ESTADÃO - 31/08
Seria preciso ver, em primeiro lugar, com que base política a presidente Dilma seria chamada a governar
O cenário pode ser fortemente improvável, mas a pergunta tem lá sua importância: qual seria a política econômica dos dois próximos anos e pico se a presidente Dilma conseguisse o número mínimo de votos no Senado (28) e fosse reconduzida à Presidência da República?
Pelas críticas contundentes à política econômica do presidente em exercício Michel Temer, feitas segunda-feira no Senado, fica subentendido que, em caso de retorno, Dilma optaria, a seu estilo, por um modelão heterodoxo de condução da economia.
Não dá para descrever o que seria isso. Depois de tudo o que deu errado, não faria sentido imaginar que a presidente Dilma restabeleceria a Nova Matriz Macroeconômica, baseada no consumo artificial e no aumento da dívida pública. Mas, pelas declarações, ficou claro que do seu novo cardápio não constaria uma PEC que, por 20 anos, restringisse o aumento das despesas públicas à correção pela inflação passada, como a que tramita no Congresso. Seja o que for, em que estado ficariam as contas públicas?
Pelo ataque aos projetos de reforma da Previdência e das regras trabalhistas que vêm sendo estudados pelo governo de Michel Temer, também parece claro que um novo período Dilma postergaria quanto pudesse essas reformas.
Mas a questão mais importante extrapola a simples escolha das diretrizes macroeconômicas. Seria preciso ver, em primeiro lugar, com que base política a presidente Dilma seria chamada a governar. Depois de tudo o que aconteceu, ela não poderia contar com o PMDB liderado pelo seu agora desafeto, Michel Temer. Também não contaria com o PSDB e o DEM.
Até mesmo o PT já avisou em dois documentos recentes (O futuro está na retomada das mudanças, de fevereiro, e Resolução sobre Conjuntura, de maio) que, na avaliação do partido, a política econômica defendida por Joaquim Levy e Nelson Barbosa é excessivamente neoliberal e inaceitável, marcada pela “submissão aos imperativos do capital rentista”.
Como antevê graves dificuldades políticas para o restabelecimento de um nível mínimo de confiança, Dilma já adiantou que, além de convocar um plebiscito que antecipasse as eleições para um novo presidente da República, costuraria um pacto de governabilidade. Mas até mesmo para um projeto desses seria preciso condições políticas prévias, que muito dificilmente poderiam ser reunidas após o enorme desgaste produzido pelo processo do impeachment.
Não fosse por outras razões, a enorme dificuldade para garantir condições políticas de governo sugere que um eventual retorno da presidente Dilma produziria uma tempestade perfeita, principalmente se viesse acompanhada da alta do dólar no mercado internacional induzida pela alta de juros nos Estados Unidos e por novas denúncias demolidoras que viessem da Operação Lava Jato.
É um cenário que nem o PT quer ajudar a desenhar, pelo estrago que produziria nos seus projetos para as eleições de 2018.
CONFIRA
O desemprego continua aumentando e não dá sinais de redução. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua apontou para o trimestre móvel terminado em julho um índice de desocupação de 11,6%, que alcança 11,8 milhões de brasileiros. Dado mais alentador é o do rendimento médio real recebido pelo trabalhador, que manteve estabilidade em relação ao trimestre móvel terminado em fevereiro. Ainda não é possível enxergar o início da virada. O momento continua sendo de causa e efeito se reforçando. O desemprego reduz o consumo, que reduz a produção, que aumenta o desemprego.
quarta-feira, agosto 31, 2016
Roda viva - MONICA DE BOLLE
ESTADÃO - 31/08
Dilma não tem condições técnicas, morais, éticas para liderar o Brasil, mas não será removida por essas razões
“A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir”,
Chico Buarque, Roda Viva
Coube à roda viva que chacoalha o destino pra lá e pra cá que essa coluna tivesse de ser escrita às vésperas do resultado final do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Dilma, Chico Buarque em destaque, tentou ir contra a corrente no discurso de sua defesa, mas deixou muito a cumprir. A fala inicial até que não foi ruim, apesar de recheada de apelos emocionais e tentativas de contar a história da destruição econômica de seu governo de outro modo. Contudo, nas perguntas e respostas, a presidente arrogante, aquela que não reconhece os danos imponderáveis de seu voluntarismo obstinado, reapareceu. São quase 12 milhões de desempregados, 3,2 milhões a mais do que em 2015. Os que ainda podem se considerar afortunados por ter trabalho estão recebendo 3% menos do que recebiam no ano passado, descontada a inflação. Mais do que a implosão das contas públicas, é esse o legado nefasto de Dilma.
Que fique claro, não é pela péssima gestão econômica que ela está sendo julgada, tampouco por ter participado, de forma direta ou indireta, do pior escândalo de corrupção do País. Esse é o desatino. Dilma não tem condições técnicas, morais, éticas para liderar o Brasil, mas não será removida por essas razões. Será removida porque infringiu leis, as principais leis do arcabouço fiscal brasileiro. Por mais que essas infrações sejam gravíssimas, há um quê de perplexidade no ar, pois a roubalheira generalizada e os atos de podridão moral foram praticados pelo PT e por seus fiéis aliados nos últimos 14 anos – aqueles que se preparam para assumir a liderança definitiva do País pelos próximos dois anos.
Alguém já se esqueceu dos áudios protagonizados não só pelos arautos do petismo, como também pelos assessores mais próximos de Temer? Não há mocinhos ou mocinhas no bangue-bangue tupiniquim, como revelou a Lava Jato. É por esse motivo que o impeachment, ainda que seja o caminho menos pior para o Brasil nesse momento, deixará feridas abertas, difíceis de cicatrizar. Não é possível compará-lo ao que se seguiu à remoção de Collor.
Qual o futuro do governo de Michel Temer nesse contexto, governo interino que já gastou capital político nada desprezível para garantir o impeachment de Dilma Rousseff? Muitos acham que a interinidade terá sido o período mais difícil. Arrisco outra reflexão. A interinidade serviu para que Temer e parte do PMDB consolidassem a remoção necessária daquela que talvez tenha sido a pior dirigente que o Brasil já teve. Agora virá a cobrança, o preço, o pedaço de carne shakespeariano. Rodamoinho, roda pião. Rodarão ministros para que se arme o velho Centrão.
Sem o Centrão as reformas não passarão, a animação dos mercados haverá de se estancar de repente, inequivocamente. As cobranças de parlamentares da base aliada, as pressões que Temer enfrentará colocarão em xeque sua capacidade de articulação nas primeiras horas pós-impeachment. Sinais do que está por vir estiveram presentes na fala de Dilma, nas diversas ocasiões em que a presidente afastada aproveitou para afirmar que perderá o trabalhador com a reforma da Previdência, que perderá a população com a proposta de criação de um teto para os gastos, uma vez que o governo não mais poderá arcar com o mesmo nível de despesas para a saúde e a educação – áreas onde gasta-se muito e entrega-se tão pouco. Contudo, o que a população percebe não é a ineficiência, o desvio de recursos. É difícil convencer o povo dizendo que dá para fazer mais com menos, sobretudo quando quem o diz integrou os governos que dilapidaram a Petrobrás e o País.
Talvez as reformas passem, com concessões e diluições que não façam muito para melhorar o quadro fiscal de médio prazo. Talvez o plano de privatização a ser anunciado em breve seja capaz de trazer algum investimento para o País, melhorando um pouco as perspectivas de retomada da economia. Talvez Temer forme seu Centrão. Talvez, não.
“A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino pra lá”.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute For Internacional Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Dilma não tem condições técnicas, morais, éticas para liderar o Brasil, mas não será removida por essas razões
“A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir”,
Chico Buarque, Roda Viva
Coube à roda viva que chacoalha o destino pra lá e pra cá que essa coluna tivesse de ser escrita às vésperas do resultado final do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Dilma, Chico Buarque em destaque, tentou ir contra a corrente no discurso de sua defesa, mas deixou muito a cumprir. A fala inicial até que não foi ruim, apesar de recheada de apelos emocionais e tentativas de contar a história da destruição econômica de seu governo de outro modo. Contudo, nas perguntas e respostas, a presidente arrogante, aquela que não reconhece os danos imponderáveis de seu voluntarismo obstinado, reapareceu. São quase 12 milhões de desempregados, 3,2 milhões a mais do que em 2015. Os que ainda podem se considerar afortunados por ter trabalho estão recebendo 3% menos do que recebiam no ano passado, descontada a inflação. Mais do que a implosão das contas públicas, é esse o legado nefasto de Dilma.
Que fique claro, não é pela péssima gestão econômica que ela está sendo julgada, tampouco por ter participado, de forma direta ou indireta, do pior escândalo de corrupção do País. Esse é o desatino. Dilma não tem condições técnicas, morais, éticas para liderar o Brasil, mas não será removida por essas razões. Será removida porque infringiu leis, as principais leis do arcabouço fiscal brasileiro. Por mais que essas infrações sejam gravíssimas, há um quê de perplexidade no ar, pois a roubalheira generalizada e os atos de podridão moral foram praticados pelo PT e por seus fiéis aliados nos últimos 14 anos – aqueles que se preparam para assumir a liderança definitiva do País pelos próximos dois anos.
Alguém já se esqueceu dos áudios protagonizados não só pelos arautos do petismo, como também pelos assessores mais próximos de Temer? Não há mocinhos ou mocinhas no bangue-bangue tupiniquim, como revelou a Lava Jato. É por esse motivo que o impeachment, ainda que seja o caminho menos pior para o Brasil nesse momento, deixará feridas abertas, difíceis de cicatrizar. Não é possível compará-lo ao que se seguiu à remoção de Collor.
Qual o futuro do governo de Michel Temer nesse contexto, governo interino que já gastou capital político nada desprezível para garantir o impeachment de Dilma Rousseff? Muitos acham que a interinidade terá sido o período mais difícil. Arrisco outra reflexão. A interinidade serviu para que Temer e parte do PMDB consolidassem a remoção necessária daquela que talvez tenha sido a pior dirigente que o Brasil já teve. Agora virá a cobrança, o preço, o pedaço de carne shakespeariano. Rodamoinho, roda pião. Rodarão ministros para que se arme o velho Centrão.
Sem o Centrão as reformas não passarão, a animação dos mercados haverá de se estancar de repente, inequivocamente. As cobranças de parlamentares da base aliada, as pressões que Temer enfrentará colocarão em xeque sua capacidade de articulação nas primeiras horas pós-impeachment. Sinais do que está por vir estiveram presentes na fala de Dilma, nas diversas ocasiões em que a presidente afastada aproveitou para afirmar que perderá o trabalhador com a reforma da Previdência, que perderá a população com a proposta de criação de um teto para os gastos, uma vez que o governo não mais poderá arcar com o mesmo nível de despesas para a saúde e a educação – áreas onde gasta-se muito e entrega-se tão pouco. Contudo, o que a população percebe não é a ineficiência, o desvio de recursos. É difícil convencer o povo dizendo que dá para fazer mais com menos, sobretudo quando quem o diz integrou os governos que dilapidaram a Petrobrás e o País.
Talvez as reformas passem, com concessões e diluições que não façam muito para melhorar o quadro fiscal de médio prazo. Talvez o plano de privatização a ser anunciado em breve seja capaz de trazer algum investimento para o País, melhorando um pouco as perspectivas de retomada da economia. Talvez Temer forme seu Centrão. Talvez, não.
“A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino pra lá”.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute For Internacional Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Privatizações reduziriam subsídios - NILSON TEIXEIRA
VALOR ECONÔMICO - 31/08
O país não precisa ter tantas instituições oficiais para oferecer financiamentos subsidiados
O governo apontará em breve as empresas estatais que serão objeto de privatização ou concessão nos próximos anos. Esse anúncio retoma o processo que teve início na década de 90 e foi desacelerado nos últimos anos. A expectativa é de que essa decisão marque também o fim dos ciclos de aumento da intervenção do Estado na economia e de criação de empresas estatais. Definitivamente, o governo precisa interromper esse processo. Mais do que isso, é necessário promover uma reestruturação da ação do Estado, inclusive reduzindo o número de empresas controladas pelo setor público.
A concessão de subsídios por diferentes órgãos públicos não é um fato novo. Todavia, a escalada recente desses privilégios foi desenfreada, sendo uma das principais causas da deterioração fiscal e, consequentemente, da recessão sem precedentes no país. É crucial que os exagerados subsídios e renúncias tributárias sejam reavaliados e reduzidos. As evidências sugerem que essa oferta não gerou nenhum benefício palpável em termos de crescimento dos investimentos e, muito menos, de alta da produtividade.
O governo precisa eliminar vazamentos descontrolados de recursos públicos. Essa será uma tarefa bastante complexa. A dificuldade de avaliar esses benefícios está associada, em parte, à grande quantidade de programas de governo que atendem clientes e projetos similares e, também, ao número elevado de órgãos públicos e instituições financeiras controladas pelo governo intermediando essa oferta.
Seria apropriado que o conjunto das empresas passíveis de privatização também incluísse alguns bancos e órgãos públicos que oferecem financiamentos subsidiados. O país não precisa ter tantas instituições oficiais com essa função. Não faz sentido ter mais de um organismo federal oferecendo vantagens financeiras para os mesmos clientes e projetos. Isso dificulta o correto dimensionamento desses subsídios, intensifica as distorções alocativas, diminui a transparência sobre o uso de recursos públicos e não traz nenhum ganho de eficiência.
Cabe ao Executivo adotar controles mais rígidos, de forma a direcionar cada tipo de benefício por apenas uma instituição federal e a impedir que os mesmos empreendimentos captem privilégios financeiros de diversas fontes oficiais. Essa estratégia resultaria na incorporação ou fusão de alguns órgãos, na privatização de uma parte ou da totalidade de outros e, em última instância, no fechamento de alguns deles.
A atual duplicidade na oferta de recursos escassos do setor público diminuiria bastante caso o governo definisse melhor a atribuição específica de cada instituição. Por exemplo, o financiamento subsidiado para o custeio da safra agrícola e para investimentos na agricultura poderia ser canalizado apenas pelo Banco do Brasil. Do mesmo modo, a vasta experiência da Caixa no apoio a programas de governo, como os empréstimos imobiliários com recursos públicos, inclusive do FGTS, o atendimento à população carente (e.g., pagamento do Bolsa Família) e o financiamento a projetos no âmbito municipal (e.g., área de saneamento básico), é um sólido argumento para que esses programas sejam oferecidos exclusivamente por essa instituição.
Finalmente, não se justifica conceder financiamentos com condições mais favoráveis do que as de mercado para empresas nos setores industrial, de serviços e de infraestrutura, bem como no programa de privatização, por outro órgão que não o BNDES. Ademais, o BNDES é o organismo público mais indicado para gerir o FI-FGTS.
