quinta-feira, outubro 13, 2016

A verdade sobre a PEC 241 - DAVID COIMBRA

ZERO HORA - RS - 13/10

Os mesmos que criticam hoje poderiam elogiar ontem


Quando Margaret Thatcher começou a aplicar seu plano econômico na Inglaterra, 364 economistas lançaram um manifesto repudiando-o.

Trezentos e sessenta e quatro.

Se os jornais britânicos quisessem, poderiam publicar um artigo por dia de economista criticando as medidas de Thatcher, sem repetir economista durante um ano inteiro, dando só o Natal de folga para a primeira-ministra.

Em resposta, Thatcher veiculou na TV uma campanha publicitária que tinha como principal slogan a sigla TINA. Em inglês, There Is No Alternative. Não existe alternativa.

A Inglaterra de hoje prova que Thatcher estava certa ontem. Mas, há três anos, quando Thatcher morreu, não poucos ingleses insultaram sua memória com amargura. O que é normal. Reformas como a que ela fez não são populares — milhões perdem vantagens, milhares perdem tudo. Para o conjunto do país, no entanto, o thatcherismo foi saudável.

A Inglaterra é o que é hoje graças a ela.

Thatcher formou dupla histórica com Ronald Reagan, então presidente dos Estados Unidos. Reagan a admirava e alguns americanos me disseram que a temia. Reagan costumava repetir que ela era "o melhor homem da Inglaterra". Já os soviéticos, inimigos da primeira-ministra, apelidaram-na de Dama de Ferro. Era para ser jocoso, mas Thatcher adorava ser chamada assim.

As atuações de Reagan e Thatcher foram semelhantes, cada qual em seu lado do oceano. O ódio que foi devotado a ambos, também. Reagan, porém, fez nos Estados Unidos reformas quase tão importantes quanto as feitas por Thatcher. Os republicanos de hoje, tudo o que eles queriam era ter um Reagan no partido, ao invés de um candidato outsider com ideias que dançam entre o folclórico e o abjeto como é Donald Trump.

Reagan não tinha a mesma consistência teórica de Thatcher, era mais intuitivo do que intelectual, mas soube ser firme como ela. Ainda assim, os economistas que os atacavam jamais reconheceram que eles, economistas, estavam errados, e que os governantes estavam certos.

Essa é uma característica dos economistas — eles nunca erram. Observe o comportamento dos economistas brasileiros. Alguns, que tiveram trajetórias trágicas no Ministério da Fazenda, vivem dando opinião, e são ouvidos e respeitados como se fossem sábios.

Mas a verdade é que a economia não é uma ciência exata. Vale-se da matemática e da estatística, que são aparentemente precisas, mas é aplicada aos seres humanos, que são claramente imprecisos. Uma medida econômica depende de vários fatores imponderáveis para funcionar, porque depende das pessoas e as pessoas são imponderáveis.

Agora, o governo brasileiro tenta aprovar a tão debatida PEC 241. Nas últimas semanas, tenho lido economistas se manifestando contra e a favor. Eles apresentam dados, eles vociferam, eles são definitivos. Todos juram que estão certos em suas previsões. Mas, ao fim e ao cabo, essas opiniões alegadamente técnicas são apenas políticas.

O economista que urdiu o plano, Henrique Meirelles, havia sido indicado por Lula para ser ministro da Fazenda de Dilma. Lula gosta de Meirelles. Fosse Lula o presidente e Meirelles o ministro, o mesmo plano seria aplaudido por quem hoje o critica e seria criticado por quem hoje o aplaude.

Parafraseando aquele marqueteiro de Bill Clinton, eu diria, sobre a situação econômica do Brasil de hoje: é a política, estúpido!

De qualquer forma, lendo e ouvindo tanto os que aplaudem quanto os que criticam, formei a convicção de que o problema é real: o governo gasta mais do que devia e precisa fazer algo, antes que seja tarde demais. Vai doer. Inevitavelmente, vai doer. Porque chegamos ao ponto em que chegou a Inglaterra nos anos 1980, quando foi preciso gritar: TINA. Em resumo: não há alternativa.

Ah, se fosse o Trump... - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR - 13/10

Trump é um ególatra que incomoda até republicanos. Mas a enxurrada de ataques que ele recebe é totalmente desproporcional ao que acontece com Hillary


No filme Tempo de Matar, de 1996, a cena mais marcante é quando o advogado, personagem de Matthew McConaughey, pede para que os jurados fechem os olhos e passa, então, a contar em detalhes o caso da garotinha que foi estuprada. Somente ao fim ele diz: “Agora imaginem que ela é branca”. Jogada de mestre, já que o estupro tinha ocorrido no sul racista dos Estados Unidos, com uma vítima negra.

O símbolo da Justiça tem os olhos vendados justamente para buscar a imparcialidade, não enxergar quem está sendo julgado, mas sim seus atos. Claro que isso é quase impossível na prática, mas deve ser um ideal sempre em mente. E, se naquela época e lugar a “raça” era um fator de preconceito, hoje é inegável que a visão ideológica prejudica qualquer isenção.

Não pode haver sombra de dúvida de que a imprensa em geral adota um duplo padrão, julgando com muito mais severidade os atos equivocados quando cometidos por um republicano em vez de um democrata. Há um viés ideológico evidente na mídia, que tende a aliviar a barra da esquerda e pegar pesado com os conservadores. Não é preciso abraçar teorias conspiratórias: a maioria dos jornalistas é de esquerda mesmo, e o viés vem naturalmente.

Basta pensar no recente escândalo envolvendo Donald Trump. Em uma conversa privada de “vestiário”, ocorrida há 11 anos, o magnata se gaba de avançar sobre mulheres usando seu poder. Ridículo, sem dúvida. Mas algo comparado ao que efetivamente fez Bill Clinton quando era presidente, assediando estagiárias? O marido de Hillary é acusado inclusive de estupro, mas a imprensa não liga tanto assim: chegou a chamar os conservadores de “moralistas” para defender Bill na época.

A imprensa permite que Hillary banque a feminista indignada mesmo que ela tenha apoiado seu marido “predador” contra aquelas mulheres. Ou dá pouca atenção ao caso em que a advogada Hillary defendeu um estuprador de uma menina no passado, e riu com sua absolvição. O leitor talvez nem saiba desses detalhes, mas certamente sabe da fala idiota do republicano.

