domingo, dezembro 19, 2010

CAETANO VELOSO

 Rock
Caetano Veloso
O GLOBO - 19/12/10

Quando Elvis apareceu eu não dei muita importância. As fotos dele na revista “O Cruzeiro” me repugnavam
Em 1956 eu tinha 13 anos e morava no Rio. Nunca tinha visto televisão. Foi o ano em que Elvis apareceu. Ouvi Nora Ney cantar “Rock around the clock”. Eu gostava de rádio e conhecia muitas canções de vários tipos. Não tinha nem um esboço de critério crítico. Ou será que teria? Meu pai gostava de Noel Rosa. Dizia que a letra de “Três apitos” era a melhor de todas as letras de canções. Mas ele não cantava. Minha mãe cantava e assoviava. Tínhamos um álbum de Aracy cantando Noel. Era uma caixa de discos em 78 rotações.
A capa era de Di Cavalcanti. Eu pintava e queria ser pintor, mas acho que não sabia nada sobre Di. E tendia a saber tudo sobre Noel, Aracy e Dorival Caymmi. Para além disso, havia todas as canções do rádio, os sambas de roda e o maculelê.

Quando Elvis apareceu eu não dei muita importância. As fotos dele na revista “O Cruzeiro” me repugnavam. No Rio, eu via todos os ídolos da música no auditório da Rádio Nacional. Aqui ou em Santo Amaro, canções americanas, cubanas, argentinas e mexicanas eram quase tão frequentes quanto as brasileiras. Versões. Tudo. Millôr diz que a música é a única arte que te ataca pelas costas.
Agora mesmo eu estava conversando com um rapaz muito jovem e muito inteligente sobre as ideias de Moniz Sodré a respeito da coincidência entre predomínio da visualidade e crescimento do superindividualismo. O Ocidente teria, com a facilitação da mudança de pontos de vista (pela criação de veículos cada vez mais velozes), intensificado a característica individualista da observação visual, enquanto a experiência sonora é fatalmente comunitária. Eu queria ser pintor e me ligava na canção. Em 1959, ainda em Santo Amaro, ouvi João Gilberto e achei que o Brasil tinha uma tarefa grandiosa.
Não eram mitos saídos de hinos: era a experiência palpável. Nunca mais me apartei dessa perspectiva. A partir daí, formou- se um critério crítico — para as canções, a pintura, a literatura e tudo o mais. Eu cantava boleros de Anísio Silva e guarânias paraguaias mas sabia de João Gilberto. Rock era música americana comercial, feita para jovens ignorantes. Eu nem desgostava. Cantava “Oh, Carol”, “Little darling”. Mas sabia de João Gilberto.

Hoje é difícil fazer as pessoas sentirem que o rock foi primeiro rejeitado como lixo. Em quatro décadas, o problema se inverteu: rock passou a ser o lado chique da canção popular. Um amigo americano um tanto mais moço do que eu não sente o peso da reação a Dylan por parte de cultores do folk quando ele cantou com uma banda de rock.
“Aquilo (a reação) não durou nem 15 minutos”, ele diz. Não é verdade. O próprio Dylan, em “Crônicas”, descreve o ambiente que frequentava: o gosto ali cultivado incluía a rejeição ao rock. Cultuava-se também a bossa nova brasileira (ele cita João, Lyra e Menescal).
É significativo que as listas de melhores canções rock de todos os tempos, feitas por rockmaníacos que cresceram no mundo pós- Beatles, sejam sempre encabeçadas por “Like a rolling
stone”, canção de Dylan que, por ter tido um arranjo rock, motivou a agressão que ele sofreu (com vaias do público e tentativas de boicotes por parte de colegas). Ou seja, a maior canção rock não é uma canção rock, mas uma canção folk pretensiosa a que o autor teve a coragem de dar tratamento rockeiro. Merece encabeçar listas porque contém todo o drama do gênero para se afirmar, não por ser um exemplo típico ou puro.

Raul Seixas e Jorge Mautner, para citar apenas dois nomes da minha geração (e brasileiros, pois não foi tão diferente nos países de língua inglesa como se é levado a crer), me assombram por terem sido capazes de captara intensa energia históricaque se concentrou na figura de Elvis. Eu não tinha essas antenas. Tanto quanto Dylan, precisei da tradução dos Beatles. O fato é que o rock representou uma revolução.
Foi ponta de lança na virada de um mundo individualista visual para um mundo de buscas de novos estados de comunhão. Não é por acaso que oscríticos posudosda imprensa inglesase enamoraram (sem entender) da “teoria francesa”: as modas de “Hair” e as profecias de M c L u h a n s o a - riam redundantes, enquanto as c o m p l i c a ç õ e s gaulesas enriquecem o folclore do mistério do rock. O nome do mistério é energia histórica: algo reúne fatores que deflagarão grande câmbio estrutural. Ao rock devemos, entre mil coisas, o funkdo Rio ser a um tempo desejo de imitar Miami e renascimento do maculelê de Santo Amaro. As formas enviesadas de prometer fins de mundo que se leem nos autores franceses amados por revistas de rock inglesas servem como propaganda do mistério. Sinto-me atraído pelo rock presunçoso feito por gente esquisita, mas não pela teoria francesa. Prefiro Moniz Sodré. A música liderou uma virada que tem a ver com tudo isso (Sodré, McLuhan, “Hair”, pós-estruturalistas).
Mas é música: está agindo na matéria do mistério — a energia histórica —, não nos conceitos embaralhados que — como diz João Gilberto — atrapalham o processo. É como “Film socialism”: há cinema ali que vale por si. A argumentação não diz nada. Godard fez filme com os Stones. Ostentando distanciamento. Mas seu cinema é mais rock‘n’roll do que socialismo. Arte visual antivisual, sons antimúsica, extremo individualismo em projetos comunitários, isso tudo é familiar ao artista.
Construir textos explicativos que deem conta disso é terreno estrangeiro. A coluna concorre com os franceses?
Ilogismos. Feliz ano novo.

MIRIAM LEITÃO

Sucesso do fracasso
Míriam LeitãoO GLOBO - 19/12/10


Ficou a impressão de que Copenhague foi um grande fiasco e Cancún, um inesperado sucesso. A verdade é mais complexa. As negociações do clima desafiam simplificações. As duas COPs foram complementares. Cancún consagrou o que foi desenhado em Copenhague. Na Dinamarca e no México, o mundo caminhou, mas não o bastante para tirá-lo da beira do desastre climático.

Em Cancún, o acordo que surgiu foi a formalização de pontos que haviam sido duramente negociados em Copenhague: num novo acordo do clima, países como os Estados Unidos, China, Índia e Brasil terão metas; será formado até 2020 um Fundo Verde para o qual os países se comprometem a mobilizar recursos de US$100 bilhões ao ano; os países concordam com a meta de dois graus centígrados como limite de aumento da temperatura média da Terra.

Os registros de especialistas aqui e no exterior mostram que houve diferenças de métodos de negociação entre as duas Conferências das Partes da Convenção da ONU sobre Clima. No ano passado, houve papel demais. Uma verdadeira guerra de documentos dominou o debate da COP-15, a partir do vazamento de um texto que foi negociado pela Dinamarca com alguns países. Depois, apareceram outros textos: da China, da Europa, dos países-ilha, enfim, cada grupo que se sentia excluído resolveu fazer sua própria versão do que seria o documento final. Isso alimentou um ambiente de suspeitas e radicalização.

O México aprendeu com os erros da Dinamarca, e a presidente da COP-16, a chanceler Patricia Espinosa, escolheu um formato leve, informal, sem papéis. Isso, segundo especialistas, reconstruiu a confiança entre os países, que havia sido rompida em Copenhague, mas ao mesmo tempo deixou a COP no ar até o final. Não se sabia se não haveria nada - já que nada estava escrito - ou se haveria algum avanço. Nas últimas horas é que o documento final foi redigido e chegou-se a um bem sucedido conjunto de acordos.