À luz dessa especialização, o governo precisa repensar a atuação de alguns bancos federais. Seria apropriado transferir, por exemplo, várias atividades do BNB e do BASA, relativas aos financiamentos subsidiados com recursos públicos, para o BB, a Caixa e o BNDES. As demais partes do BNB e do BASA, mais relacionadas à atuação bancária normal, inclusive como agentes financeiros do BNDES, não são estratégicas e podem fazer parte do programa de privatização do governo federal. Argumentações regionais não são sólidas o suficiente para justificar a manutenção de suas estruturas.
No caso de não serem passíveis de privatização, o que abre espaço para questionamentos diversos, o adequado seria que essas instituições fossem absorvidas pelos outros bancos federais. No mínimo, isso aumentaria a eficiência na utilização de recursos públicos.
Essa reestruturação também faz sentido para outras agências federais. Um exemplo é a Finep, que também concede financiamentos a empresas e instituições de pesquisa. Ao menos parte das funções da Finep e do BNDES são coincidentes, como apoiar empresas de base tecnológica, implantar parques tecnológicos e apoiar operações de mercado de capitais. Nesse contexto, faz todo sentido o BNDES incorporar a Finep. Também aqui, haverá lobbies favoráveis à manutenção da arquitetura atual, com justificativas pontuais. Todavia, esses eventuais obstáculos são contornáveis.
A multiplicidade de órgãos com funções coincidentes torna o controle de recursos públicos e a alocação de subsídios ainda mais difíceis e ineficientes. A unificação das portas de atendimento reduziria custos para as empresas, que concentrariam a submissão de seus projetos para a obtenção de apoio oficiais apenas a uma instituição específica. Essa estratégia também aumentaria a coordenação das políticas públicas, muitas vezes prejudicada pelo emaranhado de ações de estatais e órgãos públicos.
Essa reestruturação faz parte de uma agenda mais ampla de reformas microeconômicas, que precisa ser retomada com urgência. Está mais do que na hora de definir o papel e um menor e mais equilibrado tamanho do Estado, que garantam uma maior eficácia das políticas do governo e um menor desperdício de recursos públicos.
Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse (Brasil), é Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia
O país não precisa ter tantas instituições oficiais para oferecer financiamentos subsidiados
O governo apontará em breve as empresas estatais que serão objeto de privatização ou concessão nos próximos anos. Esse anúncio retoma o processo que teve início na década de 90 e foi desacelerado nos últimos anos. A expectativa é de que essa decisão marque também o fim dos ciclos de aumento da intervenção do Estado na economia e de criação de empresas estatais. Definitivamente, o governo precisa interromper esse processo. Mais do que isso, é necessário promover uma reestruturação da ação do Estado, inclusive reduzindo o número de empresas controladas pelo setor público.
A concessão de subsídios por diferentes órgãos públicos não é um fato novo. Todavia, a escalada recente desses privilégios foi desenfreada, sendo uma das principais causas da deterioração fiscal e, consequentemente, da recessão sem precedentes no país. É crucial que os exagerados subsídios e renúncias tributárias sejam reavaliados e reduzidos. As evidências sugerem que essa oferta não gerou nenhum benefício palpável em termos de crescimento dos investimentos e, muito menos, de alta da produtividade.
O governo precisa eliminar vazamentos descontrolados de recursos públicos. Essa será uma tarefa bastante complexa. A dificuldade de avaliar esses benefícios está associada, em parte, à grande quantidade de programas de governo que atendem clientes e projetos similares e, também, ao número elevado de órgãos públicos e instituições financeiras controladas pelo governo intermediando essa oferta.
Seria apropriado que o conjunto das empresas passíveis de privatização também incluísse alguns bancos e órgãos públicos que oferecem financiamentos subsidiados. O país não precisa ter tantas instituições oficiais com essa função. Não faz sentido ter mais de um organismo federal oferecendo vantagens financeiras para os mesmos clientes e projetos. Isso dificulta o correto dimensionamento desses subsídios, intensifica as distorções alocativas, diminui a transparência sobre o uso de recursos públicos e não traz nenhum ganho de eficiência.
Cabe ao Executivo adotar controles mais rígidos, de forma a direcionar cada tipo de benefício por apenas uma instituição federal e a impedir que os mesmos empreendimentos captem privilégios financeiros de diversas fontes oficiais. Essa estratégia resultaria na incorporação ou fusão de alguns órgãos, na privatização de uma parte ou da totalidade de outros e, em última instância, no fechamento de alguns deles.
A atual duplicidade na oferta de recursos escassos do setor público diminuiria bastante caso o governo definisse melhor a atribuição específica de cada instituição. Por exemplo, o financiamento subsidiado para o custeio da safra agrícola e para investimentos na agricultura poderia ser canalizado apenas pelo Banco do Brasil. Do mesmo modo, a vasta experiência da Caixa no apoio a programas de governo, como os empréstimos imobiliários com recursos públicos, inclusive do FGTS, o atendimento à população carente (e.g., pagamento do Bolsa Família) e o financiamento a projetos no âmbito municipal (e.g., área de saneamento básico), é um sólido argumento para que esses programas sejam oferecidos exclusivamente por essa instituição.
Finalmente, não se justifica conceder financiamentos com condições mais favoráveis do que as de mercado para empresas nos setores industrial, de serviços e de infraestrutura, bem como no programa de privatização, por outro órgão que não o BNDES. Ademais, o BNDES é o organismo público mais indicado para gerir o FI-FGTS.
À luz dessa especialização, o governo precisa repensar a atuação de alguns bancos federais. Seria apropriado transferir, por exemplo, várias atividades do BNB e do BASA, relativas aos financiamentos subsidiados com recursos públicos, para o BB, a Caixa e o BNDES. As demais partes do BNB e do BASA, mais relacionadas à atuação bancária normal, inclusive como agentes financeiros do BNDES, não são estratégicas e podem fazer parte do programa de privatização do governo federal. Argumentações regionais não são sólidas o suficiente para justificar a manutenção de suas estruturas.
No caso de não serem passíveis de privatização, o que abre espaço para questionamentos diversos, o adequado seria que essas instituições fossem absorvidas pelos outros bancos federais. No mínimo, isso aumentaria a eficiência na utilização de recursos públicos.
Essa reestruturação também faz sentido para outras agências federais. Um exemplo é a Finep, que também concede financiamentos a empresas e instituições de pesquisa. Ao menos parte das funções da Finep e do BNDES são coincidentes, como apoiar empresas de base tecnológica, implantar parques tecnológicos e apoiar operações de mercado de capitais. Nesse contexto, faz todo sentido o BNDES incorporar a Finep. Também aqui, haverá lobbies favoráveis à manutenção da arquitetura atual, com justificativas pontuais. Todavia, esses eventuais obstáculos são contornáveis.
A multiplicidade de órgãos com funções coincidentes torna o controle de recursos públicos e a alocação de subsídios ainda mais difíceis e ineficientes. A unificação das portas de atendimento reduziria custos para as empresas, que concentrariam a submissão de seus projetos para a obtenção de apoio oficiais apenas a uma instituição específica. Essa estratégia também aumentaria a coordenação das políticas públicas, muitas vezes prejudicada pelo emaranhado de ações de estatais e órgãos públicos.
Essa reestruturação faz parte de uma agenda mais ampla de reformas microeconômicas, que precisa ser retomada com urgência. Está mais do que na hora de definir o papel e um menor e mais equilibrado tamanho do Estado, que garantam uma maior eficácia das políticas do governo e um menor desperdício de recursos públicos.
Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse (Brasil), é Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia
Sobre comércio e 'desindustrialização prematura' - MARCOS TROYJO
FOLHA DE SP - 31/08
Se analisarmos com cuidado a história dos países que mudaram de patamar nos últimos 70 anos, como Alemanha, Japão, China, Coreia do Sul e Chile, é praticamente impossível ver uma trajetória de crescimento sem pelo menos 40% do PIB daquele país resultante das somas de importações e exportações.
No Brasil, desde que fomos descobertos por Cabral até 1999, com exceção dos ciclos da monocultura de exportação, como o ciclo da borracha, do café ou da cana-de-açúcar, é muito raro encontrar um momento do PIB brasileiro que apresente 25% oriundos de comércio exterior.
A primeira e óbvia constatação é que na recente história da economia global o Brasil não integrou o grupo de países que elegeu o comércio exterior como principal plataforma de crescimento.
E, num foco mais contemporâneo, adotamos, desde o primeiro governo Lula, um "retrofit" das antigas teses de substituição de importações.
Se nos 1940 e 1950 a palavra forte era nacionalização da indústria, nestes últimos anos, esse conceito foi substituído por uma filosofia que chamo de "local-contentismo". Trata-se de uma ênfase muito forte nas políticas industriais de substituição de importações, mas não necessariamente com nacionalização da indústria. Pelo contrário, tal retrofit foi muito amistoso ao capital estrangeiro.
Toda a estratégia brasileira de compras governamentais, oferecimento de benefícios fiscais e tentativa de criação de cadeias de produção do setor industrial esteve associada ao papel das estatais e das instâncias governamentais em seus três níveis. O Estado desempenhou papel de grande formador da demanda para que empresas de outros países viessem ao Brasil e aqui estabelecessem suas operações produtivas, portanto gerando empregos e impostos locais.
O problema é que, na medida em que o Brasil optou por não se esforçar na busca de acordos de comércio, nem se integrar às cadeias globais de produção, as atividades industriais que aqui se instalaram não apenas passaram a competir com os similares nacionais, como também tiveram como objetivo exclusivo o mercado brasileiro.
Ninguém vinha montar uma fábrica no Brasil para fazer do país uma plataforma de exportação para terceiros mercados. Eles vieram sobretudo para explorar o mercado brasileiro, que é muito protegido comercialmente e, portanto, paga um sobrepreço para quem se instala aqui.
Essa é uma das razões pelas quais o Brasil se tornou o quinto maior destino de investimento direto do mundo durante esse período Lula-Dilma.
Ou seja, tivemos, de fato, uma política industrial que atraiu investimentos, só que não necessariamente pelas melhores razões. As prioridades foram o atendimento de demandas reprimidas, mirando o universo do consumo interno, e não fazendo o Brasil por meio do seu próprio mérito um elo dessas cadeias mais globais de produção.
E isso só contribuiu para que nosso comércio exterior de maior valor agregado e, particularmente, do setor industrial, definhasse.
Essa política favoreceu o que alguns economistas, em especial Dani Rodrik, de Harvard, chamam de "desindustrialização prematura".
Uma coisa é o que aconteceu com Londres ou Paris, ou outros grandes centros urbanos na Europa que se converteram ao longo do século de ramos industriais para praças de serviços e entretenimento. Houve, nesses casos, um processo de maturação bastante clara.
Alguns desses setores de serviços e entretenimento se converteram em locação para a quarta revolução industrial, com empregos em pesquisa e desenvolvimento voltados para tecnologia e para a indústria.
No caso do Brasil, não cumprimos essa fase. Aqui não existe, em dimensão semelhante à dos EUA, um "rust belt" (cinturão de ferrugem) —uma região de indústria pesada e manufatureira. Nós tínhamos que fazer com que a indústria ocupasse uma parcela ainda maior no PIB brasileiro e uma fatia ainda maior das nossas exportações.
Acabamos, no entanto, regredindo ao longo do tempo. Outro elemento a também contribuir pra esse processo foi nossa volta a uma situação semicolonial de comércio com a Ásia, e particularmente com a China.
A China hoje é nosso principal parceiro. Mas nossas exportações estão concentradas em poucos produtos básicos. Com as importantes vantagens comparativas que mantemos nas commodities agrícolas e minerais, pelas quais os chineses têm grande apetite, cai o interesse dos empresários em investir na indústria.
É muito mais barato ou, pelo menos foi durante uma época, tentar o outsourcing a partir do mercado chinês. Isso contribuiu demais para a nossa desindustrialização. De modo que nós estamos agora no meio do caminho.
Recentemente as exportações da indústria aumentaram por causa da desvalorização do real frente ao dólar. Nós ganhamos competitividade via câmbio. No entanto, o câmbio é apenas um dos muitos pilares que temos de aperfeiçoar para dar ao Brasil competitividade exportadora industrial.
Em nossa interação com o mundo, privilegiamos muito mais nossas ambições políticas no âmbito externo do que um maior pragmatismo econômico. O resultado disso tudo é que aquilo que nós podemos considerar segundo e terceiro pilares da competitividade —acesso a grandes mercados e facilitação da participação do Brasil nas cadeias internacionais de agregação de valor— não foram privilegiados nesse período mais recente.
Não dá para fazer um "copiar e colar" de modelos asiáticos, mas com eles podemos aprender. A Coreia do Sul abraçou substituição de importações e criação de campeões nacionais. Mas não o fez para garantir fatias do mercado interno ao empresariado local, e sim para promover exportações, aumentar a competitividade do capital nacional em relação a terceiros mercados.
Essa é a grande diferença com o modelo que aplicamos no Brasil. Os sul-coreanos se aproveitaram de um interesse geopolítico dos Estados Unidos e da Europa para fazer algumas concessões pontuais a países asiáticos. Isso também é verdade, numa escala ampliada, em relação à estratégia adotada pela China.
E aí vem a pergunta: será que ainda dá tempo para o Brasil? Temos nesse próximos dois anos e meio de reforçar marcos regulatórios e segurança jurídica. Avançar nas concessōes e privatizações.
Se olharmos o mapa-múndi, seria muito difícil encontrar um país que consegue equilibrar, por um lado, potencial exportador da cadeia agroalimentar, agromineral e em algumas áreas de alta tecnologia, como é o setor aeronáutico, e, por outro, mercado interno de grande proporção.
O Brasil é grande e, no limite, tamanho ainda importa. No rumo certo, ficaremos ainda maiores.
Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas.
Se analisarmos com cuidado a história dos países que mudaram de patamar nos últimos 70 anos, como Alemanha, Japão, China, Coreia do Sul e Chile, é praticamente impossível ver uma trajetória de crescimento sem pelo menos 40% do PIB daquele país resultante das somas de importações e exportações.
No Brasil, desde que fomos descobertos por Cabral até 1999, com exceção dos ciclos da monocultura de exportação, como o ciclo da borracha, do café ou da cana-de-açúcar, é muito raro encontrar um momento do PIB brasileiro que apresente 25% oriundos de comércio exterior.
A primeira e óbvia constatação é que na recente história da economia global o Brasil não integrou o grupo de países que elegeu o comércio exterior como principal plataforma de crescimento.
E, num foco mais contemporâneo, adotamos, desde o primeiro governo Lula, um "retrofit" das antigas teses de substituição de importações.
