sábado, dezembro 21, 2013

Como cultivar as ex - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 21/12

Sentindo-se preteridas ou abandonadas, elas se vingam expondo publicamente os malfeitos dos maridos



A moral e os bons costumes políticos devem muito a ex-mulheres, graças às quais alguns escândalos foram conhecidos depois de terminado o casamento contra a vontade delas. É que, sentindo-se preteridas ou abandonadas, elas se vingam expondo publicamente os malfeitos dos maridos. Um caso famoso ocorreu em 2000, quando Nicéa, mulher por 30 anos do então prefeito Celso Pitta, denunciou-o em represália a um processo de separação litigiosa movido por ele. Ela foi à televisão e o acusou de ter distribuído fortunas aos vereadores para encerrarem uma CPI contra ele. As acusações se estendiam ao secretário de Saúde, que teria montado um esquema milionário de desvio de dinheiro na compra de remédios. O episódio, com repercussão nacional, acabou com a imagem de Pitta: ao deixar o poder, em 2001, ele tinha mais de 80% de rejeição.

Mais recentemente, também em SP, houve o caso dos quatro auditores fiscais envolvidos em uma fraude de R$ 500 milhões. Vanessa, a mulher de um deles, Luís Alexandre Magalhães, escancarou em entrevistas a vida de luxo e dissipação que levavam com o dinheiro das propinas. Jantavam em restaurantes de luxo e pediam o vinho mais caro. Segundo ela, ele sempre deixou claro para os amigos que era corrupto: “Ah, eu roubo mesmo”, confessava. Magalhães aceitou a delação premiada e se curvou às denúncias da ex.

Diante dessas e de outras histórias parecidas, constitui fenômeno raro o que acabo de ler na revista “Piauí”: o excelente perfil da ex-mulher de José Dirceu, de autoria da repórter Daniela Pinheiro. Ali, Evanise Santos relata cenas do casamento (ou “união estável”, como diz) de oito anos e da separação. Ela esteve ao lado dele nos “piores momentos” e teria desempenhado um relevante papel no processo do mensalão, opinando inclusive sobre as estratégias da defesa. “Foi uma das pessoas procuradas por um solícito Luiz Fux, que pleiteava uma vaga no STF”, informa a repórter. “A ele, ela aconselhou: ‘Pare de ficar atrás do Lula. Se você quer o cargo, dá uma sumida’”.

O depoimento não contém revelações bombásticas ou baixarias, apenas aqui e ali um discreto ressentimento, natural em quem foi preterida, como, por exemplo, quando o companheiro confessa que estava apaixonado por outra com quem tinha uma filha de 4 meses. O nome dela: Simone Patrícia, aquela que ganhou um cargo de confiança no Senado, com horário flexível e R$ 12.800 de salário. Para mim, o mais curioso na matéria é o relato da capacidade do ex-ministro de manter harmonioso convívio com as quatro ex-esposas. Evanise, a última (por enquanto), fala em “dinâmica particular” entre elas: “Todas orbitavam em volta de Dirceu — cada qual à sua maneira (...). É uma coisa que ele cultiva. Gosta de estar rodeado do que chama de ‘as mulheres de minha vida’, e isso inclui as filhas e a neta.”

Justiça seja feita. Não é para qualquer um conseguir transformar amores desfeitos em amigas confiáveis. Se algum político estiver pensando em se separar, deve aconselhar-se antes com José Dirceu.

GOSTOSA



Quando amar é armar - FERNANDO REINACH

O Estado de S.Paulo - 21/12

Oophaga pumilio é um sapinho, vermelho como morango maduro, que habita as florestas da América Central. Ao contrário de seus colegas, camuflados entre as folhas, nosso amigo mostra o corpo e não teme predadores. Não é para menos, está armado até os dentes. Seu corpo contém mais de 50 tipos de alcaloides. O predador que abocanhar um desses simpáticos sapinhos não vai esquecer a experiência. Se não morrer, vai passar dias sob efeito das poderosas armas químicas carregadas pelo sapinho. A cor vermelha avisa os predadores: cuidado comigo, estou armado e sou perigoso. Agora os cientistas descobriram a origem desse poderoso arsenal. Ele é fornecido pela mãe sapo, e duvido que você adivinhe como. Vamos adiante.

Nosso sapinho tem dois centímetros de comprimento e é completamente inofensivo. Não morde nem utiliza seu arsenal de alcaloides para o ataque. É tão bonito, e suas cores tão chamativas, que é criado como animal de estimação em diversos países. O único cuidado é não cair na tentação de morder o animal, pois os alcaloides estão acumulados na pele.

Papai e mamãe Oophaga dividem o cuidado com a prole. Mamãe coloca os ovos e papai despeja espermatozoides sobre os ovos. A pilha de ovos fecundados é cuidada por papai, que coleta água com sua cloaca (o orifício por onde saem a urina, as fezes e os espermatozoides) e a despeja sobre os ovos, garantindo que eles permaneçam úmidos durante os 12 dias de incubação. Quando os girinos saem do ovo, mamãe Oophaga volta ao ninho e transporta os filhotes para os phitotelmata (aqueles laguinhos de água acumulada entre as folhas de bromélias). É nesse ambiente que os girinos crescem e se transformam em sapos.

Como não existe alimento suficiente nos phitotelmata, a amorosa mamãe Oophaga volta frequentemente e alimenta os filhotes durante dois meses com seus próprios ovos não fecundados. Devorando os ovos gerados pela mãe, os amados filhotes crescem felizes. Faz tempo que os cientistas descobriram que os sapos adultos não produzem os alcaloides que acumulam no seu corpo, mas obtêm essas moléculas de sua dieta. Como todo sapo, os adultos comem os mais diversos tipos de insetos. Após ingerirem a presa, os Oophaga não destroem os alcaloides presentes no alimento. Essas moléculas são transportadas para a pele e se acumulam em grande quantidade. Em outras palavras, o arsenal defensivo de nossos sapinhos é capturado dia a dia, um pouquinho de cada inseto ingerido. Aos poucos, os sapos vão armando seu arsenal químico.

Mas uma pergunta atormentava os cientistas. Será que os girinos acumulam as toxinas antes de se transformar em sapos ou somente depois de começar a se alimentar de insetos? Para resolver esse problema, os cientistas coletaram e analisaram girinos recém-nascidos. Descobriram que ao nascer os girinos não tinham suas armas químicas. Mas, quando os cientistas analisaram os girinos um pouco antes de se transformar em sapos, descobriram que eles já haviam acumulado um pequeno arsenal de alcaloides.

Analisando os ovos não fecundados que mamãe sapo usa para alimentar os girinos, os cientistas descobriram que eles tinham em seu interior pequenas quantidades de alcaloides. Essa observação favorecia a hipótese de que as mães estavam armando seus amados filhotes com alcaloides. Para comprovar essa hipótese, os cientistas alimentaram girinos com ovos de espécies de sapos que não acumulam alcaloides. Como esperado, esses girinos, ao se transformar em sapos, estavam totalmente desarmados, sem qualquer alcaloide em seu corpo.

Esses resultados demonstram que as mamães sapo não somente fornecem o alimento, mas também o arsenal químico que os sapinhos precisam para enfrentar os predadores. É o amor que arma.

Alimentamos e educamos nossos filhos para que eles sejam felizes. Mas, se você acredita que a educação é também uma arma a ser utilizada pelos filhos para enfrentar os perigos da vida adulta, você não está sozinho. Os amorosos Oophaga fazem a mesma coisa e não sentem culpa.

Ueba! Mamãe Noel Sapeca! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 21/12

E olha esse anúncio: 'Peru Desesperado! Procuro fantasia de cachorro beagle para usar no Natal'


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Atenção! Vai viajar nesse fim de ano? O Fluminense lançou uma companhia aérea: FLYMINENSE!. O avião mais seguro do mundo! Não cai nunca! E os aeroportos? A greve está suspensa. Mas os atrasos estão mantidos! Rarará!

E olha esse anúncio: "Peru Desesperado! Procuro fantasia de cachorro beagle para usar no Natal. URGENTE!". Aí o peru se fantasia de beagle e a Luisa Mell resgata ele do forno!

E acabo de receber o melhor kit de Natal: um CD do Luan Santana mais um litro de álcool, mais uma caixa de fósforos. BUM! Kit bomba! Kit Al Qaeda!

E adorei a charge do Marco Aurélio com os três Reis Magos: "Belchior, quem veio no lugar do Baltazar?". "O Barbosa!" O Barbosa, não! Tadinho do menino Jesus! Rarará! E como todo ano, o meu cartão de Natal pro Bolsonaro: "Meus votos são para que você nunca mais tenha votos".

E as retrospectivas? Ver tudo aquilo de novo? "Retrospectiva 2013! Só engordei!". Não é sempre assim? O que aconteceu em 2013? ENGORDEI! Rarará! "Retrospectiva 2013! ESQUECI!". É melhor esquecer mesmo! E a retrospectiva do chargista Luscar: "2013! Melhor deixar quieto". Isso! "Retrospectiva 2013! Melhor Deixar Quieto!".

Detesto retrospectiva! Retrospectiva é olhar a vida pelo retrovisor do carro! 2013 foi o ano do P: Protesto, Paulista, Propina, Papuda e Putaria! E foi o ano em que as bibas mandaram recados pro Feliciano: "Feliciano, quem foi o boy que partiu teu coração?". "Feliciano, não me cure, eu não tenho roupa pra ser hétero". Rarará!

Foi o ano do Gigante. O Gigante acordou e quebrou tudo! Os Black Brócolis! Foi o ano do spray de pimenta. E do antídoto: o vinagre. Foi o ano do Libertê, Egalitê, Vinagrê e Beyoncê! Rarará!

Foi o ano em que a avenida Paulista virou fetiche! Bastava juntar dez pessoas que já gritavam: "Vamos pra Paulista! Vamos pra Paulista".

E olha a fantasia de Mamãe Noel que eu achei num site erótico: "Mamãe Noel Pimenta Quente: um gorro, uma calcinha fio dental ou você prefere aquele velho barbudo?". Rarará! E o cartaz na padaria do bairro: "Nesse ano, deixe o seu peru em nossas mãos". Deixo ou não deixo? Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

VENDA ESPECIAL - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 21/12

O chef Alex Atala doou um tapete dos anos 1950 e facas para o "Artigo S/número", bazar que o empresário Houssein Jaroucherealiza na Casa do Lado, em SP, neste fim de semana. "É quase um mercado fenício libanês", diz Jarouche. Entre os curadores está Marina Dias, sua namorada, que o ajudou a escolher objetos de várias personalidades.

