quinta-feira, abril 30, 2015

Governo pressionado - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 30/04

Andou meio em moda entre os petistas a avaliação de que o pior já passou. A presidente Dilma teria permanecido estável nos baixos índices de popularidade, segundo os trackings diários de pesquisas de opinião, o que significaria que ela havia chegado ao fundo do poço, de onde só poderia subir. Ledo e ivo engano, como diz o Cony.

As más notícias começaram a surgir aos borbotões. O salário dos trabalhadores teve uma queda recorde em fevereiro, a maior em 12 anos. O desemprego subiu pela terceira vez seguida. Após um déficit de R$ 7,4 bilhões em fevereiro, o governo central - que reúne Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central - registrou superávit primário de R$ 1,463 bilhão em março. O resultado representa uma queda de 54,3% na comparação com o registrado em março do ano passado.

No acumulado do primeiro trimestre, de janeiro a março, o resultado primário do governo central caiu 65,8% na comparação com o mesmo período do ano passado. O superávit primário ficou em R$ 4,485 bilhões, ante R$ 13,120 bilhões nos três primeiros meses de 2014, o pior superávit do período desde 1998.

O FMI prevê que o Brasil terá a maior desaceleração da economia em mais de duas décadas. O resultado é que a presidente não tem condições políticas para convocar uma cadeia nacional de rádio e televisão para falar ao povo no Dia do Trabalho. Melhor dizendo: o governo do Partido dos Trabalhadores não falará aos próprios no dia 1º de Maio, como sempre fez nos últimos 12 anos.

Tanto Dilma quanto Lula não têm mais condições de sair na rua sem que o ambiente esteja previamente controlado pelo esquema de segurança petista. Coube ao Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o responsável terceirizado pela política econômica do governo, lembrar aos políticos que o pior ainda não passou.

Levy, quando assumiu a Fazenda debaixo de desconfiança dos petistas, tinha uma bala na agulha: cada vez que sofria um ataque de desestabilização, lembrava que o país poderia perder o grau de investimento, o que seria desastroso.

Como essa ameaça foi superada no plano imediato, os inimigos desse estranho no ninho voltaram à carga, querendo reduzir o ajuste fiscal que ele montou como medida básica para retomar o caminho do crescimento que, já se sabe, será difícil: a previsão otimista para 2016 é um crescimento do PIB de 1%, devolvendo a queda que está prevista para este ano. Na melhor das hipóteses, sairemos desses dois anos de reajustes no empate de zero a zero, quando não no negativo.

Levy teve que voltar a mostrar o fantasma do rebaixamento ontem. Lembrou que o Brasil "está mais próximo dos bonds especulativos do que exatamente do investment grade". Se não fizermos o ajuste fiscal, a ameaça volta "a galope", advertiu.

O Ministro da Fazenda trata de coisas imediatas, como o fim de incentivos tributários, mais especificamente o programa de desoneração da folha de pagamento das empresas, que Levy chamou um dia de "brincadeira que saiu cara". O custo anual de R$ 25 bilhões não deu retorno na geração de emprego.

A redução dos benefícios trabalhistas e previdenciários é considerada essencial pelo governo para a realização do ajuste fiscal. Enquanto isso, a presidente Dilma se defronta com um obstáculo sério no Congresso, que é o embate político da regulamentação da terceirização.

O ex-presidente Lula está em campanha pública para que ela vete as mudanças propostas, alegando que elas precarizam o trabalho e retiram garantias trabalhistas, levando o mercado de trabalho para a era pré-Vargas, cuja legislação Lula tanto criticou em outros tempos. Os sindicatos estão em pé de guerra pelo país.

Mas uma boa parte da base aliada quer regulamentar a terceirização, como maneira de aumentar a produtividade da economia. O PMDB está dividido, mas pressiona Dilma a se posicionar. O momento não é de fazer bondades. Mas as maldades que são necessárias podem desestabilizar de vez o governo.


Dilemas na economia - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 30/04

O Banco Central votou ontem diante do pior dos dilemas de uma autoridade monetária: a economia estagnada já encolheu a arrecadação e, mesmo assim, a inflação está bem acima da meta. O BC elevou os juros para 13,25% para derrubar o índice de preços cuja alta se deve, em grande parte, ao tarifaço da energia. Os juros vão enfraquecer mais a economia e o recolhimento de impostos.

Mesmo diante do quadro de estagnação a caminho da recessão, o BC tem que continuar subindo os juros para evitar a contaminação das expectativas, ou seja, a impressão de que o governo vai deixar a inflação continuar subindo. O problema é que, como se viu ontem, o governo está arrecadando menos e fazendo um superávit primário pífio para quem tem que atingir o ajuste de 1,2% do PIB.

A declaração do ministro Joaquim Levy, lembrando que a dívida do país ainda pode ser rebaixada a grau especulativo, mostra a corda bamba na qual se está fazendo política econômica no país. A conjuntura está tão cheia de complexidades que os ajustes criam desajustes. A elevação dos juros, por exemplo, é o pior remédio para uma economia já enfraquecida, mas é isso ou ver a inflação subir cada vez mais.

O economista Luiz Roberto Cunha, da PUC do Rio, calcula que a inflação em abril deve ficar em torno de 0,75% e 0,80% e depois vai cair para níveis menores. Só que a cada mês o número será maior do que no mesmo mês do ano passado. O que significa que o acumulado em 12 meses continuará subindo até agosto e deve atingir 8,5%. Só começa a cair no final do ano, mas a previsão é de que fique entre 8% e 8,2%.