Se nos 1940 e 1950 a palavra forte era nacionalização da indústria, nestes últimos anos, esse conceito foi substituído por uma filosofia que chamo de "local-contentismo". Trata-se de uma ênfase muito forte nas políticas industriais de substituição de importações, mas não necessariamente com nacionalização da indústria. Pelo contrário, tal retrofit foi muito amistoso ao capital estrangeiro.
Toda a estratégia brasileira de compras governamentais, oferecimento de benefícios fiscais e tentativa de criação de cadeias de produção do setor industrial esteve associada ao papel das estatais e das instâncias governamentais em seus três níveis. O Estado desempenhou papel de grande formador da demanda para que empresas de outros países viessem ao Brasil e aqui estabelecessem suas operações produtivas, portanto gerando empregos e impostos locais.
O problema é que, na medida em que o Brasil optou por não se esforçar na busca de acordos de comércio, nem se integrar às cadeias globais de produção, as atividades industriais que aqui se instalaram não apenas passaram a competir com os similares nacionais, como também tiveram como objetivo exclusivo o mercado brasileiro.
Ninguém vinha montar uma fábrica no Brasil para fazer do país uma plataforma de exportação para terceiros mercados. Eles vieram sobretudo para explorar o mercado brasileiro, que é muito protegido comercialmente e, portanto, paga um sobrepreço para quem se instala aqui.
Essa é uma das razões pelas quais o Brasil se tornou o quinto maior destino de investimento direto do mundo durante esse período Lula-Dilma.
Ou seja, tivemos, de fato, uma política industrial que atraiu investimentos, só que não necessariamente pelas melhores razões. As prioridades foram o atendimento de demandas reprimidas, mirando o universo do consumo interno, e não fazendo o Brasil por meio do seu próprio mérito um elo dessas cadeias mais globais de produção.
E isso só contribuiu para que nosso comércio exterior de maior valor agregado e, particularmente, do setor industrial, definhasse.
Essa política favoreceu o que alguns economistas, em especial Dani Rodrik, de Harvard, chamam de "desindustrialização prematura".
Uma coisa é o que aconteceu com Londres ou Paris, ou outros grandes centros urbanos na Europa que se converteram ao longo do século de ramos industriais para praças de serviços e entretenimento. Houve, nesses casos, um processo de maturação bastante clara.
Alguns desses setores de serviços e entretenimento se converteram em locação para a quarta revolução industrial, com empregos em pesquisa e desenvolvimento voltados para tecnologia e para a indústria.
No caso do Brasil, não cumprimos essa fase. Aqui não existe, em dimensão semelhante à dos EUA, um "rust belt" (cinturão de ferrugem) —uma região de indústria pesada e manufatureira. Nós tínhamos que fazer com que a indústria ocupasse uma parcela ainda maior no PIB brasileiro e uma fatia ainda maior das nossas exportações.
Acabamos, no entanto, regredindo ao longo do tempo. Outro elemento a também contribuir pra esse processo foi nossa volta a uma situação semicolonial de comércio com a Ásia, e particularmente com a China.
A China hoje é nosso principal parceiro. Mas nossas exportações estão concentradas em poucos produtos básicos. Com as importantes vantagens comparativas que mantemos nas commodities agrícolas e minerais, pelas quais os chineses têm grande apetite, cai o interesse dos empresários em investir na indústria.
É muito mais barato ou, pelo menos foi durante uma época, tentar o outsourcing a partir do mercado chinês. Isso contribuiu demais para a nossa desindustrialização. De modo que nós estamos agora no meio do caminho.
Recentemente as exportações da indústria aumentaram por causa da desvalorização do real frente ao dólar. Nós ganhamos competitividade via câmbio. No entanto, o câmbio é apenas um dos muitos pilares que temos de aperfeiçoar para dar ao Brasil competitividade exportadora industrial.
Em nossa interação com o mundo, privilegiamos muito mais nossas ambições políticas no âmbito externo do que um maior pragmatismo econômico. O resultado disso tudo é que aquilo que nós podemos considerar segundo e terceiro pilares da competitividade —acesso a grandes mercados e facilitação da participação do Brasil nas cadeias internacionais de agregação de valor— não foram privilegiados nesse período mais recente.
Não dá para fazer um "copiar e colar" de modelos asiáticos, mas com eles podemos aprender. A Coreia do Sul abraçou substituição de importações e criação de campeões nacionais. Mas não o fez para garantir fatias do mercado interno ao empresariado local, e sim para promover exportações, aumentar a competitividade do capital nacional em relação a terceiros mercados.
Essa é a grande diferença com o modelo que aplicamos no Brasil. Os sul-coreanos se aproveitaram de um interesse geopolítico dos Estados Unidos e da Europa para fazer algumas concessões pontuais a países asiáticos. Isso também é verdade, numa escala ampliada, em relação à estratégia adotada pela China.
E aí vem a pergunta: será que ainda dá tempo para o Brasil? Temos nesse próximos dois anos e meio de reforçar marcos regulatórios e segurança jurídica. Avançar nas concessōes e privatizações.
Se olharmos o mapa-múndi, seria muito difícil encontrar um país que consegue equilibrar, por um lado, potencial exportador da cadeia agroalimentar, agromineral e em algumas áreas de alta tecnologia, como é o setor aeronáutico, e, por outro, mercado interno de grande proporção.
O Brasil é grande e, no limite, tamanho ainda importa. No rumo certo, ficaremos ainda maiores.
Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas.
Salários ínfimos e Supremos - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 31/08
A situação do trabalho não tem jeito de estar perto do fundo do poço. O número de pessoas empregadas continua a diminuir cada vez mais rápido, de acordo com os dados nacionais do IBGE, que saíram nesta terça (30). Além disso, conviria a prestar atenção no seguinte.
Trabalhadores do setor público têm aumento.
O rendimento médio dos empregados do setor público cresceu 2% em termos reais (descontada a inflação), em relação ao trimestre de abril a junho do ano passado (a nova pesquisa de emprego do IBGE, a Pnad Contínua, é trimestral).
O setor privado perde salário.
Na média do país, incluindo os servidores, a baixa real dos rendimentos foi de 4,2%. No caso dos assalariados com carteira assinada, de 4%.
O emprego na indústria continua em depressão.
O massacre na indústria continua: o número de pessoas ocupadas diminuiu 11% de um ano para cá. No total do país, o número de ocupados baixou 1,5%.
Construção civil parece chegar ao fundo do poço.
Na construção civil, há indícios de fundo do poço. Em relação ao mesmo trimestre do ano passado, o número de ocupados aumentou 3,9%. Os rendimentos também cresceram.
Foi na construção civil que a recessão começou a ficar evidente, ainda no primeiro trimestre de 2014, quando o número de empregados do setor começou a diminuir calamitosamente, o que se foi notar na indústria mais de um ano depois.
Depressão piora nos escritórios e na finança.
O massacre fica cada vez pior no setor de atividades de "informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas". São setores em que a recessão começou mais tarde, em meados de 2015. Mas, agora, a razia de empregos está na base de 10% ao ano, parecida com a da indústria.
E os salários "Supremos"?
A média dos rendimentos dos servidores indicada acima refere-se ao conjunto de empregados do setor público, do governo federal ao mais pobre dos municípios. A grande massa desses trabalhadores é constituída, como se sabe, de professores, profissionais de saúde, soldados e praças das polícias militares.
Ainda assim, a média salarial desses trabalhadores era de R$ 3.137 no trimestre abril-junho, em geral com qualificação de fato maior que a média nacional. A média dos assalariados com carteira assinada (afora empregados domésticos) é de R$ 1.887. A média dos mais de 6 milhões de trabalhadores domésticos, na maioria domésticas, de R$ 804.
Como bem se sabe, até pelo lobby aberto do presidente do Supremo Tribunal Federal, a cúpula do Judiciário quer reajuste de salário neste e no ano que vem, o que por tabela elevará salários da elite do funcionalismo, da União aos municípios.
O salário dos ministros do Supremo, em tese o teto dos servidores, está em R$ 33,7 mil, afora penduricalhos gordos e benefícios não pecuniários. A "categoria luta" por um salário de R$ 36,7 mil a partir de junho (sic) deste ano e de R$ 39,2 mil a partir de janeiro do ano que vem.
O aumento custará bilhões de gastos extras. A fim de bancar tal despesa, ora inviável, será preciso cortar noutra parte (provavelmente, investimentos em obras) ou fazer mais dívida, muito mais provavelmente, transferindo ainda mais dinheiro de juros para os que já têm mais.
A situação do trabalho não tem jeito de estar perto do fundo do poço. O número de pessoas empregadas continua a diminuir cada vez mais rápido, de acordo com os dados nacionais do IBGE, que saíram nesta terça (30). Além disso, conviria a prestar atenção no seguinte.
Trabalhadores do setor público têm aumento.
O rendimento médio dos empregados do setor público cresceu 2% em termos reais (descontada a inflação), em relação ao trimestre de abril a junho do ano passado (a nova pesquisa de emprego do IBGE, a Pnad Contínua, é trimestral).
O setor privado perde salário.
Na média do país, incluindo os servidores, a baixa real dos rendimentos foi de 4,2%. No caso dos assalariados com carteira assinada, de 4%.
O emprego na indústria continua em depressão.
O massacre na indústria continua: o número de pessoas ocupadas diminuiu 11% de um ano para cá. No total do país, o número de ocupados baixou 1,5%.
Construção civil parece chegar ao fundo do poço.
Na construção civil, há indícios de fundo do poço. Em relação ao mesmo trimestre do ano passado, o número de ocupados aumentou 3,9%. Os rendimentos também cresceram.
Foi na construção civil que a recessão começou a ficar evidente, ainda no primeiro trimestre de 2014, quando o número de empregados do setor começou a diminuir calamitosamente, o que se foi notar na indústria mais de um ano depois.
Depressão piora nos escritórios e na finança.
O massacre fica cada vez pior no setor de atividades de "informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas". São setores em que a recessão começou mais tarde, em meados de 2015. Mas, agora, a razia de empregos está na base de 10% ao ano, parecida com a da indústria.
E os salários "Supremos"?
A média dos rendimentos dos servidores indicada acima refere-se ao conjunto de empregados do setor público, do governo federal ao mais pobre dos municípios. A grande massa desses trabalhadores é constituída, como se sabe, de professores, profissionais de saúde, soldados e praças das polícias militares.
Ainda assim, a média salarial desses trabalhadores era de R$ 3.137 no trimestre abril-junho, em geral com qualificação de fato maior que a média nacional. A média dos assalariados com carteira assinada (afora empregados domésticos) é de R$ 1.887. A média dos mais de 6 milhões de trabalhadores domésticos, na maioria domésticas, de R$ 804.
Como bem se sabe, até pelo lobby aberto do presidente do Supremo Tribunal Federal, a cúpula do Judiciário quer reajuste de salário neste e no ano que vem, o que por tabela elevará salários da elite do funcionalismo, da União aos municípios.
O salário dos ministros do Supremo, em tese o teto dos servidores, está em R$ 33,7 mil, afora penduricalhos gordos e benefícios não pecuniários. A "categoria luta" por um salário de R$ 36,7 mil a partir de junho (sic) deste ano e de R$ 39,2 mil a partir de janeiro do ano que vem.
O aumento custará bilhões de gastos extras. A fim de bancar tal despesa, ora inviável, será preciso cortar noutra parte (provavelmente, investimentos em obras) ou fazer mais dívida, muito mais provavelmente, transferindo ainda mais dinheiro de juros para os que já têm mais.
Mitologia do 'golpe' é um excesso de desonestidade intelectual - ALEXANDRE SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 31/08
A mitologia do "golpe" se ampara na ideia de que as "pedaladas" se justificariam para manter o crescimento e o emprego. Reconhece, portanto, a ilegalidade da ação (a vilipendiada Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe operações de crédito entre o governo e seus bancos), mas argumenta se tratar de política com fins nobres: impedir a recessão e garantir que a população permanecesse ocupada.
Há vários problemas com o argumento. A começar pela contumaz noção de que fins justificam os meios, possibilitando a destruição do aparato institucional em nome de presumidos ganhos imediatos. Mesmo que estes se materializem —o que está longe de ser verdade—, não raro as consequências para a capacidade de expansão de longo prazo são desastrosas, em linha com nossa experiência recente.
Diga-se, aliás, que o objetivo, vendido como nobre, era bem mais mundano, a saber, ganhar uma eleição, nem que à custa de "fazer o diabo", posição tornada explícita ao longo do processo.
Isto dito, há sérias dúvidas acerca da adequação dessa política. Em primeiro lugar porque, conforme discutido mais vezes do que seria saudável neste espaço, em 2013 e em 2014, quando se usou e abusou desse expediente, estava mais do que claro que o problema da economia brasileira não era a falta de demanda originária da crise internacional (já então o mundo crescia bem mais do que nós), mas sim os sérios gargalos do lado da oferta, incluindo o mercado de trabalho.
Naquele contexto, aumentar gastos iria simplesmente agravar nosso desequilíbrio externo (e o agravou, trazendo o deficit em conta-corrente de US$ 75 bilhões para US$ 105 bilhões) e elevar ainda mais a inflação, apesar dos controles de preços, o que também ocorreu.
Junte-se a ambos esses desequilíbrios o forte aumento da dívida pública no período e fica claro que a política econômica da época, além de ineficaz para elevar o crescimento, era também nitidamente insustentável para qualquer economista que não fosse signatário do manifesto de apoio à presidente às vésperas da eleição.
Não faz tampouco sentido o raciocínio (se cabe aqui a expressão) que atribui ao excesso de responsabilidade fiscal a queda da presidente.
Em primeiro lugar porque, sendo a política anterior insustentável, não havia alternativa que não passasse pela correção dos desequilíbrios fiscais. Ao contrário, a crise que resultaria da manutenção da Nova Matriz, hoje uma pobre órfã, faria a atual parecer não mais que mera desaceleração econômica.
Mais importante, porém, a modestíssima contração fiscal que se materializou em 2015 dificilmente justificaria a queda observada do PIB. Ajustado ao padrão sazonal, o produto encolheu cerca de 6% entre o quarto trimestre de 2014 e o primeiro de 2016 (quase R$ 100 bilhões a preços do primeiro trimestre deste ano). Já o consumo do governo no mesmo período caiu menos do que 2%, ou R$ 5,5 bilhões no mesmo período.
Conforme notado por Samuel Pessôa, não há valores plausíveis para o multiplicador fiscal que justifiquem tamanho colapso econômico.
Trata-se, na verdade, de mais um episódio da notória desonestidade intelectual dos keynesianos de quermesse a serviço de um projeto político. Se há algo de bom no atual governo, é a certeza de que eles estão longe da condução da política econômica.