Trump é mesmo um ególatra que incomoda até republicanos. Mas a enxurrada de ataques que ele recebe é totalmente desproporcional ao que acontece com Hillary ou acontecia com Obama. Se Trump tivesse feito as mesmas coisas que esses democratas, ele seria massacrado ainda mais pela imprensa. A seletividade é visível.

Hillary tem várias declarações defendendo um combate mais duro contra imigrantes ilegais, atacando o México por sua leniência com eles, e pregando até mesmo, pasmem!, o fortalecimento de uma “barreira” para impedir a entrada dos ilegais. Mas, quando a fala sai da boca de Trump, isso é prova de sua “xenofobia”, de seu “racismo”; quando vem de Hillary, é prudência e defesa do império das leis.

Alguém consegue imaginar como seria o tratamento com Trump se ele tivesse apagado milhares de e-mails secretos de seu servidor pessoal? E se uma fundação sua tivesse negócios suspeitos com governos como o da Arábia Saudita? Os Clinton estão na política há décadas e amealharam uma fortuna de mais de US$ 200 milhões. Mas é a riqueza do empreendedor de sucesso que desperta revolta?

Inúmeros outros exemplos poderiam ser dados, mas o leitor já entendeu o ponto. O respeitado acadêmico Dinesh D’Souza comparou Hillary e Bill ao casal Bonnie e Clyde, que vivia aplicando golpes durante a Grande Depressão. Só que os Clinton usam o poder estatal para enganar os outros e acumular fortuna e poder, tudo com muitas mentiras.

A mídia, porém, costuma ser benevolente com ambos, enquanto parte para cima de qualquer deslize de Trump. Como o bilionário é mesmo um bufão, é um prato cheio. Enquanto isso, a mentirosa se safa e deverá ser eleita. Triste destino para a América...


Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.

A segunda bala de prata - RAUL VELLOSO

ESTADÃO - 13/10

Há uma solução adicional para resolver o problema das contas públicas



Não é moleza aprovar propostas que atinjam muitos interesses específicos por trás do orçamento público, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Teto do Gasto, até aqui a bala de prata do governo Temer. Basicamente, esta PEC proíbe o crescimento dos gastos totais federais por 20 anos, a não ser pela taxa de inflação, com ressalvas. Em troca, promete-se equilíbrio macroeconômico a médio prazo, algo difuso e pouco compreendido, especialmente quando não há a escassez aguda de dólares das crises fiscais anteriores.

De 2004 a 2008 a despesa federal crescia a 9% ao ano, em média, acima da inflação. Os altos superávits de antes só se mantiveram porque a receita cresceu à mesma taxa. Era o boom de commodities, que se foi. Na sequência da crise de 2009, a receita desabou, rapidamente voltou a crescer como antes e, logo depois, passou a cair celeremente à medida que a recessão foi se aprofundando. Só que, do lado do gasto, o crescimento real se manteve alto. A média de 2009 a 2015 só caiu para 6,4% porque o peso dos gastos vinculados ao salário mínimo é muito alto e este, pela regra em vigor, cresce menos quando o PIB desaba. Em suma, parece que o regime legal brasileiro foi construído apenas para aumentar o gasto.

A emenda do governo é muito boa para gerar confiança macro. Mas cada pedaço do Orçamento se sentirá atingido, inclusive – e especialmente (por serem objeto de ajuste específico) – áreas como saúde e educação, prioridades óbvias a preservar. Daqui a pouco surge um movimento “todos contra a PEC”, este sim o pior dos mundos.

Para completar a tempestade perfeita, o grosso dos Estados quebrou. O Rio, joia da coroa estadual especialmente após a Olimpíada, já está vivendo a calamidade pública decorrente. Sem equacionamento, São Paulo, que é o eterno líder na geração de superávits estaduais, caminha também para isso. A face visível da crise são as pessoas, empresas, etc., deixarem de receber em dia, cada vez com maior intensidade. Já voltarão as cenas do início do ano, de aposentados com receitas de remédio que não conseguem aviar.

É preciso pôr o foco, então, no lugar certo. O xis da questão fiscal no Brasil é o gasto muito elevado e desigual com Previdência, especialmente a pública, abrangendo a União e todos os Estados da Federação. No caso da pública, o pagamento médio a apenas 4,2 milhões de beneficiários é da ordem de R$ 5.108 por mês, enquanto no INSS, em que há 28,3 milhões, estes recebem, em média, R$ 1.356/mês. Por esta dimensão, devemos direcionar novas baterias para resolver esse problema, definindo um alvo em que o ajuste tem como ser mais bem justificado: a milionária Previdência pública brasileira.

Outra faceta impressionante dessa mesma história é ver órgãos dos chamados Poderes Autônomos (Legislativo, Judiciário, Ministério Público, TCU e Defensoria Pública) divulgarem documento defendendo que a PEC do Gasto é inconstitucional. Mas ela não é uma emenda à Constituição? Ou seja, parecem interpretar que o dispositivo que lhes confere autonomia financeira e administrativa também lhes dá indulgência para não respeitar a velha restrição orçamentária junto com o Poder Executivo.

Outro problema é que tanto os Poderes Autônomos como os lobbies de educação e saúde conseguiram excluir da responsabilidade de seus orçamentos cativos os pagamentos dos seus próprios inativos e pensionistas. Com isso o limite do gasto de pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal virou letra morta e os governadores, alvos fáceis das críticas ao desajuste fiscal, tiveram de assumir a responsabilidade pela conta total dos inativos e pensionistas, algo que não têm condições de fazer com seu suborçamento residual, que representa apenas 40% da receita total e tem de cobrir áreas tão importantes como segurança pública e os investimentos em infraestrutura.

Há uma bala de prata adicional para resolver tudo isso. Sem espaço aqui, sugiro consulta à proposta que estou elaborando com o colega Leonardo Rolim e apresentei ao Senado na semana passada, disponível em vídeo emraulvelloso.com.br e em inae.org.br.

*É consultor econômico

Comércio e emprego - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 13/10

O comércio mundial pode ser o responsável por 20% dos empregos perdidos, mas os outros 80% estão sendo eliminados pela tecnologia e inovação. O que será dos 3,5 milhões de motoristas de caminhão nos Estados Unidos quando chegar a tecnologia dos carros autodirigíveis? O diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, acha que é preciso entender a natureza das mudanças, em vez de culpar o comércio.

Azevêdo acaba de fazer uma ofensiva em Washington em defesa da tese de que tentar conter o comércio internacional pode trazer resultados piores, que vão atingir principalmente os mais pobres. Ele falou no prestigioso National Press Club, na sexta-feira, e esteve junto do presidente do Banco Mundial e da diretora-gerente do FMI, no esforço de responder à onda de ataques ao comércio.