Se está tudo previsto, por que o Banco Central elevou de novo os juros para o escorchante nível de 13,25%? O BC tem que atuar para evitar que os preços livres subam. Quanto mais ele derrubar esses preços, mais impedirá que uma inflação tão alta incentive uma nova indexação na economia.

- E terá que ficar vigilante no ano que vem, porque, se houver uma recuperação da economia, muitas empresas que estão hoje comprimindo margens podem querer aumentar os preços - disse Luiz Roberto Cunha.

Em outras palavras, os juros terão que ficar altos por muito tempo. A boa notícia é que a maioria dos economistas acredita que está chegando ao fim este ciclo de aperto monetário. A Selic não deve subir muito mais além do nível a que chegou ontem. Entretanto, dificilmente ela poderá cair no curto prazo.

As famílias terão um pouco menos de desconforto daqui para frente porque os preços dos alimentos sobem pouco nesta época do ano e, segundo Luiz Roberto Cunha, alguns itens importantes ficarão mais baratos, como milho, feijão, frango.

- Nesta época do ano, os preços de alimentos ficam mais baixos. Além disso, a energia elétrica, que subiu fortemente no começo do ano, subirá de forma mais moderada nos próximos meses. O pior do tarifaço de energia já passou. No acumulado em 12 meses, a inflação continuará subindo, mas a taxa mensal de maio em diante deve ficar entre 0,45% a 0,50%, o que é mais alto do que no ano passado, mas menor do que os números acima de 1% mensal nos primeiros três meses de 2015 - diz Cunha.

O Banco Central, ao avaliar a conjuntura como fez nos últimos dois dias, vê uma inflação que dará algum motivo de alívio ao consumidor, mas que, ao mesmo tempo, está muito acima do teto da meta. Ele quer que no final de 2016 o índice esteja no centro de 4,5%, portanto, é agora que tem que agir.

O problema é que do ponto de vista do nível de atividade este é o pior momento para subir juros. O PIB caiu no primeiro trimestre e não vai se recuperar no segundo tri. O melhor cenário é que comece a melhorar nos últimos três meses do ano.

O quadro econômico é de fato um dos mais difíceis dos últimos anos. Em 2003, foi preciso apenas um choque de credibilidade para derrubar o dólar, que havia disparado com medo de a política econômica de Lula ser a que ele sempre havia defendido. A queda do dólar e a confiança na equipe econômica permitiram a redução da inflação. Agora, tudo está mais confuso. O governo Dilma está na estranha situação de tentar corrigir o que ela mesma fez no mandato passado.

É nosso, mas não dá para pegar - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 30/04

Brasil perdeu a chance de licitar campos de petróleo no momento em que óleo apresentava os melhores preços da História


A Petrobras não está cumprindo os índices de nacionalização nos equipamentos que opera.

A Petrobras está atrasada na exploração de campos do pré-sal na Bacia de Campos, sofrendo por isso reclamações da Agência Nacional do Petróleo.

A companhia não está em condições financeiras de pesquisar e explorar novos campos, por isso vai se concentrar nos poços já em produção.

A estatal não tem condições de assumir novas responsabilidades na exploração do pré-sal.

Não é campanha do contra. São comentários feitos pelo presidente da empresa, Aldemir Bendine, em depoimento no Senado.

E deles se conclui que a Petrobras está simplesmente bloqueando novos investimentos no pré-sal. Assim: a legislação atual exige que a estatal seja dona de 30% de todos os poços do pré-sal e a única operadora de todos eles. Isso exige dinheiro, coisa em falta na companhia.

Como admitiu Bendine, se a ANP lançasse agora uma rodada de concessões no pré-sal, a Petrobras teria “dificuldades”, modo elegante de dizer que não tem recursos para fazer novos investimentos no que quer que seja, de poços a refinarias. O caixa “não é confortável”, explicou.

Perguntaram a ele se apoiaria a mudança na legislação, de modo a aliviar as obrigações da Petrobras e permitir que outras empresas, nacionais ou estrangeiras, comprem e explorem novos campos do pré-sal. Disse que não cabia a ele iniciar esse debate.

Mas está na hora de se iniciar, pois a situação é clara: ou se muda a regra atual, abrindo o pré-sal à exploração privada completa, ou não haverá novos investimentos ali até que a Petrobras se recupere, o que vai levar tempo.

Tudo considerado, verifica-se que a mudança na legislação do petróleo patrocinada por Lula e Dilma não cumpre nenhum de seus objetivos.

Deveria fortalecer a Petrobras, reservando para ela o filé do mercado. A companhia não tem nem para o picadinho de segunda.

Deveria acelerar a exploração da riqueza do pré-sal. Está travando.

Deveria nacionalizar os equipamentos. Produziu uma imensa confusão, e possivelmente corrupção, pois não há regras claras de como verificar a nacionalização de equipamentos complexos. Além disso, empresas locais não têm condições de atender às necessidades do setor, o que encarece e atrasa a entrega dos equipamentos.

Isso sem contar os cinco anos sem novos rodadas de concessão, de 2009 a 2014, enquanto se tratava de mudar a legislação. O Brasil perdeu a oportunidade de licitar campos de petróleo no momento em que o óleo apresentava os melhores preços da História.

Quando apresentou seu balanço, a Petrobras colocou R$ 44 bilhões como perdas em consequência de ineficiência, má gestão e mudanças no mercado.

Pois parece que o país perdeu muito mais que isso.

CRISE MORAL

Foi há poucos dias: o primeiro-ministro da Coreia do Sul, Lee Wan-Koe, renunciou em consequência de denúncias de corrupção.