A mitologia do "golpe" se ampara na ideia de que as "pedaladas" se justificariam para manter o crescimento e o emprego. Reconhece, portanto, a ilegalidade da ação (a vilipendiada Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe operações de crédito entre o governo e seus bancos), mas argumenta se tratar de política com fins nobres: impedir a recessão e garantir que a população permanecesse ocupada.
Há vários problemas com o argumento. A começar pela contumaz noção de que fins justificam os meios, possibilitando a destruição do aparato institucional em nome de presumidos ganhos imediatos. Mesmo que estes se materializem —o que está longe de ser verdade—, não raro as consequências para a capacidade de expansão de longo prazo são desastrosas, em linha com nossa experiência recente.
Diga-se, aliás, que o objetivo, vendido como nobre, era bem mais mundano, a saber, ganhar uma eleição, nem que à custa de "fazer o diabo", posição tornada explícita ao longo do processo.
Isto dito, há sérias dúvidas acerca da adequação dessa política. Em primeiro lugar porque, conforme discutido mais vezes do que seria saudável neste espaço, em 2013 e em 2014, quando se usou e abusou desse expediente, estava mais do que claro que o problema da economia brasileira não era a falta de demanda originária da crise internacional (já então o mundo crescia bem mais do que nós), mas sim os sérios gargalos do lado da oferta, incluindo o mercado de trabalho.
Naquele contexto, aumentar gastos iria simplesmente agravar nosso desequilíbrio externo (e o agravou, trazendo o deficit em conta-corrente de US$ 75 bilhões para US$ 105 bilhões) e elevar ainda mais a inflação, apesar dos controles de preços, o que também ocorreu.
Junte-se a ambos esses desequilíbrios o forte aumento da dívida pública no período e fica claro que a política econômica da época, além de ineficaz para elevar o crescimento, era também nitidamente insustentável para qualquer economista que não fosse signatário do manifesto de apoio à presidente às vésperas da eleição.
Não faz tampouco sentido o raciocínio (se cabe aqui a expressão) que atribui ao excesso de responsabilidade fiscal a queda da presidente.
Em primeiro lugar porque, sendo a política anterior insustentável, não havia alternativa que não passasse pela correção dos desequilíbrios fiscais. Ao contrário, a crise que resultaria da manutenção da Nova Matriz, hoje uma pobre órfã, faria a atual parecer não mais que mera desaceleração econômica.
Mais importante, porém, a modestíssima contração fiscal que se materializou em 2015 dificilmente justificaria a queda observada do PIB. Ajustado ao padrão sazonal, o produto encolheu cerca de 6% entre o quarto trimestre de 2014 e o primeiro de 2016 (quase R$ 100 bilhões a preços do primeiro trimestre deste ano). Já o consumo do governo no mesmo período caiu menos do que 2%, ou R$ 5,5 bilhões no mesmo período.
Conforme notado por Samuel Pessôa, não há valores plausíveis para o multiplicador fiscal que justifiquem tamanho colapso econômico.
Trata-se, na verdade, de mais um episódio da notória desonestidade intelectual dos keynesianos de quermesse a serviço de um projeto político. Se há algo de bom no atual governo, é a certeza de que eles estão longe da condução da política econômica.
O fim e o começo - MÍRIAM LEITÃO
O Globo - 31/08
O presidente interino, Michel Temer, entrou no gabinete presidencial no dia 12 de maio e havia uma única pessoa, uma secretária que logo depois entrou de licença-maternidade, e os computadores sem informação. Ontem, 110 dias depois, ele fez um balanço desse período de interinidade e sustentou que conseguiu muito. Se for confirmado o impeachment, assume hoje e viaja para a reunião do G-20.
Temer disse o que quer no governo: — O que eu quero é deixar a economia melhor, o Estado pacificado sem a divisão que encontrei. Meus 10 primeiros dias aqui foram terríveis.
Perguntei sobre os aumentos do funcionalismo, e ele disse que já os encontrou negociados e enviados para o Congresso, e por isso não poderia descumpri-los. Mas foram muitos. Levantamento que fiz depois mostra que reajustes para 32 categorias foram enviados pela presidente Dilma. Doze estavam negociados e não assinados. Desses, o presidente Temer enviou oito e faltam quatro. Duas categorias ainda não negociaram. Ao todo, aumentos para 46 categorias.
O presidente diz que enviará ao Congresso a reforma da previdência antes das eleições, com idade mínima de 65 anos para homens e de 63 anos para mulheres. Avalia que em outubro o projeto de teto de gastos deve ser votado na Câmara. Mandará também a reforma trabalhista.
— Será uma reforma para garantir mais emprego e que estabelece que o negociado em convenção coletiva vale sobre o legislado. A presidente Dilma usou o mesmo princípio quando fez o acordo de redução de jornada com redução de salário. Além disso, vamos colaborar na reforma política. Existem projetos no Congresso — afirmou.
O dia de hoje, 31, que pode ser a sua posse, está em aberto. Seu avião pode sair às 15h30m ou 17h30m. Ou não. Se for aprovado o impeachment da presidente, ele terá que fazer o juramento e assinar o termo de posse, e assim se tornar presidente com um horizonte de dois anos e quatro meses. Em seguida, fará uma reunião de ministério e viajará. Serão ao todo, ida e volta, 60 horas de viagem, e outras 60 horas de permanência na China:
— O Brasil não pode estar ausente na reunião do G-20.
Constitucionalmente, ele não pode viajar com a possibilidade de o cargo ficar vago, e por isso aguardará a decisão do Senado. Perguntei o que dirá se for questionado sobre a acusação, corrente em órgãos de imprensa influentes do mundo, de que o Brasil vive um golpe de Estado:
— Se alguém me perguntar, direi que o Brasil está pacificado juridicamente. Não há discussão jurídica. Que o Brasil passou por um período difícil de disputas políticas, mas a Constituição foi cumprida. E que, no afastamento da presidente, assumiu o vice-presidente porque, afinal, é este o seu papel. Não há uma crise institucional, e todo o processo, todo o rito, foi ditado pelo Supremo. Lembrarei que, no início do processo, Dilma foi a Nova York, eu assumi, ela voltou e reassumiu. Tudo como manda a Constituição. Isso direi, se alguém me perguntar.
Na sua agenda na China, há quatro encontros bilaterais, além do presidente chinês, Xi Jinping: o presidente do governo espanhol, Mariano Raroy; o primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi; o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe; e o príncipe herdeiro da Arábia Saudita. Uma segunda viagem internacional já está marcada em setembro. A ida a Nova York, onde o Brasil abre a Assembleia Geral da ONU. Temer defende que em três meses de interinidade seu governo não ficou parado:
— Aprovamos a nova meta fiscal porque a que estava sendo proposta pela presidente Dilma era de um déficit de R$ 96 bilhões, mas o déficit real era de R$ 170 bi. Aprovamos a DRU, que estava parada há 10 meses, a lei das empresas públicas, que também estava parada. Fizemos a renegociação da dívida com os estados e aprovamos o teto para os gastos dos estados.
Argumentei que o governo perdeu a proibição de reajuste dos servidores estaduais, e ele disse que o mais importante era o teto e que cada estado decidirá como cumprir esse limite:
— Temos que dialogar, dialogar sempre, sem ceder no principal.
Temer acompanha todos os dados de melhora da confiança na economia, diz que sabe que isso não representa aumento de atividade econômica, mas tem esperança de ser o começo do fim da crise.
O presidente interino, Michel Temer, entrou no gabinete presidencial no dia 12 de maio e havia uma única pessoa, uma secretária que logo depois entrou de licença-maternidade, e os computadores sem informação. Ontem, 110 dias depois, ele fez um balanço desse período de interinidade e sustentou que conseguiu muito. Se for confirmado o impeachment, assume hoje e viaja para a reunião do G-20.
Temer disse o que quer no governo: — O que eu quero é deixar a economia melhor, o Estado pacificado sem a divisão que encontrei. Meus 10 primeiros dias aqui foram terríveis.
Perguntei sobre os aumentos do funcionalismo, e ele disse que já os encontrou negociados e enviados para o Congresso, e por isso não poderia descumpri-los. Mas foram muitos. Levantamento que fiz depois mostra que reajustes para 32 categorias foram enviados pela presidente Dilma. Doze estavam negociados e não assinados. Desses, o presidente Temer enviou oito e faltam quatro. Duas categorias ainda não negociaram. Ao todo, aumentos para 46 categorias.
O presidente diz que enviará ao Congresso a reforma da previdência antes das eleições, com idade mínima de 65 anos para homens e de 63 anos para mulheres. Avalia que em outubro o projeto de teto de gastos deve ser votado na Câmara. Mandará também a reforma trabalhista.
— Será uma reforma para garantir mais emprego e que estabelece que o negociado em convenção coletiva vale sobre o legislado. A presidente Dilma usou o mesmo princípio quando fez o acordo de redução de jornada com redução de salário. Além disso, vamos colaborar na reforma política. Existem projetos no Congresso — afirmou.
O dia de hoje, 31, que pode ser a sua posse, está em aberto. Seu avião pode sair às 15h30m ou 17h30m. Ou não. Se for aprovado o impeachment da presidente, ele terá que fazer o juramento e assinar o termo de posse, e assim se tornar presidente com um horizonte de dois anos e quatro meses. Em seguida, fará uma reunião de ministério e viajará. Serão ao todo, ida e volta, 60 horas de viagem, e outras 60 horas de permanência na China:
— O Brasil não pode estar ausente na reunião do G-20.
Constitucionalmente, ele não pode viajar com a possibilidade de o cargo ficar vago, e por isso aguardará a decisão do Senado. Perguntei o que dirá se for questionado sobre a acusação, corrente em órgãos de imprensa influentes do mundo, de que o Brasil vive um golpe de Estado:
— Se alguém me perguntar, direi que o Brasil está pacificado juridicamente. Não há discussão jurídica. Que o Brasil passou por um período difícil de disputas políticas, mas a Constituição foi cumprida. E que, no afastamento da presidente, assumiu o vice-presidente porque, afinal, é este o seu papel. Não há uma crise institucional, e todo o processo, todo o rito, foi ditado pelo Supremo. Lembrarei que, no início do processo, Dilma foi a Nova York, eu assumi, ela voltou e reassumiu. Tudo como manda a Constituição. Isso direi, se alguém me perguntar.
Na sua agenda na China, há quatro encontros bilaterais, além do presidente chinês, Xi Jinping: o presidente do governo espanhol, Mariano Raroy; o primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi; o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe; e o príncipe herdeiro da Arábia Saudita. Uma segunda viagem internacional já está marcada em setembro. A ida a Nova York, onde o Brasil abre a Assembleia Geral da ONU. Temer defende que em três meses de interinidade seu governo não ficou parado:
— Aprovamos a nova meta fiscal porque a que estava sendo proposta pela presidente Dilma era de um déficit de R$ 96 bilhões, mas o déficit real era de R$ 170 bi. Aprovamos a DRU, que estava parada há 10 meses, a lei das empresas públicas, que também estava parada. Fizemos a renegociação da dívida com os estados e aprovamos o teto para os gastos dos estados.
Argumentei que o governo perdeu a proibição de reajuste dos servidores estaduais, e ele disse que o mais importante era o teto e que cada estado decidirá como cumprir esse limite:
— Temos que dialogar, dialogar sempre, sem ceder no principal.
Temer acompanha todos os dados de melhora da confiança na economia, diz que sabe que isso não representa aumento de atividade econômica, mas tem esperança de ser o começo do fim da crise.
Depois da queda - DORA KRAMER
ESTADÃO - 31/08
Da ainda presidente Dilma Rousseff diga-se tudo, menos que seja dissimulada. Conta uma mentira como ninguém, mas não tem duas caras. Antipática no cotidiano, assim se apresentou ao Senado na última oportunidade para defender o seu mandato. Sem maquiagem na personalidade, falou aos julgadores como quem não teme o resultado por saber de antemão o desfecho do julgamento.
Não estava ali para conquistar votos, estamos cansados de saber. A ideia era marcar posição e receber elogios pela “coragem”. Não foi ali munida da esperança de alterar um desfecho previamente anunciado. Desenlace antecipado por ela quando providenciou mudança de seus pertences para Porto Alegre e na segunda-feira confirmado pela ousadia de denunciar repetidas e inúmeras vezes a existência de um golpe de Estado na presença do presidente do Supremo Tribunal Federal, no ambiente do Parlamento, no exercício do direito de defesa e à vista de todos os que acompanharam pela televisão.
Houvesse alguma expectativa de mudar o curso dessa história, Dilma não teria chamado os julgadores de golpistas nem conferido a Ricardo Lewandowski o posto de comandante do golpe, muito menos falado no tom que foi se tornando cada vez mais arrogante à medida que a sessão avançava.
Em relação ao conteúdo da parte não escrita deu-se o desacerto de sempre entre palavras e ideias. Notadamente no trecho em que, questionada pelo senador Aloysio Nunes, Dilma anunciou que recorrerá ao Supremo caso seja condenada porque, segundo ela, só então estará consumado o golpe. Deu para entender? Então até agora não houve processo golpista algum. Bem como nunca existiram os vários recursos ao STF apresentados pela defesa quando o processo transcorria na Câmara, recusados na quase totalidade pelo tribunal, até mesmo um pedindo a suspensão da decisão dos deputados.
Ela só deu essa resposta sem nexo porque não tinha como explicar o que de fato perguntara o senador: se estamos sob o império da ilegalidade há meses, por que a autoridade máxima do País não tomou providências para restabelecer o Estado de Direito? A verdade é que não tomou porque o rito esteve o tempo todo dentro de absoluta legalidade. Conforme ela própria atestou ao aceitar a deferência dos senadores em ouvi-la, oportunidade negada a Fernando Collor em 1992.
Fez um apelo protocolar à OEA que, de acordo com o diretor da Human Rights Watch para as Américas, José Miguel Vivanco, não deve prosperar dada a inexistência de substância. Palavras dele na edição de ontem doEstado: “O Brasil enfrenta uma crise política muito profunda e lida com ela dentro do quadro institucional”. Razão pela qual o recurso ao Supremo servirá apenas para marcar posição.
Pelo seguinte: a Constituição diz em seus artigos 51 e 52 que compete privativamente à Câmara autorizar a instauração do processo e atribui competência privativa ao Senado para processar ou julgar presidente e vice-presidente nos crimes de responsabilidade. Haverá a alegação de que não houve tal crime, mas ninguém espera que a Corte brigue com os fatos.
Bate e volta. O cancelamento da viagem de Michel Temer à China chegou a ser cogitado ontem. Não só pela questão do tempo, mas também pelo receio de críticas ao fato de Temer se ausentar do País logo após a posse. Concluiu-se depois que pior seria a ausência na reunião do G-20.