No final, tumultuado e dramático de Copenhague, o que havia obtido apoio foi apresentado a um plenário esvaziado e conflagrado. Os chefes de Estado tinham saído de fininho. O presidente da Conferência, primeiro-ministro dinamarquês, Lars Rasmussen, não teve pulso para administrar o veto de grupos minoritários. No final, ele apenas "tomou nota" do texto final. Esse texto, do qual apenas se tomou nota em Copenhague, orientou a busca de consensos da bem sucedida direção mexicana da crise. Houve uma cena inesquecível para quem viu, em Copenhague, no tenso último dia de negociação. O presidente do México, Felipe Calderón, se distanciou de tudo e ficou olhando, como se fosse um mero espectador, debruçado sozinho no balcão do mezanino do Bella Center. Embaixo, a imprensa se agitava.

Nas salas do mezanino, os chefes de Estado se desentendiam. Ele, distante de tudo, apenas mirava. Hoje, parece que naquele momento ele estava aprendendo com os erros da Dinamarca.

Os analistas afirmam que Calderón e Espinosa foram transparentes, trabalharam para que todos os países se sentissem consultados, e evitaram a ideia de que um acerto feito entre os grandes seria imposto aos países menores. Houve também um avanço produzido na prática da direção firme de Espinosa. Nas COPs, as decisões são tomadas por consenso. Isso permite que pequenas minorias - ou, às vezes, um único encrenqueiro - impeça um acordo do agrado da vasta maioria. Quando a Bolívia ficou solitariamente contra o acordo de Cancún, Espinosa tomou nota da divergência, mas fechou o acordo. Desta forma, ela criou uma interpretação nova de consenso, bem mais sensato do que a unanimidade praticamente impossível de se conseguir.

O momento talvez mais difícil de Cancún foi quando o Japão ameaçou abandonar o Protocolo de Kioto. As negociações nas COPs andam em duas trilhas, conhecidas por siglas. Aliás, negociadores do clima adoram siglas. A trilha AWG-KP discute um novo período de compromisso dos signatários do Protocolo de Kioto, porque o atual vai até 2012. A trilha AWG-LCA negocia um novo acordo de longo prazo do clima. O problema em relação a Kioto é que ele só estabelece metas para quem faz parte dele, e isso deixa de fora grandes poluidores como Estados Unidos, China, Índia e Brasil. Ele é parcial, mas é o único que está em vigor; o outro é amplo, mas ainda é um esboço. E está parado em alguns pontos: o acordo terá força de lei ou não? A China aceita que suas metas sejam verificadas internacionalmente? Haverá um fundo para os países em desenvolvimento? Quem administra o fundo?

Cancún conseguiu contornar a rebeldia do Japão e manteve Kioto ainda sem novos compromissos. Confirmou-se o Fundo Verde para financiar ações de adaptação e mitigação em países em desenvolvimento. Ele será gerido temporariamente pelo Banco Mundial. O mundo confirmou que dois graus é o limite máximo tolerável de aumento da temperatura média da Terra. O mecanismo financeiro de compensação por desmatamento evitado - o REDD - ficou mais bem definido.

O mais importante de Copenhague, que poucos se deram conta, é que até Poznam, na COP-14, Estados Unidos, China, Brasil e Índia não aceitavam ter metas. Na COP-15, os quatro aceitaram. Copenhague ficou conhecida como fracasso, mas nela o mundo atravessou uma fronteira da qual não pode mais recuar. Foi o que Cancún mostrou.

Os cientistas quando olham o cenário se afligem. A soma de todos os compromissos não leva o mundo ainda a um terreno firme, longe dos cenários de tragédias ambientais mais severas e mais frequentes, que a ciência prevê e todos tememos.

GOSTOSA

JOÃO UBALDO RIBEIRO

A ilha na vanguarda genética

João Ubaldo Robeiro
O Estado de S.Paulo - 19/12/10
Não lembro se já tive a oportunidade de mencionar aqui determinados fenômenos, no campo da sexualidade e da reprodução, restritos, pelo que se sabe, à ilha de Itaparica. Devo ter dito alguma coisa, mas é tema sempre merecedor de atenção. Por exemplo, uma visita ao Mercado Municipal Santa Luzia, movimentado centro do comércio local, poderá, se bem conduzida, render preciosas informações sobre como certos criadores de galos de briga do Alto das Pombas e da Misericórdia, depois de afincadas tentativas, cruzaram galinhas de briga com urubus, obtendo linhagens excepcionais. Nunca consegui ver um desses híbridos, mas não vou duvidar da palavra de meus conterrâneos.
Assim como não duvidei, para citar somente mais um exemplo, do finado Sete Ratos, peixeiro muito amigo meu, que me contou ter visto, "não foi uma nem duas vezes", uma enguia popularmente conhecida como caramuru cruzando com uma jararaca, no meio das pedras do raso da vazante. Os dois se enroscavam apertadinhos e ficavam na maior safadeza horas e horas, me garantiu Sete Ratos. Nunca ninguém me falou sobre o nascimento de jararamurus, mas imagino que seriam o fruto natural dessa união.
A ilha sempre foi terra fértil, de varões fecundos e fêmeas ferazes. (A aliteração foi sem querer, de vez em quando me baixa um troço assim, é a criação.) Até as plantas, no ver de muitos, são uma indecência e há quem impeça que sua atividade seja testemunhada por crianças, tamanha a promiscuidade promovida por abelhas, beija-flores, borboletas, morcegos e demais alcoviteiros. Na idade em que as árvores de outros lugares estão mal saindo da condição de arbustos, ainda mocinhas, as da ilha já dão fruta assim que botam quatro ou cinco galhos e diz o povo que é muito difícil uma plantação de mangueiras de variedades puras dar certo na ilha, porque elas caem logo na maior sem-vergonhice e uma mesma mangueira às vezes dá dois ou três tipos diferentes de manga, tal o ponto a que chega a descaração.
Agora, sempre na vanguarda, a ilha está sendo agitada pelas notícias vindas das páginas de ciência das gazetas. Diz aqui, se bem entendemos, que cientistas conseguiram produzir camundongos com a carga genética de dois machos, sem necessidade de material de uma fêmea. Há umas complicações e diversos obstáculos técnicos a vencer, mas o fato é que não está muito longe o dia em que será possível para dois homens ter um filho somente deles dois, sem precisar de um óvulo, ou seja sem precisar de mulher. Da mesma maneira, duas mulheres poderão prescindir de homem para fazer um filho de ambas. Claro que, como observou Zecamunista, o supremo sexo (ele chama as mulheres de "o supremo sexo") é superior até nisso, pois os dois homens podem fazer lá o filho deles, mas vão precisar alugar um útero para abrigar e parir a criança, enquanto as mulheres já vêm equipadas de fábrica. Há de crer-se - acrescenta Zeca, meio pessimista - que chegará o dia em que elas só produzirão machos apenas para o entretenimento de algumas taradas. De qualquer forma, não vai mais colar que duas pessoas do mesmo sexo não podem casar porque a finalidade principal do casamento é a procriação. No futuro todos os casais, de qualquer sexo, poderão procriar e será preciso outro argumento.
E sabe-se que os cientistas que vivem saindo em jornal nunca estão satisfeitos, de maneira que, como decorrência dessas novidades, dizem que demora um pouco, mas se aproxima a largos passos o dia em que a criança poderá não somente ter dois pais ou duas mães, mas três, quatro ou cinco mães, ou três, quatro ou cinco pais, ou ainda quatro pais e duas mães ou três pais e cinco mães, conforme o material genético que se deseje obter, o DNA que se deseje montar. Pode ser uma espécie de trabalho em equipe. Zecamunista, sempre antenado com o progresso e usando sua habitual visão dialética, me fez ver a antítese da síntese. No nosso tempo de criança, xingar outro de "filho de uma mãe com 20 pais" era arriscar-se a uma peixeirada. Doravante, poderá ser um grande elogio.
- Você vai poder elogiar um cara dizendo que ele é filho dos 18 melhores sujeitos da cidade. E que as cinco mães dele são todas lindas.
- E você não acha que isso é meio como criador querendo tirar raça?
- Nada disso, aqui a gente sempre tirou raça e ninguém aqui pode dizer que é raça pura, acho que só Doralice, a galinha legorne de Bertinho Borba, que assim mesmo dá pra qualquer galo da terra que aparecer.
- Mas você é a favor dessas novidades?
- Sou. Na minha opinião, abala os fundamentos da sociedade dominada pela burguesia individualista. O filho passa a ser obra coletiva, é a coletivização da paternidade e da maternidade. Eu vejo nisso até um processo de inclusão. A mulher que não pode ter filho sozinha pode pegar uma caroninha no da amiga. A amiga permite que ela bote uns genezinhos dela lá, não deixa de ser uma realização do sonho de ser mãe. E é uma demonstração de amor ao próximo e de desprendimento, deixar que uma mãe diga a outra que 10% daquele bebê é dela. Mas eu no momento não estou pensando nisso, estou pensando é num projeto que me ocorreu.
- Você está bolando alguma aposta?
- A longo prazo. Eu vou fazer uma vaquinha dos genes dos melhores jogadores de futebol aqui da ilha, os craques mesmo, e vou botar num menino, no mínimo vai dar um super-Obina.
- E você acha que dá certo?
- Com certeza! Já tenho até o nome dele. Vai se chamar Coquetélson. Se revela no Bahia e se consagra no Flamengo. 

