O ESTADÃO - 21/08
Os juros sobre a dívida interna do governo federal acumularam em 12 meses, até junho passado, a dantesca cifra de R$ 347,5 bilhões. Essa estonteante despesa pública, a ser paga por cada um dos brasileiros – grosso modo, R$ 5 por pessoa, inclusive crianças e idosos, dia após dia, a perder de vista –, tem sua origem numa conjunção de erros da política econômica pós-Real. Primeiro, pela incontinência do gasto público desde a partida do Plano Real. Mas na era Dilma, até as eleições de 2014, o Tesouro Nacional se engajou numa roda-viva de gastos pré-eleitorais, não só com repetidas “pedaladas fiscais”, mas, sobretudo, por deixar de segurar despesas excedentes ao limite previsto na lei orçamentária, como consta do relatório do Tribunal de Contas da União (TCU).
O mercado financeiro, de olho nessas puladas de cerca, apostou no enfraquecimento do real. Lá fora, o fortalecimento do dólar também puniu moedas como o real, quando não se pratica um mínimo de rigor fiscal. Nosso Banco Central (BC) reagiu tardiamente e da pior maneira: buscou no Conselho Monetário, no qual só votam três cabeças, com claros conflitos de interesse, autorização para “defender” a estabilidade do câmbio ao oferecer contratos de venda de dólares ao mercado, a preço fixo, para entrega futura. Venderam-se caminhões de swaps para entrega este ano e até 2016.
Tais operações já acumulam um prejuízo de R$ 70,6 bilhões, que, somadas aos juros regulares, outros R$ 280 bilhões, em contas redondas, nos brindam com a maior despesa financeira pública de todos os tempos, superior a 7% do produto interno bruto (PIB), a mais elevada do planeta. Além disso, como nossa dívida é altamente indexada à Selic, cada ponto porcentual de alta de juros pelo BC eleva a dívida federal em cerca de R$ 20 bilhões, ao mesmo tempo que derruba o PIB – e, portanto, a arrecadação do governo – em outros R$ 20 bilhões. As contas do ministro da Fazenda não fecharão nunca: em 2015 esse descompasso resultará num rombo estrondoso de R$ 140 bilhões.
Resignadamente, Joaquim Levy desistiu da meta fiscal. E o capital abutre, que existe em qualquer lugar para farejar e devorar governos fracos, apostou na alta do dólar e contra o real. Essa queda de braço ainda não terminou, a faixa dos R$ 3,50 por dólar passou a ser um estágio da peleja. O BC foi às cordas, esmagado pelos prejuízos acumulados na folia da manipulação cambial pré-eleitoral e pela recente publicação da ata do Copom em que reconhece o juro de 14,25% como um perfeito serial killer da moribunda economia privada.
Estamos no início da destruição do real como moeda confiável. Nem nos perigosos meses de 2002, em que se desconfiava da capacidade do PT de defender a estabilidade da nossa jovem moeda, o País passou por tanto risco.
Com o dólar em R$ 4 naquele outubro de 2002, o BC trouxe os juros ao patamar de 25%. O Orçamento da União para 2003 foi podado, único ano de efetiva economia de despesa pública em relação ao PIB nos 20 anos de Real.
Consequência: em 2003 o desemprego formal superou 13% da população economicamente ativa (PEA) e milhões de brasileiros foram devolvidos aos porões da pobreza absoluta. Um detalhe, desta vez atenuante: começou em 2003 a maior alta histórica dos preços de commodities agrícolas e minerais, encomendada por São Lula aos chineses.
O cenário de 2015-2016 opõe-se radicalmente ao de 2002-2003. A China retrai-se e pode até entrar em choque. Se o juro subir mais, como em 2002, a atividade privada entrará em colapso. Que nos resta fazer? Esse é o repto que deve tirar da abulia todos os intelectos perdidos ociosamente nas receitas econômicas convencionais, do tipo “ajuste fiscal” ou, pior, quando se cogita de taxar ativos escondidos no exterior e outras extravagâncias, como CPMF ou novos impostos sobre fortunas e heranças. O ataque frontal deve ser sobre o setor que nada contribuiu até agora: as despesas ditas obrigatórias do governo federal (e, por extensão, nas demais esferas de governo, a começar pelo Rio Grande do Sul). O ministro da Fazenda nos diz ser ilegal cortar despesa obrigatória, por isso capa investimentos. Faz sentido? Queimam-se os botes salva-vidas dos investimentos e das bolsas de estudos enquanto se preservam reajustes inflacionários para as castas de graúdos que se autoisentam de qualquer participação no esforço geral da Nação. Aqui está a raiz singular do brutal desequilíbrio fiscal e sua etiologia antiética, ao se pouparem alguns privilegiados do sacrifício geral.
O Judiciário, ele mesmo beneficiário dessa monstruosidade distributiva, haverá de julgá-la inconstitucional, por ser ineficiente e atentatória à estabilidade político-institucional. Não estamos sozinhos nesse tipo de desafio. Grandes nações como Alemanha e Estados Unidos, em 2009 e 2011, respectivamente, reagiram com destemor para refrear o gasto exorbitante de seus governos. Ao sentirem o cheiro da pólvora social e financeira, os parlamentares desses países não conversaram: votaram leis emergenciais impondo a seus orçamentos públicos limitadores de despesas quase universais e lineares, da ordem de 7% dos gastos originalmente programados. Precisamos adotar o mesmo caminho. Urgentemente. E por dois anos consecutivos, com ênfase em 2016. Nada menor do que isso dará jeito na explosiva situação atual. Impõe-se uma Lei Emergencial de Crescimento e Controle Orçamentário (Leco), alinhavada pelo Movimento Brasil Eficiente com entidades civis e movimentos de rua, para encararmos o desafio de repensar o futuro da Nação. As autoridades devem parar de fantasiar com pacotes franciscanos, que prometem tudo a todos, a fim de concentrar a atenção na transformação fiscal capaz de nos devolver o direito de crescer e prosperar.
O outro caminho é o retrocesso. A destruição do real será rápida, tragando as autoridades da hora e ameaçando os pilares de nossa frágil democracia.
*Paulo Rabello de Castro é coordenador do Movimento Brasil Eficiente