Ninguém diz qual é o centro das preocupações que os leva a fazer essa defesa do livre comércio, mas todos sabem que é o discurso raivoso do candidato a presidente dos EUA Donald Trump. Ele tem culpado o comércio, mais especificamente a China, pela perda de empregos no mercado americano. Não é o único. A própria Hillary Clinton tem recuado de posições mais liberais do passado, exatamente pela força do discurso do seu oponente, que afirma a cada entrevista ou debate que os empregos estão indo embora do país através do comércio. E isso tem eco na opinião pública.

A preocupação é maior porque o comércio internacional, pela primeira vez em 15 anos, está crescendo, este ano, menos do que a alta do PIB mundial. Historicamente, sempre cresceu 1,5 vez o PIB global e chegou até a crescer o dobro. Este ano o comércio aumentará apenas 1,7%, menos do que a alta do PIB do mundo, que deve ser de 3,1%, segundo o FMI.

— Nas economias desenvolvidas, há muita retórica anticomércio. Aproveitamos que estávamos juntos em Washington — Christine Lagarde (do FMI), Jim Kim (do Banco Mundial), e eu — para levantarmos a voz em defesa do comércio, porque é preciso dar um pouco mais de racionalidade a esse debate, do contrário, vamos culpar apenas um bode expiatório — disse ele.

Azevêdo acha que é preciso mostrar mais claramente os benefícios do comércio e o risco do protecionismo, que é sempre o “remédio errado para a doença”.

A doença é a destruição do emprego. O mundo inteiro passa por isso de forma estrutural, o Brasil, também. Mas aqui há um fator conjuntural que agravou o problema. No país, em um ano e meio o número de desempregados cresceu em 5,5 milhões de pessoas, atingindo 12 milhões, como consequência da recessão que desabou sobre a economia.

Há fatores estruturais que explicam a crise de emprego no mundo, e o diretor da OMC os relaciona porque acha que é preciso entender melhor a natureza da nova revolução industrial:

— Existem 3,5 milhões de motoristas de caminhão nos Estados Unidos que movimentam toda uma rede de serviços, como restaurantes e hotéis. A indústria já está desenvolvendo o carro autodirigível. Muito emprego será perdido nessa mudança. As vagas para mão de obra pouco qualificada estão desaparecendo no mundo e não apenas nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, 50% dos empregos estão ameaçados pela automação. E não é exclusividade dos países ricos. Um estudo da OIT mostra que no Camboja, Indonésia, Vietnã, Filipinas e Tailândia 56% dos empregos estão ameaçados pela automação.

Ele não está dizendo com isso que se deva lutar contra a tecnologia. Acha que é preciso alertar que a inovação está mudando tudo rapidamente, e o mundo, em vez de se preparar para essas inevitáveis transformações no mercado de trabalho, quer culpar o comércio internacional.

Azevêdo disse na entrevista do National Press Club que o e-commerce foi de US$ 22 trilhões no ano passado, e só 50% das pessoas no mundo estão online. O avanço da conexão é inevitável e desejável.

O diretor-geral da OMC diz que não há uma solução universal, cada país terá que enfrentar a crise do emprego com suas políticas, mas cita um estudo da UCLA e de Columbia que diz que fechar as portas ao comércio tira 28% da renda dos mais ricos e reduz em 63% a capacidade de compra dos mais pobres. Está na hora de o Brasil também abandonar o mito de que o protecionismo garante o emprego e olhar as mudanças que a tecnologia fará no mundo do trabalho.

Temperança - MONICA DE BOLLE

ESTADÃO - 13/10

Não houve tempo para que todas as dúvidas sobre a PEC 241 fossem esclarecidas



“Talk, talk, talk: the utter and heartbreaking stupidity of words.”

William Faulkner

Fale, fale, fale. Grite, tampe os ouvidos. Franza o cenho, dedo em riste, acuse quem diz o que você não quer ouvir de retrógrado, fascista, esquerdista – rótulo qualquer, pouco importa. Contudo, lembre-se: um dia, já foi possível produzir debate. Já foi possível a temperança.

O debate sobre a PEC 241, se é que pode ser chamado de debate, é tudo, menos ponderado. As ponderações, poucos querem ouvi-las, seja porque urge aprovar a PEC do teto, seja porque as ponderações podem dar munição ao PT e a outros partidos que a ela se opõem. Calar a oposição, por mais que tenha sido parte dela a responsável pelo desastre fiscal brasileiro, não condiz com a temperança. Calar quem pretende trazer debate construtivo, tampouco.

Antes que venham as dúvidas, saliento: não questiono o mérito da PEC 241. Não o questiono por concordar com a análise de que o Brasil está quebrado. Não o questiono por acreditar, e ter sido uma das primeiras pessoas a apontar esse problema, que, sem controle sobre os gastos, estávamos flertando com a inflação galopante de outrora. Fiz esse alerta em outubro de 2015, há um ano, quando alguns não acreditavam ser esse o nosso problema de fundo, a dominância fiscal que nos assombrava. Contento-me em ver que, hoje, aqueles que apoiam a PEC 241 entendem o precipício sobre o qual já estivemos. Mas, tal vitória, como costuma ser o caso no cruzamento entre a economia e a política, é vitória de Pirro. A PEC 241, fruto do cruzamento entre a economia e a política, corre o risco de ser ela, também, vitória de Pirro, razão pela qual tenho chamado a atenção para alguns de seus problemas.

E quais são esses problemas? Primeiramente, o processo. Não houve muito tempo para que o texto de setenta páginas da PEC 241 fosse plenamente compreendido. Não houve tempo para que todas as dúvidas fossem esclarecidas, como as que surgiram em torno dos gastos com saúde e educação. A PEC 241 preserva, em grande medida, esses gastos, mas parte da população não entendeu assim. Não entendeu porque o governo não teve muito tempo para explicar antes da primeira votação na Câmara. Compreende-se o motivo: diante dos graves riscos fiscais para o País, importante era dar sinal claro de que os problemas estão sendo tratados com urgência.

Há, no entanto, riscos de que o mal entendimento dos detalhes da PEC possa contaminar as demais reformas que o governo pretende implantar. Para atenuá-los, o governo Temer tem feito esforço para explicar o que a proposta de emenda constitucional contém. Reflexos disso já aparecem nos jornais, no debate entre as pessoas, nos questionamentos e críticas. Trata-se de avanço muito positivo, de problema bom. É bom lembrar que a tramitação da PEC ainda passará pelo Senado e que há espaço para debater dúvidas e dar mais esclarecimentos à sociedade.