DANUZA LEÃO

Mudando de assunto
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 19/12/10

Triste é que essas crianças que crescem conhecendo o mundo todo perdem a capacidade de sonhar


COM O DÓLAR BAIXO e as viagens mais acessíveis, muitos casais agora viajam para o exterior levando os filhos. Ouviram falar que viagem educa e pensam estar contribuindo para o futuro de sua prole da melhor maneira, isto é, viajando; mas não sei se é bem por aí.
Aos dois anos eles vão à Disney e a Miami, aos quatro a Nova York, e aos seis, sete, já fizeram um tour pela Europa (sete países em 21 dias).
Se o pai esquiou e surfou na juventude, antes dos 16 as crianças terão passado uma temporada numa estação de esqui e outra surfando nas Maldivas, do outro lado do mundo.
Quem vai a Nova York aos sete, vai lembrar de alguma coisa da viagem além do susto com o tamanho dos edifícios, das montanhas de pipoca e batatas fritas e dos tênis que comprou? Provavelmente não -e nem falar inglês vai aprender.
Para começar, nessa idade se viaja mas não se entende quase nada do que se vê. Para fazer uma viagem que valha mesmo a pena, primeiro é preciso querer muito ir para aquele destino, por uma ou várias razões.
Geralmente essa curiosidade, ou melhor, esse interesse, começa com a história, os livros, os filmes, as músicas. Enquanto a viagem não acontece, existem mais livros, mais filmes, mais músicas, para que se deseje e sonhe mais ainda.
Tem alguma coisa melhor do que realizar um sonho sonhado durante muito tempo?
Cada um fala por si, claro; em criança eu sonhava com Paris, e nunca pensei que fosse lá algum dia. Mas sonhei tanto, que um dia fui, e minha emoção e minhas recordações estão dentro de mim até hoje, intactas. Eu conhecia Paris antes de conhecê-la, e cada rua, cada museu, cada café me remeteu aos sonhos que povoaram minha adolescência.
Valeu, ah, se valeu, e sou uma privilegiada, pois a cada vez que vou é como se fosse a primeira. E quando vejo crianças andando com os pais no Champs Elysées, fico pensando: será que eles ouviram falar que antes do desenho da cidade pelo prefeito Haussmann, Paris era uma favela? Que um dia o Exército de Hitler passou pelo Arco do Triunfo e desceu pela avenida mais linda do mundo, para humilhação dos franceses? Que quando Paris foi libertada pelo general De Gaulle, ele desceu a mesma avenida com o povo aplaudindo, num dos momentos mais emocionantes da história?
Se soubessem disso -e de várias outras coisas-, essa viagem não teria sido diferente, infinitamente melhor? E adianta ver o túmulo de Napoleão sem saber pelo menos parte de sua história? Claro que não.
O triste é que essas crianças que crescem conhecendo o mundo todo perdem a capacidade de desejar, de sonhar. Estou cansada de ver uma garotada sem vontade de nada, pois já tiveram tudo, desde cedo; entendem de sushi, conhecem as grifes, possuem todos os iPads e iPods do mundo e não conseguem se deslumbrar com mais nada.
Perguntei a um deles outro dia em que pretendia trabalhar (isso já aos 25!) e ouvi como resposta que ainda não sabia, mas que o importante era ser feliz. Mas como assim, ser feliz?
Não havia um objetivo mais concreto, uma curiosidade louca de conhecer alguma coisa, de ir a algum lugar, de sonhar, fosse com o que fosse? Não, ele só queria ser feliz.
É bem legal querer ser feliz, mas é pouco.

CELSO MING

Dilma e seus desafios
CELSO MING
O ESTADO DE SÃO PAULO - 19/12/10

O governo da presidente Dilma começa sem os problemas de confiança enfrentados por Lula no início do seu primeiro período. E essa é uma boa vantagem.

No entanto, os desafios que se antepõem ao longo do primeiro mandato serão provavelmente maiores do que os peitados pelo presidente Lula.

Começa com o fato de que Dilma não é Lula. Não tem o mesmo carisma e provavelmente terá mais dificuldades para dobrar a selvageria política de uma boa parte de sua base de sustentação, que atua dentro dos conhecidos critérios fisiológicos e está acostumada a fazer cobranças pouco leais ao longo do jogo.

Boa pergunta consiste em saber se a presidente Dilma terá a mesma capacidade de segurar as rédeas se estourar um desses escândalos que atacaram a administração Lula, como o do mensalão, o dos aloprados ou, mesmo, o da Operação Satiagraha.

O primeiro desafio é, portanto, político. Não se trata de enfrentar uma oposição combativa, que hoje não existe. Trata-se da capacidade de manter um mínimo de coordenação da base de sustentação no Congresso e na rede de governadores num ambiente de disputa acirrada por verbas públicas bem mais escassas do que estiveram ao longo dos dois últimos anos.

Dilma está sendo chamada a pilotar o País em 2011, num ambiente de fortes incertezas externas, tendo de pisar mais no freio do que no acelerador. O crescimento do PIB dificilmente poderá passar dos 4,5% a 5,0% ao ano. A inflação está bem mais acirrada e dificulta o objetivo já anunciado de derrubar os juros reais para 2% até 2014.

A enorme agenda de investimentos prevista pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de R$ 1,59 trilhão em quatro anos, terá de ser conduzida numa situação em que nem o setor público (especialmente o Tesouro) nem o BNDES estarão em condições de dar cobertura financeira como vinham dando até meados deste ano.

Parece também consolidada a percepção de que a cotação do dólar em reais não pode cair muito abaixo de R$ 1,70, sob pena de provocar grave deterioração na capacidade de competição do produto brasileiro. Isso significa, também, que está praticamente esgotada a possibilidade de contar com o uso do câmbio como âncora dos preços. É bom esclarecer que, durante o governo Lula, o Banco Central não manobrou o câmbio de modo a usá-lo como instrumento de controle dos preços. No entanto, na medida em que mergulhou de R$ 1,80 no início de 2007 para R$ 1,70 nos últimos meses da administração Lula, a cotação do dólar ajudou a conter a inflação, uma vez que barateou os produtos importados. Esse efeito colateral positivo já ficou bem menos importante.

No mais, Dilma tem pela frente uma imensa pauta de reformas: reforma tributária, previdenciária, política, sindical e trabalhista e tantas outras mais. Se não as enfrentar no primeiro ano de mandato, enquanto contar com alto apoio amealhado por mais de 55 milhões de votos, dificilmente conseguirá sucesso nessa empreitada. A maioria dessas reformas implica altos custos políticos. E, no entanto, em 2012 haverá eleições municipais, ambiente que dificultará aprovações de custo popular. E 2013 e 2014 serão anos que exigirão novas costuras eleitorais.

Texto hermético

A ata do Copom divulgada quinta-feira foi a 155ª da história do sistema de metas de inflação. Mas foi uma das que mais confundiram. Houve aqueles que entenderam que os juros subirão em janeiro; os que leram lá que não subirão tão cedo, nem em março; e aqueles que concluíram que os juros talvez não subam nem no primeiro semestre.

O que é transparência?

Para uma instituição que precisa administrar as expectativas de inflação entre os "fazedores de preço", digamos que esse não foi um momento que primou pela transparência.

Vinho ecológico?