Mantida a agenda, haverá muita correria: sessão solene para a posse no Congresso, reunião ministerial (talvez, a depender da hora do fim da votação) no Planalto, embarque no fim do dia, viagem de cerca de 30 horas para ir e outras 30 para voltar (com fuso horário contra) a tempo de Temer chegar para o desfile de 7 de setembro.
Da ainda presidente Dilma Rousseff diga-se tudo, menos que seja dissimulada. Conta uma mentira como ninguém, mas não tem duas caras. Antipática no cotidiano, assim se apresentou ao Senado na última oportunidade para defender o seu mandato. Sem maquiagem na personalidade, falou aos julgadores como quem não teme o resultado por saber de antemão o desfecho do julgamento.
Não estava ali para conquistar votos, estamos cansados de saber. A ideia era marcar posição e receber elogios pela “coragem”. Não foi ali munida da esperança de alterar um desfecho previamente anunciado. Desenlace antecipado por ela quando providenciou mudança de seus pertences para Porto Alegre e na segunda-feira confirmado pela ousadia de denunciar repetidas e inúmeras vezes a existência de um golpe de Estado na presença do presidente do Supremo Tribunal Federal, no ambiente do Parlamento, no exercício do direito de defesa e à vista de todos os que acompanharam pela televisão.
Houvesse alguma expectativa de mudar o curso dessa história, Dilma não teria chamado os julgadores de golpistas nem conferido a Ricardo Lewandowski o posto de comandante do golpe, muito menos falado no tom que foi se tornando cada vez mais arrogante à medida que a sessão avançava.
Em relação ao conteúdo da parte não escrita deu-se o desacerto de sempre entre palavras e ideias. Notadamente no trecho em que, questionada pelo senador Aloysio Nunes, Dilma anunciou que recorrerá ao Supremo caso seja condenada porque, segundo ela, só então estará consumado o golpe. Deu para entender? Então até agora não houve processo golpista algum. Bem como nunca existiram os vários recursos ao STF apresentados pela defesa quando o processo transcorria na Câmara, recusados na quase totalidade pelo tribunal, até mesmo um pedindo a suspensão da decisão dos deputados.
Ela só deu essa resposta sem nexo porque não tinha como explicar o que de fato perguntara o senador: se estamos sob o império da ilegalidade há meses, por que a autoridade máxima do País não tomou providências para restabelecer o Estado de Direito? A verdade é que não tomou porque o rito esteve o tempo todo dentro de absoluta legalidade. Conforme ela própria atestou ao aceitar a deferência dos senadores em ouvi-la, oportunidade negada a Fernando Collor em 1992.
Fez um apelo protocolar à OEA que, de acordo com o diretor da Human Rights Watch para as Américas, José Miguel Vivanco, não deve prosperar dada a inexistência de substância. Palavras dele na edição de ontem doEstado: “O Brasil enfrenta uma crise política muito profunda e lida com ela dentro do quadro institucional”. Razão pela qual o recurso ao Supremo servirá apenas para marcar posição.
Pelo seguinte: a Constituição diz em seus artigos 51 e 52 que compete privativamente à Câmara autorizar a instauração do processo e atribui competência privativa ao Senado para processar ou julgar presidente e vice-presidente nos crimes de responsabilidade. Haverá a alegação de que não houve tal crime, mas ninguém espera que a Corte brigue com os fatos.
Bate e volta. O cancelamento da viagem de Michel Temer à China chegou a ser cogitado ontem. Não só pela questão do tempo, mas também pelo receio de críticas ao fato de Temer se ausentar do País logo após a posse. Concluiu-se depois que pior seria a ausência na reunião do G-20.
Mantida a agenda, haverá muita correria: sessão solene para a posse no Congresso, reunião ministerial (talvez, a depender da hora do fim da votação) no Planalto, embarque no fim do dia, viagem de cerca de 30 horas para ir e outras 30 para voltar (com fuso horário contra) a tempo de Temer chegar para o desfile de 7 de setembro.
Partido que fala javanês - LOURIVAL SANT'ANNA
ESTADÃO - 31/08
Discurso do PT anda tão confuso que nem parece expressar-se em português
A coerência nunca foi uma característica cultivada pelo PT, mas de um tempo para cá, desde que o infortúnio bateu com força em sua porta, a desconexão entre a realidade e a fantasia vem assumindo dimensões amazônicas nas falas e nos gestos dos petistas. Discursos e ações tão confusos que parecem ditados em idioma desconhecido.
O ex-presidente Luiz Inácio da Silva ainda se tem na conta de um líder com identificação e, portanto, apoio popular. Assim dizem considerá-lo os petistas, apontando a preferência do eleitorado por ele, como candidato a presidente em 2018. Nas mesmas pesquisas aparece também como o “preferido” em matéria de rejeição, embora esse seja um detalhe que nunca venha ao caso quando dele se trata.
Pois como entender que ele assuma posição de ataque direto ao juiz Sérgio Moro, denunciando ao mundo como deletéria sua atuação na Lava Jato, que tem sustentação na lei e, por isso, aprovação absoluta na sociedade? Uma de três: ou não está ligando para o apoio popular porque deu por encerrada a carreira político-eleitoral ou aposta na impossível hipótese de a ONU aceitar a tese da “perseguição política” ou constrói uma falsa justificativa para quando, e se, for preso.
Moro, hoje, é um ídolo e a Lava Jato um símbolo da bandeira original do PT da defesa pela ética na política. Quem se posiciona contra ambos se coloca na contramão da demanda social.
Nessa trilha, como compreender que o PT denuncie o processo de impeachment como “golpe” e ao mesmo tempo apoie a candidatura de Rodrigo Maia (DEM-RJ) – tido como uma das pontas de lança do “golpismo” – para a presidência da Câmara. Pragmatismo poderia ser uma explicação se o resultado do apoio não fosse inócuo. Mas, pior. Resultou em derrota, dado que ao PT nenhum benefício decorreu da aliança firmada da disputa pelo comando da Câmara. O partido ficou com o malefício sem que tenha obtido qualquer benefício.
O dilema petista se exacerba quando o tema é a atitude a tomar nas eleições municipais de outubro próximo. Dizer o quê? Insistir na existência de um golpe ou se concentrar nos assuntos locais atinentes aos problemas das cidades? O golpe é desmentido pelos fatos, e a administração urbana retratada nos índices de rejeição a Fernando Haddad nas pesquisas sobre a possibilidade de se reeleger prefeito de São Paulo.
De onde é impossível entender o que diz o PT que abandonou de vez o português para se comunicar em javanês.
Para todos. Na proposta de reforma da Previdência a ser apresentada ao Congresso depois das eleições trabalhadores rurais deixarão de ter os benefícios adquiridos na Constituinte (em boa medida responsáveis pelo déficit geral), passando a contribuir de maneira mais equilibrada, e os funcionários públicos terão cortados alguns privilégios de modo a tornar mais igual a relação com o setor privado.
Jucá de volta. O governo não desistiu de ter o senador Romero Jucá como titular do Planejamento. Jucá deixou o cargo uma semana depois de nomeado por causa da divulgação de gravações em que fala sobre a necessidade de “estancar a sangria” da Lava Jato. Ele é investigado pela operação e alvo de outro processo no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na ocasião do afastamento, Jucá pediu ao Ministério Público que dissesse se há ou não impedimento legal para que ele assuma o posto. Isso tem um mês e meio e o MP ainda não se pronunciou. No Planalto o tempo de espera está se esgotando. Se não houver pronunciamento em breve, valerá a interpretação de que quem cala consente.
Não por outro motivo nem por coincidência, Dyogo Oliveira continua sendo tratado e nominado como interino.
Discurso do PT anda tão confuso que nem parece expressar-se em português
A coerência nunca foi uma característica cultivada pelo PT, mas de um tempo para cá, desde que o infortúnio bateu com força em sua porta, a desconexão entre a realidade e a fantasia vem assumindo dimensões amazônicas nas falas e nos gestos dos petistas. Discursos e ações tão confusos que parecem ditados em idioma desconhecido.
O ex-presidente Luiz Inácio da Silva ainda se tem na conta de um líder com identificação e, portanto, apoio popular. Assim dizem considerá-lo os petistas, apontando a preferência do eleitorado por ele, como candidato a presidente em 2018. Nas mesmas pesquisas aparece também como o “preferido” em matéria de rejeição, embora esse seja um detalhe que nunca venha ao caso quando dele se trata.
Pois como entender que ele assuma posição de ataque direto ao juiz Sérgio Moro, denunciando ao mundo como deletéria sua atuação na Lava Jato, que tem sustentação na lei e, por isso, aprovação absoluta na sociedade? Uma de três: ou não está ligando para o apoio popular porque deu por encerrada a carreira político-eleitoral ou aposta na impossível hipótese de a ONU aceitar a tese da “perseguição política” ou constrói uma falsa justificativa para quando, e se, for preso.
Moro, hoje, é um ídolo e a Lava Jato um símbolo da bandeira original do PT da defesa pela ética na política. Quem se posiciona contra ambos se coloca na contramão da demanda social.
Nessa trilha, como compreender que o PT denuncie o processo de impeachment como “golpe” e ao mesmo tempo apoie a candidatura de Rodrigo Maia (DEM-RJ) – tido como uma das pontas de lança do “golpismo” – para a presidência da Câmara. Pragmatismo poderia ser uma explicação se o resultado do apoio não fosse inócuo. Mas, pior. Resultou em derrota, dado que ao PT nenhum benefício decorreu da aliança firmada da disputa pelo comando da Câmara. O partido ficou com o malefício sem que tenha obtido qualquer benefício.
O dilema petista se exacerba quando o tema é a atitude a tomar nas eleições municipais de outubro próximo. Dizer o quê? Insistir na existência de um golpe ou se concentrar nos assuntos locais atinentes aos problemas das cidades? O golpe é desmentido pelos fatos, e a administração urbana retratada nos índices de rejeição a Fernando Haddad nas pesquisas sobre a possibilidade de se reeleger prefeito de São Paulo.
De onde é impossível entender o que diz o PT que abandonou de vez o português para se comunicar em javanês.
Para todos. Na proposta de reforma da Previdência a ser apresentada ao Congresso depois das eleições trabalhadores rurais deixarão de ter os benefícios adquiridos na Constituinte (em boa medida responsáveis pelo déficit geral), passando a contribuir de maneira mais equilibrada, e os funcionários públicos terão cortados alguns privilégios de modo a tornar mais igual a relação com o setor privado.
Jucá de volta. O governo não desistiu de ter o senador Romero Jucá como titular do Planejamento. Jucá deixou o cargo uma semana depois de nomeado por causa da divulgação de gravações em que fala sobre a necessidade de “estancar a sangria” da Lava Jato. Ele é investigado pela operação e alvo de outro processo no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na ocasião do afastamento, Jucá pediu ao Ministério Público que dissesse se há ou não impedimento legal para que ele assuma o posto. Isso tem um mês e meio e o MP ainda não se pronunciou. No Planalto o tempo de espera está se esgotando. Se não houver pronunciamento em breve, valerá a interpretação de que quem cala consente.
Não por outro motivo nem por coincidência, Dyogo Oliveira continua sendo tratado e nominado como interino.
As razões do impeachment - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
Gazeta do Povo - 31/08
A tese do “conjunto da obra” foi usada por José Eduardo Cardozo, pois confirma a ideia de que Dilma estaria sendo cassada por motivos que não justificam um impeachment
Apesar de Janaína Paschoal, advogada da acusação, ter resolvido não oferecer réplica à fala de José Eduardo Cardozo, que defende Dilma Rousseff, a decisão final sobre o impeachment da presidente afastada acabou ficando para esta quarta-feira, por decisão do presidente do STF, Ricardo Lewandowski. Um tempo adicional para examinarmos uma argumentação de Cardozo em seu discurso de terça-feira sobre o que seriam, para ele, as reais razões do impeachment. Um raciocínio sutil que esconde uma conclusão perigosa.
Cardozo alegou repetidamente que Dilma estava sendo julgada não pelas “pedaladas” ou pelos decretos fraudulentos, mas pelo que chamou de “conjunto da obra”: uma presidente que governou para os pobres, desagradou as elites e não quis frear a Lava Jato (um “conjunto” de conotação positiva) foi levada ao banco dos réus por uma tecnicalidade que camuflaria o real motivo do impeachment. O raciocínio do “conjunto da obra” é usado por defensores de Dilma – e, em menor grau, por seus adversários – também com outro sentido, negativo: a presidente estava caindo não pelas fraudes, mas pela condução desastrosa da economia, pela má interlocução com o Legislativo, pela destruição da Petrobras, pelo estelionato eleitoral. Em qualquer dos casos, esse raciocínio só pode levar à conclusão, errônea, de que o impeachment seria realmente um golpe.
Afinal, ambos os “conjuntos da obra” descritos anteriormente só podem servir para a queda de um chefe de governo em um regime parlamentarista, por meio do voto de desconfiança. Em um regime presidencialista, a mera incompetência, a impopularidade ou a relação belicosa com o Congresso não podem, em hipótese alguma, embasar um impeachment. No ordenamento jurídico brasileiro, é imprescindível a comprovação de um crime de responsabilidade (cujo julgamento cabe ao Senado, como ocorre agora) ou de crime comum (caso em que o presidente seria julgado pelo STF). Eis por que a tese do “conjunto da obra” é agradável ao petismo e foi usada por Cardozo, pois confirma a ideia de que Dilma estaria sendo cassada por motivos que, no presidencialismo, não justificam um impeachment – ou seja, uma cassação ilegal.
No entanto, existe um terceiro “conjunto da obra” que é preciso considerar: uma coleção de efetivos crimes de responsabilidade cometidos pelo mandatário – algo que, no caso de Dilma, é fácil de observar. Às “pedaladas” e fraudes contábeis de 2015, objeto concreto do pedido de impeachment analisado no Senado, somam-se essas mesmas irregularidades cometidas também durante o primeiro mandato e que já poderiam justificar o impeachment, pois o parágrafo 4.º do artigo 86 da Constituição diz que o presidente da República “não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”, sem com isso erigir um muro entre mandatos subsequentes na mesma função – seria um contrassenso considerar que a posse no segundo mandato significasse uma anistia em relação a todo crime cometido nos quatro anos anteriores. Além disso, como se não bastassem as fraudes no orçamento, é evidente também que Dilma prevaricou ao não agir para impedir a pilhagem da Petrobras.
Mas nem todo crime de responsabilidade é de fácil comprovação. Nada mais natural, portanto, que os proponentes do impeachment buscassem alguns poucos pontos sobre os quais não haveria dúvida, a fim de construir uma acusação sólida, ainda que para isso fosse necessário deixar passar o restante das irregularidades. É o que fizeram Janaína Paschoal, Hélio Bicudo e Miguel Reale Junior: para evitar consequências de uma interpretação torta do artigo 86 da CF, concentraram-se nas fraudes de 2015, fartamente documentadas e que não são “mera tecnicalidade”, dada a gravidade das gambiarras orçamentárias.