NOME PRÓPRIO
A proposta de mudar o nome do elevado Presidente Costa e Silva, o Minhocão, para Presidente João Goulart foi levada ao prefeito Fernando Haddad (PT-SP) pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos. A ideia até agora não vingou.

NOME PRÓPRIO 2
Uma das alternativas em estudo é tirar o nome do ex-ditador e adotar Minhocão como o nome oficial da via. Para a secretaria, o mais importante é alterar a referência a um presidente do regime militar que derrubou Jango em 1964.

NOME PRÓPRIO 3
A alteração pode ser feita por decreto porque não há moradores no elevado. No caso de ruas residenciais, a mudança precisa ser aprovada na Câmara Municipal, por interferir em escrituras e recebimento de correspondências, por exemplo. É a situação da rua Doutor Sérgio Fleury, na Vila Leopoldina, que homenageia o delegado que trabalhou nos órgãos de repressão. O Legislativo discute rebatizá-la como Frei Tito, um dos torturados pela equipe do delegado.

SINAL TROCADO
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Joaquim Barbosa, passou dez minutos com Paulo Skaf, da Fiesp, que foi à corte tentar convencê-lo a barrar o reajuste do IPTU em SP. E cerca de meia hora com o prefeito Fernando Haddad, que defendeu a medida. Os dois, no entanto, saíram do encontro sem a menor pista sobre qual das duas teses iria prevalecer.

SINAL TROCADO 2
O deputado João Paulo Cunha (PT-SP), condenado no processo do mensalão, passou a semana em Brasília na expectativa de ter que se entregar à polícia, caso Joaquim Barbosa determinasse a sua prisão. Ontem, voltou a SP. Onde seguia tenso.

SAUDADE
Presidida pela atriz Vida Alves, a Pró-TV (Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadores da Televisão Brasileira) divulgou nota lamentando a morte de Maria Thereza Gregori, na terça. Precursora dos programas femininos, ela tinha 87 anos e era irmã do ex-ministro da Justiça José Gregori.

DEU PRA TI
Vik Muniz volta a expor no Brasil no ano que vem. Cerca de 70 obras do artista, entre fotografias, esculturas, vídeos e instalações, ficarão em cartaz de 20 de maio a 3 de agosto no Santander Cultural, em Porto Alegre.

PRANCHETA
Depois de projetos como o novo escritório do Google em SP, Guto Requena fecha o ano com uma casa popular e tecnológica para o "Lar Doce Lar", do "Caldeirão do Huck". Ele teve 12 dias para finalizar a obra, de baixo orçamento. "Vou mostrar que design é acessível. Não é só para gente rica", afirma o profissional. O programa de Natal vai ao ar hoje.

TEMPO DE CELEBRAR
O empresário Felipe Sigrist, do bufê Charlô, ofereceu jantar de fim de ano em sua casa, nos Jardins. Com a namorada, Maria Victoria Dias, ele recebeu convidados como o advogado Afrânio Affonso Ferreira Neto e a mulher, Bianca, a estudante Helena Barros, a empresária Isabel Humberg e a publicitária Mila Martinez.

CURTO-CIRCUITO

O MIS recebe a mostra de curtas-metragens canadense "UpTo3'BR", hoje, a partir das 15h. Grátis.

O musical "Uma Luz Cor de Luar", com Totia Meireles, estreia hoje, às 20h30, em Campos do Jordão.

O bar e restaurante Ciao! Vino & Birra, no Paraíso, celebra os três anos com comemoração amanhã.

As duas vitórias de Michelle - LAURA GREENHALGH

O Estado de S.Paulo - 21/12

A entrevista seria às 8 da manhã. Mas a jornalista, vinda de São Paulo na véspera, chegou ao La Moneda às 7. Precaução. Entrevista presidencial rende noite maldormida, temor de que algo vai dar errado. Sempre pode dar.

Santiago amanhecera fria. À entrada do palácio chileno, saudação ao militar carabineiro, impecável em suas botas de cano longo e couro bom. O homem convida a jornalista a se acomodar na Sala dos Oficiais, "y esperar hasta las ocho". Espera longa, o olhar vagando no éter da memória...

A visitante imaginaria o bombardeio aéreo daquele lugar, também numa manhã fria, em 11 de setembro de 1973. Cenas que tantas vezes pôde rever no ótimo documentário de Patricio Guzmán, A Batalha do Chile. Mas era novembro de 2006, outro tempo, a primeira presidente latino-americana, uma socialista, tomara posse, vitória da democracia. "Té o café, señora?", perguntou-lhe o oficial, curvando-se com duas garrafas térmicas nas mãos. Choque de realidade. Meu Deus, o oficial das botas impecáveis tem uma magreza e um bigodinho que o fazem sósia de... Jorge Videla! O ditador argentino! Não, não era hora para coincidências de mau gosto.

O carro trazendo a presidente cruzou o pórtico do palácio às 7h50. Cinco minutos depois, a jornalista era convidada a se dirigir ao Salão Azul. Com uma encarregada do cerimonial à frente, varando corredores e explicando a mais recente reforma do La Moneda "de triste memória". Michelle Bachelet entrou no salão a las ocho. Simples na aparência, simpática no trato, comedida na fala. Tinha apenas oito meses de governo. A jornalista agradeceu de saída o encontro e anunciou que iria perguntar sobre tudo.

A presidente consentiu. Em duas horas e meia, conversaram sobre quase tudo. Sobre a primazia de ser a primeira mulher a suceder 46 homens naquele cargo, em 200 anos de vida republicana. Sobre o futuro da Concertación, coalizão política que garantiu a transição democrática do país. Sobre a agilidade com que a economia chilena se abria para o mundo, em múltiplos acordos comerciais. Sobre os contenciosos com vizinhos latino-americanos, Bolívia e Venezuela. Sobre os estudantes que começavam a sair às ruas. Por duas vezes a moça do cerimonial foi dispensada de avisar que o tempo fixado para o encontro já se esgotara.

Na véspera, havia sido decretada a prisão domiciliar do general Augusto Pinochet, este sim de triste memória. Michelle seria discreta ao comentar a decisão da Justiça. E firme ao defender o processo de reparação que a sociedade chilena levava adiante, mesmo com o ditador vivo. Presidente, acha mesmo que as feridas do passado vão fechar? "Vou responder como médica. Sabe que sou pediatra, não? Quando uma ferida está contaminada, suja, ela não cicatriza. E sempre pode reabrir. Temos que ir limpando, limpando, limpando..." Tudo dito, tudo entendido, abraços de despedida. A presidente então decide acompanhar a jornalista até um corredor de saída. Passam numa sala de portas fechadas. Michelle para e aponta. "Foi aqui que aconteceu." Aconteceu o que, presidente? "Allende." Proferiu o nome, olhou firmemente a interlocutora e disse adeus.

Até aquele momento, a morte de Salvador Allende pairava enigmática na minha cabeça. Muitos como eu, da geração cujos sonhos de juventude foram acuados pelas baionetas, guardaram por anos a impressão de que o presidente socialista fora assassinado dentro do palácio, e dele saíra pela porta da rua Morandé, número 80, o corpo embrulhado em uma manta. Seria o triste desfecho de um golpe matutino, que se desdobraria na longa noite de um regime sanguinário. No entanto, Michelle anunciava ali, laconicamente, e em 2006, o que o juiz chileno Mario Carroza viria sacramentar para a Justiça e para a História somente no ano passado: diante das traições e da devastação brutal, Allende deu cabo da vida.

Se a presidente ousou tocar nesta ferida, no derradeiro momento do nosso encontro, evitou contato com outra, ainda mais exposta, ao longo da entrevista. Explico. Chegara às livrarias, naqueles dias de 2006, o volume As Cartas do General Bachelet, assinado por duas jornalistas chilenas e feito a partir da liberação (pela família) da correspondência do pai de Michelle. Alberto Bachelet foi preso na manhã do golpe e morreria seis meses depois, em consequência das torturas que sofreu. Deixou epístolas que brotam do desalento, escritas desde o momento em que o capturaram até a véspera da morte. São o testemunho do quanto pode ser conspurcada a "honra de servir à pátria", essa nobre distinção militar, face ao desvario totalitário. Pois Michelle não se pronunciou sobre o livro, publicação incômoda que o ditador ainda deve ter tido o desprazer da leitura.

Passaram-se os anos e eis que velhos fantasmas retomam a cena, agora no embate eleitoral entre Michelle Bachelet, de centro-esquerda, reeleita presidente do Chile dias atrás, e a ex-ministra Evelyn Matthei, de centro-direita. A vitória da socialista, a bordo da Nova Maioria, frente política que expande a antiga Concertación, era dada como certa. O que despertou interesse foi o confronto entre duas filhas de generais - Alberto Bachelet, destacado oficial da Força Aérea chilena e chefe da Secretaria Nacional de Abastecimento no governo Allende, e Fernando Matthei, também aeronáutico, que servia em Londres no momento do golpe.

O confronto das filhas suscitou perguntas incômodas. Quando Matthei foi logo chamado de volta ao Chile, pela junta liderada por Pinochet, teria se ocupado da prisão de Bachelet, seu companheiro de farda? Teria pretendido enredar o pai de Michelle com os quadros radicais da esquerda? Teria imputado a ele a titularidade de uma conta bancária suspeita? Teria ordenado as famigeradas sessões de "ablandamiento", eufemismo para tortura, a que foi submetido Bachelet, um cardiopata? Matthei está vivo para rebater o "sim" que militantes de Direitos Humanos dão a essas questões: "Acusar-me de participação na morte de meu amigo é tão grotesco quanto acusar Alberto Bachelet de traição à Pátria".

Juntando estas peças, penso que a reeleição foi a segunda vitória de Michelle este ano. A primeira veio com o reconhecimento - agora oficial- de que seu pai morreu no dia seguinte a uma sessão de "ablandamiento", como conclui a investigação conduzida pelo mesmo juiz que comprovou o suicídio de Allende.