A denúncia: teria recebido fundos ilegais em sua campanha para deputado, no valor total de R$ 80 mil — dinheiro que os promotores da Lava-Jato nem levariam em consideração.

O denunciante: um empresário que diz ter feito os pagamentos.

O empresário suicidou-se. No bolso de seu paletó, a polícia encontrou uma lista de nomes de políticos que haviam sido subornados.

O primeiro-ministro, que estava nessa lista, alegou inocência, mas disse que não tinha mais condições éticas de permanecer no cargo. Afinal, ele havia assumido o cargo prometendo “guerra à corrupção”.

Dois anos atrás, outro primeiro-ministro renunciou, ao assumir a responsabilidade pela ineficácia dos órgãos públicos na prevenção e no resgate às vítimas do naufrágio de um barco lotado de estudantes. Reparem: ele se considerou responsável pelos erros de funcionários de vários escalões abaixo e sobre os quais não tinha controle direto. Mas estava certo: ele tinha, digamos, o domínio do governo.

Por aqui, os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, são investigados no Supremo Tribunal Federal, e acham que isso não tem nada demais. Não largam o cargo porque certamente lá têm mais força para fugir das acusações.

E todo mundo vai deixando por isso mesmo.

Os conflitos se multiplicam. Renan, por exemplo, comanda o processo de aprovação de um novo ministro para o Supremo — ministro que irá julgá-lo.

Tem gente que acha isso moralismo. Mas está na cara que tem uma grave crise ética no país.

Pindaíba maior que a prevista - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 30//04

A arrumação das contas públicas está ainda para começar, voltou praticamente à estaca zero. A queda da arrecadação de impostos frustra as metas de redução de deficit; quase um terço do pacote de arrocho enviado ao Congresso ora está indo para o vinagre.

Em uma conta rabiscada em guardanapo, o governo deveria poupar o equivalente a uns R$ 4,6 bilhões por mês (a simples média do superavit primário dividido por 12 meses). Não é, claro, assim que funcionam as coisas, mas o número pode servir ao propósito didático de mostrar o tamanho do problema.

Nos primeiros três meses do ano, o governo federal poupou RS 4,7 bilhões. Em tese, um terço das necessidades de economia para o ano inteiro, portanto.

O dinheiro que deixou de entrar no caixa do governo no primeiro trimestre bastaria para fechar a conta da poupança prometida para este início de 2015. A arrecadação federal caiu R$ 14,8 bilhões, comparado o primeiro trimestre deste ano com o primeiro de 2014. Esse dinheiro cobriria o superavit "médio" dos primeiros três meses do ano.

Uns 30% do valor do pacote de aumento de impostos e corte de gastos que o governo enviou para aprovação do Congresso pode ir para o vinagre. Essa conta é precária, claro. As estimativas do governo para os efeitos do pacote já eram um tanto vagas, os resultados reais são sempre meio imprevisíveis e, enfim, a gente tem remota ideia do que vai espirrar do Congresso depois de "n" emendas. Entendidos no assunto e contas de guardanapo indicam por ora uma perda de uns R$ 7 bilhões ou R$ 8 bilhões.

O grosso do corte de despesas do trimestre veio da redução do "gastos em obras", em investimentos, um talho de 31%, redução de R$ 7 bilhões. Parte grande desse esforço foi desfeita pela alta de despesas da Previdência e de benefícios sociais para pessoas idosas ou muito doentes (Loas), que cresceram R$ 5,7 bilhões.

Outro ganho importante do governo deveu-se à poupança de R$ 1,7 bilhão do dinheiro que era destinado a subsidiar as contas de energia elétrica, muito mais caras agora graças ao fim desse subsídio, corte, no entanto, necessário (grande parte dessa conta deveu-se às lambanças de Dilma 1 na administração do setor elétrico).

A arrecadação do governo afunda porque a economia encolhe, claro, e porque ainda se perde muita receita, encrenca devida às baixas de impostos concedidas pelo governo Dilma 1 ainda no finalzinho do ano passado, quando já era inegável o naufrágio das contas públicas.

O balanço dessa bossa desafinada é que parecem um tanto fúteis aquelas estimativas de que o "ajuste" dependeria em parte menor do Congresso, pois há variáveis demais para equações de menos nessa conta, por assim dizer.

A queda da receita vai fazer com que a arrumação das contas públicas dependa mais do Congresso ou, então, vai levar o governo a fazer um corte ainda maior em investimentos, talvez de 40% ou 50%. Essa alternativa degrada ainda mais a qualidade do ajuste e pode ainda até aprofundar a recessão.

Pior, um ajuste baseado em talhos brutais de investimentos costuma não durar; caso dure, emperra a atividade econômica. Ou seja, o problema do ajuste de 2016 começa a ficar mais encrencado também.

Como financiar a política e as eleições - MURILLO DE ARAGÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 30/04

Por causa dos graves escândalos de desvio de dinheiro recentes o PT anunciou que não vai mais aceitar doação de fontes privadas. A medida tenta dar uma resposta inadequada e superficial a um problema importantíssimo: como financiar a política e as eleições no País? Quase que simultaneamente à decisão do PT de abrir mão de verbas privadas, num movimento de absoluta insensibilidade, o Congresso triplicou a verba para o Fundo Partidário prevista no Orçamento da União de 2015, passando-a de R$ 289,56 milhões para R$ 867,56 milhões! Claramente para ajudar os combalidos cofres dos partidos pela campanha eleitoral passada. Banir recursos privados ou aumentar dotações dos fundos partidários não são soluções adequadas. Um solução definitiva deve ser encontrada.