O fato de alguns senadores terem dedicado seus discursos a aspectos alheios à acusação propriamente dita ou as insinuações de que um governante popular jamais cairia pelos mesmos motivos de Dilma não escondem a existência concreta dos crimes de responsabilidade da presidente afastada. É por eles, e só por eles, que ela cai.
A tese do “conjunto da obra” foi usada por José Eduardo Cardozo, pois confirma a ideia de que Dilma estaria sendo cassada por motivos que não justificam um impeachment
Apesar de Janaína Paschoal, advogada da acusação, ter resolvido não oferecer réplica à fala de José Eduardo Cardozo, que defende Dilma Rousseff, a decisão final sobre o impeachment da presidente afastada acabou ficando para esta quarta-feira, por decisão do presidente do STF, Ricardo Lewandowski. Um tempo adicional para examinarmos uma argumentação de Cardozo em seu discurso de terça-feira sobre o que seriam, para ele, as reais razões do impeachment. Um raciocínio sutil que esconde uma conclusão perigosa.
Cardozo alegou repetidamente que Dilma estava sendo julgada não pelas “pedaladas” ou pelos decretos fraudulentos, mas pelo que chamou de “conjunto da obra”: uma presidente que governou para os pobres, desagradou as elites e não quis frear a Lava Jato (um “conjunto” de conotação positiva) foi levada ao banco dos réus por uma tecnicalidade que camuflaria o real motivo do impeachment. O raciocínio do “conjunto da obra” é usado por defensores de Dilma – e, em menor grau, por seus adversários – também com outro sentido, negativo: a presidente estava caindo não pelas fraudes, mas pela condução desastrosa da economia, pela má interlocução com o Legislativo, pela destruição da Petrobras, pelo estelionato eleitoral. Em qualquer dos casos, esse raciocínio só pode levar à conclusão, errônea, de que o impeachment seria realmente um golpe.
Afinal, ambos os “conjuntos da obra” descritos anteriormente só podem servir para a queda de um chefe de governo em um regime parlamentarista, por meio do voto de desconfiança. Em um regime presidencialista, a mera incompetência, a impopularidade ou a relação belicosa com o Congresso não podem, em hipótese alguma, embasar um impeachment. No ordenamento jurídico brasileiro, é imprescindível a comprovação de um crime de responsabilidade (cujo julgamento cabe ao Senado, como ocorre agora) ou de crime comum (caso em que o presidente seria julgado pelo STF). Eis por que a tese do “conjunto da obra” é agradável ao petismo e foi usada por Cardozo, pois confirma a ideia de que Dilma estaria sendo cassada por motivos que, no presidencialismo, não justificam um impeachment – ou seja, uma cassação ilegal.
No entanto, existe um terceiro “conjunto da obra” que é preciso considerar: uma coleção de efetivos crimes de responsabilidade cometidos pelo mandatário – algo que, no caso de Dilma, é fácil de observar. Às “pedaladas” e fraudes contábeis de 2015, objeto concreto do pedido de impeachment analisado no Senado, somam-se essas mesmas irregularidades cometidas também durante o primeiro mandato e que já poderiam justificar o impeachment, pois o parágrafo 4.º do artigo 86 da Constituição diz que o presidente da República “não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”, sem com isso erigir um muro entre mandatos subsequentes na mesma função – seria um contrassenso considerar que a posse no segundo mandato significasse uma anistia em relação a todo crime cometido nos quatro anos anteriores. Além disso, como se não bastassem as fraudes no orçamento, é evidente também que Dilma prevaricou ao não agir para impedir a pilhagem da Petrobras.
Mas nem todo crime de responsabilidade é de fácil comprovação. Nada mais natural, portanto, que os proponentes do impeachment buscassem alguns poucos pontos sobre os quais não haveria dúvida, a fim de construir uma acusação sólida, ainda que para isso fosse necessário deixar passar o restante das irregularidades. É o que fizeram Janaína Paschoal, Hélio Bicudo e Miguel Reale Junior: para evitar consequências de uma interpretação torta do artigo 86 da CF, concentraram-se nas fraudes de 2015, fartamente documentadas e que não são “mera tecnicalidade”, dada a gravidade das gambiarras orçamentárias.
O fato de alguns senadores terem dedicado seus discursos a aspectos alheios à acusação propriamente dita ou as insinuações de que um governante popular jamais cairia pelos mesmos motivos de Dilma não escondem a existência concreta dos crimes de responsabilidade da presidente afastada. É por eles, e só por eles, que ela cai.
A reação necessária - EDITORIAL ZERO HORA
ZERO HORA - RS - 31/08
No momento em que o país chega finalmente a uma fase de definição política, com a conclusão do processo de impeachment, o desemprego consolida-se como questão central, desafiando o governo federal a encontrar soluções efetivas e imediatas. Dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que, no trimestre encerrado em julho, o desemprego já se constituía em um drama para 11,8 milhões de brasileiros, um recorde da série histórica. O enfrentamento desse drama por um número crescente de famílias torna-se cada vez mais inadiável, exigindo também mais pressa nas mudanças em estudo na área trabalhista.
Quando a atividade econômica recua em níveis como os registrados no país, os prejuízos vão muito além dos financeiros, revelando-se particularmente cruéis na área social. No caso do mercado de trabalho, além de a taxa de desocupação ter se elevado a um percentual recorde de 11,6%, caiu também o rendimento médio dos assalariados.
Em consequência, cria-se um círculo vicioso cada vez mais difícil de ser rompido. A própria Previdência é afetada, pela redução das contribuições, e a possibilidade de reativação da atividade econômica por meio do consumo torna-se remota.
O país precisa demonstrar-se capaz de enfrentar uma chaga como o desemprego, que aflige um número cada vez maior de brasileiros.
No momento em que o país chega finalmente a uma fase de definição política, com a conclusão do processo de impeachment, o desemprego consolida-se como questão central, desafiando o governo federal a encontrar soluções efetivas e imediatas. Dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que, no trimestre encerrado em julho, o desemprego já se constituía em um drama para 11,8 milhões de brasileiros, um recorde da série histórica. O enfrentamento desse drama por um número crescente de famílias torna-se cada vez mais inadiável, exigindo também mais pressa nas mudanças em estudo na área trabalhista.
Quando a atividade econômica recua em níveis como os registrados no país, os prejuízos vão muito além dos financeiros, revelando-se particularmente cruéis na área social. No caso do mercado de trabalho, além de a taxa de desocupação ter se elevado a um percentual recorde de 11,6%, caiu também o rendimento médio dos assalariados.
Em consequência, cria-se um círculo vicioso cada vez mais difícil de ser rompido. A própria Previdência é afetada, pela redução das contribuições, e a possibilidade de reativação da atividade econômica por meio do consumo torna-se remota.
O país precisa demonstrar-se capaz de enfrentar uma chaga como o desemprego, que aflige um número cada vez maior de brasileiros.
Fim de linha - MERVAL PEREIRA
O Globo - 31/08
O processo de impeachment chega a seu final hoje com o resultado da votação já definido, ficando a dúvida apenas sobre o voto do presidente do Senado, Renan Calheiros — que está entre explicitar seu apoio ao novo governo, ou jogar para a plateia —, exibindo uma pretensa neutralidade que poderá ser-lhe menos útil na formação de uma biografia futura do que o resultado dos processos a que responde no Supremo Tribunal Federal (STF).
Os discursos dos juízes não guardaram muitas surpresas, e os embates políticos de ambas as partes prosseguiram a todo vapor. Os aliados de Dilma, minoritários mas aguerridos, querem sair bem na fita e se esmeram em marcar posições, mesmo as mais esdrúxulas, como a da senadora Gleisi Hoffmann, que reclamou do tom excessivamente politizado para seu gosto dos advogados de acusação, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal.
Mas não achou estranho, e até mesmo se emocionou, quando o advogado José Eduardo Cardozo, a pretexto de defender a biografia da presidente afastada, comparou, de maneira absurda, o julgamento nos tribunais militares a que Dilma foi submetida com o de impeachment no Senado.
A comparação irresponsável foi repetida à noite pelo senador Lindbergh Farias, que voltou a dizer que o Senado não tem moral para julgar a presidente afastada. Finda a possibilidade de mudar os votos, partiu para o ataque mais violento, colocando a luta de classes como o motivo para a derrubada de Dilma Rousseff.
E Cardozo debulhou-se em lágrimas, atitude que já foi ridicularizada quando a advogada Janaina também emocionouse aos prantos em outras ocasiões.
Uma curiosidade foi ver Dilma Rousseff chamando-se de presidente por diversas vezes, enquanto o próprio presidente do STF a chamava sempre de “presidenta”, revelando uma cortesia que pode ser confundida com uma simpatia partidária.
O novo governo começa hoje mesmo, depois do resultado oficial ser anunciado, e Michel Temer poderá viajar para a China com plenos poderes para representar o Brasil na reunião do G-20.
Toda essa narrativa de golpe estará, então, começando a se desfazer, seja pelo reconhecimento internacional à mudança constitucional no país, como por declarações como a de José Miguel Vivanco, presidente da Human Rights Watch, uma das maiores ONGs sobre o assunto no mundo — que disse ontem que os brasileiros devem ficar orgulhosos de terem levado adiante um processo de impeachment dentro de processos legais indiscutíveis e com o país na normalidade democrática.
Vivanco, que já foi advogado para a Comissão de Direitos Humanos da OEA, a mesma a que os petistas recorreram para contestar o processo de impeachment, ainda informou que, pelo que conhece dos procedimentos daquele organismos internacional, não haverá repercussão dessa ação, pois não cabe uma intromissão nos assuntos internos do país.
O processo de impeachment chega a seu final hoje com o resultado da votação já definido, ficando a dúvida apenas sobre o voto do presidente do Senado, Renan Calheiros — que está entre explicitar seu apoio ao novo governo, ou jogar para a plateia —, exibindo uma pretensa neutralidade que poderá ser-lhe menos útil na formação de uma biografia futura do que o resultado dos processos a que responde no Supremo Tribunal Federal (STF).
Os discursos dos juízes não guardaram muitas surpresas, e os embates políticos de ambas as partes prosseguiram a todo vapor. Os aliados de Dilma, minoritários mas aguerridos, querem sair bem na fita e se esmeram em marcar posições, mesmo as mais esdrúxulas, como a da senadora Gleisi Hoffmann, que reclamou do tom excessivamente politizado para seu gosto dos advogados de acusação, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal.
Mas não achou estranho, e até mesmo se emocionou, quando o advogado José Eduardo Cardozo, a pretexto de defender a biografia da presidente afastada, comparou, de maneira absurda, o julgamento nos tribunais militares a que Dilma foi submetida com o de impeachment no Senado.
A comparação irresponsável foi repetida à noite pelo senador Lindbergh Farias, que voltou a dizer que o Senado não tem moral para julgar a presidente afastada. Finda a possibilidade de mudar os votos, partiu para o ataque mais violento, colocando a luta de classes como o motivo para a derrubada de Dilma Rousseff.
E Cardozo debulhou-se em lágrimas, atitude que já foi ridicularizada quando a advogada Janaina também emocionouse aos prantos em outras ocasiões.
Uma curiosidade foi ver Dilma Rousseff chamando-se de presidente por diversas vezes, enquanto o próprio presidente do STF a chamava sempre de “presidenta”, revelando uma cortesia que pode ser confundida com uma simpatia partidária.
O novo governo começa hoje mesmo, depois do resultado oficial ser anunciado, e Michel Temer poderá viajar para a China com plenos poderes para representar o Brasil na reunião do G-20.
Toda essa narrativa de golpe estará, então, começando a se desfazer, seja pelo reconhecimento internacional à mudança constitucional no país, como por declarações como a de José Miguel Vivanco, presidente da Human Rights Watch, uma das maiores ONGs sobre o assunto no mundo — que disse ontem que os brasileiros devem ficar orgulhosos de terem levado adiante um processo de impeachment dentro de processos legais indiscutíveis e com o país na normalidade democrática.
Vivanco, que já foi advogado para a Comissão de Direitos Humanos da OEA, a mesma a que os petistas recorreram para contestar o processo de impeachment, ainda informou que, pelo que conhece dos procedimentos daquele organismos internacional, não haverá repercussão dessa ação, pois não cabe uma intromissão nos assuntos internos do país.
O que vem a ser o golpe de 2016 - ELIO GASPARI
O GLOBO - 31/08
Como no de 1840, o impedimento de Dilma Rousseff irá para a história coberto pela névoa das paixões do momento
Na manhã de ontem o senador Aloysio Nunes Ferreira reagiu a uma provocação de um deputado que ofendia a advogada que acusava a presidente Dilma Rousseff e ameaçou chamar a Polícia Legislativa para retirá-lo do plenário. Na véspera, como Nunes Ferreira, o senador José Anibal, também da bancada tucana de São Paulo, lembrou seus 50 anos de amizade com a presidente e, em seguida, defendeu seu impedimento.
Hoje, Dilma Rousseff perderá seu mandato. Assim, dos quatro brasileiros eleitos para a Presidência desde a redemocratização, dois terão sido defenestrados. Essa é uma taxa de mortalidade superior à do vírus ebola, um sinal de que algo vai mal em Pindorama. Afinal, Dilma será deposta, e o deputado Eduardo Cunha, espoleta do seu processo de impedimento, continua no exercício do mandato.
As sessões do julgamento de Dilma mostraram a beleza do ritual da Justiça. Ouvidos a ré, os advogados e os senadores, restarão uma sentença e a impressão de que houve muita corda para pouca forca. As pedaladas — o único elemento levado ao juízo — foram crime de responsabilidade, num caso de pouco crime para muita responsabilidade. Como não existe a figura de “pouco crime”, o resultado estará aí, irrecorrível, legal e legítimo.
Dilma será deposta pelo conjunto da obra, uma obra que foi dela, e não dos chineses. Seu longo depoimento, confirmou sua capacidade de viver numa realidade própria. Em 14 horas de depoimento e respostas aos senadores, a presidente, ao seu estilo, manteve-se numa atitude professoral, com um único momento que se poderia chamar de pessoal. Cansada, informou que estava prestes a perder a voz: “É inexorável”. Não era, aguentou até ao fim.
A palavra “golpe” tem uma essência pejorativa. O primeiro grande golpe da história nacional é costumeiramente conhecido como “Golpe da Maioridade” e entregou o trono do Brasil a Dom Pedro II, um garoto de 14 anos. Antecipando a conduta de Michel Temer, quando lhe perguntaram se ele queria a Coroa, teria respondido: “Quero já”. O tempo cobriu a violência do episódio. Argumente-se que quase dois séculos de distância fazem qualquer serviço.