O segundo problema da PEC 241 está na forma. O texto, como não poderia deixar de ser, é complexo, de linguajar intrincado. Não é a essa forma que me refiro. Refiro-me às dúvidas sobre questões como a relação entre o controle de gastos previsto na PEC e o declínio da relação dívida/PIB – gasto é fluxo, dívida é estoque. Qual o estoque de dívida que almejamos com a PEC? Refiro-me também às questões que tratam da vinculação de despesas ao salário mínimo. Muitos de nós defendemos a desvinculação. No entanto, o texto da PEC introduz a possibilidade de que o salário mínimo seja a variável de ajuste quando o limite de gastos for excedido. Em ambiente em que lobbies lutam pelo seu quinhão – a estapafúrdia nota da PGR, as pressões do judiciário – o dispositivo abre flanco para que os custos recaiam sobre o elo mais frágil, o trabalhador assalariado.

Defendo a PEC 241. Mas faço um apelo ao governo: continuem a usar a boa palavra para acalmar a cacofonia, para restaurar a governança perdida nos últimos anos. Não se entrincheirem nos salões de Brasília com autocongratulações e sorrisos satisfeitos. O momento é delicado demais para isso.

Entre o inferno e o paraíso - CIDA DAMASCO

ESTADÃO - 13/10

Teto para o gasto pode ser um bom começo, mas é preciso buscar reforço da receita



Quem tiver disposição para pesquisar todas as estimativas sobre o impacto da PEC do teto de gastos, aprovada com folga em primeiro turno na Câmara, certamente chegará àquela conclusão atribuída a Sócrates e que ainda faz grande sucesso na literatura de autoajuda: só sei que nada sei. São números e mais números, que num extremo chancelam a PEC como a salvação do País, e no outro, tacham sua aprovação como a extinção do Estado social. E essas avaliações discrepantes não partem de leigos nem de palpiteiros em geral, mas de especialistas.

Alguns exemplos:

1)Pelos cálculos do governo, o Brasil precisaria de R$ 350 bilhões para conter a explosão da dívida pública. Algo impensável para um País que “confessou” no Orçamento de 2017 a previsão de um rombo de R$ 170,5 bilhões neste ano e de R$ 139 bilhões no ano que vem.

2) Com a PEC do teto, o déficit primário de 2,7% do PIB daria lugar a um superávit de 2% em 2019/2020. E, na esteira desse “ajuste suave”, o governo reforçaria sua credibilidade, os investimentos produtivos desembarcariam no País e o crescimento, enfim, teria uma retomada consistente.

3) De acordo com uma nota técnica do Ipea, com a PEC a chamada assistência social perderia quase R$ 200 bilhões em 10 anos e R$ 868 bilhões em 20 anos; o adiamento para 2018 do teto para saúde e educação ainda não estava considerado nesses cálculos.

4) Segundo o economista Amir Khair, em artigo para oEstadão de domingo, mesmo com a proposta do governo, a relação dívida pública/PIB pode subir dos atuais 70% para mais de 100%, caso não haja uma forte redução das taxas de juros e uma recuperação das receitas com a reversão do ciclo recessivo.

Como sempre, a verdade está no meio do caminho – e pode combinar, sim, todas essas faces. Tudo indica que a PEC funcionará mais como uma demonstração de que o governo está determinado a controlar gastos públicos e a impedir que o Brasil seja submetido a um “efeito ouzo” e vire a Grécia amanhã. Mas, sozinha, ela não terá condições de recolocar a economia nos trilhos. Para começar, sem a reforma da Previdência, corre-se o risco de que daqui aos 20 anos abrangidos pela PEC, a economia a ser obtida com o corte de gastos mal dê conta de pagar as aposentadorias.

Além disso, mesmo com a decisão de adiar para 2018 a entrada em vigor do teto para despesas de saúde e educação, isso não significa que as duas áreas conseguirão se safar do aperto fiscal. Mais ainda: elas já estão operando “no prejuízo”. Na educação, segundo especialistas, a ameaça maior é o não cumprimento do Plano Nacional, que prevê, por exemplo, o aumento de 1,8 milhão de matrículas da pré-escola ao ensino médio, além de políticas de valorização dos professores. Embora não seja afetado diretamente pela PEC, o quase colapso do programa de financiamento estudantil, o Fies, por falta de recursos – depois da “farra” patrocinada pelo governo anterior –, é um alerta dos problemas que podem castigar ainda mais a área de educação.

No caso da saúde, a situação se repete. Teme-se pelo estrangulamento do SUS, que atende a 75% da população. Especialmente levando-se em conta o envelhecimento da população, que resulta no aumento das doenças crônicas e, em consequência, na exigência de tratamentos mais longos e mais custosos

O governo vem recorrendo a comparações com o orçamento doméstico para fazer a população entender a lógica da PEC. Simples assim: não dá para gastar mais do que se arrecada. Para isso, vale até mexer em áreas consideradas intocáveis, como as sociais.

Pelo mesmo raciocínio, talvez seja a hora de olhar para o lado das receitas, ainda que parte da população considere uma heresia até mesmo pensar em aumento de impostos. Que tal retirar alguns benefícios fiscais de setores “eleitos” pelo governo? Uma revisão cuidadosa das desonerações fiscais seria bem-vinda. Seria mais um sinal da determinação de Temer de enfrentar o ajuste a qualquer custo.

PEC 241 terá efeito de longo prazo sobre a política externa brasileira - MATIAS SPEKTOR

FOLHA DE SP - 13/10

A PEC 241 é a primeira de muitas mudanças legislativas introduzidas para conter o gasto público que vêm por aí. Seus defensores enxergam nela uma saída para o ciclo de estagnação, inflação alta e juros estratosféricos inerente à nossa desarrumação fiscal. Seus detratores veem nela o gesto de um paciente louco que, conhecedor de sua própria insanidade, se tranca no hospício e arremessa a chave pela janela.

O futuro da PEC e das reformas associadas a ela impactará em cheio nossa posição global, pois saúde fiscal é um dos atributos mais relevantes do Brasil no sistema internacional.

Por quê?

O Brasil gasta mais que arrecada, sendo obrigado a se endividar. Quando o ajuste de contas chega, ele vem por um de dois caminhos: ora a sociedade racionaliza seu gasto, ora a solução é imposta de maneira punitiva pelo mercado global de capitais. Assim, contas desarrumadas tendem a gerar dependência. Retidão fiscal, ao contrário, permite alguma autonomia.