Do livro de cartas - e abençoados sejam os que as escrevem - seleciono a mais singela delas, em que o general, hospitalizado por isquemia depois de uma sessão de maus tratos, escreve para a filha Michelle, estudante de medicina, chamando-a pelo apelido, para felicitá-la pelo aniversário. Dispenso a tradução: "29 de Septiembre de 1973. Mica, no te podré cantar el 'Feliz Cumpleaños'. No te prodré abrazar, besar ni entregarte algún regalo. No te podré invitar a comer donde los chinos. Pero te deseo un montón de felicidades, otro montón de abrazos y besos en tu cumpleaños, con el cariño y amor de tu padre, que siempre te recuerda, esté donde esté".

A piloto de caças suecos - LEONARDO CAVALCANTI

CORREIO BRAZILIENSE - 21/12

É pouco provável que 36 aviões possam trazer grandes ganhos eleitorais a Dilma Rousseff, mas a decisão da compra dos caças nesta semana reduz a pressão dos militares contra o Palácio do Planalto. Se não dá votos, pelo menos não os tira e, por tabela, ainda diminui a pecha pouco favorável da presidente de ser centralizadora e indecisa. Assim, o anúncio da aquisição das aeronaves foi também eleitoreira, pois.

Reportagem de Paulo de Tarso Lyra e de Leandro Kleber, do Correio, revela que Dilma decidiu anunciar a compra dos aviões suecos da Saab antes do fim do ano para evitar críticas dos partidos e dos negociadores internacionais. Como não precisa pagar um centavo até o fim do mandato, a presidente apenas anunciou a compra, que será paga a partir de 2015. Nada poderia ser mais simples.

Havia uma clara pressão da cúpula militar para o fim de uma novela que se arrastava desde 2001, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Depois, o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, fez demagogia e ensaiou o cancelamento do programa com o argumento de que o dinheiro da compra dos caças seria transferido para o Fome Zero. Como era de se esperar, Lula recuou, abrindo oficialmente o lobby de fabricantes internacionais: a norte-americana Boeing, a francesa Dassault, além da Saab.

Apostas
Ao longo de 12 anos, a Dassault e a Boeing apareceram como favoritas em algum momento. No caso da francesa, Lula chegou a anunciar que tinha escolhido o Rafale. A empresa norte-americana, por sua vez, ganhou força nas mesas de apostas nos últimos dois anos, antes de ser descartada com as denúncias de espionagem dos Estados Unidos contra o Brasil. Não ficaria bem para Dilma escolher a tecnologia da terra de Obama, of course.

Do ponto de vista diplomático, Dilma foi habilidosa. Avisou ao presidente francês François Hollande antes de anunciar a decisão pelo jato sueco. E deixou assessores divulgarem que não fez questão de comunicar o fato aos norte-americanos, em resposta à espionagem feita pela Agência Nacional de Segurança (NSA), dos EUA. Seria uma resposta brasileira à altura da covardia dos arapongas.

Outra reportagem do Correio, assinada pelo repórter Paulo Silva Pinto, mostra que o movimento de Dilma é quase uma encenação dentro de um amplo cenário diplomático e comercial. É que, no fim das contas, a vitória dos caças suecos na concorrência aberta pelo governo não deixa de ser a vitória também dos norte-americanos por causa de dois fatores simples de explicar a partir de um comentário de um funcionário de alto escalão brasileiro, dito na condição de anonimato.

Durante evento promovido para funcionários do Brasil e da França, em meados deste mês, por causa da visita de Hollande, um servidor brasileiro revelou o lobby norte-americano contra o Rafale: “Eles chegaram a dizer: se não quiserem levar o F/A-18 (o caça dos Estados Unidos), escolham o Gripen”. Do lado dos americanos, amargar a derrota para os franceses não seria fácil. É que a Boeing considera a Dassault uma concorrente direta, ao contrário da empresa sueca, vista como jogadora de menor porte.

Além disso, parte das peças do Gripen é produzida nos Estados Unidos, como, por exemplo, a turbina. Assim, na real, Dilma apenas fez um jogo de cena ao tentar mostrar que escanteou os Estados Unidos. O Planalto sempre soube que o resultado favorável aos suecos não seria algo muito dramático para o governo Obama. A presidente se comporta de forma rápida, tal qual uma pilota de caças. Resta rezar para que ela não torne a metáfora real e, depois da motocicleta, queira pegar carona no Gripen.

Lamento
Depois das mortes de Dominguinhos, Carlos Fernando e Lou Reed, 2013 ainda teve tempo de levar o rei Reginaldo Rossi. Não foi um ano dos mais fáceis, mesmo. Um ano que parece não gostar de música.

GOSTOSA


De cabelo em pé - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 21/12

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), usou aeronave da FAB (Força Aérea Brasileira) para viajar na noite de quarta-feira ao Recife, onde, no dia seguinte, submeteu-se a uma cirurgia para implantar 10 mil fios de cabelo. É a segunda vez neste ano que Renan usa avião da FAB para fins particulares. Em junho, foi a Trancoso (BA) para o casamento da filha do colega Eduardo Braga (PMDB-AM). Depois que esta coluna revelou o fato, reembolsou R$ 32 mil à União.

Outro lado Procurada pela coluna, a assessoria de imprensa do presidente do Senado não se manifestou sobre o uso da aeronave. A agenda oficial publicada no site da Casa não registra compromissos do peemedebista na capital pernambucana.

Tônico 1 Antes de viajar para a cirurgia anticalvície, Renan gravou pronunciamento para a TV, em que faz balanço positivo do primeiro ano de sua gestão na Casa.

Tônico 2 Na mensagem, o congressista anuncia que o Senado economizou cerca de R$ 260 milhões em 2013. Ele pretende entregar um cheque simbólico ao Executivo nesse valor. Não se sabe se também vai reembolsar o novo voo.

Bedel Renan telefonou ontem para senadores que estarão de "plantão" durante o recesso parlamentar, entre 24 de dezembro e 2 de fevereiro. Confirmou os locais onde eles devem estar e os telefones em que poderão ser encontrados.

De casa O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que estuda solicitar intervenção federal nos presídios do Maranhão, tem entre seus principais conselheiros o procurador Nicolao Dino, irmão de Flávio Dino, candidato de oposição à família Sarney ao governo do Estado.

Caos No ano, 50 presos já morreram no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís. Nesta semana um conflito levou à morte de 5 detentos, 3 deles decapitados.

Limbo Conselheiros de Fernando Haddad (PT) apontam que a decisão da Justiça de barrar o aumento do IPTU força a Prefeitura de São Paulo a "cometer uma ilegalidade". A lei 15.044/2009 obriga o município a reajustar a Planta Genérica de Valores, que baliza o imposto.

Preparando... O PT e a gestão Haddad pretendem retomar a discussão sobre o reajuste do IPTU só em 2014. A ideia é usar as redes sociais para tentar provar que o projeto, sustado, beneficiava a população de baixa renda.

... terreno Já o PSDB, que também entrou com ação contra o aumento do tributo, mas foi ofuscado pela Fiesp de Paulo Skaf, vai usar a internet para tentar assumir protagonismo do caso.

Bumbo Dirigentes tucanos criticam o uso de recursos da entidade presidida pelo pré-candidato do PMDB ao governo paulista para veicular comerciais na TV sobre a suspensão do reajuste.

Resta... Guardado por Dilma Rousseff para seu último ano de mandato, o programa de apoio a mulheres vítimas de violência sexual e agressões será instalado em todo o país, exceto Pernambuco, Estado governado por Eduardo Campos (PSB), seu provável rival em 2014.

... um O programa Casa da Mulher vai reunir num só local delegacia especializada no atendimento à mulher, vara de Justiça, defensoria pública, promotoria e equipe psicossocial. O projeto será desenvolvido em parceria com governos estaduais, prefeituras e o Judiciário.

Sem espaço Segundo o Planalto, o governo de Pernambuco informou que não tinha nenhum local disponível para instalar o programa.

tiroteio

"Se Haddad tivesse tanta garra para melhorar a cidade quanto tem para brigar pelo IPTU, São Paulo se tornaria a cidade dos sonhos."
DO DEPUTADO DUARTE NOGUEIRA, presidente do PSDB-SP, sobre a tentativa frustrada de Fernando Haddad (PT) de reajustar o IPTU de São Paulo em 2014.

contraponto


Excursão de fim de ano

O presidente da Embratur, Flávio Dino (PC do B-MA), foi ao Senado na última semana para apresentar estatísticas sobre o impacto do turismo sobre o comércio das cidades brasileiras. Ao citar exemplos de locais beneficiados, brincou com o aliado Inácio Arruda (PC do B-CE):

--Se o turista compra um suco na Volta da Jurema, depois vai aos bares de Iracema e, no dia seguinte, vai ao Beach Park e, no terceiro dia, ao Centro de Convenções... Fiz um comercial bacana do Ceará agora! --disse Dino.

--Se ele for parar em Lençóis, no Maranhão, então está feito! --devolveu Arruda para o maranhense.

Mercadante 2018 - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 21/12

Há quem vislumbre a possível transferência de Aloizio Mercadante da Educação para a Casa Civil como um nome a ser incluído nas possibilidades de aposta do PT de São Paulo no quesito candidato a presidente da República. A preços de hoje, nada indica que Lula será o candidato mais adiante, nem que Fernando Haddad emplacará no futuro. Tampouco pode-se prever que Alexandre Padilha, hoje pré-candidato ao governo de São Paulo, estará pronto para concorrer à Presidência. Mercadante é hoje um sobrevivente do grupo paulista que ascendeu com Lula e sucumbiu na esteira do mensalão. Portanto, já está na hora de ele entrar nessa fila. Afinal, se tem algo que o PT paulista não deseja é dar lugar de candidato a presidente a representantes de outros estados, ainda que petista.

Quem defende Mercadante, entretanto, relata o perigo da maldição que pesa sobre aqueles que ocupam a Casa Civil pensando em ocupar o principal gabinete do Palácio do Planalto. No PT, os dois que planejavam esse jogo sucumbiram, José Dirceu, no governo Lula, e Antonio Palocci, no começo da gestão de Dilma. A única que deu certo foi Dilma Rousseff, que chegou ali sem querer nada que não fosse ajudar Lula e terminou dona do gabinete presidencial.

É o cara

Na sua movimentação pela Casa Civil, Mercadante conquistou o PMDB. O líder peemedebista na Câmara, Eduardo Cunha, tem dito em conversas reservadas que o ministro ajudou a debelar a crise aberta a partir da MP dos Portos. Ali, PMDB e governo ficaram em campos opostos e o partido rompeu com a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti. Depois, quem reassumiu as negociações palacianas com o partido foi a ministra Gleisi Hoffmann.