Contudo, a posição dos senadores Aloysio Nunes Ferreira e José Anibal mostra como as paixões alteram condutas e que não são necessários 200 anos. Em 1965, o jovem José Anibal, como Dilma Rousseff, era um militante da organização Política Operária, a Polop. Do grupo de 20 estudantes mineiros, sete foram presos, seis foram banidos, um foi assassinado, outro matou-se para não ser preso e quatro exilaram-se, inclusive José Aníbal, que a polícia procurava como “Clemente” ou “Manuel”. Aloysio Nunes Ferreira, o “Mateus” da Ação Libertadora Nacional de Carlos Marighella, participou de um assalto a um trem pagador e exilou-se em Paris. Em 1975, de seis participantes, só ele estava vivo.
Numa trapaça da história, Dilma Rousseff, a “Estela”, teve dois companheiros de armas dos anos 60 na bancada do seu impedimento. Na defesa de seu mandato, ficou só o protoguerrilheiro amazônico João Capiberibe, senador pelo PSB do Amapá.
Esses cacos de memória parecem não querer dizer nada, mas daqui a 50 anos dirão tudo ou, no mínimo, dirão mais. Hoje começará a avaliação de Michel Temer.
Elio Gaspari é jornalista
Um tigre de papel - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 31/08
A baderna travestida de protesto contra o impeachment – promovida anteontem e ontem em São Paulo e outras capitais – resume bem aquilo a que se reduziu o que seus organizadores chamam pomposamente de apoio popular à presidente afastada Dilma Rousseff em sua tentativa desesperada de evitar a perda do cargo. Foi muito barulho, muita violência, um enorme transtorno para milhares de pessoas, mas tudo isso produzido por pequenos grupos ligados aos chamados movimentos sociais, ao PT e ao PSOL. O povo mesmo não deu o ar de sua graça.
A capital paulista foi a principal vítima da violência. Na segunda-feira – entre as 17 horas, quando os baderneiros partiram da Praça do Ciclista em direção ao Masp, até as 20h30, quando a via foi desbloqueada –, a Avenida Paulista foi dominada naquele trecho pelo vandalismo. Os poucos mas furiosos baderneiros – em número que ficou muito longe dos fantasiosos 3 mil por eles divulgado – semearam o pânico na Paulista, justamente no horário em que é maior ali a concentração de pessoas, saindo dos escritórios em busca de condução para voltar para suas casas.
Os baderneiros montaram barricadas e colocaram fogo em sacos de lixo para bloquear a Paulista. A Polícia Militar (PM) só agiu com rigor a partir das 19h30, quando a Tropa de Choque decidiu detê-los na altura do Masp, para impedir que tomassem a Avenida Brigadeiro Luís Antônio em direção ao Parque do Ibirapuera. Para dispersá-los, usou bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e jatos d’água. A maioria pegou então a Rua da Consolação causando distúrbios até a Praça Roosevelt.
Na terça-feira, a baderna continuou com igual violência, no começo da manhã, por volta das 6h30, em pontos também fundamentais do sistema viário – Marginais do Tietê e do Pinheiros, Rodovias Raposo Tavares e Régis Bittencourt, Ponte Eusébio Matoso e Radial Leste –, com o objetivo de tumultuar o trânsito em vastas áreas da cidade. Essas vias foram bloqueadas por pneus incendiados.
Roteiro semelhante foi seguido em Brasília, Rio, Porto Alegre e Fortaleza. E sempre com a mesma tática: poucos manifestantes, mas violentos e bem organizados, capazes por isso de assustar a população e dar a impressão de que uma multidão indignada tomou as ruas. A tropa de choque das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, integrada por militantes dos chamados “movimentos sociais”, como o Movimento dos Sem-Terra (MST) e Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do PT e do PSOL, tem larga experiência nisso.
O MTST, por exemplo – que se preocupa muito mais com delirantes projetos revolucionários do que com os sem-teto, estes apenas massa de manobra –, se tornou um reconhecido especialista em bloquear importantes vias, para tumultuar a vida da cidade, semear o pânico na população com atos de vandalismo, ou cercar prédios públicos, como fez com a Câmara Municipal para constranger os vereadores a aceitar suas demandas. Isso durou e vai durar enquanto as autoridades, amedrontadas por seus arreganhos, impedirem que as forças de segurança, sempre dentro da lei, mas com o máximo rigor que ela permite, imponham a ordem ao primeiro sinal de baderna.
Esses movimentos nunca tiveram a força que insinuam e suas violentas manifestações, como as de agora contra o impeachment, estão a léguas de distância de representar, como proclamam, o sentimento da maioria da população. O que lhes sobra em atrevimento, audácia e irresponsabilidade falta em apoio popular.
Para usar uma antiga expressão dos comunistas chineses, não passam de um “tigre de papel”. Isso não os impedirá de redobrar sua violência. Ao contrário, com o fim da era do lulopetismo, que alimentou com dinheiro público os “movimentos sociais”, o caminho da baderna continuará a seduzi-los, mais ainda do que antes. Já é mais do que tempo de detê-los.
A baderna travestida de protesto contra o impeachment – promovida anteontem e ontem em São Paulo e outras capitais – resume bem aquilo a que se reduziu o que seus organizadores chamam pomposamente de apoio popular à presidente afastada Dilma Rousseff em sua tentativa desesperada de evitar a perda do cargo. Foi muito barulho, muita violência, um enorme transtorno para milhares de pessoas, mas tudo isso produzido por pequenos grupos ligados aos chamados movimentos sociais, ao PT e ao PSOL. O povo mesmo não deu o ar de sua graça.
A capital paulista foi a principal vítima da violência. Na segunda-feira – entre as 17 horas, quando os baderneiros partiram da Praça do Ciclista em direção ao Masp, até as 20h30, quando a via foi desbloqueada –, a Avenida Paulista foi dominada naquele trecho pelo vandalismo. Os poucos mas furiosos baderneiros – em número que ficou muito longe dos fantasiosos 3 mil por eles divulgado – semearam o pânico na Paulista, justamente no horário em que é maior ali a concentração de pessoas, saindo dos escritórios em busca de condução para voltar para suas casas.
Os baderneiros montaram barricadas e colocaram fogo em sacos de lixo para bloquear a Paulista. A Polícia Militar (PM) só agiu com rigor a partir das 19h30, quando a Tropa de Choque decidiu detê-los na altura do Masp, para impedir que tomassem a Avenida Brigadeiro Luís Antônio em direção ao Parque do Ibirapuera. Para dispersá-los, usou bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e jatos d’água. A maioria pegou então a Rua da Consolação causando distúrbios até a Praça Roosevelt.
Na terça-feira, a baderna continuou com igual violência, no começo da manhã, por volta das 6h30, em pontos também fundamentais do sistema viário – Marginais do Tietê e do Pinheiros, Rodovias Raposo Tavares e Régis Bittencourt, Ponte Eusébio Matoso e Radial Leste –, com o objetivo de tumultuar o trânsito em vastas áreas da cidade. Essas vias foram bloqueadas por pneus incendiados.
Roteiro semelhante foi seguido em Brasília, Rio, Porto Alegre e Fortaleza. E sempre com a mesma tática: poucos manifestantes, mas violentos e bem organizados, capazes por isso de assustar a população e dar a impressão de que uma multidão indignada tomou as ruas. A tropa de choque das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, integrada por militantes dos chamados “movimentos sociais”, como o Movimento dos Sem-Terra (MST) e Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do PT e do PSOL, tem larga experiência nisso.
O MTST, por exemplo – que se preocupa muito mais com delirantes projetos revolucionários do que com os sem-teto, estes apenas massa de manobra –, se tornou um reconhecido especialista em bloquear importantes vias, para tumultuar a vida da cidade, semear o pânico na população com atos de vandalismo, ou cercar prédios públicos, como fez com a Câmara Municipal para constranger os vereadores a aceitar suas demandas. Isso durou e vai durar enquanto as autoridades, amedrontadas por seus arreganhos, impedirem que as forças de segurança, sempre dentro da lei, mas com o máximo rigor que ela permite, imponham a ordem ao primeiro sinal de baderna.
Esses movimentos nunca tiveram a força que insinuam e suas violentas manifestações, como as de agora contra o impeachment, estão a léguas de distância de representar, como proclamam, o sentimento da maioria da população. O que lhes sobra em atrevimento, audácia e irresponsabilidade falta em apoio popular.
Para usar uma antiga expressão dos comunistas chineses, não passam de um “tigre de papel”. Isso não os impedirá de redobrar sua violência. Ao contrário, com o fim da era do lulopetismo, que alimentou com dinheiro público os “movimentos sociais”, o caminho da baderna continuará a seduzi-los, mais ainda do que antes. Já é mais do que tempo de detê-los.
Cérebro, golpe e juiz natural - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 31/08
SÃO PAULO - O cérebro é um órgão esquisito. Ele opera por contiguidade. Se eu o submeto a um estímulo negativo e, ao mesmo tempo, apresento-o a uma ideia ou objeto novos, ocorre uma espécie de contaminação e a nova representação fica marcada como algo ruim, ainda que nem saibamos explicar por quê.
Dilma Rousseff e os petistas buscam valer-se desse mecanismo ao descrever reiteradamente o impeachment como golpe. Dilma teve a cautela de distinguir o que ela chama de golpe parlamentar do golpe militar clássico. No primeiro, ela mesma admitiu, não ocorre a violências física e institucional associada ao segundo.
De fato, mesmo entre os que consideram o impeachment golpe, poucos hão de julgar crível um cenário em que o governo Temer revogue garantias fundamentais, censure a imprensa ou suspenda eleições. Assim, pelo próprio raciocínio dilmista, o golpe que estaria em curso não teria nenhuma das principais características negativas que atribuímos aos golpes. Acho importante destacar essa diferença, que tende a ser escamoteada pelos mecanismos de contaminação semântica com que o cérebro opera, para que nenhum neurônio desavisado pense que Temer está em vias de torturar pessoas.
Mas Dilma e os petistas estão certos ao chamar o impeachment de golpe? Eu diria que eles têm todo o direito de considerar o processo forçado, até o limite da farsa, mas me parece formalmente errado tachá-lo de golpe. É que, para fazê-lo, é preciso formar um juízo de valor sobre o mérito das acusações —o que é perfeitamente legítimo— e, simultaneamente, tirar do juiz natural a possibilidade de emitir um veredicto diferente deste –o que já não funciona tão bem.
O que caracteriza a democracia é justamente a utilização de processos formais para a solução de conflitos, e a regra do impeachment estabeleceu, já desde 1891, que cabe exclusivamente ao Senado julgar o presidente nesse tipo e acusação.
SÃO PAULO - O cérebro é um órgão esquisito. Ele opera por contiguidade. Se eu o submeto a um estímulo negativo e, ao mesmo tempo, apresento-o a uma ideia ou objeto novos, ocorre uma espécie de contaminação e a nova representação fica marcada como algo ruim, ainda que nem saibamos explicar por quê.
Dilma Rousseff e os petistas buscam valer-se desse mecanismo ao descrever reiteradamente o impeachment como golpe. Dilma teve a cautela de distinguir o que ela chama de golpe parlamentar do golpe militar clássico. No primeiro, ela mesma admitiu, não ocorre a violências física e institucional associada ao segundo.
De fato, mesmo entre os que consideram o impeachment golpe, poucos hão de julgar crível um cenário em que o governo Temer revogue garantias fundamentais, censure a imprensa ou suspenda eleições. Assim, pelo próprio raciocínio dilmista, o golpe que estaria em curso não teria nenhuma das principais características negativas que atribuímos aos golpes. Acho importante destacar essa diferença, que tende a ser escamoteada pelos mecanismos de contaminação semântica com que o cérebro opera, para que nenhum neurônio desavisado pense que Temer está em vias de torturar pessoas.
Mas Dilma e os petistas estão certos ao chamar o impeachment de golpe? Eu diria que eles têm todo o direito de considerar o processo forçado, até o limite da farsa, mas me parece formalmente errado tachá-lo de golpe. É que, para fazê-lo, é preciso formar um juízo de valor sobre o mérito das acusações —o que é perfeitamente legítimo— e, simultaneamente, tirar do juiz natural a possibilidade de emitir um veredicto diferente deste –o que já não funciona tão bem.
O que caracteriza a democracia é justamente a utilização de processos formais para a solução de conflitos, e a regra do impeachment estabeleceu, já desde 1891, que cabe exclusivamente ao Senado julgar o presidente nesse tipo e acusação.
O fim do torpor - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 31/08
O impeachment da presidente Dilma Rousseff será visto como o ponto final de um período iniciado com a chegada ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, em que a consciência crítica da Nação ficou anestesiada. A partir de agora, será preciso entender como foi possível que tantos tenham se deixado enganar por um político que jamais se preocupou senão consigo mesmo, com sua imagem e com seu projeto de poder; por um demagogo que explorou de forma inescrupulosa a imensa pobreza nacional para se colocar moralmente acima das instituições republicanas; por um líder cuja aversão à democracia implodiu seu próprio partido, transformando-o em sinônimo de corrupção e de inépcia. De alguém, enfim, cuja arrogância chegou a ponto de humilhar os brasileiros honestos, elegendo o que ele mesmo chamava de “postes” – nulidades políticas e administrativas que ele alçava aos mais altos cargos eletivos apenas para demonstrar o tamanho, e a estupidez, de seu carisma.
Muito antes de Dilma ser apeada da Presidência já estava claro o mal que o lulopetismo causou ao País. Com exceção dos que ou perderam a capacidade de pensar ou tinham alguma boquinha estatal, os cidadãos reservaram ao PT e a Lula o mais profundo desprezo e indignação. Mas o fato é que a maioria dos brasileiros passou uma década a acreditar nas lorotas que o ex-metalúrgico contou para os eleitores daqui. Fomos acompanhados por incautos no exterior.
Raros foram os que se deram conta de seus planos para sequestrar a democracia e desmoralizar o debate político, bem ao estilo do gangsterismo sindical que ele tão bem representa. Lula construiu meticulosamente a fraude segundo a qual seu partido tinha vindo à luz para moralizar os costumes políticos e liderar uma revolução social contra a miséria no País.
Quando o ex-retirante nordestino chegou ao poder, criou-se uma atmosfera de otimismo no País. Lá estava um autêntico representante da classe trabalhadora, um político capaz de falar e entender a linguagem popular e, portanto, de interpretar as verdadeiras aspirações da gente simples. Lula alimentava a fábula de que era a encarnação do próprio povo, e sua vontade seria a vontade das massas.