O estado das contas públicas também determina a influência brasileira na América do Sul. Nos últimos 20 anos, os ajustes fiscais feitos por FHC e Lula permitiram gerar os recursos necessários para adquirir ativos e prover crédito em toda a região, fortalecendo a política externa em graus nunca antes experimentados.

O gasto público também define outros insumos básicos de nossa presença internacional. O aspecto mais gritante é a irracionalidade de orçamento na área de defesa e segurança. Hoje, as Forças Armadas encontram-se presas a um corporativismo contraproducente que, ao invés de fortalecê-las, enfraquece-as. Diante de um ambiente externo cada vez menos benigno, elas serão forçadas a rever práticas fiscais.

Na área da diplomacia, temos embaixadas custosas em países pouco relevantes e escassez de recursos em países que importam a cada dia mais. Quando faltou dinheiro para custear passagens, o Itamaraty impôs um ajuste horizontal para todas as áreas, sem antes fazer a escolha sempre difícil de prioridades.

A cultura da má gestão dos orçamentos públicos precisa mudar. Os números de hoje são tão dramáticos que a classe política está sendo obrigada a escolher se atende às demandas de grupos de interesse organizados na busca de privilégios particulares ou se responde às necessidades da maioria de eleitores desorganizados. A luta acabou de começar e promete dominar boa parte da política nacional.

Nunca mais a sociedade brasileira terá de se contentar com uma discussão paupérrima sobre os rumos da política externa que se resume a decidir se continuamos ou se abandonamos a famigerada Comissão Internacional da Pimenta do Reino.

A necessidade da DR - MERVAL PEREIRA

O Globo - 13/10

A relação do governo com sua base parlamentar está longe de ser tranquila, e nem poderia, diante da miríade de partidos que a compõem e, sobretudo, dos projetos que têm que ser aprovados ainda este ano, para que a economia entre nos trilhos, sinalizando com tempos melhores num futuro nem tão próximo assim.

A legalização de dinheiro legítimo guardado no exterior fora das normas legais, por exemplo, é uma barreira que surge entre a nova votação da PEC 241 na Câmara e a chegada da reforma da legislação previdenciária, temas polêmicos que necessitam de uma unidade política sólida para resistir às pressões corporativas.

É natural que deputados e senadores queiram opinar sobre projetos tão importantes, defendendo posições de suas bases eleitorais. O fundamental é que parece não haver dúvida de que a legislação já tem barreiras suficientes para impedir a formalização do dinheiro proveniente de atividade ilegais, inclusive a corrupção.

A atitude do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, desprezando os incômodos causados na Câmara pela falta de apoio para mudanças no projeto de repatriação, demonstra que ele ainda não aprendeu as manhas da política. O presidente Michel Temer, que as sabe de cor e salteado, não fosse presidente do PMDB por tanto tempo, tratou de acalmar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também ele buscando se firmar como uma liderança de peso neste mundo político tão conturbado.

Meirelles, acatando as pressões de sua equipe econômica, especialmente da Receita Federal, está satisfeito com a lei já existente, e não se preocupa se os deputados desistirem de votar algumas modificações. Temer, sentindo cheiro de queimado no ar, autorizou novas negociações, especialmente em torno da proibição de parentes de autoridades atingidas pela limitação da lei e da data de corte para avaliação do dinheiro no exterior sujeito a tributação, se o filme do tempo em que ficou fora da lei, ou a foto do último dia de 2014.

O trecho polêmico diz que “os efeitos desta lei não serão aplicados aos detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, nem ao respectivo cônjuge e aos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, na data de publicação desta lei”.

A proibição direta de políticos e outras autoridades não parece trazer dúvidas, pois um ônus do exercício de cargo público é submeter-se a um escrutínio mais rigoroso, diante da exigência constitucional de “legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade”, mas parece saudável que se busque um texto que limite as restrições de parentes aos casos em que o dinheiro lícito guardado no exterior tenha relação direta com o familiar ocupante de posição pública.

Essa relação de causa e efeito precisa estar bem explícita, pois não parece lógico que o cônjuge com separação total de bens não possa movimentar seu dinheiro, por exemplo. Para ficarmos num caso conhecido de todos, a legislação deveria impedir que a mulher de um político com um truste não declarado no exterior legalize esse dinheiro.

O embate entre a Receita e os políticos, que naturalmente defendem interesses que têm que ser legítimos, é mais do que normal, mas pode ser resolvido com uma negociação transparente. O que é preciso é que as normas estejam claras e sejam aprovadas em todas as instâncias, para que a insegurança jurídica não inviabilize, ou pelo menos atrapalhe, um instrumento que o governo tem para se capitalizar.

Também é natural que os governadores queiram um pedaço dessa arrecadação, e não deve ser impossível chegar-se a um acordo.

Outra atitude sensata do presidente Michel Temer foi a de não retaliar os membros da base aliada que não deram seu voto à PEC 241. Ele preferiu anunciar que faria uma DR (discutir a relação) com esses membros, para entender o que dificulta suas adesões aos projetos do governo. Como são uma minoria de dez a 15 deputados, o trabalho de convencimento não deve ser difícil. Os argumentos é que não podem fugir das normas republicanas.

Privatizar cemitérios, por que não? - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 13/10
Governos Lula e Dilma promoveram uma tal destruição da gestão estatal que o pessoal imagina: nada pode ser pior que isso

Corria a campanha eleitoral de 2006 quando Lula, então candidato à reeleição, começou a dizer que seu adversário no segundo turno, Geraldo Alckmin, do PSDB, pretendia privatizar as grandes estatais, incluindo Petrobras e Banco do Brasil.

Verdade que Alckmin não colocara nada disso no seu programa, mas a história fazia sentido. O candidato tucano havia sido presidente de um programa paulista de desestatização, na gestão de Mário Covas, que arrecadara nada menos que R$ 32 bilhões para equilibrar as finanças públicas e para gastos sociais. E ele mesmo, quando governador, lançara planos de privatização ainda em 2005, a apenas um ano da campanha presidencial.

Como haviam sido programas bem-sucedidos, esperava-se que Alckmin partisse para o ataque, por exemplo, denunciando o excesso de estatização, e ineficiência do governo do petista. Reparem: já havia estourado o mensalão, com o uso abusivo do Banco do Brasil para falcatruas. E a Petrobras já era pelo menos mal falada.