Na edição de sexta-feira, o jornal madrilenho El País perguntava: "Até que ponto é ecologicamente correto um vinho que se produz na Espanha e se consome a vários milhares de quilômetros e que por isso exige transporte que queima energia e produz emissões de CO 2 na atmosfera?" É uma pergunta que pode ser feita para qualquer produto supostamente ecológico de exportação.

GOSTOSA

ELIO GASPARI

A história do andar de baixo sobreviveu
ELIO GASPARI

O GLOBO - 19/12/10

Aos 45 minutos do segundo tempo salvaram-se os arquivos com a memória dos litígios do povo
FALTOU POUCO para que o Senado determinasse a destruição da história do andar de baixo nacional. No projeto do novo Código de Processo Civil aprovado na noite de quarta-feira, o artigo 1.005 mandava à "reciclagem" (versão light da fogueira) os processos arquivados há mais de cinco anos. Numa negociação de última hora, o artigo foi mandado ao lixo. O texto seguiu para a Câmara, e é provável que os presidentes de Tribunais de Justiça interessados em se livrar do papelório ressuscitem o lance.
Nesses processos estão os litígios dos anônimos. Durante sua Presidência, José Sarney sancionou uma lei que mandou incinerar velhos processos trabalhistas. Entre eles estava o caso de um operário pernambucano que, em 1959, perdeu o dedo mínimo da mão esquerda numa prensa. Queimaram o processo da mutilação de Lula.
O instinto destruidor tem um argumento: os tribunais guardam cerca de 80 milhões de processos e é um sufoco preservá-los. Falou-se em microfilmá-los, mas, à parte o risco de criar uma Vara de Preservação de Papéis, o serviço custaria em torno de R$ 2,5 bilhões.
O dilema não é queimar ou microfilmar, mas destruir ou não destruir. Ele já foi resolvido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que guarda, em boas condições, 10 milhões de processos.
A história do andar de cima está na imprensa, nos debates parlamentares e nas atas do Copom. A da choldra, quando muito, em processos e inquéritos policiais.
Um exemplo: acaba de sair o livro "O Alufá Rufino", dos historiadores João José Reis, Flávio dos Santos Gomes e Marcus de Carvalho.
Conta a história do negro Rufino José Maria, um nagô muçulmano liberto, preso no Recife em setembro de 1853 sob a suspeita de estar metido num projeto de revolta de pretos. Nada descobriram, além da história de sua vida. Rufino viu-se escravizado no Benin, chegou à Bahia com 17 anos, foi cozinheiro de três senhores, comprou sua alforria e trabalhou como tripulante de navios negreiros. A partir de sete páginas do depoimento de Rufino, os três historiadores retrataram a vida do Rio, do Recife e do Atlântico do tráfico de escravos.
Não há como selecionar processos ou criar amostragens. Ou se guarda ou se perde.

O ABORTO VIROU UM ENCOSTO PARA CABRAL
O tema do aborto tornou-se um encosto na vida do governador Sérgio Cabral. Durante sua campanha pela Prefeitura do Rio, em 1996, ele chamou de "leviano" seu adversário porque propusera a legalização do aborto.
Em 2007 mudou de opinião, com o pior argumento possível: "Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa, Tijuca, Meier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal." O número médio de filhos nas favelas (2,6) estava no padrão Brasil, 2,1.
Ele voltou ao tema: "Quem aqui não teve uma namoradinha que teve que abortar?" Como se a gravidez da "namoradinha" fosse um problema só dela, produzido pelo seu organismo, semelhante a espinhas no rosto.
A Corte da Comunidade Europeia acabou de decidir que a Irlanda violou os direitos humanos de uma mulher que queria interromper a gravidez porque estava se recuperando de um câncer e poderia estimular uma recidiva da doença.
Pela lei brasileira, ela dificilmente poderia abortar por conta da perspectiva de risco. Num debate alimentado com argumentos semelhantes aos de Cabral (ou dos tucanos da campanha eleitoral), Pindorama arrisca um tricampeonato: tendo sido um dos últimos países a abolir a escravidão e a instituir o divórcio, será também um dos últimos a tratar o aborto como um direito da mulher livre das normas impostas por opções religiosas.

FHC E O PSDB É possível, apenas possível, que Fernando Henrique Cardoso venha a ser o próximo presidente do PSDB.

RACISMO MACHISTA A cervejaria Schincariol já se encrencou com o Conselho de Autorregulamentação Publicitária, o Conar, por conta de um filme de propaganda de sua marca Devassa estrelado pela modelo Paris Hilton. Tratava-se de uma peça com apelo sensual. Foi considerado inapropriado, mas deve-se reconhecer que tinha qualidade.
Um novo anúncio da Schincariol, desta vez para sua cerveja preta, atravessou simultaneamente as linhas da vulgaridade e do racismo. Diz assim: "É pelo corpo que se conhece a Negra. Devassa Negra encorpada, estilo dark ale, de alta fermentação, cremosa e com aroma de malte torrado".
Para evitar dúvidas, o anúncio é ilustrado com o corpo de uma mulher negra.

BOLSA MALFEITOR O presidente da Delegacia Fiscal do Rio de Janeiro do Sindicato dos Auditores Fiscais, Aelio dos Santos Filho, informa que repudia a iniciativa da sua similar de Santos, que pretende criar um fundo de socorro aos fiscais postos para fora da Receita Federal, depois de serem submetidos a inquéritos nos quais tiveram direito de defesa. Nas suas palavras:
"A aprovação do fundo para pagar salários de auditores demitidos a bem do serviço público não passou pelo crivo da categoria: foi rejeitada no Congresso Nacional de Auditores Fiscais. A aprovação dessa excrescência chamada "Bolsa Malfeitor" ocorreu no Conselho de Delegados Sindicais, sem discussão prévia na categoria."
As delegacias sindicais de Campinas e do Maranhão também condenam a ideia da Bolsa.

JK NO LIXO Remexendo um entulho da agência Gamma, um fotógrafo francês encontrou um retrato emoldurado de um cidadão, vestindo casaca e enfeitado com uma faixa, com a seguinte dedicatória: "Ao eminente general Charles De Gaulle, chefe do governo francez, com admiração e grande apreço. Juscelino Kubitschek, Rio, 28 de agosto de 1958."
Em meio século, a fotografia passou por diversas triagens dos guardados de De Gaulle e ia para o lixo quando JK foi reconhecido. Uma alma bondosa presenteou o fotógrafo Antonio Ribeiro com a peça e hoje ela está na parede do seu escritório, em Paris.

MURO Num mesmo dia, dois grão-tucanos disseram o seguinte:
1) Jutahy Magalhães, deputado pela Bahia: "A sociedade não está cobrando de nós um candidato. Está cobrando uma postura".
2) Teotônio Vilela Filho, governador de Alagoas: "Oposição? Afasta de mim esse cálice".
Se a doutora Dilma não fechar logo o ministério, o PSDB pedirá uma cota.

WIKILEAKS BR Jantando na embaixada americana, o general Jorge Armando Felix, ministro da Segurança Institucional disse que, diante do novo relevo internacional de Pindorama, os brasileiros devem se preparar para a volta "em caixões" de alguns de seus soldados enviados para missões no exterior. "É o preço a ser pago", disse.
Por falar em pagar, o general podia dar uma palavra a Nosso Guia e ao senador José Sarney. Aprovaram em apenas duas horas uma farra de aumentos salariais, mas não liberaram o pagamento da indenização às 18 famílias de militares mortos a serviço, em janeiro, no Haiti. Se o companheiro Obama fizer uma coisa dessas com seus soldados, está frito.

DORA KRAMER

Ativista de si mesmo
Dora Kramer

O ESTADO DE S. PAULO

Luiz Inácio da Silva adora uma invenção de moda: inventou uma herança maldita hipoteticamente recebida do antecessor que acabara de lhe propiciar uma fase de transição civilizada como nunca antes neste país; inventou a Presidência espetáculo e agora dá sinais de que inventará a ex-Presidência esfuziante.

Avisa que participará de protestos, à exceção daqueles cujo alvo for o governo de Dilma Rousseff, e liderará uma campanha pela reforma política, com Constituinte exclusiva se preciso for.