É o outro cara
Apesar dos atributos de Mercadante, se depender da torcida da ministra Gleisi, o seu sucessor será o secretário executivo da Previdência, Carlos Gabas. O motivo é um só: Gabas é a certeza de continuidade de toda a equipe da Casa Civil. Com Mercadante, muda a maioria.

Entre altos & baixos…

Apesar das turbulências, o ano termina bem para a cúpula da Petrobras. Graça Foster e o presidente da Transpetro, Sérgio Machado, dividem o 10º lugar na lista dos 100 personalidades mais influentes do setor naval no mundo. A lista é elaborada pela influente revista britânica Lloyds List.

…Estão todos bem
Em 2012, Foster e Machado ocupavam a 17ª posição. Hoje, o Brasil é a quarta maior carteira de petroleiros e a terceira de embarcações do mundo. Só o Programa de Modernização da Frota (Promef) representa investimentos de R$ 11,2 bilhões, com encomendas de 49 navios e 20 comboios hidroviários a estaleiros nacionais, até 2020.

CURTIDAS 

Diz o ditado/ Ao comentar os planos de Luiz Inácio Lula da Silva, de obrigar Eduardo Campos a permanecer todo o tempo de campanha em Pernambuco, o senador Rodrigo Rollemberg é direto: “Pau que dá em Chico, dá em Francisco. Se ele ficar lá, não terá como alavancar Dilma em outros estados”.

Desta vez…/ Ives Gandra acompanhava o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, na visita ao Supremo Tribunal Federal, quando, de repente, cruza com o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (foto, à direita). “Ives, a gente sempre em lados diferentes. E eu sempre ganho!”, brincou Haddad. Menos de 24 horas depois, a sequência de vitórias teria fim, com a decisão do Supremo de manter a liminar que impede o aumento do IPTU em São Paulo.

Docinha/ A ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon promete incrementar os jantares do PSBV. No primeiro encontro que manteve com representantes do partido em Brasília, ela chegou com a sobremesa e ganhou fãs. Encomendas virão.

Os tenores/ Nas festas de fim de ano dos congressistas, o senador Waldemir Moka (PMDB-MT) e os deputados Alceu Moreira (PMDB-RS) e Chico Alencar (Psol-RJ) foram as revelações musicais. Substituem assim o ministro do Tribunal de Contas da União José Múcio Monteiro, que raramente frequenta as festividades parlamentares.

Mais riscos de inflação - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 21/12

A inflação não está tão controlada como vem declarando o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Os riscos de alta persistem.

É o que está no Relatório Trimestral de Inflação, um dos mais importantes documentos do Banco Central, que avalia todos os fatores que direta ou indiretamente têm a ver com a formação de preços. Desta vez, o Banco Central chama a atenção para a persistência de três principais riscos, não só de inflação, como, também, das expectativas dos formadores de preços em relação a ela.

O primeiro deve ser entendido como advertência ao governo. É o forte desalinhamento dos preços administrados, aqueles que dependem de autorização dos ministros para serem reajustados. Enquanto a inflação acumulada em 2013, até fim de novembro, atingiu 4,95%, os preços administrados foram corrigidos em apenas 0,9% e pedem atualização.

Fato notável é que esse discurso tromba com o do ministro Mantega. Para este, os preços dos combustíveis e da energia elétrica devem ser represados para segurar a inflação. Enquanto isso, o Banco Central afirma que esse atraso nos reajustes produz incertezas e, por tabela, inflação. Para as tarifas de energia elétrica, por exemplo, o Banco Central prevê um reajuste de 7,5% ao longo de 2014.

Outro risco tem a ver com a volatilidade nos mercados financeiros globais, provocados principalmente pelas condições precárias da economia da área do euro. Essa volatilidade tende a continuar a pressionar o câmbio interno (cotação do dólar) e, por esse canal, a aumentar em reais os preços dos produtos importados. Em contrapartida, a atividade econômica global, sobretudo nos Estados Unidos, deve melhorar e reduzir a atual tensão que toma os mercados e produz estragos na economia brasileira.

A terceira fonte de riscos para a inflação interna, aponta o Relatório, é o persistente aumento dos custos da mão de obra que, por sua vez, decorre da alta dos salários acima do aumento da produtividade da economia. Por trás desse quadro não estão apenas os aumentos mais generosos do salário mínimo, mas, também, "a margem estreita de ociosidade" do mercado de trabalho. Enfim, é o pleno-emprego concorrendo para aumento dos custos de produção e dos preços.

Denuncia, ainda, o impacto sobre a inflação produzido pelas negociações salariais, que atribuem "peso excessivo à inflação passada, em detrimento da inflação futura". Mas o Banco Central não deixa de pontuar que esses riscos tendem a se reduzir (não diz em quanto), graças a reajustes futuros mais baixos do salário mínimo e da remuneração dos funcionários públicos. Pelo que se vê, o Banco Central não levou em conta que, em ano eleitoral, governadores e governo federal tendem a ser mais pródigos com os servidores públicos.

No mais, o Banco Central avisa que o avanço econômico no período de 12 meses terminado em outubro de 2014 não deve ser superior a 2,3%. A novidade aí é que, diferentemente dos anos anteriores, em que embarcava em projeções otimistas para a atividade econômica, o Banco Central se contenta agora com número bem mais realista. Melhor assim.

Os vizinhos - ANDRÉ GUSTAVO STUMPF

CORREIO BRAZILIENSE - 21/12

O ministro Guido Mantega procura ser simpático. Faz previsões que jamais se cumprem. Mas, justiça seja feita, ele tenta. Reitera. E faz a aposta subsequente. Usualmente equivocada, mas isso já é outra história. Agora ele afirma que, em 2014, o Brasil deverá ter crescimento do Produto Interno Bruto acima de 2,5%. Essa estimativa é perigosa, já que ele não acertou em nenhuma das anteriores. Agora reduziu as próprias expectativas. Não devemos esperar muito de 2014 no campo da economia.

Mas é necessário ser justo. Ele é apenas a face mais visível do que acontece no Brasil. O poderoso The New York Times publicou editorial, em outubro de 2013, que lamenta a falta de investimentos públicos e privados na infraestrutura brasileira. Essa seria a justificativa para o baixo crescimento. Se confirmadas as projeções para 2013, a economia brasileira terá crescimento médio de 2% nos três primeiros anos desta década. Esse número revela forte desaceleração em relação ao período de 2004 a 2010, época em que o país viveu momento mais favorável nas últimas décadas: expansão média de 4,5%.

Economistas têm palavreado difícil. Denso, confuso e às vezes incompreensível. É fácil culpar a crise externa. Ela não aconteceu de um dia para o outro. Produziu a nuvem, que virou tempestade, depois furacão, terremoto e tsunami. O euro quase virou história, mas os países europeus estão lentamente se levantando. E a indústria norte-americana também está saindo do buraco. O desemprego, que há um ano estava em 10%, agora está na casa de 6,5%. O mundo não acabou. A Europa não se desintegrou nem os Estados Unidos se esfacelaram. As coisas estão entrando nos eixos lá fora. Aqui, não.

A lenta recuperação do mercado internacional deveria causar impacto semelhante em toda a América Latina. Afinal de contas, os problemas são os mesmos. Mas não foi isso que aconteceu. Previsões do Fundo Monetário Internacional informam que a crise provocou pequeno impacto nos países latinos. O crescimento médio da economia na região recuou de 4,4% para 4,1%, entre 2004 e 2011. A redução do crescimento econômico nacional é reflexo, portanto, dos problemas nacionais. Até 2010 o Brasil cresceu acima do resto da América Latina. Nos últimos três anos, ao contrário, os números nacionais ficaram dois pontos abaixo das principais economias da região, exceção para a Venezuela, que sofre com os dogmas do chavismo.

Os integrantes da Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, México e Peru) saíram do crescimento médio de 3,5% entre 2004 e 2010 para 3,9% nos últimos três anos. Algumas características nos separam deles. A principal delas é a inflação. O fenômeno foi mais elevado no Brasil do que naqueles países. No período de 2004 a 2010, o Brasil teve inflação média de 5,3%, enquanto, nos vizinhos do Pacífico, o índice ficou em 4,2%. Em anos recentes, a média daqueles países se reduziu para 3,5%; no Brasil, pulou para 6,1%. Inflação produz incerteza, diminui o horizonte de planejamento, corrói a confiança, destrói reputações e gera ambiente adverso ao investimento.

Os três candidatos assumidos para a disputa à Presidência da República devem ter clareza de seus objetivos para poder arregimentar correligionários e votos. Não existem problemas estruturais no Brasil. Existe burocracia em excesso, corrupção instalada em vários níveis e planejamento inadequado. Exemplos são abundantes, se revelam dia a dia nos jornais - além dos eternos problemas com educação, saúde e segurança. Melhorando uns, os outros encontram seu espaço e suas próprias soluções. As diferenças entre ideologias estão pouco nítidas. Ninguém mais é contra a concessão ou a privatização. Virou moda. Então, é só fazer.


Os números manejados por institutos e organizações internacionais demonstram que a América Latina não está fora do circuito de países aptos para o desenvolvimento. Ao contrário. O Brasil que tenta solucionar seus problemas por caminhos heterodoxos não obtém resultados sequer assemelhados aos de países como Peru ou Colômbia. A América Latina não está condenada a ser marginal no processo econômico mundial. O ano de 2014 será muito difícil, já disse aqui mesmo. Mas sempre haverá espaço para bom senso e medidas sensatas. Não basta tentar adivinhar o futuro, é preciso construí-lo dia a dia, tijolo a tijolo. E sem nenhuma arrogância. Um passo atrás do outro.

De fera a bela - KÁTIA ABREU

FOLHA DE SP - 21/12

O jogo virou: de fera a agropecuária transfigura-se em bela, o que é bom para o país


Sucesso não se improvisa: é fruto de trabalho e evolução. É nisso que o agronegócio tem investido, ao ponto de, em 40 anos, transformar o país.

Saímos da condição de importador de alimentos e conquistamos o posto de segundo maior exportador e mais: Temos perspectivas de, na próxima década, assumir a liderança mundial.