O mundo estendeu um tapete vermelho para Lula. Era o homem que garantia ter encontrado a fórmula mágica para acabar com a fome no Brasil e, por que não?, no mundo: bastava, como ele mesmo dizia, ter “vontade política”. Simples assim. Nem o fracasso de seu programa Fome Zero nem as óbvias limitações do Bolsa Família arranharam o mito. Em cada viagem ao exterior, o chefão petista foi recebido como grande líder do mundo emergente, mesmo que seus grandiosos projetos fossem apenas expressão de megalomania, mesmo que os sintomas da corrupção endêmica de seu governo já estivessem suficientemente claros, mesmo diante da retórica debochada que menosprezava qualquer manifestação de oposição. Embalados pela onda de simpatia internacional, seus acólitos chegaram a lançar seu nome para o Nobel da Paz e para a Secretaria-Geral da ONU.
Nunca antes na história deste país um charlatão foi tão longe. Quando tinha influência real e podia liderar a tão desejada mudança de paradigma na política e na administração pública, preferiu os truques populistas. Enquanto isso, seus comparsas tentavam reduzir o Congresso a um mero puxadinho do gabinete presidencial, por meio da cooptação de parlamentares, convidados a participar do assalto aos cofres de estatais. A intenção era óbvia: deixar o caminho livre para a perpetuação do PT no poder.
O processo de destruição da democracia foi interrompido por um erro de Lula: julgando-se umkingmaker, escolheu a desconhecida Dilma Rousseff para suceder-lhe na Presidência e esquentar o lugar para sua volta triunfal quatro anos depois. Pois Dilma não apenas contrariou seu criador, ao insistir em concorrer à reeleição, como o enterrou de vez, ao provar-se a maior incompetente que já passou pelo Palácio do Planalto.
Assim, embora a história já tenha reservado a Dilma um lugar de destaque por ser a responsável pela mais profunda crise econômica que este país já enfrentou, será justo lembrar dela no futuro porque, com seu fracasso retumbante, ajudou a desmascarar Lula e o PT. Eis seu grande legado, pelo qual todo brasileiro de bem será eternamente grato.
O impeachment da presidente Dilma Rousseff será visto como o ponto final de um período iniciado com a chegada ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, em que a consciência crítica da Nação ficou anestesiada. A partir de agora, será preciso entender como foi possível que tantos tenham se deixado enganar por um político que jamais se preocupou senão consigo mesmo, com sua imagem e com seu projeto de poder; por um demagogo que explorou de forma inescrupulosa a imensa pobreza nacional para se colocar moralmente acima das instituições republicanas; por um líder cuja aversão à democracia implodiu seu próprio partido, transformando-o em sinônimo de corrupção e de inépcia. De alguém, enfim, cuja arrogância chegou a ponto de humilhar os brasileiros honestos, elegendo o que ele mesmo chamava de “postes” – nulidades políticas e administrativas que ele alçava aos mais altos cargos eletivos apenas para demonstrar o tamanho, e a estupidez, de seu carisma.
Muito antes de Dilma ser apeada da Presidência já estava claro o mal que o lulopetismo causou ao País. Com exceção dos que ou perderam a capacidade de pensar ou tinham alguma boquinha estatal, os cidadãos reservaram ao PT e a Lula o mais profundo desprezo e indignação. Mas o fato é que a maioria dos brasileiros passou uma década a acreditar nas lorotas que o ex-metalúrgico contou para os eleitores daqui. Fomos acompanhados por incautos no exterior.
Raros foram os que se deram conta de seus planos para sequestrar a democracia e desmoralizar o debate político, bem ao estilo do gangsterismo sindical que ele tão bem representa. Lula construiu meticulosamente a fraude segundo a qual seu partido tinha vindo à luz para moralizar os costumes políticos e liderar uma revolução social contra a miséria no País.
Quando o ex-retirante nordestino chegou ao poder, criou-se uma atmosfera de otimismo no País. Lá estava um autêntico representante da classe trabalhadora, um político capaz de falar e entender a linguagem popular e, portanto, de interpretar as verdadeiras aspirações da gente simples. Lula alimentava a fábula de que era a encarnação do próprio povo, e sua vontade seria a vontade das massas.
O mundo estendeu um tapete vermelho para Lula. Era o homem que garantia ter encontrado a fórmula mágica para acabar com a fome no Brasil e, por que não?, no mundo: bastava, como ele mesmo dizia, ter “vontade política”. Simples assim. Nem o fracasso de seu programa Fome Zero nem as óbvias limitações do Bolsa Família arranharam o mito. Em cada viagem ao exterior, o chefão petista foi recebido como grande líder do mundo emergente, mesmo que seus grandiosos projetos fossem apenas expressão de megalomania, mesmo que os sintomas da corrupção endêmica de seu governo já estivessem suficientemente claros, mesmo diante da retórica debochada que menosprezava qualquer manifestação de oposição. Embalados pela onda de simpatia internacional, seus acólitos chegaram a lançar seu nome para o Nobel da Paz e para a Secretaria-Geral da ONU.
Nunca antes na história deste país um charlatão foi tão longe. Quando tinha influência real e podia liderar a tão desejada mudança de paradigma na política e na administração pública, preferiu os truques populistas. Enquanto isso, seus comparsas tentavam reduzir o Congresso a um mero puxadinho do gabinete presidencial, por meio da cooptação de parlamentares, convidados a participar do assalto aos cofres de estatais. A intenção era óbvia: deixar o caminho livre para a perpetuação do PT no poder.
O processo de destruição da democracia foi interrompido por um erro de Lula: julgando-se umkingmaker, escolheu a desconhecida Dilma Rousseff para suceder-lhe na Presidência e esquentar o lugar para sua volta triunfal quatro anos depois. Pois Dilma não apenas contrariou seu criador, ao insistir em concorrer à reeleição, como o enterrou de vez, ao provar-se a maior incompetente que já passou pelo Palácio do Planalto.
Assim, embora a história já tenha reservado a Dilma um lugar de destaque por ser a responsável pela mais profunda crise econômica que este país já enfrentou, será justo lembrar dela no futuro porque, com seu fracasso retumbante, ajudou a desmascarar Lula e o PT. Eis seu grande legado, pelo qual todo brasileiro de bem será eternamente grato.
Dilma chega vulnerabilizada à votação - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 31/08
Ao comparecer ao Senado, presidente afastada leu defesa competente, mas demonstrou traços conhecidos nas respostas a perguntas e críticas
Passaram-se oito meses desde a aceitação do pedido de impeachment de Dilma por parte do então presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), durante os quais transcorreram intensos debates, com acusações e defesas, entremeadas de recursos ao Supremo Tribunal, cujo presidente, ministro Ricardo Lewandowski, é o guardião de corpo presente desta fase final do processo.
Dilma tem um apoio minguante nas ruas — sustentação que passou a se resumir a movimentos e entidades que orbitam em torno do PT, e se beneficiaram do acesso fácil ao Tesouro nos governos lulopetistas —, mas a representatividade do PT faz bem ao processo de impedimento. Sob pressão, o Legislativo e o Poder Judiciário são fiadores atentos da extrema lisura de toda a tramitação do afastamento da presidente Dilma.
A última sessão em que acusação e defesa se defrontaram, realizada na manhã e início da tarde de ontem, resumiu bem os pontos centrais da acusação de Dilma por crimes de responsabilidade de origem fiscal e orçamentária, conduzida pelos juristas Janaína Paschoal e Miguel Reali Jr.. Bem como a defesa, feita pelo advogado José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça e da Advocacia Geral da União (AGU), ex-deputado petista por São Paulo. Cardozo alinhou os argumentos básicos em favor da volta ao Planalto.
Não restaram mais dúvidas sobre a culpabilidade da presidente Dilma, criticada pelo seu pensamento econômico desde o final de 2005, no final do primeiro governo Lula, quando assumiu a Casa Civil e tachou de “rudimentar” a proposta dos colegas Antonio Palocci, da Fazenda, e Paulo Bernardo, do Planejamento, para impedir que as despesas subissem mais que o PIB.
Na essência, é o que o governo Temer se propõe a fazer, e está certo. Dilma, no entanto, fiel a convicções erradas, pôs em prática a visão de que “gasto em custeio é vida” e, desde o final do segundo mandato de Lula, passou a induzir uma política de expansão de despesas sem limites. A crise mundial de 2008/2009 serviu de álibi para a gastança, causa da atual crise, aprofundada pela percepção de que o Tesouro brasileiro se tornará insolvente, sedimentada pela reeleição de Dilma e sua aposta em dobro no mesmo modelo, com a queda de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda, substituído por Nelson Barbosa.
Ao sustentar a parte técnica da acusação, Janaína Paschoal foi feliz ao explicar como a presidente Dilma, à frente do ministro Guido Mantega e o secretário do Tesouro, Arno Augustin, este o artífice da “contabilidade criativa”, promoveram uma “farsa fiscal”, para maquiar dados com técnicas de contabilidade pública, a fim de criar um cenário róseo da economia, na campanha de 2014. Daí as “pedaladas”, para que bancos oficiais pagassem, em nome do Tesouro, subsídios. Emprestaram à União, um pecado mortal perante a Lei de Responsabilidade. E também editaram decretos de gastos adicionais. sem a aprovação do Congresso. Crimes de responsabilidade, de acordo com a Lei 1.079/50 e a Constituição.
Para completar o fiel resumo do que foi o embate destes oito meses, o advogado José Eduardo Cardozo se incumbiu da defesa política e técnica da presidente, exposta com a ênfase e a competência costumeiras.
Voltou à cena o fantasioso “golpe parlamentar”, sustentado numa ficcional trama urdida nos porões do TCU, da qual se valeu Eduardo Cunha para chantagear a presidente: ou o apoio do PT a ele no Conselho de Ética, ou a abertura do processo de impeachment. Esqueceu-se de citar pressões do Planalto para que petistas defendessem Cunha. E se este se vingou, também deu um auxílio a Dilma, ao limitar a sustentação do pedido de impeachment a fatos ocorridos apenas em 2015. Suficientes para o impedimento, mas longe de serem o conjunto da obra. Mais ainda: sem o apoio da grande maioria do Congresso, nada prosperaria.
Ao comparecer ao Senado para se defender, Dilma não deve ter mudado votos contra si. Na extensa parte da sessão em que respondeu a perguntas e críticas de senadores, foi a Dilma de sempre: irritadiça, autoritária, confusa. E deve ter pulverizado de vez a possibilidade do retorno ao Planalto quando se recusou a dizer o que faria contra a crise econômica caso o impeachment fosse rejeitado. Demonstrou que a hipotética volta à Presidência poderia ser um salto no escuro.
Passaram-se oito meses desde a aceitação do pedido de impeachment de Dilma por parte do então presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), durante os quais transcorreram intensos debates, com acusações e defesas, entremeadas de recursos ao Supremo Tribunal, cujo presidente, ministro Ricardo Lewandowski, é o guardião de corpo presente desta fase final do processo.
Dilma tem um apoio minguante nas ruas — sustentação que passou a se resumir a movimentos e entidades que orbitam em torno do PT, e se beneficiaram do acesso fácil ao Tesouro nos governos lulopetistas —, mas a representatividade do PT faz bem ao processo de impedimento. Sob pressão, o Legislativo e o Poder Judiciário são fiadores atentos da extrema lisura de toda a tramitação do afastamento da presidente Dilma.
A última sessão em que acusação e defesa se defrontaram, realizada na manhã e início da tarde de ontem, resumiu bem os pontos centrais da acusação de Dilma por crimes de responsabilidade de origem fiscal e orçamentária, conduzida pelos juristas Janaína Paschoal e Miguel Reali Jr.. Bem como a defesa, feita pelo advogado José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça e da Advocacia Geral da União (AGU), ex-deputado petista por São Paulo. Cardozo alinhou os argumentos básicos em favor da volta ao Planalto.
Não restaram mais dúvidas sobre a culpabilidade da presidente Dilma, criticada pelo seu pensamento econômico desde o final de 2005, no final do primeiro governo Lula, quando assumiu a Casa Civil e tachou de “rudimentar” a proposta dos colegas Antonio Palocci, da Fazenda, e Paulo Bernardo, do Planejamento, para impedir que as despesas subissem mais que o PIB.
Na essência, é o que o governo Temer se propõe a fazer, e está certo. Dilma, no entanto, fiel a convicções erradas, pôs em prática a visão de que “gasto em custeio é vida” e, desde o final do segundo mandato de Lula, passou a induzir uma política de expansão de despesas sem limites. A crise mundial de 2008/2009 serviu de álibi para a gastança, causa da atual crise, aprofundada pela percepção de que o Tesouro brasileiro se tornará insolvente, sedimentada pela reeleição de Dilma e sua aposta em dobro no mesmo modelo, com a queda de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda, substituído por Nelson Barbosa.
Ao sustentar a parte técnica da acusação, Janaína Paschoal foi feliz ao explicar como a presidente Dilma, à frente do ministro Guido Mantega e o secretário do Tesouro, Arno Augustin, este o artífice da “contabilidade criativa”, promoveram uma “farsa fiscal”, para maquiar dados com técnicas de contabilidade pública, a fim de criar um cenário róseo da economia, na campanha de 2014. Daí as “pedaladas”, para que bancos oficiais pagassem, em nome do Tesouro, subsídios. Emprestaram à União, um pecado mortal perante a Lei de Responsabilidade. E também editaram decretos de gastos adicionais. sem a aprovação do Congresso. Crimes de responsabilidade, de acordo com a Lei 1.079/50 e a Constituição.
Para completar o fiel resumo do que foi o embate destes oito meses, o advogado José Eduardo Cardozo se incumbiu da defesa política e técnica da presidente, exposta com a ênfase e a competência costumeiras.
Voltou à cena o fantasioso “golpe parlamentar”, sustentado numa ficcional trama urdida nos porões do TCU, da qual se valeu Eduardo Cunha para chantagear a presidente: ou o apoio do PT a ele no Conselho de Ética, ou a abertura do processo de impeachment. Esqueceu-se de citar pressões do Planalto para que petistas defendessem Cunha. E se este se vingou, também deu um auxílio a Dilma, ao limitar a sustentação do pedido de impeachment a fatos ocorridos apenas em 2015. Suficientes para o impedimento, mas longe de serem o conjunto da obra. Mais ainda: sem o apoio da grande maioria do Congresso, nada prosperaria.
Ao comparecer ao Senado para se defender, Dilma não deve ter mudado votos contra si. Na extensa parte da sessão em que respondeu a perguntas e críticas de senadores, foi a Dilma de sempre: irritadiça, autoritária, confusa. E deve ter pulverizado de vez a possibilidade do retorno ao Planalto quando se recusou a dizer o que faria contra a crise econômica caso o impeachment fosse rejeitado. Demonstrou que a hipotética volta à Presidência poderia ser um salto no escuro.
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