleiro Alberto Youssef
VIÚVA-BOMBA ASSOMBRA O PT NA CPI DA PETROBRAS
Viúva do ex-deputado federal José Janene (PP-PR), um dos pivôs do escândalo do mensalão no Congresso, Stael Fernanda Janene pode ser peça-chave na Comissão Parlamentar de Inquérito que investigará denúncia contra a Petrobras envolvendo o doleiro Alberto Youssef, preso pela Polícia Federal. A viúva reivindicaria dinheiro em conta milionária do falecido marido no exterior, da qual o doleiro teria se apossado.
AMIGOS ÍNTIMOS
Alberto Youssef é padrinho de um filho do Janene, de quem carregava um cheque na carteira quando foi preso pela PF, em 2001.
RAMIFICAÇÕES
Janene teria feito a ponte entre Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto, envolvido na compra da refinaria de Pasadena, EUA.
IRMÃO CAMARADA
O ex-líder do Partido Progressista também era fortemente ligado ao vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), sócio de Youssef, que está preso.
PELA ORDEM
O líder do SDD, Fernando Francischini (PR), garante que seu primeiro requerimento, se a Comissão Parlamentar de Inquérito for instalada, será para ouvir a “viúva explosiva”.
PSDB COBRA RESULTADO DA ‘FAXINA’ DE DILMA EM 2010
Líder da oposição na Câmara, Domingos Sávio (PSDB-MG) solicitou ao ministro Jorge Hage (CGU) informações sobre andamento e conclusão das investigações que levaram à demissão – na propalada “faxina” da presidente Dilma em 2010 – dos ex-ministros Antônio Palocci (PT), Alfredo Nascimento (PR), Carlos Lupi (PDT), Orlando Silva (PCdoB), Wagner Rossi (PMDB), Pedro Novais (PMDB) e Mário Negromonte (PP).
FACHADA
Os ex-ministros, que foram alvos de denúncias de corrupção em 2010, saíram dos cargos, mas indicaram seus substitutos.
CADÊ O DINHEIRO?
O líder da oposição questionou ainda a Controladoria-Geral da União sobre a devolução do dinheiro desviado ou apropriado indevidamente.
MARRONZINHO
A entrevista de Lula a blogueiros amigos, terça, consagra o “jornalismo de torcida”, com direito a aplausos e até assobios na plateia.
TESTEMUNHA
Relator do processo de cassação do vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) pretende ouvir o doleiro Alberto Youssef, caso não atrapalhe o andamento do processo.
DEIXA PRA LÁ
Sem controle da bancada na Câmara, chefiada pelo líder Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o vice Michel Temer cancelou ontem a reunião de trabalho que ocorreria na casa do vice-governador Tadeu Filippelli (DF).
GESTÃO ANTERIOR
Citado nas investigações da Polícia Federal por ter recebido doação eleitoral intermediada pelo doleiro Alberto Youssef, o PP nacional pode desligar os ex-dirigentes Mário Negromonte e Henrique Pizzolato.
BATATAS QUENTES
Relator da MP 627 no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR) deve deixar à presidente Dilma a tarefa de remover os mais de vinte “contrabandos” enxertados pelo relator e líder Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
GATOS MIÚDOS
O Tribunal Superior do Trabalho multou a Petrobras em R$ 500 mil pelo uso de uma “cooperativa de metalúrgicos” do estado do Rio para recontratar ex-funcionários, sonegando encargos trabalhistas.
AFUNDANDO JÂNIO
A família do ex-presidente processa o eterno candidato Levy Fidelix (PRTB) por uso indevido do nome de Jânio Quadros em uma fundação que criou, e ainda cobra os valores que ele arrecadou.
NEGÓCIO DA CHINA
Era lero-lero o complexo graneleiro de US$ 2 bilhões do grupo Chongqing Grain Group Corp em Barreiras (BA) para exportação. Em três anos só o mato cresce nos 100ha devastados, apurou a Reuters.
DE OLHO EM 2016
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) fechou o plano de ação para a Copa do Mundo. O foco agora é nas Olimpíadas do Rio, em 2016. O diretor da Abin, Wilson Trezza, deve sair da agência após o Mundial.
PENSANDO BEM...
... “santa CPI”: enquanto os escândalos da Petrobras entram pela porta do Congresso, dona inflação invade nossas casas pela janela.
PODER SEM PUDOR
TUDO É POSSÍVEL
O advogado Mendes de Barros, que ficaria famoso como o "marajá das Alagoas", foi candidato ao Senado pelo MDB, em 1970. Num comício em Pilar, praça lotada, um vereador anunciou sua presença:
- Está aqui o doutor Mendes de Barros, nosso futuro governador!...
Mendes puxou o sujeito pela camisa e lhe soprou no ouvido:
- Não é "futuro governador", é "futuro senador"...
Ao microfone, o vereador compartilhou sua resposta com a multidão:
- Tem importância não, dr. Mendes. Nesta terra tudo pode acontecer...