Muita coisa mudou. O agro é hoje altamente tecnológico, bate sucessivos recordes de produção sem ampliar a área plantada, abastece o mercado interno com produtos de qualidade e ainda sustenta a balança comercial.

Com a agropecuária revelando-se o setor mais sadio da economia, não precisamos mais correr atrás dos candidatos a presidente. Agora, eles procuram o agronegócio para conhecer a nossa pauta. O jogo virou: de fera a agropecuária transfigura-se em bela, o que é bom para o país.

Ainda temos uma extensa agenda para os próximos anos. Mas nos desvencilhamos de alguns velhos problemas com a compreensão do governo federal nos últimos três anos.

Em atitude inédita, o governo se dispôs a entender e atender o setor, superando limites impostos pelos condicionamentos político-partidários.

Após 16 anos, a importância de modernizar o Código Florestal foi compreendida. Em que pesem divergências de mérito entre Executivo e Congresso, o apoio do governo permitiu a construção do código em que todos cederam, a segurança jurídica restabeleceu-se e o país ganhou.

O debate voltou ao foro adequado, que é o Parlamento, e encerramos a era de hegemonia das ONGs, liderada pela ex-ministra Marina Silva. A democracia, enfim, foi instalada na questão ambiental.

A votação da MP dos Portos foi outro avanço, fruto da parceria governo-Congresso. O esforço conjunto pôs fim à barreira inexplicável, de uma década, aos investimentos privados no setor portuário.

Outra ação bem-sucedida dos dois Poderes foi a criação da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, em substituição à Emater, extinta em 1990. A Anater vai permitir aos produtores rurais das classes "D" e "E" acessar e incorporar inovações tecnológicas já usadas em larga escala pelo agronegócio. Uma grande massa de pequenos produtores, até agora sem perspectivas, poderá chegar à classe média rural, assim como o fizeram milhões de brasileiros das cidades.

O aumento da capacidade armazenadora do país entrou na pauta governamental e esperamos que a questão seja resolvida nos próximos dois anos, com recursos de longo prazo e taxas de juros bem razoáveis. Hoje, nossa capacidade atende a cerca de 75% da produção e o ideal é que alcancemos 120%, a exemplo dos Estados Unidos.

Quanto à infraestrutura --rodovias, ferrovias e hidrovias--, agora vemos uma luz no fim do túnel, pois temos projetos sendo concessionados, em que pesem alguns desacertos no trajeto.

O seguro agrícola deixou de ser visto como benesse ao produtor e passou a ser tratado como política pública que é, posto que garante a produção nacional. Para a safra atual, foram reservados R$ 700 milhões --75% a mais do que um ano atrás-- e a meta é chegar a R$ 2 bilhões em 2015.

E o que esperar de 2014? Passou da hora de dar um basta à política irresponsável da Funai. A entrada em vigência da portaria nº 303 significará um freio de arrumação nessa desordem fundiária.

Também precisamos ser proativos para conquistar novos mercados. Os países com os quais temos acordos representam apenas 10% do comércio mundial.

A falta de uma política mais agressiva do governo e o protecionismo de uns poucos setores da economia minaram negociações e são os responsáveis pelo iminente isolamento do Brasil. Felizmente, parece que as ideias estão mudando.

O protecionismo exigido por esses setores não pode se sobrepor ao interesse nacional. Todos precisam ir atrás de inovação e tecnologia para competir no mercado mundial.

Em momentos pré-eleitorais, muitos se manifestam em nome dos produtores do Brasil. Mas a agropecuária amadureceu, sabe o que quer, o que lhe falta e os avanços que obteve.

Não podemos desperdiçar o momento em que a fera virou bela. Pragmatismo e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

Cenários sombrios, uma chance para a presidente - ROLF KUNTZ

O Estado de S.Paulo - 21/12

Nem Papai Noel daria à presidente Dilma Rousseff uma oportunidade melhor depois de três anos de fracasso. Todas as projeções para 2014 apontam mais um ano ruim, com baixo crescimento econômico, inflação alta e grande buraco nas contas externas. Poderá haver algum avanço no investimento - se as concessões forem adiante e começar a execução dos projetos de infraestrutura. Com um pano de fundo tão feio, será fácil exibir e celebrar como vitória qualquer desempenho melhor que o de 2013. Projeções menos sombrias poderiam criar expectativas perigosamente otimistas e sujeitar a candidata à reeleição a cobranças constrangedoras. Os mais otimistas ainda poderão apostar num fator negligenciado nas projeções conhecidas até agora: a mudança ministerial no primeiro bimestre. Mas o otimismo, neste caso, conflita com o conhecimento. A experiência proíbe a esperança, quando se trata de imaginar um Ministério mais competente, depois dessa reforma, e mais orientado para acertar.

A economia brasileira crescerá 2,3% nos quatro trimestres até setembro de 2014, segundo a nova estimativa do Banco Central (BC). Será, portanto, uma repetição do cenário geral de 2013. O quadro apresentado no último informe da Confederação Nacional da Indústria (CNI) é muito parecido, mas um pouco menos luminoso: expansão de 2,4% neste ano e de 2,1% no próximo. As projeções de mercado coletadas pelo BC no dia 13 de dezembro pouco diferem das outras duas: expansão de 2,3% para o produto interno bruto (PIB) neste ano e de 2,01% em 2014 (esses números são medianas das estimativas).

A inflação deve continuar longe da meta, 4,5%, segundo as projeções publicadas até agora. A alta de preços deve ficar em 5,7% neste ano e alcançar 6% no próximo, de acordo com o documento da CNI. As estimativas do BC vão até 2015 e mostram números distantes da meta por mais dois anos. O cenário básico inclui números finais de 5,8% para 2013, 5,6% para 2014 e 5,4% para o ano seguinte. Juros básicos de 10%, recém fixados, câmbio de R$ 2,35 por dólar e contas públicas em condições mais ou menos estáveis foram tomados como base para os cálculos.

Todos esses dados justificam mais um ou dois aumentos da taxa Selic, incluídos na previsão do mercado financeiro para 2014 (já elevada de 10,25% para 10,5%). Pelas contas do mercado, a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), deve ficar em 5,7% neste ano e bater em 5,95% no próximo. Segundo o governo, continuará, portanto, dentro da meta. Patacoada. A meta é 4,5%. O resto é margem para acomodar desvios. Mas desvios tão amplos são justificáveis somente em situações muito especiais. Nada tão especial ocorreu nos últimos três anos ou quatro anos, exceto na coleção de erros de política econômica. Isso inclui, entre outros itens, a redução dos juros no momento impróprio, o excesso de gastos federais e os estímulos mal planejados ao consumo.

Crescimento baseado no incentivo ao consumo é estratégia superada, segundo os analistas menos distraídos e um pouquinho mais atentos aos números de inflação, produção industrial e comércio exterior. É preciso investir muito mais para ampliar a capacidade de produção e o potencial de crescimento da economia. Essa necessidade é agora admitida até no governo, tanto por ministros quanto por uma presidente pouco propensos a reconhecer os desajustes econômicos (eles continuam, por exemplo, classificando como "dentro da meta" qualquer inflação até o limite de 6,5%).

O potencial de crescimento do Brasil caiu de 4,3% ao ano pouco antes da crise global para 2,7% no terceiro trimestre de 2013, segundo estimativa publicada no último informe conjuntural da CNI. Para crescer mais o País precisará de mais capital físico - máquinas, equipamentos e instalações - e de muito mais produtividade. Isso dependerá tanto do setor privado quanto do governo. No ano passado o investimento diminuiu 4%. Deve ter aumentado 7,1% neste ano e poderá crescer mais 5% no próximo, de acordo com o documento da CNI. Se essas estimativas estiverem corretas, o País ainda investirá em 2014 pouco menos de 20% do PIB, bem menos que vários de seus vizinhos. No Equador, por exemplo, essa relação é próxima de 27%.

Na estimativa do BC, o investimento em capital fixo deve ter crescido 6,8% neste ano e deve aumentar 3,7% nos quatro trimestres até o terceiro de 2014. O cenário desenhado pelo pessoal da CNI parece mais bonito, mas é menos atraente quando visto em detalhes. O principal fator positivo deverá ser o programa de concessões na infraestrutura, mas seu impacto imediato será limitado.

Neste ano, o investimento privado foi em boa parte puxado pelas compras de equipamentos de transporte. A lei exigiu motores a diesel com menor emissão de enxofre e, além disso, a boa safra de grãos e oleaginosas favoreceu o aumento das frotas de caminhões e de máquinas agrícolas. As compras de outros tipos de máquinas e equipamentos também cresceram, mas em menor proporção. Isso se reflete no baixo crescimento da indústria de transformação, estimado em 2,3% pela CNI. Reflete-se também no baixo poder de competição do setor industrial, em apuros tanto no exterior quanto no mercado interno. Nem o real desvalorizado compensou a baixa competitividade da maior parte dos produtores de manufaturados.

De janeiro até a segunda semana de dezembro as exportações totais, US$ 230,42 bilhões, foram 1,6% menores que as de um ano antes, pelas médias dos dias úteis. As importações, US$ 230,4 bilhões, foram 6,7% menores. Também isso mostra a fraqueza da economia brasileira e o tamanho do desafio posto diante do governo. Reconhecer o problema, admitir sua origem interna e tentar enfrentá-lo sem os truques baratos do protecionismo será um bom começo.

Espionagem e vigilância - PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O GLOBO - 21/12

Revelações de Snowden vêm abalando credibilidade do governo americano


Asemana foi importante para os que se insurgiram contra os abusos nas atividades de espionagem e a coleta indiscriminada de dados. O tema esteve quase todos os dias nas primeiras páginas dos jornais aqui nos Estados Unidos.

Na segunda-feira, uma corte federal dos EUA decidiu que atividades de monitoramento da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) são quase certamente inconstitucionais. O juiz Richard Leon — nomeado, diga-se de passagem, por George W. Bush — caracterizou como “quase orwelliana” a coleta sistemática de dados telefônicos por parte da NSA, fenômeno que segundo ele teria deixado “consternado” James Madison, um dos principais autores da Constituição americana. O governo dos EUA argumenta que precisa das informações para combater o terrorismo, mas não apresentou, segundo o juiz, nenhum caso em que a coleta desses dados impediu um ataque iminente. A questão terminará provavelmente na Suprema Corte.

Dois dias depois, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou proposta do Brasil e da Alemanha que estende à internet o direito à privacidade previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O texto — “Direito à privacidade na era digital” – teve o apoio de todos os países, inclusive dos EUA.