Uma corrente deseja eliminar inteiramente o recebimento de dinheiro de empresas nas eleições e limitar as doações a cidadãos e recursos públicos. Já outros acham que só deveria existir financiamento público. Outros ainda, como eu, defendem o financiamento cidadão: só pessoas físicas poderiam financiar partidos e campanhas eleitorais. Reconheço que no atual estágio ter apenas dinheiro de pessoas físicas financiando campanhas e partidos é utópico.

A solução adequada para o momento não se deve resumir à escolha entre financiamento público ou privado de campanha. O financiamento público deve ser limitado ao mínimo necessário para partidos funcionarem e custear parcelas complementares das despesas de campanhas eleitorais. Como, por exemplo, o tempo de TV, que já é dado gratuitamente aos partidos. A melhor solução é a que faça os partidos buscarem na cidadania os recursos de que necessitam para concorrer aos pleitos eleitorais. Quanto mais os partidos ficarem perto da abundância das verbas públicas, mais distante ficarão dos militantes e simpatizantes. Temos, sim, de provocar a participação da cidadania e apoiar e financiar as campanhas eleitorais. Também não podemos admitir que elas custem R$ 5 bilhões, valor aproximado gasto no pleito de 2014. Isso é inadmissível num país que ainda está em 79.º lugar entre 187 nações no ranking do IDH! E também é antidemocrático permitir que nossas eleições se transformem em corridas do bilhão, dando mais chances a quem tem mais recursos para gastar.

Com as corridas do bilhão surge a grave questão que nos assombra: a relação que se estabelece entre doadores, partidos e candidatos. Os escândalos do mensalão e do petrolão são suficientes para explicar o que e como ocorre. Mas não é difícil resolver esse problema. São necessárias medidas relativamente simples, mas que demandam coragem cívica. É hora de implementá-las, sob pena de comprometermos nossa nascente democracia de forma irreparável por décadas. Vejamos quais são essas medidas.

A primeira é estabelecer o teto de gastos. As campanhas presidenciais devem ter um teto de despesas de R$ 100 milhões, que é mais que suficiente. O limite proposto é superior ou igual aos volumes utilizados em campanhas presidenciais em economias mais ricas que a nossa. Para tal as campanhas devem ser mais curtas, com não mais que 45 dias, e o tempo de TV - computado como recurso público destinado às campanhas - deve ser considerado no limite dos gastos. O teto de gastos deve ser estabelecido em lei e atualizado pela Justiça Eleitoral anualmente, a partir de algum índice de correção. As campanhas para governador, senador, deputado federal e estadual, prefeito e vereador também devem ter limites fixados na lei de acordo com a população de Estados e municípios. Evidentemente, devem ficar bem abaixo do teto de gastos para presidente.

A segunda medida é fixar um limite específico para doações de pessoas físicas e jurídicas. Por exemplo, R$ 10 mil por pessoa física e R$ 50 mil por pessoa jurídica, tomando a identificação na Receita Federal como base. Assim se encerra definitivamente o ciclo de doações milionárias. Deve haver também um limite para autodoações, a fim de impedir que ricos e abonados obtenham vantagens indevidas.

A terceira é proibir o uso de recursos do Fundo Partidário para as eleições. Os fundos partidários existem para manter as legendas e divulgar seus programas e opiniões. Ademais, os recursos devem ser dramaticamente reduzidos. Os valores hoje são indecentes. Impedir o uso de fundos partidários nas eleições se justifica porque muitas doações eleitorais de empresas são disfarçadas em doações para partidos pouco antes do início dos pleitos. E é muito fácil comprovar o que afirmo. Assim, como decorrência, as doações a partidos fora do âmbito eleitoral também devem ser limitadas aos valores mencionados por ano fiscal.

Por fim, proponho que as verbas dos fundos partidários e das campanhas eleitorais sejam auditadas e fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Ademais das competências constitucionais da Justiça Eleitoral, que deve ser robustecida, o TCU deveria ser empregado no que tange ao uso de recursos públicos e privados nas campanhas eleitorais, fazendo o trabalho contábil de checagem de valores e gastos.

Com as quatro medidas que preconizo as eleições no Brasil seriam mais limpas e justas e a relação entre a cidadania, as empresas e o mundo político, mais transparente e saudável. Precisamos ter partidos e políticos dependentes da cidadania, não do Tesouro, e o caixa 2 deve ser severamente combatido. O debate sobre o financiamento de campanhas e partidos deve ter como meta trazer a política para dentro da sociedade e estimular o engajamento da cidadania nas campanhas. Seria mais do que desejável ver candidatos baterem na porta das pessoas para pedir recursos para suas campanhas e terem de fazer por merecer o suado dinheiro da cidadania. Assim como será altamente democrático ter campanhas em que o abuso do poder econômico, bem como o uso de máquinas públicas, sindicais e empresariais sejam limitados.

Com medo do panelaço? - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 30/04

Uma tradição da República será quebrada no Dia do Trabalho: não se convocará rede nacional de rádio e de televisão no horário nobre dos veículos para comemorar a data. A presidente falará à Nação pela internet. Ainda não foi divulgada a forma de como isso será feito, mas a decisão emite claros sinais de que vem aí um novo tempo.