Pois não é que o tucano aparece no dia seguinte com uma jaqueta especialmente desenhada pelos seus marqueteiros que exibia os logos da Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e Correios? Na cabeça, um boné amarelo berrante do BB.

E, para ser mais incisivo no seu papel de grande defensor do Estado, Alckmin acusou Lula de vender a Amazônia e, pior ainda, para investidores privados estrangeiros. Entregar a terra adorada ao imperialismo!

Seguiu-se o instrutivo debate:

— Privatista!

— Não ofende, privatista é você!

— Calúnia, nunca vendi nada.

— Vendeu sim.

Curioso que Lula havia vendido dois bancos estaduais, do Maranhão e do Ceará — aliás, bem privatizados. Mas ele nem se lembrava disso, é claro.

De todo modo, como a pecha de privatizante caía melhor num tucano, Alckmin pagou essa conta.

Passam-se os anos, e chegamos à campanha para prefeito de São Paulo. João Doria, candidato apoiado pelo agora governador Alckmin, anuncia que vai vender o Parque Anhembi (um centro de exposições), o Sambódromo, o Autódromo de Interlagos, o Estádio do Pacaembu, além de conceder à iniciativa privada linhas e estações de metrô e ônibus.

O candidato petista, o prefeito Fernando Haddad, reagiu como Lula em 2006. Denunciou num debate: o tucano quer privatizar até os cemitérios!

Essa não! — pensei. Agora vai o Doria aparecer com uma jaqueta cheia de logos: Cemitério do Araçá; Velório da Quarta Parada; Crematório da Vila Alpina. O boné, preto, claro, com a marca do Serviço Funerário, um serviço do Estado para os mortos.

Novos tempos, porém. João Doria continuou com seu blazer ou a malha com o nó na frente, sem boné. E repetiu que ia mesmo fazer uma ampla privatização.

Parece que não incluiu os cemitérios na lista de vendas/concessões. Não terá sido por ideologia, mas por falta de compradores. Os cemitérios municipais de São Paulo estão degradados, lotados e com sepulturas já vendidas. Em resumo, o negócio não é bom. A menos que se aprove legislação permitindo a construção de prédios de túmulos, o que aumentaria a capacidade de oferta.

Enfim, um outro debate. Mais fácil vender o Anhembi.

Os leitores e leitoras podem achar que estou de brincadeira. Mas não. Esse episódio foi um dos principais sinais da mudança vista na eleição municipal em muitos lugares e especialmente em São Paulo. A acusação de privatista — que fizera Alckmin protagonizar um dos momentos mais ridículos da política brasileira — nem foi considerada. Ninguém considerou um escândalo quando Haddad denunciou a suposta venda dos cemitérios. Muitos paulistanos certamente se lembraram que os cemitérios privados são incomparavelmente melhores que os municipais. Inclusive para os mortos. Nos particulares, por exemplo, não há depredação ou roubo de túmulos.

E por falar nisso tudo, o governador Geraldo Alckmin, de novo possível candidato tucano à Presidência da República, está com um outro programa de privatização. Pretende conceder algo como 60% da rede do metrô e nada menos que 25 parques, entre outras coisas.

O governo Temer já está privatizando, com as vendas de ativos da Petrobras.

Sabem a quem devemos esse triunfo da agenda liberal? Já adivinharam. Ao PT, claro, aos governos Lula e Dilma, que promoveram uma tal destruição da gestão estatal que o pessoal imagina: nada pode ser pior que isso.

Mas foi uma pena, e custou muito ao país que essas ideias — redução do Estado, controle de gastos públicos, privatizações e concessões — tenham voltado pelos piores motivos.

José Serra, quando candidato presidencial tucano, em 2002, também se recusou a defender as privatizações do governo FHC, que ficaram órfãs por todo esse tempo.

Se os liberais tivessem defendido suas ideias, ou se houvesse liberais dispostos, não teria sido preciso que o PT destruísse estatais para demonstrar a ineficácia do Estado.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

A FARRA INSTITUCIONAL DOS INTERESSES CORPORATIVISTAS - MURILLO DE ARAGÃO

DIÁRIO DO PODER - 12/10

A cidadania deve ficar muito atenta às reações contra a PEC do Teto dos Gastos (PEC 241) que tramita no Congresso Nacional. Por trás de um discurso cheio de boas intenções como esse dos adversários da medida, existe apenas o interesse específico de garantir que as corporações continuem obtendo reajustes acima da inflação e permaneçam ganhando muito mais do que o cidadão comum.

Para o brasileiro alvo da crise, o que importa é o seguinte: o Brasil quebrou nas mãos do trio Dilma Rousseff, Guido Mantega e Arno Augustin, felizmente já afastados. Em um país mais sério, os três já estariam respondendo nos tribunais por sua imperícia. O importante, agora, é que a conta chegou e é muito alta. Se alguém tiver ideia melhor e votos suficientes para aprová-la, assuma, então, a responsabilidade. É disso que se trata.

Mesmo sem dar aumentos ou aumentar gastos, a despesa do governo cresce de forma vegetativa cerca de 3% do PIB por ano. Ou seja, se o Brasil parar, a despesa vai continuar aumentando de qualquer forma. Evidentemente, isso é insustentável. Qualquer chefe de família sabe que sua casa não pode funcionar assim.

Qualquer pessoa com conhecimentos rudimentares de aritmética sabe que ninguém pode gastar mais do que ganha, principalmente se estiver endividada. Ou seja, é imperativo gastar menos e, assim, conseguir uma sobra de caixa para alcançar as condições de reduzir sua dívida. A proposta de estabelecer um limite para a despesa pública não impede que ela seja reajustada, desde que isso ocorra dentro do teto.

A educação e a saúde podem ter gastos a mais se o total não for acima do teto. Mas é inadiável enfrentar o problema, recuperar o tempo perdido no adiamento dessa decisão e nos erros de política econômica cometidos em nome da busca de solução. Tudo aquilo que conspira contra tal urgência é algo que faz oposição não apenas ao governo, mas a todos os brasileiros.

A campanha contra a PEC 241 significa que existem setores que não querem que o Brasil ajuste as contas a partir de uma interpretação “flex” da Constituição. O Ministério Público emitiu nota dizendo que a proposta do teto dos gastos é inconstitucional, pois o MP e o Poder Judiciário têm independência para gastar o que quiserem e como quiserem.

Então, dane-se o país! Dane-se a própria Constituição, que impõe limites ao gasto público. Dane-se tudo o mais. O MP e o Judiciário são livres para viajar de “business class” à custa do erário. Manter a caixa-preta de seus salários e benefícios. E, no limite, permanecer, em geral e com honrosas exceções, um dos Judiciários mais caros e ineficientes do mundo.