No mesmo dia, uma comissão de especialistas externos apresentou relatório encomendado pelo presidente Obama em agosto. A comissão foi constituída em resposta à indignação causada pelas revelações de Edward Snowden, ex-funcionário de uma empresa que prestava serviços à NSA. A comissão recomendou supervisão abrangente às atividades de espionagem e monitoramento e a imposição de algumas restrições a essas atividades. Se o governo dos EUA adotar essas recomendações, será a primeira limitação importante aos poderes adquiridos pela NSA desde os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

As revelações de Snowden vêm abalando a credibilidade do governo americano e transtornando as relações com países aliados, como Alemanha e Brasil. A visita de Estado da presidente brasileira aos Estados Unidos, que deveria ter ocorrido em outubro, foi adiada por prazo indeterminado. O governo brasileiro parece ainda não ter recebido do governo dos EUA o retorno prometido sobre providências contra abusos na espionagem.

Não se sabe ao certo a extensão dos abusos e nem quantas informações, ainda não divulgadas, estão de posse de Snowden. Mas está ficando cada vez mais claro que as atividades da NSA fugiram a qualquer controle e feriram compromissos e direitos fundamentais.

Como disse o próprio Snowden, em carta dirigida ao povo brasileiro nesta semana, há uma enorme diferença entre atividades legítimas de monitoramento, baseadas em suspeitas individualizadas, e a coleta generalizada de informações em programas arbitrários de monitoramento em massa.

O Brasil é um país emergente? - SÉRGIO AMAD COSTA

O Estado de S.Paulo - 21/12

No nosso passado recente os países eram classificados como desenvolvidos, em desenvolvimento e subdesenvolvidos. Nações mais pobres, como o Brasil, por exemplo, levavam o título de subdesenvolvidas ou em desenvolvimento, dependendo da ideologia política de quem estava versando sobre a realidade em questão. Pois bem, desde o início dos anos 2000 aquelas classificações foram sendo deixadas de lado, substituídas por desenvolvidos, emergentes e não emergentes. O Brasil, na época, passou a integrar o Bric, sigla formada pelas letras iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China, criada em 2001 por Jim O'Neill, economista do grupo Goldman Sachs. Em seu estudo, ele chegou à conclusão de que esses quatro países eram os emergentes, pois se destacariam em termos de crescimento econômico nos próximos 50 anos, podendo ocupar o topo no ranking das maiores economias do mundo.

Entretanto, Jim O'Neill deixou de lado essa classificação de emergentes para os quatro países em 2011. O economista passou a classificá-los como "mercados de crescimento", estando nesta categoria, também, México, Indonésia e Turquia, embora esses, segundo O'Neill, estejam longe do Bric em termos de importância econômica. Agora eles são denominados como Mint, com a inclusão da Nigéria.

O fato é que essa tese de que somos emergentes pegou, permanecendo nos discursos de nossos governantes e nas manifestações da nossa diplomacia. A ideia, a meu ver fantasiosa, de sermos um país emergente se popularizou e o Brasil vestiu e se acostumou com a fantasia. Consideramo-nos emergentes e pertencemos ao Brics, pois estamos sendo aculturados assim desde o início dos anos 2000.

Cito algumas da várias características que marcam um país emergente: mão de obra em grande quantidade e em processo de qualificação; níveis de produção e exportação em crescimento; investimentos em setores de infraestrutura (estradas, ferrovias, portos, aeroportos, usinas hidrelétricas, etc); Produto Interno Bruto (PIB) em crescimento; diminuição, embora lenta, das desigualdades sociais; rápido acesso da população aos sistemas de comunicação (inclusão digital); mercados de capitais (Bolsas de Valores) recebendo grandes investimentos estrangeiros; e investimentos de empresas estrangeiras nos diversos setores da economia. Ora, o leitor há de convir que nesses quesitos o Brasil está deixando muito a desejar.

Jim O'Neill, que parece acreditar, e muito, no Brasil, assinalou agora em 2013 que o País precisa melhorar em volume de investimentos privados e se tornar mais aberto ao resto do mundo. O economista está coberto de razão. Porém, precisamos evoluir em várias outras coisas: redução do gigantismo estatal, racionalização da nossa burocracia, investimento na infraestrutura, adequação do sistema tributário, flexibilização da legislação trabalhista, reforma no sistema educacional. Nenhuma nação se torna poderosa economicamente com uma educação precária, uma força de trabalho preponderantemente desqualificada, uma tecnologia medíocre e uma indústria claudicando. E essa não é a cara do Brasil?

Enxerga-se o País como emergente porque sua face está acobertada por um longo manto. Aliás, o Brasil como um todo não tem uma única cara. Nem sabemos qual é o seu real rosto. Somos ignorantes sobre quem somos, pois com o corporativismo que reina na Nação, como mostra o professor Oliveiros S. Ferreira, em instigante artigo neste jornal (16/11), há tempos perdemos nossa identidade nacional. Onde está o Brasil nesses vários "Brasis"?, sabiamente pergunta o mestre.

Temos condições, sim, para um dia sermos poderosos economicamente, mas esse potencial hoje está muito longe de ser bem utilizado. Ele exige muito trabalho, visão de longo prazo e até sacrifícios. E isso não dá voto. Assim, vamos vivendo sob a farsa do populismo econômico. Brasil, mostra a tua face de subemergente. Quiçá aí tomamos vergonha na cara para sair dessa, em vez de nos acomodarmos numa máscara de ilusão.

Pressões políticas - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 21/12

O Plano Nacional de Educação (PNE), projeto de lei enviado ao Congresso em dezembro de 2010, somente em 2014 deverá ser aprovado, já que retornou à Câmara após diversas mudanças no Senado. Considerado "uma das últimas oportunidades para tentar diminuir a distância que nos separa de tantos outros países do mundo" por Jorge Werthein, sociólogo e educador argentino, ex-representante da Unesco nos Estados Unidos e no Brasil, ele sofreu modificações para atender a pressões políticas da base governista que prejudicaram sua eficácia, na opinião de diversos educadores.

É, na prática, um exemplo típico do que Werthein chama a atenção: a educação é prioritária nos discursos políticos, mas não nas ações públicas. Na Comissão de Educação do Senado, com a relatoria do senador Álvaro Dias, do PSDB, foram aprovadas nada menos que 101 mudanças, das quais 47 foram rejeitadas pelo autor do substitutivo afinal vitorioso, senador Vital do Rêgo, do PMDB, que teve o apoio do relator de plenário, Eduardo Braga, também do PMDB.

O projeto que o Executivo enviou ao Congresso não quebrava qualquer paradigma, o que era claramente insuficiente para o salto educacional de que necessitamos, mas foi alterado em um ponto essencial: os 10% do PIB como parâmetro de gastos.

A Comissão de Educação do Senado resolveu refazer o projeto e apresentou modificações substantivas, que foram vetadas pelo senador Vital do Rêgo. A mais importante delas, para Ilona Becskeházy, pesquisadora de políticas públicas educacionais, ex-dirigente da Fundação Lemann e comentarista de educação da rádio CBN, foi a meta de alfabetização dos alunos apenas a partir dos 8 anos de idade nos primeiros anos de vigência do plano, quando a proposta correta seria alfabetizar aos 6 anos como regra o mais rapidamente possível, porque a não alfabetização é que tira os alunos da escola mais para a frente.

O projeto governista suprimiu também todas as referências específicas de qualidade, que tratam da matemática, das instalações prediais, e a que propõe identificar e ajudar os 250 municípios com pior desempenho.

Todas as referências específicas a padrões de qualidade deveriam ser mantidas, na opinião majoritária dos especialistas. Para Ilona Becskeházy, quanto mais especificar, melhor, ou, pelo menos, estabelecer que deverá ser especificado em breve, como currículo e notas do Pisa.

A maior polêmica são todas as estratégicas e metas/estratégias relacionadas a: a) volume (recurso público para o setor público e suplementação da União para quem não tiver recursos para atingir os padrões de qualidade específicos determinados pelo CAQ (Custo Aluno/Qualidade) e na renovação do Fundeb; b) alocação de recursos (estabelecer e implementar o CAQ urgentemente a fim de definir para onde vão os recursos novos e priorizar a formação docente em cursos presenciais diurnos, em período integral e gratuitos; c) mecanismo de responsabilização de quem não cumprir o PNE, tanto em relação a insumos como em relação a resultados.

Na opinião de Ilona Becskeházy, não se pode gastar mais sem antes estabelecer o CAQ. Primeiro, o padrão alto, depois formar capital humano no setor e, depois, começar a gastar. "Ninguém tem coragem de propor o CAQ e a formação de professores antes dos 10% do PIB."

Segundo Ilona Becskeházy, em educação, assim como nas políticas públicas em geral, os países passam por quatro ciclos, que se repetem como uma espiral: massificação/expansão das matrículas; fluxo de alunos até a conclusão da etapa obrigatória; estabelecimento de padrões novos; e, por fim, implementação efetiva dos padrões estabelecidos.

"Ainda não conseguimos nem manter a massificação até o ensino médio, lutamos com o fluxo porque os alunos são analfabetos ou ignorados por seus professores, morremos de medo de padrões claros e não temos a menor noção de como implementar nada direito". (Amanhã, a alfabetização)

Mandela e o mensalão - GUILHERME FIUZA

O GLOBO - 21/12

No embalo do espírito natalino, virou moda entre a elite culta defender José Genoino



A frase que resume os dez anos de reinado do oprimido no Brasil foi dita pelo deputado João Paulo Cunha (PT-SP), condenado no processo do mensalão: “Se o Mandela ficou 27 anos preso, eu suportarei também.”

Nelson Mandela tinha acabado de morrer, e já era contrabandeado pelo herói mensaleiro. Os oprimidos de gravata sugam o que podem, até a memória alheia. Não se pode esquecer que, em sua propaganda eleitoral, Dilma Rousseff confiscou a identidade de Norma Bengell, usando uma foto da atriz na passeata de 1968 em sua apresentação biográfica. No dia seguinte ao brado de João Paulo Cunha, Dilma estava no Congresso do PT que apoiou os mensaleiros condenados. A presidente repetiu, com a ajuda de Lula, o já famoso gesto do braço erguido com o punho cerrado — inaugurado por Dirceu e Genoíno na chegada à prisão. Não se sabe bem o que significa aquela mão fechada. Há quem diga que é um aviso de que não vão devolver o que roubaram.