Cada vez mais a comunicação entre os políticos, sejam do governo ou da oposição, se faz pelos meios eletrônicos de comunicação de massa. O chefe do Poder Executivo, seja quem for, tem, ano após ano, usado da prerrogativa de convocar redes de rádio e de televisão para propagar seus feitos e fazer suas promessas por ocasião de alguma comemoração. Usado com comedimento, esse expediente poderia ser uma forma prática e adequada de serviço público para permitir a chefes de governo uma comunicação direta com a sociedade por inteiro, o que é particularmente importante num país das dimensões do nosso. O recurso exagerado às técnicas de marketing, contudo, tem transformado esse uso em abuso. Qualquer data festiva é usada como pretexto para discursos de conteúdo meramente propagandístico, de natureza unívoca e sem possibilidade de contraditório - uma atitude que, de um lado, interfere na programação rotineira das emissoras e, de outro, o que é mais grave, interrompe o direito que cada cidadão tem ao entretenimento e à informação jornalística plural e imparcial em seu tempo de lazer.

Todos os jornais que noticiaram a decisão lembraram que a última cadeia de rádio e de televisão convocada para propagar discurso da atual presidente resultou num disparo pela culatra. A fala programada por Dilma Rousseff para o Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, foi recebida com um ruidoso panelaço em várias cidades brasileiras. Houve dificuldade em entender o que ela disse - não pela peculiar sintaxe da presidente, mas pelo ensurdecedor ruído produzido por gritos, xingamentos e batidas em panelas.

Depois das grandes manifestações públicas nos domingos 15 de março e 12 de abril em várias cidades, não era de esperar que o repetido pronunciamento trabalhista de 1.º de Maio fosse recebido com aplausos e flores pela população. Primeiramente, as relações entre o governo e os sindicatos de trabalhadores estão estremecidas por causa de medidas anunciadas de ajuste fiscal que interferem em privilégios e nas chamadas conquistas de classe. Por mais que tais medidas sejam necessárias para consertar os erros econômicos da gestão Dilma-Guido Mantega e que a própria presidente tenha repetido que nenhum direito do trabalhador será atingido por elas, a classe operária está, no mínimo, ressabiada com o governo por causa disso. Além do mais, o clima pós-manifestações continua carregado para as autoridades federais. Protesto organizado por um grupo reduzido (de cerca de 50 pessoas, segundo o Estado) fez o vice-presidente e coordenador político dos pleitos do governo no Congresso, Michel Temer, cancelar na segunda-feira passada o discurso que faria na Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação (Agrishow), em Ribeirão Preto, a maior do agronegócio brasileiro. Manifestantes exigiram, aos berros, o impeachment da presidente.

O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, negou que o cancelamento do pronunciamento tenha alguma relação com os protestos. "A presidenta não teme nenhum tipo de manifestação da democracia", garantiu. Mas não encontrou nenhum motivo plausível para justificar a desistência. E completou: "A presidenta vai dialogar com os trabalhadores pelas redes sociais". Depois do último movimento de massa contra o governo nas ruas, os governistas reagiram com um "tuitaço" no lugar de entrevistas desastradas, como a do chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e do secretário da Presidência, Miguel Rossetto. A repetição da fórmula menos arriscada mostra que a sociedade conquistou o direito de gozar seu feriado em paz sem impedir que militantes aclamem a chefe em perfis de redes sociais, nem sempre gratuitos.

segunda-feira, abril 20, 2015

Da natureza das coisas - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 20/04

Não queira pegar todas as mulheres do mundo, mas cuide bem daquelas que vierem a sua cama


Em nosso mundo, não há natureza das coisas, entende-se que tudo seja uma construção social.

Delírio puro. Prefiro os antigos, justamente por perceberem que são os limites que nos humanizam, e não o desejo sem limites.

Os inteligentinhos dirão coisas como "conservador!". Mas a vida segue, o mundo se acabará um dia, e os inteligentinhos dirão, em seu último grito de agonia, "opressão!".

Mas não quero falar de política, que trato apenas como quem lida com uma ferida para que ela não se infeccione em demasia.

Quero falar de epicurismo. Não a ideia banal de epicurista como alguém que vai muito ao shopping ou come todas as gostosas do mundo (o sonho de qualquer cara normal). Falo do epicurismo antigo, do filósofo grego Epicuro (341 a.C. "" 270 a.C.). De Lucrécio (cerca de 96 a.C. "" cerca de 55 a.C.), filósofo latino, autor do poema "Da Natureza das Coisas".

Para ambos, a natureza da realidade é ser contingente. Isso quer dizer que "o fundo da realidade" é o acaso (que é a mesma coisa que contingência em filosofia).

Esse acaso é o movimento livre e sem ordem dos átomos. Portanto, tanto Epicuro quanto Lucrécio eram atomistas, o que é a mesma coisa de dizer que eram materialistas. A alma, esse "ar", se perde no momento da morte.

Como dizia Epicuro, quando eu estou, a morte não está, quando ela está, não estou. Ou seja: não há o que temer na morte porque ela é uma libertação da eterna contingência que move um destino cego. E a melhor coisa nisso é que a "consciência" desaparece.

Essa ideia me parece insuperável como liberdade. Ter a pedra como destino é meu sonho de eternidade.

Sendo assim, morreu, acabou. Muita gente teme uma possibilidade como essa.

Eu tendo a achá-la sedutora principalmente quando suspeito que viver para sempre seria como ser obrigado a beber água para sempre, mesmo tendo passado a sede.

Vejo beleza nisso tudo. A contingência liberta, mas não no sentido moderninho de que por isso podemos nos "inventar" ao bel prazer. Isso é coisa de "teenager".

Mas, justamente o contrário: meu desejo também é contingente, como tudo mais. Dar asas a ele é ter fé de que eu, diferentemente do resto do universo, não sou também feito à semelhança do acaso.

Só os iniciantes confiam em si próprios. Meu desejo é a porta de entrada por onde a contingência se instala do seio da minha alma.