Anuncia-se como arauto da liberdade de imprensa; proclama que lutará pelo povo pobre mundo afora e que fará política em tempo integral a partir de seu instituto com sede em São Paulo e sucursais a serem montadas em outros Estados.

São tantas as atividades a que se propõe como ex-presidente que já se desenha no horizonte a figura do ativista de si mesmo.

Na verdade, nada muito diferente do que fez nos oito anos como presidente da República. Período durante o qual não comprou uma só briga com setores cuja insatisfação poderia impedi-lo de construir a popularidade e a rede de sustentação política que construiu com pleno êxito.

Ao custo de avanço significativo nenhum em saúde, educação, infraestrutura, segurança pública, setores essenciais para que o Brasil consiga com sucesso prosseguir na trajetória ascendente dos últimos anos e chegar a uma condição satisfatória de desenvolvimento.

Evidentemente, a nova presidente terá de fazer frente a esses e a outros desafios.

Lula cuidou muito bem da própria biografia. Propagandeou o que fez e o que não fez. Falou dia e noite bem de si, contando para isso com o espaço natural de que dispunha como chefe da Nação nos meios de comunicação.

Pelo jeito, prepara-se para continuar em cena, criando fatos que o coloquem em constante destaque, instalando-se no centro de uma hipotética assembleia permanente a partir da qual possa continuar como protagonista.

Claro, dependerá da disposição da imprensa de criar uma espécie de "editoria Lula". Fará de tudo para isso.

Com qual objetivo? O pessoal tanto pode vir a ser uma futura candidatura à Presidência ou, como aventou outro dia um bom observador da cena, a governador de São Paulo a fim de tentar derrubar de vez a cidadela mais poderosa do PSDB.

O objetivo político mais geral está claro: consolidar um projeto de poder a partir da construção da hegemonia definitiva do PT.

Vida como ela é. Mal terminaram as eleições, o governador do Rio, Sérgio Cabral, abriu campanha contra a "hipocrisia e a demagogia" defendendo a descriminalização do aborto e a legalização do jogo.

Causas pertinentes se bem pesadas e medidas em face das demandas da sociedade e da precaução do Estado como guardião da legalidade e do bem-estar da coletividade.

Por isso mesmo, temas que governantes e candidatos a representantes populares deveriam debater em público preferencialmente antes de se submeterem a voto. Para não padecerem dos males da demagogia e da hipocrisia pré-eleitoral.

Síntese. O Poder Legislativo no Brasil não se dá ao respeito, não merece respeito e isso está traduzido na figura do palhaço de 1 milhão de votos que o eleitor decidiu mandar a Brasília para que suas excelências se lembrem permanentemente de como a população vê o Congresso.

Uma instituição à altura de um semianalfabeto que se deixou usar por espertalhões profissionais, cuja matéria-prima é a união da desqualificação do Parlamento com a despolitização de uma sociedade referida no entretenimento.

E agora há quem, entre os bem-pensantes que não votaram nele, o celebre dando-lhe status de vítima do preconceito elitista.

O mesmo raciocínio conferiu a Severino Cavalcanti, quando eleito presidente da Câmara, proteção das críticas por encarnar o esforço do homem simples que chegou lá. Há registros.

Isso meses antes de ser obrigado a renunciar, pego em flagrante delito de corrupção.

O CÉU PODE ESPERAR

SUELY CALDAS

Entre o real e a fantasia
Suely Caldas
O ESTDO DE SÃO PAULO - 19/12/10



Em oito anos de poder, o governo Lula acumulou erros e acertos. Os acertos foram amplificados, maquiados e glorificados nos seis volumes impressos do balanço de gestão registrados em cartório na última quarta-feira. Já os erros foram omitidos, ignorados. "Errar é humano", "o homem aprende com seus erros" são assertivas aplicadas a todos os mortais, menos a Lula. Afinal, seu governo alcançou a perfeição absoluta, ocupou o vazio deixado por todos os antecessores que, na sua interpretação, "nada fizeram" no seu tempo.

Menos Lula, menos! Difícil avaliar se, nos últimos oito anos, os acertos do governo superaram os erros ou o contrário. São valores incomparáveis, seja no grau de benefício ou prejuízo à população, seja no tempo ou no espaço da construção da história recente. Nas três áreas em que a atuação do governo é determinante para a vida do País e de seu povo, é possível afirmar genericamente que o governo Lula acertou mais na economia e errou muito na política e na área social - o sucesso do Bolsa-Família não apagou os fracassos na saúde, na educação, na segurança e na ausência de investimento em saneamento.

Começando pela área social, a saúde pública foi um fiasco. O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma boa ideia e um estrondoso fracasso de gestão. Hospitais públicos expulsam doentes graves por falta de leitos, de aparelhos de exames, de medicamentos e de médicos; quem depende de saúde pública morre esperando por uma consulta ou uma cirurgia. É um verdadeiro caos que mereceu de Lula o absurdo e soberbo comentário de que Barack Obama precisaria aprender com o Brasil como fazer saúde pública.

Como nunca reconhece erros, culpou a oposição pela falta de recursos. Esquece de que o crescimento da receita tributária ultrapassou em muito a arrecadação da CPMF. Negou-se a aprender com erros e hoje, apesar da popularidade em alta, tem 54% da população a reprovar sua atuação na saúde.

Menos grave, porém deficitário, é o quadro da educação: crianças vão à escola e não entendem o que leem. O Brasil é lanterninha do mundo em matemática; professores estão despreparados e mal remunerados; vexames nos exames do Enem; em pesquisas sobre água e esgoto tratados, temos a companhia de países pobres da África. E vai por aí... Ponto positivo para o Bolsa-Família, que hoje alcança mais de 11 milhões de famílias e ajuda a ascensão social de muita gente.

A atuação profissional da direção do Banco Central foi responsável pelo sucesso na estabilidade econômica. Levou o Brasil de devedor a credor na relação com outros países e encurtou os efeitos da crise de 2008. Mas não foi capaz de convencer Lula e seus ministros de gastarem menos e economizarem dinheiro para pagar a dívida pública. Com isso a dívida bruta saltou para 60% do PIB.

O programa de microrreformas do ex-ministro Antonio Palocci para tirar o País do atoleiro da ineficiência da economia foi abandonado pelo sucessor Guido Mantega. Mas fato é que o a economia cresceu, o número de empregos com carteira assinada subiu e a renda salarial se expandiu, alimentando o consumo e a alta das taxas do PIB.

Mas o legado mais desastroso de Lula se deu no plano político. A decepção com a generalidade da corrupção, com um presidente tolerante que, em vez de punir, todo tempo absolveu corruptos e distribuiu cargos técnicos a políticos despreparados e mal-intencionados. Na sua história recente, o Brasil não colecionava tantos escândalos, abusos e desvios do dinheiro público. A amplitude do loteamento de cargos entre os partidos políticos deu força e fez do fisiologismo uma degradante política de Estado que Lula aceitou, incentivou e ampliou.

O que restou de avanços nessa área do governo anterior ele tratou de destruir, ferindo as instituições e golpeando a democracia. E agora ele vem dizer que o mensalão não existiu, foi tentativa de golpe. Quer dizer que o relatório do ministro Joaquim Barbosa, do STF, que classificou o mensalão de quadrilha chefiada por José Dirceu foi uma farsa?