Deputado Ricardo Izar (PSD-SP) sobre André Vargas, sócio do doleiro Alberto Youssef
VIÚVA-BOMBA ASSOMBRA O PT NA CPI DA PETROBRAS
Viúva do ex-deputado federal José Janene (PP-PR), um dos pivôs do escândalo do mensalão no Congresso, Stael Fernanda Janene pode ser peça-chave na Comissão Parlamentar de Inquérito que investigará denúncia contra a Petrobras envolvendo o doleiro Alberto Youssef, preso pela Polícia Federal. A viúva reivindicaria dinheiro em conta milionária do falecido marido no exterior, da qual o doleiro teria se apossado.
AMIGOS ÍNTIMOS
Alberto Youssef é padrinho de um filho do Janene, de quem carregava um cheque na carteira quando foi preso pela PF, em 2001.
RAMIFICAÇÕES
Janene teria feito a ponte entre Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto, envolvido na compra da refinaria de Pasadena, EUA.
IRMÃO CAMARADA
O ex-líder do Partido Progressista também era fortemente ligado ao vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), sócio de Youssef, que está preso.
PELA ORDEM
O líder do SDD, Fernando Francischini (PR), garante que seu primeiro requerimento, se a Comissão Parlamentar de Inquérito for instalada, será para ouvir a “viúva explosiva”.
PSDB COBRA RESULTADO DA ‘FAXINA’ DE DILMA EM 2010
Líder da oposição na Câmara, Domingos Sávio (PSDB-MG) solicitou ao ministro Jorge Hage (CGU) informações sobre andamento e conclusão das investigações que levaram à demissão – na propalada “faxina” da presidente Dilma em 2010 – dos ex-ministros Antônio Palocci (PT), Alfredo Nascimento (PR), Carlos Lupi (PDT), Orlando Silva (PCdoB), Wagner Rossi (PMDB), Pedro Novais (PMDB) e Mário Negromonte (PP).
FACHADA
Os ex-ministros, que foram alvos de denúncias de corrupção em 2010, saíram dos cargos, mas indicaram seus substitutos.
CADÊ O DINHEIRO?
O líder da oposição questionou ainda a Controladoria-Geral da União sobre a devolução do dinheiro desviado ou apropriado indevidamente.
MARRONZINHO
A entrevista de Lula a blogueiros amigos, terça, consagra o “jornalismo de torcida”, com direito a aplausos e até assobios na plateia.
TESTEMUNHA
Relator do processo de cassação do vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) pretende ouvir o doleiro Alberto Youssef, caso não atrapalhe o andamento do processo.
DEIXA PRA LÁ
Sem controle da bancada na Câmara, chefiada pelo líder Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o vice Michel Temer cancelou ontem a reunião de trabalho que ocorreria na casa do vice-governador Tadeu Filippelli (DF).
GESTÃO ANTERIOR
Citado nas investigações da Polícia Federal por ter recebido doação eleitoral intermediada pelo doleiro Alberto Youssef, o PP nacional pode desligar os ex-dirigentes Mário Negromonte e Henrique Pizzolato.
BATATAS QUENTES
Relator da MP 627 no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR) deve deixar à presidente Dilma a tarefa de remover os mais de vinte “contrabandos” enxertados pelo relator e líder Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
GATOS MIÚDOS
O Tribunal Superior do Trabalho multou a Petrobras em R$ 500 mil pelo uso de uma “cooperativa de metalúrgicos” do estado do Rio para recontratar ex-funcionários, sonegando encargos trabalhistas.
AFUNDANDO JÂNIO
A família do ex-presidente processa o eterno candidato Levy Fidelix (PRTB) por uso indevido do nome de Jânio Quadros em uma fundação que criou, e ainda cobra os valores que ele arrecadou.
NEGÓCIO DA CHINA
Era lero-lero o complexo graneleiro de US$ 2 bilhões do grupo Chongqing Grain Group Corp em Barreiras (BA) para exportação. Em três anos só o mato cresce nos 100ha devastados, apurou a Reuters.
DE OLHO EM 2016
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) fechou o plano de ação para a Copa do Mundo. O foco agora é nas Olimpíadas do Rio, em 2016. O diretor da Abin, Wilson Trezza, deve sair da agência após o Mundial.
PENSANDO BEM...
... “santa CPI”: enquanto os escândalos da Petrobras entram pela porta do Congresso, dona inflação invade nossas casas pela janela.
PODER SEM PUDOR
TUDO É POSSÍVEL
O advogado Mendes de Barros, que ficaria famoso como o "marajá das Alagoas", foi candidato ao Senado pelo MDB, em 1970. Num comício em Pilar, praça lotada, um vereador anunciou sua presença:
- Está aqui o doutor Mendes de Barros, nosso futuro governador!...
Mendes puxou o sujeito pela camisa e lhe soprou no ouvido:
- Não é "futuro governador", é "futuro senador"...
Ao microfone, o vereador compartilhou sua resposta com a multidão:
- Tem importância não, dr. Mendes. Nesta terra tudo pode acontecer...
QUINTA NOS JORNAIS
- Estadão: Sob risco de cassação, Vargas deixa cargo de vice na Câmara
- Folha: Alimento dispara e inflação chega a 6,15% em 12 meses
- Globo: Força-tarefa rastreia R$ 10 bi de rede de doleiro ligado a petista
- Correio: Revolta para ir trabalhar
- Jornal do Commercio: Sport é tri – Rei no Castelão
- Zero Hora: Inflação para março é a mais alta desde 2003
- Brasil Econômico: Fundo para elétricas atrai todos os grandes bancos
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