O GLOBO - 10/04
A Argentina, que hoje enfrenta uma greve geral, já não inspira confiança. Para o Brasil, o país governado por Cristina Kirchner se tornou um mercado de alto risco
A Argentina pode parar hoje, a depender do nível de adesão à greve geral convocada por três das cinco centrais sindicais do país, em protesto contra a tentativa do governo de Cristina Kirchner de impor limites aos reajustes salariais dos trabalhadores e contra o aumento da criminalidade no país. Um dos líderes do movimento é o caminhoneiro Hugo Moyano, que comanda a ala da CGT antes aliada e agora na oposição à presidente. O sucesso dependerá, em grande parte, da disposição de condutores de trens e de metrô, motoristas de ônibus e caminhões e do pessoal do tráfego fluvial e aéreo de atender à convocação de líderes como Moyano.
O país vive sob o impacto da deterioração da economia e da escalada do crime. A insegurança tomou conta da província de Buenos Aires a ponto de o governador Daniel Scioli decretar estado de emergência. Scioli fez isso diante de uma onda de linchamentos públicos de delinquentes — doze em dez dias.
O problema é que, no vácuo político, a insegurança pública foi sugada, precocemente, para o centro da disputa eleitoral com vistas à sucessão de Cristina, em 2015. Scioli, cauteloso aliado peronista da Casa Rosada, é um dos prováveis presidenciáveis. Seu plano de emergência, que pretende reincorporar 5 mil policiais aposentados ao serviço, foi visto como uma resposta à violência criminal, mas também como uma jogada política de olho nas eleições. O deputado oposicionista Sergio Massa, peronista, mas em oposição ao governo e também presidenciável, justificou a reação agressiva do povo citando a “ausência do Estado” no combate ao crime.
Para analistas, a insegurança deu ao governador Scioli uma oportunidade para se distanciar do governo nacional. Sua intenção seria deixar claro aos eleitores que a principal meta deve ser o combate à criminalidade. Já a Casa Rosada se apega à mensagem de que “não há segurança sem inclusão e equidade social”, num esforço para, na impossibilidade de reeleger Cristina, conservar um eleitorado supostamente progressista.
O último informe do FMI confirmou a estagnação econômica e comparou a situação argentina à da Venezuela, advertindo sobre o aumento da inflação num contexto de “elevada incerteza”. O Fundo antecipa para o país um crescimento de apenas 0,5% este ano e de 1% em 2015. Segundo consultorias privadas, a inflação foi de mais de 28% em 2013. Mas o FMI não faz projeções para os próximos anos porque não confia nas estatísticas oficiais, sabidamente manipuladas.
A Argentina não inspira confiança, nem às instituições internacionais nem aos investidores. Inspira cuidados. Para o Brasil, que tem no vizinho seu principal comprador de produtos manufaturados, o país governado por Cristina Kirchner é hoje um mercado de alto risco.
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