Como pode a presidente da República participar de um comício em defesa de corruptos condenados e presos? Um comício onde um partido político censura a mais alta corte da Justiça, com pesados ataques ao seu presidente? Dilma pode. Assim como o mensaleiro João Paulo pode se comparar a Mandela e, em seguida, dizer “longe de mim me comparar a Mandela”. Pode também distribuir centenas de exemplares de uma revista inocentando a si mesmo, e se declarar ofendido quando a imprensa pergunta quem pagou aquilo. Num país saudável, João Paulo Cunha viraria piada e Dilma Rousseff teria de prestar esclarecimentos no Congresso Nacional sobre seu gesto favorável a criminosos. Mas no Brasil a moral virou geleia.

Tanto que, no embalo do espírito natalino, virou moda entre a elite culta defender José Genoíno. Vozes intelectualizadas se erguem para avisar que o ex-presidente do PT, condenado e preso, não ficou rico e vive até hoje modestamente. Os samaritanos não chegam a dizer que o mensalão não existiu, mas dizem que a biografia de Genoíno é ótima e ele é cardíaco. Bradam que é um absurdo estigmatizar como bandido um cara tão legal.

Não é preciso dizer mais nada para explicar o Brasil de hoje. Um indivíduo condenado como partícipe do maior assalto aos cofres públicos da história da República encontra, entre vozes supostamente respeitáveis, uma espécie de anistia informal. Estava no bando mensaleiro, mas leva uma vida franciscana. Se meteu nesse rolo, mas é gente boa. Note-se que essas pessoas de bem não chegam ao delírio petista de afirmar que qualquer um dos mensaleiros seja inocente. Apenas se mostram indignadas com o fato de um sujeito bacana como Genoíno (condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha) ser tratado como criminoso. Está inaugurada a figura do infrator bonzinho.

Possivelmente Genoíno não tramaria o valerioduto, exatamente por sua boa índole. Mas então deveria, em vez de assinar a papelada suja de Valério, ter se demitido imediatamente da presidência do PT. Não o fez porque já havia transformado a política em emprego, assim como o exército de companheiros medíocres que tomaram o Brasil de assalto como meio de vida. E não largarão o osso em 2014, justamente porque os brasileiros honestos são indulgentes com o infrator bonzinho.

No mesmo congresso partidário em que Dilma participou do desagravo aos mensaleiros, Lula deu mais uma aula de princípios. O oráculo afirmou que a imprensa (sempre ela) exagerou no caso do emprego de José Dirceu. Um sujeito condenado por desviar uma montanha de dinheiro público consegue, na prisão, salário de 20 mil reais como gerente de um hotel que tem um “laranja” entre seus donos. Mais impressionante: esse condenado que não disfarça suas ótimas relações com o submundo é apoiado em público pelo ex-presidente e sua preposta que governam o país. E o país, ato contínuo, avisa que vai reeleger o bando em primeiro turno.

Pensando bem, com um salvo-conduto desses, piratear Nelson Mandela e Norma Bengell está barato. Jesus Cristo não escapa.

Enquanto isso, na realidade tediosa dos que não têm os punhos cerrados em direção ao céu, o Brasil bate mais um recorde: maior rombo nas contas externas em mais de 50 anos. Uma bobagem, puro preconceito contra o governo popular: os investidores estão fugindo do Brasil só porque o governo petista mente sobre suas contas, tenta esconder a inflação comprimindo tarifas e comprometendo empresas como a Petrobras, diz coisas desencontradas sobre política monetária, abandona a infraestrutura e fatura com a selva tributária, fazendo o risco Brasil disparar. Tudo inveja da ascensão terceiro-mundista, diria o saudoso Hugo Chávez.

Agora há uma corrente do PT defendendo apoio formal aos métodos boçais dos black blocs. Medida desnecessária. Os métodos do partido destroem com muito mais eficácia.

A dupla identidade de E. Snowden - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 21/12

Eu espiono, tu espionas, ele espiona. Estados espionam outros Estados desde a Paz da Westfália


O analista Edward Snowden emergiu da obscuridade como delator de um programa orwelliano de monitoramento em massa das comunicações entre cidadãos comuns conduzido pela Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA. Depois, na condição de fugitivo e asilado temporário na Rússia, transformou-se em delator de operações convencionais de espionagem da NSA, direcionadas para Estados. O primeiro Snowden, signatário de uma "carta ao povo brasileiro" na qual ensaia um pedido de asilo político, parece querer se libertar do peso do segundo, que não passa de um peão no tabuleiro geopolítico de Vladimir Putin.

Dilma Rousseff sofreu espionagem americana, denunciou o segundo Snowden, avançando duas casas na coluna da dama. Eu espiono, tu espionas, ele espiona. Estados espionam outros Estados desde a Paz da Westfália, marco fundador do moderno sistema internacional, em 1648. "Aliados não espionam aliados", reclamou o chanceler francês Laurent Fabius, uma frase cínica repetida na sequência pela primeira-ministra alemã Angela Merkel. Oh, santa indignação! Madeleine Albright, secretária de Estado no governo Clinton, disse que as notícias sobre o monitoramento de conversas telefônicas do premiê francês François Hollande "não surpreenderam as pessoas" --e testemunhou ter sido alvo de espionagem francesa.

O fenômeno chocante não está na espionagem dos espionáveis, mas na violação massiva da privacidade dos cidadãos. "Aqueles que sacrificam a liberdade essencial para comprar um pouco de segurança temporária não merecem nem a liberdade nem a segurança." As célebres palavras de Benjamin Franklin formam uma sentença acusatória precisa contra o programa inaugurado no governo Bush e expandido pelo governo Obama. Graças às evidências oferecidas pelo primeiro Snowden, o sistema de contrapesos da democracia americana começa, finalmente, a operar. Dias atrás, um juiz federal julgou inconstitucional a coleta de metadata telefônica pela NSA, declarando que, "provavelmente", ela fere a Quarta Emenda.

O juiz Richard Leon fez picadinho da alegação de que a coleta de arrastão de centenas de milhões de metadados telefônicos sem supervisão judicial é uma ferramenta crucial para prevenir atentados terroristas. A decisão equivale a um pequeno abalo sísmico nos alicerces da fortaleza do Grande Irmão --mas ela não tem nenhum efeito sobre a invasão da privacidade de cidadãos de terceiros países. É aqui que entra o primeiro Snowden.

"Compartilhei com o mundo provas de que alguns governos estão montando um sistema de vigilância mundial para rastrear secretamente como vivemos, com quem conversamos e o que dizemos." Na sua "carta ao povo brasileiro", o delator não faz nenhuma referência à espionagem tradicional, entre Estados, concentrando-se no ponto relevante: o direito dos cidadãos, americanos ou não, à proteção da privacidade. É o primeiro Snowden, não o segundo, que se dirige a nós. Significativamente, ele não circunscreve a acusação ao governo americano, preferindo utilizar a expressão "alguns governos". Há algo nessa opção deliberada pelo plural.

Sabe-se que a NSA compartilha informações com agências de inteligência de países europeus aliados. Um constrangido Hollande silenciou de imediato quando Washington sugeriu, nas entrelinhas, que a verdade sobre a vigilância de cidadãos franceses poderia vazar misteriosamente. Posto diante do falso escândalo da espionagem de Dilma Rousseff, o ex-embaixador americano no Brasil Thomas Shannon insinuou que o Gabinete de Segurança Institucional também figura entre os parceiros da NSA. Apelando ao Brasil, Snowden tenta se livrar do desmoralizante abraço de urso de Putin. Desconfio que, por razões de "segurança nacional", o governo brasileiro conseguirá que ele desista de sua pretensão de asilo. Para eles todos, o Snowden bom é o segundo.

Os culpados somos nós PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 21/12
A reeleição de Dilma, mostram as pesquisas, parece certa. Mas é bom lembrar que imprevistos acontecem. Como em junho, quando milhares de brasileiros saíram às ruas para cobrar mais decência de políticos e um país melhor. À época, blogueiros chapas-brancas de aluguel escracharam 1% dos eleitores que não comungava do Brasil maravilha. Estupefatos com a multidão nas ruas, logo tacharam de direitistas os manifestantes que bradavam contra a corrupção e pediam serviços públicos de boa qualidade. Pode um crime destes: querer decência na política?Pesquisas de opinião, à época, desorientaram o governo, a oposição, jornalistas, cientistas políticos. Enfim, todos. Ninguém nunca imaginou uma reação dessas por parte do brasileiro - esse sujeito tratado como otário por políticos inescrupulosos e que sempre engoliu em seco, impassível, toda a roubalheira possível e até inimaginável do dinheiro que paga de impostos. Como, de repente, do nada, esse turbilhão de gente acordava, vaiava Dilma num estádio lotado e dizia que não estava assim tão satisfeito com o Brasil maravilha?

Num primeiro momento, o que enlouqueceu os chapas-brancas é que os brasileiros que saíram às ruas vetaram a participação, nos protestos, de claques organizadas. Manifestantes de aluguel com bandeiras de partidos, de direita ou de esquerda, não eram bem recebidos. Cresceu, então, a infiltração dos black blocs. E a violência estúpida dos mascarados e da polícia nas passeatas acabou, para alívio dos corruptos de plantão, afastando os cidadãos comuns. Aí, tão surpreendente como surgiu, o movimento cívico desapareceu de cena.
A indignação expressada nos protestos também parece que sumiu das pesquisas de intenção de voto. Rapidamente, Dilma recuperou a popularidade - menos em Brasília - e segue rumo a uma reeleição tranquila. Nem o retrocesso na economia, a principal marca da atual presidente, como bem apontou Marina, parece abalar a perspectiva de vitória certa.
No Congresso, o conforto com a volta do conformismo da população é tão grande que, no apagar das luzes do ano legislativo, os deputados federais ainda tiveram o topete de aprovar para eles mesmos um mimo de R$ 16 milhões. É mais dinheiro que sai do nosso bolso e, em vez de servir para melhorar serviços públicos, vai bancar mordomias das excelências. E nem dá pra reclamar. Os culpados desse escracho somos nós mesmos. Ou não?

Paternalismo libertário - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 21/12

SÃO PAULO - No final, a obrigatoriedade de as montadoras instalarem airbags e freios ABS em todos os veículos novos foi mantida. Fico feliz, mas não resisto a levantar uma interessante e até certo ponto incômoda discussão filosófica.