Cabe àqueles que têm olho, em uma população majoritariamente cega à realidade dos fatos, atentar para o fato de que nem tudo o que reluz é ouro. Que o discurso pró-cidadania está encobrindo o resguardo de privilégios e benefícios daqueles que querem tutelar, com a melhor das intenções, um povo que deve ser livre e soberano na proteção de seus interesses.

Reflita, cidadão, contribuinte e eleitor. No resto do mundo, a boa prática é apoiar o ajuste fiscal e cobrar transparência e eficiência na administração dos gastos públicos. Inclusive do Judiciário e do Legislativo. Gastam muito para o que fazem e, mesmo quando estamos prestes a virar uma Grécia, insistem em manter suas mordomias. O ajuste não é inconstitucional. Inconstitucionais são a farra com o dinheiro público e a submissão da cidadania aos interesses corporativistas.


Oportunidade para o país - EDITORIAL ZERO HORA - RS

ZERO HORA - 13/10


Serenada a crise política com a definição do processo de impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer à presidência, sustentado por uma base parlamentar sólida, o Brasil volta a ter condições de promover as reformas necessárias à superação do mau momento econômico e à abertura de um novo ciclo de desenvolvimento. Mas ninguém pode se enganar, achando que tudo se resolve do dia para a noite. Muita coisa ainda precisa ser feita. A PEC do teto de gastos públicos é apenas uma espécie de pontapé inicial de um jogo duríssimo que fatalmente incluirá o enfrentamento de corporações poderosas, a correção de práticas políticas viciadas e a administração do temor natural das pessoas em época de mudanças.

Com potencial para se transformar em grande polêmica nacional, a reforma da Previdência está sendo anunciada como próximo movimento do governo pelo equilíbrio das contas públicas. Certamente vai consumir muito tempo e muita energia das lideranças do país. Mas não pode monopolizar o debate, pois o país precisa remover logo também outros entraves do desenvolvimento. São impostergáveis uma reforma administrativa que redimensione as estruturas governamentais e as tornem mais eficientes, e uma revisão radical no sistema político vigente, com foco no chamado governo de coalizão, gerador de deformações e da corrupção.

São muitas as frentes abertas por décadas de má gestão e de irresponsabilidade no trato da coisa pública. Ainda que o novo governo continue operando sob desconfiança de parcela expressiva da população, tem a vantagem sobre o anterior de contar com uma base de apoio parlamentar majoritária e com uma equipe econômica de reconhecida credibilidade. Espera-se, portanto, que não desperdice esta oportunidade histórica de recolocar o país no rumo certo.

O ajuste apenas começa - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 13/10

Há motivos tão bons para festejar a aprovação da PEC do gasto em primeiro turno, na Câmara dos Deputados, quanto para celebrar os primeiros sinais de cura de uma doença grave. Os sinais são positivos, nos dois casos, mas apontam apenas o começo do começo. O presidente do Senado, Renan Calheiros, já prometeu trabalhar pela aprovação final do projeto até dezembro. Ninguém pode dizer com segurança quanta barganha o governo ainda terá de enfrentar para garantir esse resultado, mas, se der tudo certo e o custo for suportável, quantos problemas serão resolvidos a partir daí?

No mercado financeiro, vários analistas apontaram a votação de segunda-feira passada como condição suficiente para um corte de juros na próxima semana, quando se reunir o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC). Há no mercado – ou pelo menos em várias empresas do setor – uma indisfarçável e ansiosa torcida pela redução da Selic, a taxa básica de juros. Não deve ser uma ansiedade gratuita, mas o detalhe mais interessante é outro. Mesmo entusiasmados profetas do afrouxamento imediato da política monetária reconhecem: a vitória do Executivo no início da semana foi apenas um primeiro passo de uma longa caminhada, com muita dificuldade, ainda, nos próximos anos.

Analistas menos empenhados na pregação do corte imediato de juros são mais cautelosos. O Copom, admitem, pode até encontrar na votação de segunda-feira um sinal verde para o primeiro corte da taxa, mas, se tudo for bem ponderado, a decisão será adiada pelo menos mais uma vez. Ainda será preciso, por exemplo, ter uma ideia mais clara da tendência da inflação. Os últimos dados sobre a evolução dos preços, embora mostrem uma acomodação no mês de setembro e no início de outubro, ainda são insuficientes para uma avaliação segura. O presidente do BC, Ilan Goldfajn, já mostrou cautela ao comentar o assunto, na semana passada.

Enquanto o BC é pressionado no Brasil para baixar os juros, em todo o mundo continua a especulação sobre quando o Federal Reserve (Fed) vai decidir a próxima alta da taxa básica americana. Um novo aperto na política monetária dos Estados Unidos, mesmo suave, poderá afetar o movimento de capitais no mercado internacional, desviando recursos dos emergentes para aplicações em ativos americanos. Se isso se confirmar, o dólar poderá valorizar-se no Brasil e gerar novas pressões inflacionárias. Tudo isso é hipotético, mas os membros do Copom devem levar em conta esse tipo de risco.

Pressões causadas pela movimentação do câmbio ou pela variação de preços internacionais podem produzir efeito inflacionário muito limitado em economias menos desajustadas. A história tem sido menos feliz no Brasil. Com inflação elevada e enorme desarranjo nas contas públicas, o País tem sido muito vulnerável a choques de origem externa. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem reconhecido esse dado.

É importante, disse ele em Nova York na terça-feira passada, o Brasil ter a casa em ordem e a economia bastante forte para deixar de depender das ações de um banco central nos Estados Unidos ou na Europa. A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 241, para criação de um teto para o gasto público, deverá contribuir para isso, acrescentou o ministro. A mudança, argumentou, poderá estimular maior confiança na sustentabilidade das contas do governo e da dívida pública.

Há, de fato, sinais de melhora na avaliação do Brasil no mercado externo. Mas isso é apenas um começo de reconquista da confiança e o ministro sabe disso. A recuperação fiscal, comentou Meirelles, deverá levar a uma elevação da nota brasileira pelas agências de classificação de risco, mas a decisão dependerá de mais avaliações e levará algum tempo.

O governo apenas começou a fazer a lição. Conseguiu apoio suficiente, mas por quanto tempo? No Congresso tende-se a discutir muito mais o volume do que a qualidade e a oportunidade dos gastos. Preocupações com a saúde do Tesouro, além de raras, são normalmente efêmeras. Novas dificuldades poderão surgir. Ainda será preciso reforçar o impulso inicial do ajuste com o encaminhamento da reforma da Previdência. O Copom terá segurança para mexer nos juros antes disso?

