Governos Lula e Dilma promoveram uma tal destruição da gestão estatal que o pessoal imagina: nada pode ser pior que isso
Corria a campanha eleitoral de 2006 quando Lula, então candidato à reeleição, começou a dizer que seu adversário no segundo turno, Geraldo Alckmin, do PSDB, pretendia privatizar as grandes estatais, incluindo Petrobras e Banco do Brasil.
Verdade que Alckmin não colocara nada disso no seu programa, mas a história fazia sentido. O candidato tucano havia sido presidente de um programa paulista de desestatização, na gestão de Mário Covas, que arrecadara nada menos que R$ 32 bilhões para equilibrar as finanças públicas e para gastos sociais. E ele mesmo, quando governador, lançara planos de privatização ainda em 2005, a apenas um ano da campanha presidencial.
Como haviam sido programas bem-sucedidos, esperava-se que Alckmin partisse para o ataque, por exemplo, denunciando o excesso de estatização, e ineficiência do governo do petista. Reparem: já havia estourado o mensalão, com o uso abusivo do Banco do Brasil para falcatruas. E a Petrobras já era pelo menos mal falada.
Pois não é que o tucano aparece no dia seguinte com uma jaqueta especialmente desenhada pelos seus marqueteiros que exibia os logos da Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e Correios? Na cabeça, um boné amarelo berrante do BB.
E, para ser mais incisivo no seu papel de grande defensor do Estado, Alckmin acusou Lula de vender a Amazônia e, pior ainda, para investidores privados estrangeiros. Entregar a terra adorada ao imperialismo!
Seguiu-se o instrutivo debate:
— Privatista!
— Não ofende, privatista é você!
— Calúnia, nunca vendi nada.
— Vendeu sim.
Curioso que Lula havia vendido dois bancos estaduais, do Maranhão e do Ceará — aliás, bem privatizados. Mas ele nem se lembrava disso, é claro.
De todo modo, como a pecha de privatizante caía melhor num tucano, Alckmin pagou essa conta.
Passam-se os anos, e chegamos à campanha para prefeito de São Paulo. João Doria, candidato apoiado pelo agora governador Alckmin, anuncia que vai vender o Parque Anhembi (um centro de exposições), o Sambódromo, o Autódromo de Interlagos, o Estádio do Pacaembu, além de conceder à iniciativa privada linhas e estações de metrô e ônibus.
O candidato petista, o prefeito Fernando Haddad, reagiu como Lula em 2006. Denunciou num debate: o tucano quer privatizar até os cemitérios!
Essa não! — pensei. Agora vai o Doria aparecer com uma jaqueta cheia de logos: Cemitério do Araçá; Velório da Quarta Parada; Crematório da Vila Alpina. O boné, preto, claro, com a marca do Serviço Funerário, um serviço do Estado para os mortos.
Novos tempos, porém. João Doria continuou com seu blazer ou a malha com o nó na frente, sem boné. E repetiu que ia mesmo fazer uma ampla privatização.
Parece que não incluiu os cemitérios na lista de vendas/concessões. Não terá sido por ideologia, mas por falta de compradores. Os cemitérios municipais de São Paulo estão degradados, lotados e com sepulturas já vendidas. Em resumo, o negócio não é bom. A menos que se aprove legislação permitindo a construção de prédios de túmulos, o que aumentaria a capacidade de oferta.
Enfim, um outro debate. Mais fácil vender o Anhembi.
Os leitores e leitoras podem achar que estou de brincadeira. Mas não. Esse episódio foi um dos principais sinais da mudança vista na eleição municipal em muitos lugares e especialmente em São Paulo. A acusação de privatista — que fizera Alckmin protagonizar um dos momentos mais ridículos da política brasileira — nem foi considerada. Ninguém considerou um escândalo quando Haddad denunciou a suposta venda dos cemitérios. Muitos paulistanos certamente se lembraram que os cemitérios privados são incomparavelmente melhores que os municipais. Inclusive para os mortos. Nos particulares, por exemplo, não há depredação ou roubo de túmulos.
E por falar nisso tudo, o governador Geraldo Alckmin, de novo possível candidato tucano à Presidência da República, está com um outro programa de privatização. Pretende conceder algo como 60% da rede do metrô e nada menos que 25 parques, entre outras coisas.
O governo Temer já está privatizando, com as vendas de ativos da Petrobras.
Sabem a quem devemos esse triunfo da agenda liberal? Já adivinharam. Ao PT, claro, aos governos Lula e Dilma, que promoveram uma tal destruição da gestão estatal que o pessoal imagina: nada pode ser pior que isso.
Mas foi uma pena, e custou muito ao país que essas ideias — redução do Estado, controle de gastos públicos, privatizações e concessões — tenham voltado pelos piores motivos.
José Serra, quando candidato presidencial tucano, em 2002, também se recusou a defender as privatizações do governo FHC, que ficaram órfãs por todo esse tempo.