Até que ponto o Estado pode interferir em transações voluntárias entre vendedores e compradores? No caso dos freios, é decerto legítimo tornar o sistema ABS um item de fábrica. Um veículo que não consegue parar, afinal, representa ameaça não só para o motorista e seus passageiros como também para terceiros. Mas será que esse raciocínio vale para o airbag?

Não me parece absurdo que alguém dispense esse item em troca de preço menor no automóvel. Vale observar que o poder público admite que motociclistas circulem sem esse tipo de proteção. Além disso, atividades bem mais perigosas, como alpinismo de altitude e mergulho em cavernas, são perfeitamente legais.

A discussão é análoga à da obrigatoriedade do cinto de segurança. Cabe ao Estado impedir que um cidadão faça mal a si mesmo? Meus instintos libertários dizem que não, mas meu pendor consequencialista sugere que sim. Trata-se, afinal, de interferência pequena que salva vidas.

Há um meio de conciliar essas duas intuições, recorrendo ao "paternalismo libertário" proposto por Richard Thaler e Cass Sunstein. A ideia aqui é reconhecer que seres humanos frequentemente fazem escolhas erradas e, através de desenhos institucionais, tentar empurrá-los para as certas, mas sem autoritarismo.

No caso do airbag e do cinto, em vez de coagir, bastaria exigir do interessado que assine meia dúzia de formulários isentando fabricantes e o Estado de qualquer responsabilidade por sua escolha. Como o viés de inércia é forte, o mais provável é que um número reduzido de libertários obstinados se desse ao trabalho. As virtudes públicas da obrigatoriedade são conservadas, e a liberdade individual, preservada.

Papai Noel a 2,1 mil km/hora - ALBERTO DINES

GAZETA DO POVO - PR - 21/12

As perplexidades de junho estão esquecidas, não serviram para coisa alguma. Completado o primeiro semestre da difícil convivência com a humildade, nossos governantes fazem questão de exibir a mesma arrogância e idêntica desatenção ao atendimento das expectativas populares.

Depois dos sacolejos produzidos pelas manif (como dizem os franceses quando se referem às manifestações) e na véspera de um agitado ano eleitoral, as agendas políticas parecem totalmente desconectadas da realidade. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, marinheiro de primeira viagem e talvez por isso mais sensível, é o único que demonstra não ter esquecido o susto. Priorizou o transporte público e, na esfera da sua competência, esforça-se para diminuir o terror e a tortura da imobilidade urbana.

Logo saberemos se a sua terapia é eficaz ou paliativa, se as opções oferecidas são substantivas ou cosméticas. O importante é perceber que a maior metrópole do país não finge de avestruz: está intensamente envolvida no debate acionado por um movimento de proporções inéditas e natureza imprecisa – portanto, inconcluso.

O contrário ocorre no âmbito federal: as lições de junho foram para o lixo. O debate é deletério; as prioridades, idem. O salto à frente destinado a empolgar a sociedade resume-se à compra de 36 supercaças de fabricação sueca que começarão a ser entregues em 2018 se o cronograma for obedecido.

Embora 12 anos atrasada, a decisão foi correta sob todos os pontos de vista – estratégico, militar e econômico. Mas a bandeira desfraldada através dessa transação não atende às necessidades nem às expectativas de um país que já deveria ter decolado da condição de promessa.

As ameaças que pairam no nosso horizonte não são as externas. O pretexto da defesa da soberania territorial só será validado quando formos capazes de defendê-las dos inimigos que estão ao lado, dentro das nossas fronteiras, sabotando o progresso, trabalhando contra o bem comum.

A espionagem eletrônica da qual o país está sendo vítima não será combatida pelos punhos (Gripen) suecos. Para defender nossas riquezas, sobretudo submarinas, precisamos antes de competência organizacional e eficiência educacional, políticas públicas inovadoras, pluralistas.

Os pilotos da FAB são considerados os melhores do mundo, mas, antes que levantem voo com suas máquinas novinhas em folha, será necessário superar as turbulências que há oito anos consecutivos atormentam a nossa aviação comercial. A parceria Brasil-Suécia tem tudo para dar certo. Sobretudo quando atentarmos para as nossas diferenças: eles estão fechando presídios por falta de criminosos, os nossos estão abarrotados.

A figura do Papai Noel sentado no cockpit de um supercaça deverá agradar à criançada e à vasta gama de associados do Clube Brasil Grande. Os membros do Clube Brasil Justo, mais numerosos, certamente preferirão Papai Noel lendo uma biografia não autorizada. Ou um romance chamado Lembrem-se de Junho.

O buraco é mais embaixo - FERNÃO LARA MESQUITA

O ESTADÃO - 21/12

Acompanho a comemoração na imprensa em torno da votação do Supremo Tribunal Federal (STF) que caminha na direção de “proibir” o financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas e me bate um desânimo ancestral.

Alguém acredita que de feto vai cessar a roubalheira na construção de estradas, de metrôs, de hidrelétricas; na saúde pública; na construção de escolas; na escolha dos livros didáticos comprados pelo governo; na merenda escolar; na compra de remédios e ambulâncias; na expedição de alvarás para construções privadas; na fiscalização de feiras, bares e restaurantes; do guarda que troca a multa por 50 paus – vá lá! escolha você mesmo! – se o Supremo Tribunal Federal proibir o financiamento de campanhas eleitorais com doações de empresas privadas?

Alguém acredita que o horário eleitoral gratuito se tomará menos mentiroso e nefasto se o direito que os políticos se outorgam de mentir pela corja sem contraditório em rede nacional em horário nobre for financiado só com dinheiro público?

Alguém acredita que as próprias doações de campanha cessarão apenas porque os meritíssimos assim decidiram? Que foi por feita de alguém ter essa boa ideia que vimos sendo roubados há 513 anos?

E o PT, que levantou essa bandeira exatamente a partir do minuto em que chegou “lá” e nem um segundo antes, fê-lo para que o País deixe de “ser”, ou para ficar sozinho distribuindo bolsas, isenções de impostos, quebrando a Petrobrás para encher o tanque da freguesia a preço eleitoralmente conveniente, destruindo a indústria nacional à custa de aumentos de salário sem aumentos de produtividade, sustentando o consumo contratando dívida e inflação futuras e o mais que a gente sabe, sozinho na raia?

Por que a imprensa se presta a dar ares de seriedade a tapeação tão evidente e antiga? Ela não consulta os seus próprios arquivos? Os livros de História, para se lembrar de há quanto tempo a gente que nos explora vive de remexer o acessório para manter como está o principal?

Não, o vício é nacional, não é só dos políticos. Mais do que isso, o vício é cultural. Irmana meia humanidade.

Regulamentar o irregulamentável. Encher bibliotecas inteiras de leis e leis sobre leis sem perder um minuto sequer com considerações práticas sobre a fectibilidade de aplicá-las. Discutir infindavelmente sobre o nada com uma retórica grandiloquente. Fazer revoluções em palanques, em tribunas e em mesas de bar. Eis as marcas do DNA latino! Até as mensagens do Twitter já se propôs regulamentar nos espasmos legiferantes da presente temporada. O que virá depois? O Facebook e o resto da internet? E então a definição das conversas e sussurros regulares e irregulares nas praças públicas?

E que tal começar pelo final, como fizeram os países onde de feto existe democracia? Que tal declarar todo mundo -? a começar pelo “rei” – igual a todo mundo perante “A Lei”? Ter um único foro de julgamento para todos? Uma única prisão para quem quer que queira pisar deliberadamente no tomate? Um ou no máximo dois recursos de julgamento?

A doença degenerativa do Brasil se chama impunidade. De modo que acabar com a impunidade feria mais pela cura da nossa chaga política e de todas as outras que ela abre e infecciona do

que mais 50 decisões do STF sobre a periferia da regra eleitoral. “Ah, mas se formos esperar o Congresso a reforma política não sai nunca!” Não sai mesmo. Mas a função do Judiciário não é tomar o lugar dos legisladores sob esse pretexto. A função do Judiciário é enquadrar os legisladores na lei que eles próprios escrevem. Na única lei que deveria viger no País, igual para todos. É fazer isso que o resto acontece sozinho!

E impunidade não é só a dos ladrões e dos outros criminosos que nos mantêm trancados e acuados porque com eles o Judiciário é tão mole quanto é largo o bolso de advogados e juizes com poderes para decidir a seu bel prazer quem vaie quem não vai para a jaula. Impunidade é também a do representante que trai o seu representado e vende o seu mandato para quem e quantas vezes quiser.

Para essa vertente da doença nacional existe o remédio do voto distrital com recall que amarra cada político eleito a um grupo claramente identificado de eleitores e dá a esses eleitores o direito de cassar essa representação quando quiserem e pelo motivo que quiserem, como prescreve a Constituição, que diz que “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”.

“O problema”, eu não me canso de repetir com Teodore Roosevelt, “não é haver corrupção, condição inerente ao ser humano. O problema é o corrupto poder exibir o seu sucesso, o que é subversivo”.

O problema,vale dizer em termos mais focados no caso em discussão, não é a exposição dos agentes públicos ao poder econômico, o que é absolutamente inevitável; o problema é não poder punir quem é pego abusando dele. E ninguém sabe disso melhor que este STF, que tenta há oito anos enfiar e manter meia dúzia de salaflários na prisão, e não consegue.

Faria muito mais por nossa remissão esse Supremo Tribunal se tratasse de olhar para o próprio umbigo e acabai com os “embargos infringentes”, a meia dúzia de “”tribunais especiais” para “pessoas especiais”e os outros 20 mil recursos que mantém à disposição dos bandidos comuns com carteira recheada, que provam todos os dias a cada brasileirinho e a cada brasileirinha, desde que nascem, seja na Vieira Souto, seja no Morro do Alemão, que, sim, o crime compensa.

E vale repetir: as sociedades funcionam como cadeias de transmissão de forças nas quais o elemento mais próximo do povo, a fonte de onde emana a legitimidade dos demais poderes, é a imprensa. Enquanto ela seguir obrigando-se, por um suposto “imperativo ético” inventado em nossas escolas aparelhadas, a amplificar as iniciativas dos poderes constituídos emprestando-lhes ares de seriedade, eles seguirão tão confortavelmente refesteladas na mentira quanto estão hoje.