Não, a beleza está no que os antigos epicuristas viam nessa condição: sem deuses, sem eternidade, fruto do acaso, essa é a natureza das coisas, ser cega.

O prazer de Epicuro era justamente o de escapar da escravidão do desejo, não essa ideia contemporânea de que viver a realização contínua do desejo é a felicidade.

A concepção contemporânea de felicidade é brega, coisa de gente que se emociona quando um novo shopping é aberto na cidade.

Lucrécio entendia que a cegueira da natureza é a natureza das coisas.

É dela não carregar sentido em si mesma, e por isso é tão importante: porque me lembra continuamente que a vaidade e as expectativas, com o tempo, se tornam um tormento.

Não é totalmente absurdo escutarmos aqui o sábio israelita, também antigo, que escreveu o "Eclesiastes" (Velho Testamento): "vaidade, tudo é vaidade".

A grande questão é como se sustenta uma vida feliz decorrente dessa natureza das coisas. Podemos dizer que decorre, antes de tudo, do "relaxamento" do desejo que a consciência da contingência traz: a sabedoria da natureza é ela ser puro átomo e não uma lei.

Não há "missão" na vida. Viver segundo os prazeres do trabalho, da mesa e do corpo da mulher é tudo que podemos fazer. O puro prazer de existir.

Sem excessos, do contrário, nos tornamos escravos do trabalho, da mesa e do corpo da mulher.

Não porque uma danação eterna nos espera (ninguém nos vigia), mas porque o excesso do desejo destrói seu próprio usufruto na medida em que nos desesperamos com a possível falta do objeto desse desejo.

Dito de forma simples: não queira pegar todas as mulheres do mundo, mas cuide bem daquelas que, por graça da contingência, vierem a sua cama.

domingo, abril 19, 2015

Cala-te, Lula! - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 19/04

Existem dezenas de vídeos circulando nas redes sociais cuja autenticidade é inegável. São falas de Lula e algumas de Dilma relativas ao Foro de São Paulo, organização que reúne os governos de esquerda (filocomunistas) das Américas do Sul e Central. Num vídeo, Lula realça que o Brasil, por ser a maior economia da região, teria maiores responsabilidades perante os demais países de esquerda do continente e passa a enumerar os empréstimos e financiamentos brasileiros.

A contratação internacional, de resto secreta (crime de responsabilidade), entre Cuba e Brasil (aluguel de médicos) e a construção do Porto de Mariel, de graça, a expensas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) enquadram-se nessa linha. Tampouco houve uma palavra sequer de Dilma a respeito dos ataques à liberdade de imprensa na Argentina e as atrocidades de Maduro contra as liberdades democráticas e direitos humanos na Venezuela. A cumplicidade é total entre os governos comunistoides falidos, renitentes e irresponsáveis da atrasada América Latina.

O senador Cunha Lima, da Paraíba, estado pequeno, mas de larga e longa tradição política, abriu caminho no Congresso para investigar os fundos de pensão das empresas estatais, aparelhados pelo PT e por ele manobrados. Saberemos de coisas escabrosas na Previ (Banco do Brasil), na Funcef (Caixa Econômica), Centrus (Banco Central), Petros (Petrobras), "et caterva", doações e desvios de verbas de publicidade, além de patrocínios fajutos. Mas não apenas isso. Para exemplificar, leiam as agruras dos funcionários operosos dos Correios (ECT), que já foi, antes do PT, considerado o terceiro melhor serviço postal do mundo. O Postalis - fundo de pensão -, formado parcialmente por descontos em folha dos funcionários, está com um rombo de R$ 6,5 bilhões. Má gestão? Claro que sim. Mas não só. Por ordem de Lula, a serviço do Foro de São Paulo, o Postalis aplicou o suado dinheiro em títulos públicos venezuelanos e argentinos, que não valem nada e estão inadimplentes. Há aplicações até em ações das empresas de Eike Batista, no momento em que já estava em declínio. A troco de quê? Há que se perguntar.

Lula, há poucas semanas, praticou a irresponsabilidade de convocar o exército de Stédile (MST) para enfrentar o nosso povo nas manifestações de rua, legítimas e democráticas. É o mesmo Lula do Foro de São Paulo, o mesmo que disse ter preguiça de ler um livro sequer. É o nosso Lenin, mas sem a altura histórica do líder russo; não passa de um agitador envaidecido de sua importância na história do país, a cada dia menor pelas atitudes impatrióticas.

Espanta-nos a mansidão das instituições brasileiras ante as últimas atitudes desse senhor, claramente conspiratórias, passíveis de enquadramento no Código Penal. É hora de levá-lo à delegacia de polícia. A condição de ex-presidente não lhe dá imunidade, é um cidadão comum. Ele está insuflando a luta de classes e fazendo apelos à violência.

A Constituição da República, que a todos obrigada, no Art. 5º, inciso XLIV, ao tratar dos Direitos e Garantias fundamentais dispõe: "Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático". Assegura ainda o direito de propriedade no inciso XXII do mesmo Art. 5º. O que faz o MST do sr. Stédile e seu exército, segundo Lula, se não invadir, ocupar e destruir propriedades alheias com facões, foices e espingardas, além de desfilar por ruas e estradas preconizando a propriedade coletiva da terra e o socialismo, atentatórios ao Art. 170 da Constituição e sua clara opção pela livre iniciativa e o direito de propriedade? Noutra passagem, a Constituição veda a utilização por partido político, no caso o PT, de organização paramilitar, ou seja, o exército dos sem-terra do comandante Stédile (Art. 7º, § 4º).