Se os liberais tivessem defendido suas ideias, ou se houvesse liberais dispostos, não teria sido preciso que o PT destruísse estatais para demonstrar a ineficácia do Estado.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
Corria a campanha eleitoral de 2006 quando Lula, então candidato à reeleição, começou a dizer que seu adversário no segundo turno, Geraldo Alckmin, do PSDB, pretendia privatizar as grandes estatais, incluindo Petrobras e Banco do Brasil.
Verdade que Alckmin não colocara nada disso no seu programa, mas a história fazia sentido. O candidato tucano havia sido presidente de um programa paulista de desestatização, na gestão de Mário Covas, que arrecadara nada menos que R$ 32 bilhões para equilibrar as finanças públicas e para gastos sociais. E ele mesmo, quando governador, lançara planos de privatização ainda em 2005, a apenas um ano da campanha presidencial.
Como haviam sido programas bem-sucedidos, esperava-se que Alckmin partisse para o ataque, por exemplo, denunciando o excesso de estatização, e ineficiência do governo do petista. Reparem: já havia estourado o mensalão, com o uso abusivo do Banco do Brasil para falcatruas. E a Petrobras já era pelo menos mal falada.
Pois não é que o tucano aparece no dia seguinte com uma jaqueta especialmente desenhada pelos seus marqueteiros que exibia os logos da Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e Correios? Na cabeça, um boné amarelo berrante do BB.
E, para ser mais incisivo no seu papel de grande defensor do Estado, Alckmin acusou Lula de vender a Amazônia e, pior ainda, para investidores privados estrangeiros. Entregar a terra adorada ao imperialismo!
Seguiu-se o instrutivo debate:
— Privatista!
— Não ofende, privatista é você!
— Calúnia, nunca vendi nada.
— Vendeu sim.
Curioso que Lula havia vendido dois bancos estaduais, do Maranhão e do Ceará — aliás, bem privatizados. Mas ele nem se lembrava disso, é claro.
De todo modo, como a pecha de privatizante caía melhor num tucano, Alckmin pagou essa conta.
Passam-se os anos, e chegamos à campanha para prefeito de São Paulo. João Doria, candidato apoiado pelo agora governador Alckmin, anuncia que vai vender o Parque Anhembi (um centro de exposições), o Sambódromo, o Autódromo de Interlagos, o Estádio do Pacaembu, além de conceder à iniciativa privada linhas e estações de metrô e ônibus.
O candidato petista, o prefeito Fernando Haddad, reagiu como Lula em 2006. Denunciou num debate: o tucano quer privatizar até os cemitérios!
Essa não! — pensei. Agora vai o Doria aparecer com uma jaqueta cheia de logos: Cemitério do Araçá; Velório da Quarta Parada; Crematório da Vila Alpina. O boné, preto, claro, com a marca do Serviço Funerário, um serviço do Estado para os mortos.
Novos tempos, porém. João Doria continuou com seu blazer ou a malha com o nó na frente, sem boné. E repetiu que ia mesmo fazer uma ampla privatização.
Parece que não incluiu os cemitérios na lista de vendas/concessões. Não terá sido por ideologia, mas por falta de compradores. Os cemitérios municipais de São Paulo estão degradados, lotados e com sepulturas já vendidas. Em resumo, o negócio não é bom. A menos que se aprove legislação permitindo a construção de prédios de túmulos, o que aumentaria a capacidade de oferta.
Enfim, um outro debate. Mais fácil vender o Anhembi.
Os leitores e leitoras podem achar que estou de brincadeira. Mas não. Esse episódio foi um dos principais sinais da mudança vista na eleição municipal em muitos lugares e especialmente em São Paulo. A acusação de privatista — que fizera Alckmin protagonizar um dos momentos mais ridículos da política brasileira — nem foi considerada. Ninguém considerou um escândalo quando Haddad denunciou a suposta venda dos cemitérios. Muitos paulistanos certamente se lembraram que os cemitérios privados são incomparavelmente melhores que os municipais. Inclusive para os mortos. Nos particulares, por exemplo, não há depredação ou roubo de túmulos.
E por falar nisso tudo, o governador Geraldo Alckmin, de novo possível candidato tucano à Presidência da República, está com um outro programa de privatização. Pretende conceder algo como 60% da rede do metrô e nada menos que 25 parques, entre outras coisas.
O governo Temer já está privatizando, com as vendas de ativos da Petrobras.
Sabem a quem devemos esse triunfo da agenda liberal? Já adivinharam. Ao PT, claro, aos governos Lula e Dilma, que promoveram uma tal destruição da gestão estatal que o pessoal imagina: nada pode ser pior que isso.
Mas foi uma pena, e custou muito ao país que essas ideias — redução do Estado, controle de gastos públicos, privatizações e concessões — tenham voltado pelos piores motivos.
José Serra, quando candidato presidencial tucano, em 2002, também se recusou a defender as privatizações do governo FHC, que ficaram órfãs por todo esse tempo.
Se os liberais tivessem defendido suas ideias, ou se houvesse liberais dispostos, não teria sido preciso que o PT destruísse estatais para demonstrar a ineficácia do Estado.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
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