Uma primeira vitória - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

Gazeta do Povo - 13/10

além do corporativismo e das convicções econômicas obsoletas da oposição, ainda é preciso derrotar a desinformação em torno da PEC do Teto



Foi além do esperado o apoio dado pela Câmara dos Deputados à PEC 241 – proposta de emenda constitucional por meio da qual o governo do presidente Michel Temer pretende impor limites ao crescimento dos gastos públicos. Ao longo dos próximos 20 anos, todos os poderes constituídos estarão impedidos de elevar suas despesas acima do índice de inflação do ano anterior – e serão punidos se não obedecerem à nova regra. Dentre as penas, a convincente proibição de promover aumentos salariais que favoreçam seus quadros e que comprometam o alcance da meta-limite.

A PEC 241 foi posta em votação na Câmara na última segunda-feira, dia em que, normalmente, não há quórum para deliberações. E foi aprovada por larga margem: precisaria de 308 votos para obter a maioria qualificada de três quintos dos deputados, mas conseguiu 366, contra 111 que votaram pela sua reprovação. Antes de seguir para o Senado, onde será submetida a mais duas votações, a Câmara ainda precisará referendar sua decisão com mais um turno de votação, o que deve ocorrer ainda em outubro.

Abre-se no horizonte, desta forma, uma luz a iluminar o trajeto de recuperação do país, cuja economia foi irresponsavelmente desorganizada ao longo dos 13 anos de governo lulopetista. Em nome de uma certa política “progressista” baseada na gastança dos recursos públicos, que supostamente se destinava a proteger os mais pobres e dar combate à ganância das “elites” (na velha dicotomia entre “nós” e “eles”), Lula e Dilma conseguiram exatamente o contrário: promoveram a inflação e a recessão, desempregando milhões de trabalhadores.

Numa primeira etapa, esta política equivocada foi freada pelo impeachment de Dilma Rousseff, mas isso de nada valeria se em seguida não viessem medidas drásticas de correção. A primeira delas está presente na PEC 241, que elimina a raiz dos males que levaram o país à bancarrota. Entretanto, sozinha, será insuficiente para corrigir todas as demais distorções decorrentes da irresponsabilidade fiscal que marcou a condução da política econômica patrocinada pelo PT e seus satélites. Mais terá de vir, a despeito da impopularidade do presidente da República e, principalmente, das medidas amargas que necessariamente precisarão ser adotadas para complementar a contenção dos gastos prevista na PEC.

Pressões exorbitantes sobre os cofres públicos continuarão a existir com potencial para transformar em letra morta as boas intenções da equipe econômica liderada pelo ministro Henrique Meirelles. Tais pressões, no entanto, não podem ser debitadas à necessidade de garantir recursos para setores como educação e saúde, frequentemente citados como condenados à morte por inanição pela PEC 241 – percepção errônea, pois a emenda não engessa recursos orçamentários específicos: estabelece o teto global, mas permite ao governo investir mais nas áreas de sua escolha, bastando-lhe deslocar recursos de uma rubrica orçamentária para outra de acordo com suas prioridades, desde que não desrespeite o limite total. A popularidade das versões segundo as quais a PEC estrangularia a saúde e a educação mostrou que, além do corporativismo e das convicções econômicas obsoletas da oposição, ainda é preciso derrotar a desinformação em torno do esforço fiscal.

Mas há uma pressão de caráter ainda mais perigoso. Ela se situa no setor previdenciário, sumidouro de grande parte dos recursos públicos em razão dos privilégios inconcebíveis garantidos a algumas castas. Portanto, logo em seguida à esperada aprovação final e definitiva da PEC do Teto virá a projeto de reforma da Previdência, desafio a ser vencido com dificuldade dados os poderosos interesses corporativos que influenciam o voto parlamentar.

O governo Temer terá de atuar fortemente e com tanta habilidade quanto a que teve para conseguir essa primeira vitória. E do Congresso se espera a mesma responsabilidade.

Mudanças no pré-sal - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 13/10

Notícias auspiciosas começam a aparecer no setor de petróleo. Além de estar em curso longo processo de restauração da Petrobras, foi aprovado na Câmara dos Deputados o projeto que elimina a exigência de que a empresa seja operadora única dos campos do pré-sal.

O texto ainda deve voltar ao plenário da Câmara para análise de algumas emendas, o que talvez ocorra na próxima semana. Depois, seguirá para a sanção do presidente Michel Temer (PMDB).

Pelas novas regras, em lugar da exclusividade, o Conselho Nacional de Política Energética —presidido pelo ministro de Minas e Energia—, tendo em vista o interesse nacional, oferecerá à Petrobras a preferência para explorar petróleo nos campos licitados.

Tendo aceitado, a participação da estatal será de no mínimo 30%, como é hoje.

A obrigatoriedade é descabida. Força a Petrobras a realizar investimentos colossais e impraticáveis, com consequências nefastas —como produção menor de petróleo.

Como se não bastasse, o colapso da capacidade financeira da empresa, decorrente de rapina, gigantismo e incompetência administrativa, levou ao desmonte da indústria fornecedora local.

Para os críticos, nada disso importa, vez que a mudança ameaçaria as riquezas nacionais. Falso: o projeto não modifica, por exemplo, as atuais regras de partilha dos blocos do pré-sal.

Não há diferença no pagamento das participações do governo e dos impostos, nem nos parâmetros técnicos para determinar a parte da União. A arrecadação de tributos e o controle nacional sobre a exploração não são enfraquecidos. Permanece, ademais, a possibilidade de a Petrobras entrar em consórcios como investidora, mesmo que não seja operadora.

Nada piora, em suma. Mas deve melhorar, pois a velocidade de exploração tende a ser maior com mais operadores e consórcios. A celeridade também deve garantir mais royalties —e não se alteram as regras de direcionamento de recursos do setor para saúde e educação.

Por fim, a abertura do mercado pode dar nova chance à indústria local. Os critérios de conteúdo nacional permanecem, mas precisam ser revistos, pois se mostraram pouco eficazes e dispendiosos demais.

Um regime de maior concorrência e melhor foco nas áreas de competência nacional é a meta a ser almejada. O incremento no número de empresas globais operando e comprando no Brasil traria ganho de escala e produtividade, abrindo caminho para a consolidação de nichos produtores mundialmente competitivos.