Passou da hora de convocar o sr. Lula a explicar o que significou a ameaça de colocar nas ruas o exército do sr. Stédile, pois é princípio fundamental da República Federativa do Brasil o Estado Democrático de Direito, com esforço no pluralismo político e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (Art. 1º da CF). Qualquer socialismo, como o da Venezuela e o do sr. Stédile, é contrário aos princípios que nos regem. Somos um país leniente. À guisa de comparação, somente por ter ilegalmente espionado o partido democrata, Nixon renunciou para fugir do impeachment, por perjúrio. Berlusconi ficou meses preso. Em Portugal, o ex-primeiro-Ministro José Sócrates responde a processo judicial. Aqui, o sr. Lula faz e fala o que quiser e fica por isso mesmo.


A Petrobras blindou a roubalheira da SBM - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 19/04

À estatal ainda falta limpar o acobertamento de suas tenebrosas transações com a companhia holandesa


A doutora Dilma disse que a Petrobras "já limpou o que tinha que limpar". Falso. Falta limpar o acobertamento das suas tenebrosas transações com a companhia holandesa SBM, a maior operadora de sondas flutuantes do mundo. Com sede em Mônaco, é a maior empregadora do principado, perde só para o cassino. Faturou 4,2 bilhões de euros em 2012 e 60% de seus negócios davam-se com a Petrobras. Desde 2012 a diretoria da empresa sabia que distribuíra US$ 139 milhões no Brasil, onde seu representante era Julio Faerman, um ex-funcionário da Petrobras que teve US$ 21 milhões numa conta do HSBC suíço e hoje vive em Londres. Homem discreto, só se conhece dele uma fotografia, com uma máscara veneziana cobrindo-lhe os olhos. O contrato de venda da plataforma P-57 (US$ 1,2 bilhão), por exemplo, gerou uma comissão de US$ 36 milhões.

A essa altura, comissões pagas por Faerman ao "amigo Paulinho" e a Pedro Barusco já estão na papelada de Curitiba. Falta limpar a maneira como a Petrobras e a Controladoria-Geral da União lidaram com o caso. A Lava Jato começou em 2014, mas a faxina interna da SBM começou em 2012. Existe uma gravação de um encontro de seus diretores no aeroporto de Amsterdam lidando com o caso. Nela, a Petrobras é mencionada. O grampo partiu de Jonathan Taylor, um advogado da SBM que está em litígio com a empresa, que o acusa de chantagem.

Em outubro de 2013 apareceu na Wikipedia um texto (provalmente de Taylor) denunciando a rede internacional de propinas da SBM e dando nome a bois da Petrobras. Dias depois, sumiu, até que o assunto reapareceu em fevereiro de 2014 na revista holandesa Quote. A Petrobras abriu uma auditoria para examinar seus negócios com a SBM e mandou funcionários à Holanda, sem dizer o que fariam. Num comunicado oficial, informou que eles não encontraram anormalidades. A SBM, por sua vez dizia que pagara US$ 139 milhões em comissões por serviços legítimos e a petroleira fingiu que acreditou. Segundo Taylor, estava em movimento uma operação para abafar as propinas brasileiras. Ele parece ter razão, pois em novembro Graça Foster revelou que soubera das propinas em maio. E não contou ao mercado.

A conexão brasileira foi varrida para depois do segundo turno. Dezessete dias depois da reeleição da doutora a SBM fez um acordo na Holanda e pagou uma multa de US$ 240 milhões. Em seguida a Controladoria-Geral da União abriu um processo contra a SBM e Graça Foster fez sua revelação tardia.

Taylor contou ao repórter Leandro Colon que em agosto mandou à CGU um lote de documentos. No dia 3 de outubro ele se encontrou na Inglaterra com três funcionários da Controladoria. Essa reunião foi gravada, com consentimento mútuo. A conexão SBM-Petrobras ficou blindada de maio, quando a campanha eleitoral mal começava, até novembro, quando a doutora estava reeleita.

A CGU diz hoje que abriu o processo em novembro porque só então encontrou "indícios mínimos de autoria e materialidade". A ver. Isso poderá ser esclarecido se forem mostrados os documentos recebidos pela CGU em agosto e o que foi dito no encontro de outubro.

Há uma velha lenda segundo a qual o Brasil seria outro se os holandeses tivessem colonizado o Nordeste. Darcy Ribeiro matou essa charada respondendo: "Seria um Suriname". Talvez seja um exagero, mas em novembro do ano passado, quando a SBM e o governo holandês se entenderam, Robson Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria, resumiu o que acontecera em Amsterdam e o que estava acontecendo no Brasil, onde as empresas apanhadas na Lava Jato negociavam acordos de leniência:

"Eu acho que o Brasil está amadurecido o suficiente para que não coloque essas empresas com esse selo (de inidôneas). Nós vemos, por exemplo, que aconteceu a mesma coisa com a empresa da Holanda, a SBM Offshore. Será que a Holanda vai colocar essa empresa como inidônea e não vai poder participar de mais nada no mundo?"

O governo holandês e a SBM se entenderam e a Lava Jato está cuidando das propinas pagas a funcionários da Petrobras, que ficou com toda a conta. Falta limpar o silêncio da Petrobras a partir de maio e entender a rotina da CGU de agosto a novembro, depois da reeleição da doutora.

Serviço: Quem quiser, pode pegar na rede uma magnífica narrativa do caso na revista holandesa Vrij Nederland, intitulada "The Cover-Up at Dutch Multinational SBM", dos repórteres Ham Ede Botje, James Exelby e Eduard Padberg. Num sinal dos tempos, o trabalho da trinca foi amparado por uma fundação de estímulo à investigação jornalística.