VINICIUS TORRES FREIRE

Uma economia menos anormal
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 19/12/10
Finança brasileira deve ficar menos primitiva com o bom pacote de incentivo ao mercado de capitais

PASSOU MEIO em branco uma das mudanças regulatórias mais importantes do governo Lula na área econômica. Trata-se do pacote de medidas que elimina alguns dos empecilhos que impedem o setor financeiro privado de oferecer financiamento de mais longo prazo e baratear o capital para empresas.
Parece muito chato, sim. Medidas e fatos tão importantes assim já passaram meio despercebidos nos anos Lula. Na época de sua criação e/ou implementação, o crédito consignado, mudanças no financiamento e na regulação do setor imobiliário ou o "pagamento" da dívida externa não causaram comoção. Mas foram fatores fundamentais para que se aumentasse a oferta de crédito e para que se reduzisse o risco percebido de investir no país.
As "microrreformas" foram um fator auxiliar muito importante no aumento da fatia do crédito em relação ao PIB de 24%, ao final dos anos FHC, para quase 48% agora. O "pagamento" da dívida externa ajudou a baixar o "risco país" e a trazer crédito externo mais barato em prazos melhores, o que teve papel relevante também na baixa dos juros "domésticos". Trata-se de iniciativas que propiciam a normalização da economia brasileira.
Além de mexer em alguns entulhos burocrático-legais, as medidas reduzem impostos sobre vários tipos de instrumentos financeiros; flexibilizam exigências regulatórias sobre bancos (depósitos compulsórios de bancos e investimento mínimo em habitação). Em tese, o pacote limpa o terreno de tocos e pedras que tolhiam o crescimento de fontes de captação e empréstimo de dinheiro. Pode, enfim, criar mercados amplos e profundos de negociação de títulos de empresas e títulos lastreados em operações imobiliárias, de fundos grandes de investimento em infraestrutura. Enfim, é um pacote que permite eliminar vários traços primitivos do mercado brasileiro.
Em tese, tais medidas podem fazer com que o setor privado assuma tarefas hoje a cargo do BNDES. Assim, o banco pode ficar um pouco menor, assim como talvez se reduza a quantidade de empréstimos subsidiados com dívida ou dinheiro públicos (os do BNDES). De quebra, isso pode fazer com que os juros "reais de fato" do Brasil reflitam mais as condições do mercado. De resto, talvez se possa tirar o Estado (o BNDES) de um papel que pode ser exercido pelo mercado, atribuindo ao banco tarefas como financiar empresas menores, novas, inovadoras em ciência, tecnologia e produtos, para as quais não há dinheiro ou que não atraem o apetite do setor privado brasileiro, ainda muito medroso e avesso ao risco.
A eliminação de várias esquisitices da economia brasileira foi um dos fatores da redução da taxa real de juros (vide gráfico). Indexações, impostos demais e uma lei básica do setor financeiro velha de quase meio século são outros empecilhos. A equipe econômica de Dilma Rousseff têm pacotes a apresentar.

GOSTOSA

FERREIRA GULLAR

Reencontro com Antonin Artaud
FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SÃO PAULO - 19/12/10

Na revista, havia um poema em que se dizia "um puro espírito" e insultava Deus; decidi distribuí-las

NOS MEUS primeiros anos no Rio de Janeiro, tornei-me rato de livraria, não apenas porque gostava de livros, mas também porque, muitas vezes, necessitava encher o dia.
Meu emprego era na "Revista do IAPC", que ficava na rua Alcino Guanabara, quase em frente ao bar Amarelinho. Se nenhum amigo passava em minha sala para bater papo nem me ocorria nenhuma ideia para um poema, começava a me sentir ansioso e saía a andar pelas ruas.
Ia parar em alguma livraria ou numa loja de aves, rua Sete de Setembro, quase esquina com rua Primeiro de Março.
Essa loja fedia muito, tantas eram as aves que havia ali, presas em grande gaiolas. Havia de tudo, de canários-da-terra e araras coloridas até aves estranhas, como um nhambu, pernalta e meditativo. Voltei várias vezes só para vê-lo e tomar um caldo de cana gelado num boteco que havia perto.
Mas, afinal, o que me atraía àquela loja de aves? É que algo ali me lembrava "Les Chants de Maldoror" ("Os Cantos de Maldoror"), de Lautréamont, que lera recentemente na Biblioteca Nacional e, por mais que fuçasse, não o achava em nenhuma livraria.
Mas achei uma coisa inesperada: um exemplar da revista "Les Cahiers de la Pléiade" (primavera de 1949), que me deixou maravilhado: é que uma parte dela era dedicada a Antonin Artaud, incluindo um poema inédito e um testemunho de Claude Nerguy, contando a visita que lhe fizera, poucos dias antes de sua morte, numa casa de repouso, em Ivry, para onde tinham-no transferido depois de várias internações em manicômios. Nerguy e sua companheira ficaram chocados ao encontrá-lo tão magro, de camisa suja e olhar alucinado.
Durante aquela visita, Artaud tomou de um martelo e começou a bater violentamente num bloco de madeira, enquanto declamava exasperado um poema incompreensível: "É assim que marco o ritmo de meus versos", berrava.
No final da visita, quando Nerguy lhe pediu que autografasse um livro, escreveu: "Para Claude, sob a condição de manter-se só, uma vez que sou inimigo da sexualidade". Quando deixam aquele quarto opressivo, a moça diz: "Em lugar de olhos, ele tem relâmpagos".
Na revista, havia um poema inédito de Artaud em que ele se dizia "um puro espírito" e insultava Deus. Era um poema estranho, impactante e belo. Foi então que decidi datilografá-lo em várias cópias e distribuí-las entre meus amigos.
Certo dia, um deles pediu-me a revista emprestada, alegando estar escrevendo um artigo sobre Artaud para um suplemento literário. Hesitei em emprestá-la, mas ele jurou que a devolveria em quatro dias, no máximo. Terminei cedendo. Ele pegou a revista e sumiu.
Passados os quatro dias, tentei localizá-lo em vão. Meses depois, deparo-me com ele na rua. Desculpa-se, alegando que viajara inesperadamente porque sua mãe adoecera, acabava de voltar e ia me procurar para devolver a revista. "Vou buscá-la agora", disse, e sumiu de novo.
"Livro não se empresta" -advertiu minha amiga Lucy Teixeira-, "ainda mais uma preciosidade como essa". Tinha razão. Mesmo assim, ao longo dos anos, não me emendei, continuei a emprestar livros preciosos ou raros, que nunca me devolveram.
E, ao longo desses anos -mais de 50-, de vez em quando, se lia ou ouvia algo sobre Artaud, sofria de novo a perda da revista e maldizia o caráter daquele sujeito que descarada e insensivelmente se apropriara de uma coisa que, para mim, tinha valor inestimável.
Faz pouco, falei disso com Kaira Cabañas -crítica de arte e curadora de importantes mostras internacionais-, que prepara uma exposição sobre Antonin Artaud, a se realizar no Museu Reina Sofía, de Madri.
Ela deseja expor ali alguns exemplares daquela edição pirata que fiz do poema de Artaud, em 1954. Só que aqueles a quem dei os exemplares já se foram e nem mesmo a que guardei comigo existe mais. Nem poderia imaginar que teriam importância no futuro. Em compensação -pasmem vocês-, Kaira Cabañas acaba de me enviar um exemplar daquela revista, de cuja perda jamais me refizera.
Ao abrir o pacote e me deparar com ela, de capa amarelo-ocre, pensei estar vivendo um sonho. E, como se sonhasse, procurei nela o texto sobre Artaud, o poema que copiara... estava tudo lá. Maravilha! É, de uns tempos para cá, deu para chover na minha horta.

MERVAL PEREIRA


A busca da verdade

MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 19/12/10
No discurso que fiz quando tomei posse recentemente na Academia Brasileira de Filosofia, na cadeira 48 cujo patrono é Hipólito da Costa, fundador do primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, impresso em Londres em 1808, destaquei o surgimento das novas tecnologias e seu impacto na relação do jornalismo com a sociedade.
O ponto de interseção entre o jornalismo e a filosofia é a busca desinteressada da verdade, a principal tarefa do jornalista, a ponto de constituir-se em um imperativo ético da profissão.
Nesse particular, os vazamentos de documentos da diplomacia americana pelo Wikileaks têm a função de revelar os meandros das tomadas de decisão dos governos, o que colabora para a descoberta da verdade, cuja revelação nunca será total por ser a verdade, por definição, inesgotável.
Mas, como comenta o sociólogo Manuel Castels, um dos principais estudiosos dos novos meios de comunicação e seus efeitos na sociedade moderna, “nunca mais os governos poderão estar seguros de manter seus cidadãos na ignorância de suas manobras”.
Ele diz que “seria preciso sopesar” o risco da revelação de comunicações secretas que poderiam dificultar as relações entre estados “contra a ocultação da verdade sobre as guerras aos cidadãos que pagam e sofrem por elas”.
Desse ponto de vista, sem dúvida o que Julian Assenge e seu blog Wikileaks fazem é puro jornalismo, embora, pelas suas declarações, se possa concluir que a motivação para a exigência de transparência dos governos não seja informação pura e simples, mas uma ação anárquica contra todo tipo de governo, o que retiraria a característica jornalística de sua atividade para transformá-la em uma ação política, como alguns o vêem.
Com relação ao jornalismo, há um livro canônico, “Os propósitos do Jornalismo”, no qual os jornalistas americanos Bill Kovach e Tom Rosenstiel definem como a finalidade do jornalismo essa busca da verdade e a responsabilidade com o cidadão: "fornecer informação às pessoas para que estas sejam livres e capazes de se autogovernar".
No discurso destaquei que o problema da ética jornalística tem uma complicação própria. Exercemos um papel socialmente relevante – ao produzir um primeiro nível de conhecimento, acabamos por ser um canal de comunicação que liga Estado e Nação, mas também os muitos setores da Nação entre si.
É nossa atribuição fazer com que o Estado conheça os desejos e intenções da Nação, e com que esta saiba os projetos e desígnios do Estado.
Ainda, incumbe-nos permitir à sociedade acompanhar, com severidade de fiscal, aquilo que os Governos fazem em seu nome e, supostamente, em seu benefício.
Justifica-se essa definição de nosso papel com o fato de que, no sistema democrático, a representação é fundamental, e a legitimidade da representação depende muito da informação, que aproxima representados e representantes.
Essa função do jornalismo sem dúvida foi afetada pelo surgimento das novas mídias que, na opinião do professor brasileiro Rosental Calmon Alves, da Universidade do Texas em Austin, um dos maiores especialistas no assunto, representa uma revolução que só pode ser comparada, na historia das comunicações, com a invenção da imprensa por Gutenberg em 1495.
Ele não está falando apenas da Internet, mas da Revolução Digital, que está transformando profundamente o mundo em que vivemos.
Não é uma simples evolução tecnológica, que dá seguimento às evoluções do século passado, é muito mais do que isso. É uma ruptura de paradigmas. A Revolução Digital tem como impacto mais importante a repartição de poder dos meios de comunicação de massa com os indivíduos, destaca Rosental.
Essa é a nova sociedade civil global que está se formando, segundo a definição do sociólogo Manuel Castells, da Universidade Southern Califórnia, nos Estados Unidos que tenta preencher o "vazio de representação" a fim de legitimar a ação política, fazendo surgir "mobilizações espontâneas usando sistemas autônomos de comunicação".
Internet e comunicação sem fio, como os telefones celulares, fazendo a ligação global, horizontal, de comunicação, provêem um espaço público como instrumento de organização e meio de debate, diálogo e decisões coletivas", ressalta Castells.
Mas é o jornalismo, seja em que plataforma se apresente, que continua sendo o espaço público para a formação de um consenso em torno do projeto democrático.
O jornalismo de qualidade, tão importante para a democracia, teve papel fundamental na divulgação dos documentos do Wikileaks, e não foi à toa que Assenge procurou companhias de jornalismo tradicional como o The New York Times para dar credibilidade a seu trabalho.
A tese de que as novas tecnologias, como a internet, os blogs, o twitter e as redes sociais de comunicação, como o Facebook, seriam elementos de neutralização da grande imprensa é contestada por pesquisas.
Especialistas das Universidades de Cornell e Stanford demonstram que a internet é a "caixa de ressonância" da grande imprensa, de que precisa para se suprir de informação, e para dar credibilidade às informações.
Não é à toa que os sites e blogs mais acessados tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil são aqueles que pertencem a companhias jornalísticas tradicionais, já testadas na árdua tarefa de selecionar e hierarquizar a informação.
O jornalismo profissional tem uma estrutura, uma deontologia, uma forma profissional de colher e checar informações que a vasta maioria dos blogueiros não tem, define Rosental.
O filósofo alemão Jürgen Habermas revelou, em artigo recente, seu temor de que os mercados não façam justiça à dupla função que a imprensa de qualidade, segundo ele, até hoje desempenhou: atender a demanda por informação e formação.
No artigo, intitulado “O Valor da notícia”, Habermas ressalta que estudos sobre fluxos de comunicação indica que, ao menos no âmbito da comunicação política - ou seja, para o leitor enquanto cidadão -, a imprensa de qualidade desempenha um papel de "liderança": o noticiário político do rádio e da televisão depende em larga escala dos temas e das contribuições provenientes do que chama de jornalismo "argumentativo".
Sem o impulso de uma imprensa voltada à formação de opinião, capaz de fornecer informação confiável e comentário preciso, a esfera pública não tem como produzir essa energia, escreveu Habermas, e o próprio Estado democrático pode acabar avariado.

SUBINDO

JOSÉ SIMÃO

Ueba! Hebe vai pra TV Dubai!
JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 19/12/10

E os shoppings já estão inaugurando um chequeporto: aeroporto pra cheque voador! Rarará!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Esporte nacional de dezembro: shopping! E sabe o que o Papai Noel de shopping pediu pro Papai Noel? Um emprego fixo!
E os shoppings já estão inaugurando um chequeporto: aeroporto pra cheque voador. Rarará!

E eu não faço compras porque não tenho SACO pra Papai Noel. E nem pra fazer cooper em escada rolante! E sabe como o Papai Noel do Congresso dá risada? HO HO HOUBAMOS MUITO!

E a tecnologia tá dando um nó na cabeça do Papai Noel. Olha o pedido que ele recebeu de um menino de 3 anos: "Quero um 1X1 com cabo HDMI e um MP3 com 64 GB". O véio não entendeu nada. Rarará!

E um amigo lojista tá sem grana e só conseguiu contratar um Papai Noel magro, fumante e com a cara do Serra! Rarará!

E sabe por que o Lula parou de beber? Pra não ver duas Dilmas! Rarará! E a Dilma fez aniversário, mas o PMDB comeu o bolo todo!

E essa foi a semana dos OITENTÕES: Silvio Santos e Hebe Camargo. Um amigo passou um mês fora e, quando voltou, soube de duas coisas: o Silvio Santos quebrou e a Hebe pediu demissão do SBT! O pessoal da melhor idade tá bombando! O Silvio fez 80 anos quebrado, porém inteiro. Ele disse que é devoto da Nossa Senhora das Plásticas!

Um amigo sempre encontra o Silvio no trânsito e disse que ele tá sempre rindo. Ele não tá rindo, tá freando. Esticou tanto que quando pisa no breque, a boca escancara! Rarará. Ele parece de borracha! Ou, como disse um leitor: o Silvio Santos parece uma vela de sete dias de gravata. Rarará! Eu amo o Silvio Santos. Mito não tem idade. O Silvio caiu em domínio público!

E a Hebe pediu demissão do SBT. Queriam cortar o salário dela. Já cortaram a Hebe inteira, menos o salário! E cortar o salário da Hebe é decretar a falência da H. Stern! Primeiro, ela disse que queria ir pra Globo. Trabalhar em "Malhação"? Ela esticou tanto que já tá fazendo xixi pelo sovaco! Rarará!

E agora diz que vai pra Rede TV! Trocou de Silvio. Vai fazer par com o Silvio do "Pânico"! Ou então apresentar o "Dr. Hollywood"! E essa é a trajetória televisiva da Hebe; da válvula ao HD! Da TV Tupi a Dubai! A Hebe devia trabalhar na TV Dubai! Com aquele tesouro de pirata pendurado no pescoço! A Perua Amiga. Eu acho que a Hebe nasceu da costela de um peru.

Nóis sofre, mas nóis goza!

GAUDÊNCIO TORQUATO

A grandeza e a pequenez na política
Gaudêncio Torquato
O ESTADO DE SÃO PAULO - 19/12/10




De Gaulle tinha exata noção de que ao político, como ao artista, é necessário o dom, moldado pelo ofício. Cercava-se de cuidados com a expressão, ensinando: "Os maiores medem cuidadosamente as suas intervenções. Fazem delas uma arte." Tempos grandiosos aqueles em que as plateias se encantavam com a arte dos grandes mestres da palavra. As sentenças continham boas lições e o poder de mobilizar e atrair a atenção das massas.


"Não tenho nada a oferecer-vos senão sangue, sacrifício, suor e lágrimas", declamava Churchill a ingleses inebriados com o fervor que o primeiro-ministro imprimia à convocação de guerra. "Não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer por seu país", proclamava o presidente John Kennedy em seu discurso de posse, elevando o orgulho norte-americano. Pouco a pouco, a névoa do tempo tornou esquecidas as mais belas páginas da História. A cortina desceu sobre os palcos do esplendor e a era dos tribunos foi fechando portas, sob o eco da locução de Nietzsche no cume do penhasco nos Alpes de Engadine: "Vejo subir a preamar do niilismo." A política apequenou-se. Os atores despiram-se dos mantos litúrgicos que os cobriam de reverência. E, assim, os mais altos ideais, torpedeados pelas emboscadas da modernidade política, foram suplantados por interesses mercantilistas.


A esfera do discurso é apenas uma das frestas que deixam transparecer o rebaixamento dos padrões da política. A degradação tem sido devastadora, destruindo mitos, corrompendo administrações, sujando reputações, maltratando doutrinas e até invadindo os espaços da privacidade. A baixeza se expande. Governantes de nações do Primeiro Mundo veem sua imagem embalada em escândalos e, pasmem, sob acusações de envolvimento em casos sexuais com menores e garotas de programa. É o que se diz do primeiro-ministro Berlusconi, da Itália. Correspondências devassadas pelo WikiLeaks mostram como as potências consideram parceiros e adversários. A uma pauta de preconceitos se somam digressões sobre o caráter (criticado) de figuras públicas. Por aqui, a corrosão também é intensa. O nosso sistema político, no fluxo da crise que fere a democracia representativa em todo o mundo, é balizado por um conjunto de elementos negativos: fragmentação partidária, desmotivação das bases, pasteurização ideológica, perda de força das Casas congressuais e supervalorização dos Executivos. Também entre nós, o campo da expressão é mostra do esburacado estado da arte política.


A cada dia a galeria de gafes ganha uma nova peça. Na semana passada foi a vez do governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, que, puxando o argumento de que o dever conclama todos a pisarem na realidade, assim falou: "Quem aqui não teve uma namoradinha que teve que abortar?" Ao defender a absurda hipótese sob forte convicção - "vamos encarar a vida como ela é" -, talvez lhe tenha escapado a conclusão de que, levando ao pé da letra a peroração para cerca de 400 empresários, tirando as exceções de praxe, a conta dos abortos ultrapassaria a casa dos 300. A maneira improvisada como se pinçam dados (quase sempre chutados) para arrematar pontos de vista também faz parte do mau trato que se dá à política. Quando o comandante Cabral conclama a plateia a encarar a realidade, certamente o faz com a intenção de expurgar a camada de hipocrisia que reveste partes do corpo político. O que, convenhamos, seria positivo. Por que, então, é alvo de críticas? Ora, porque sua indagação é uma aleivosia, uma falseta, um exagero; ademais, defender a legalização do aborto sob o argumento de que sua prática é generalizada é pinçar um sofisma. Por último, a questão da hipocrisia: se há real interesse em extirpar a falsidade que cerca a vida cotidiana, o orador deve incluir outros fatores que não apenas aqueles que realçam um discurso para agradar a plateias.


Certos homens públicos esquecem que portam o dever de compartilhar ideário, rotinas e ações com a coletividade. Seu mandato não lhes pertence. É do povo. Portanto, o que pensam e o que dizem devem integrar as demandas da parte da sociedade que os elegeu. O chiste, a piada pronta, a improvisação, o jeito brincalhão de animar audiências - elementos que se imbricam ao modo brasileiro de ser - hão de ser devidamente controlados e ajustados aos momentos, sem firulas, sob pena de se transformarem em bumerangues contra os porta-vozes. Foi assim com o próprio Lula, que, em momento de descontração, cometeu algumas apelações. Com Maluf, que nunca se livrou do indefectível "estupra, mas não mata". Com Marta Suplicy, que, ministra do Turismo, não se conteve e, ante o caos aéreo, saiu-se com o "relaxa e goza". Ou o incontrolável Ciro Gomes, recordista de frases de péssimo gosto. Exemplo: "Fortaleza é um prostíbulo a céu aberto" (criticando a administração petista em 2008). Aliás, a dúvida persiste: ministro do governo Dilma, terá controle para dobrar a língua?


É sabido que entre a arte (dramática ou política) e o artifício existem relações. Os políticos, como os atores teatrais, exercem papéis. Explica-se, assim, como a teatralização da vida pública gera simulação, mentiras ou falsas versões. Sob o abrigo da representação, os atores políticos desempenham também roteiros. Alguns tentam fazê-lo de maneira decente, inspirando-se no ideário original da política, que é o de bem servir à comunidade; outros exageram na interpretação do papel, fazendo uma figuração artificial e distante das expectativas de suas bases. E, por fim, existem os figurantes que, a pretexto de defender a verdade, a sinceridade, a expressão do coração, acabam cometendo tolices. A política incorpora uma liturgia própria, com ritos, costumes, semântica e estética. Seus integrantes precisam seguir à risca ditames, valores e princípios que a inspiram. Sem fazer dela um teatro de ilusão. Ou palco para representação de sua ópera-bufa.


JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP, CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO

JOÃO BOSCO RABELO

Com prazo de validade
JOÃO BOSCO RABELLO
O Estado de S.Paulo - 19/12/10
As disputas entre e dentro dos partidos aliados que retardam a composição do ministério Dilma Rousseff refletem não só a complexidade da base política que a elegeu, como projetam um governo de dificílima administração de interesses. Dilma governará com dois partidos principais de uma aliança que seu mentor, o presidente Lula, rejeitou para si no primeiro mandato. Não quis ficar refém do partido amplamente majoritário, o PMDB, com poder de dar as cartas no Congresso. Preferiu a cooptação das legendas menores, processo que está na origem do mensalão.

Hoje, impasses envolvendo PSB, PC do B e PT retardam o fechamento do ministério. Enquanto o PSB quer três pastas - seus deputados não têm Ciro Gomes "na cota" do partido -, o PC do B não se conforma com a saída de Orlando Silva do Ministério dos Esportes. Já os petistas duelam pelas pastas do Desenvolvimento Social e Agrário - este último ocupado pelo critério da cota feminina.

Nada indica que as feridas abertas na guerra de cargos no ministério cicatrizem com seu anúncio formal.
O que, somado ao fato de que a autonomia de Dilma ficou restrita a uma cota pessoal, o torna um ministério com prazo de validade, sacudido aqui e ali por denúncias disparadas pelo chamado "fogo amigo". Mais danoso ao governo do que a oposição que se anuncia.

2 é bom, 3 é demais

O PSB reivindica dois ministérios, além do já garantido a Ciro Gomes: um indicado pela bancada e outro pelo governador Eduardo Campos, de Pernambuco, Estado onde Dilma massacrou a oposição. O partido argumenta que cresceu em número (elegeu seis governadores e 34 deputados) e importância. Além do governo, o PMDB combate a pretensão. "O PMDB elegeu 79 deputados contra os 34 deles e a maior bancada do Senado - 20 senadores - contra 3 do PSB", rebate o futuro presidente do PMDB, senador Valdir Raupp (RO), lembrando o poder de fogo do partido nas votações.

Sem perdão

Está longe de ser digerida pelo PMDB a nomeação de Ciro Gomes para o ministério. O partido não o perdoa por chamar a legenda de "um ajuntamento de assaltantes". O senador Valdir Raupp (RO), que assume em janeiro a presidência do PMDB, reflete a crise: "Ele não tem moral para falar do PMDB. É bom medir as palavras se quiser ser governo."

Plano adiado

Por trás da resistência do governo em conceder três ministérios ao PSB está a meta ainda não abandonada de fazer do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) titular do futuro ministério da Pequena e Microempresa, dando assento no Senado ao seu suplente, José Eduardo Dutra. Se a estratégia vingar e o PSB for atendido, seriam quatro as pastas para a legenda. O mais irônico é que Valadares, único garantido até o final do governo, recusou a proposta.
Face política
Sucessor de Henrique Meirelles no Banco Central, Alexandre Tombini tem o aval do mercado que o considera tecnicamente à altura do cargo. Mas repetir o êxito do antecessor dependerá, dizem especialistas, de seu desempenho político nos embates internos, ainda uma incógnita.