VACCARI E O PT SABIAM QUE ELE IRIA PRESO

João Vaccari Neto sabia há mais de seis meses que seria preso. Desde janeiro a cúpula do PT sabia que sua situação era desesperadora. Um dia o comissariado aprenderá a lidar com a proteção que dá aos seus quadros acusados de corrupção. Até lá, arrastará as correntes do assassinato de Celso Daniel, do mensalão e do que se vê por aí. Pelas condições de hoje, mesmo que comece a fazer isso amanhã, ainda assim será tarde.

Os pobres abandonaram o PT? - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S.PAULO - 19/04

A popularidade de Dilma Rousseff despenca e 55% dos nordestinos, que a ela deram o grande troféu da vitória em outubro, hoje consideram seu governo ruim ou péssimo e só 16% o aprovam. Os eleitores de baixa renda que a ela confiaram seu voto e esperanças hoje desconfiam e mais de 50% reprovam seu governo. Afinal, Dilma e o PT foram abandonados pelos pobres?

Quase não foi notada a presença deles nas multidões que foram às ruas protestar contra Dilma. Onde estavam? "O povão povão, quando se manifesta, em geral é sob formas menos pacíficas: invasões, saques, quebradeiras", explicou o historiador José Murilo de Carvalho, em entrevista ao Estado. A história tem mostrado isso. Os protestos de rua contra o ex-presidente Collor também foram liderados pela classe média, principalmente os estudantes caras-pintadas. Nem por isso os pobres deixaram de apoiar o impeachment, o fora Collor. O que surpreende, agora, é a repentina e meteórica perda de apoio aos governos do PT da parcela da população em que eles mais investiram politicamente e tentaram favorecer nos últimos 12 anos.

A perda de apoio foi tão repentina quanto a esperança em relação ao futuro foi se esvaindo. É verdade que nos últimos 12 anos a miséria diminuiu, a pobreza reduziu, os pobres passaram a consumir, a comprar geladeira e TV novas e até aquele carrinho usado para os passeios de domingo. Mas manter e melhorar essa nova vida, sem recuos e sem retroceder ao passado, exigiram de Lula, de Dilma e do PT o que eles não fizeram pois não souberam fazer: pensar, organizar, planejar e pavimentar o crescimento seguro e contínuo da economia. Construir progresso, sem ter de depender da sorte (Lula no primeiro mandato) ou de ações de fôlego curto (as desonerações tributárias).

Nos primeiros anos de Lula, com Antonio Palocci na Fazenda, mal ou bem havia uma agenda dirigida ao crescimento, mas ela se desfez - antes mesmo da queda do ministro, que ocorreria meses depois - no momento em que ele perdeu a disputa pelo comando da economia para a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

A partir daí o governo do PT abandonou as reformas, os planos para perseguir o crescimento e passou a viver um dia a dia medíocre, ajustando aqui e ali para ganhar popularidade fácil, agindo no ritmo do aqui e agora, vencer eleições, manter-se no poder - e nada de projeto para o futuro. A estratégia passou a ser gastar dinheiro. O gasto público explodiu, as pedaladas fiscais (tipificadas como crime pelo TCU) proliferaram, os truques e alquimias derrubaram a confiança ao chão, os investimentos pararam, a indústria definhou e as contas públicas foram pelos ares.

Diante deste quadro, não demoraram a surgir sinais de perda das conquistas sociais. Em 2014 o Ipea pesquisou e descobriu que a miséria voltara a crescer desde 2013. Mas havia uma eleição presidencial à frente, era fundamental esconder os números, só divulgá-los após o pleito. Na campanha, eleitores pobres foram iludidos com cenas na TV de um país próspero, saudável. E mais promessas que implicavam mais gastos, com um caixa já zerado e um déficit gigante a ser enfrentado.

A vitória de Dilma foi apertada porque a classe média já via um segundo mandato insustentável e votou contra o PT. Fechadas as urnas, a população pobre saiu das cenas de fantasia da campanha e caiu na real: voltou o desemprego; a tarifa de energia elétrica e a inflação em alta puniram a renda de quem não tem; o desemprego reapareceu; a corrupção na Petrobrás e fora dela levou à paralisação de várias obras públicas e desempregou milhares de trabalhadores; a recessão voltou a assombrar e o governo confessa esperar uma retração econômica de 0,9% este ano. É óbvio, as consequências mais cruéis dessa explosiva combinação - recessão e inflação alta - recaem sobre os mais pobres, a parcela da população mais vulnerável e indefesa. Até agora eles estão ausentes das ruas, mas já começaram a viver o inferno que lhes foi ocultado nas eleições. Não foram eles que abandonaram Lula, Dilma e o PT. Foram eles os abandonados.

O escândalo dos fundos de pensão - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 19/04

A ameaça de insolvência em que se encontram fundos como o Postalis, dos Correios, e Funcef, da Caixa, deve-se não apenas a gestões negligentes, imprudentes ou imperitas, mas também à má-fé


São imensas as frestas abertas da corrupção no Brasil. Poucos ou até mesmo inexistentes são os setores infensos à ação de malfeitores ávidos em avançar sobre o patrimônio público, ora em benefício do patrimônio pessoal, ora direcionando-o para políticos ou partidos que, em troca de vantagens, os protegem. São chocantes os exemplos que, neste sentido, nos foram oferecidos pelo mensalão e agora, mais recentemente, pelo petrolão – casos em que se conluiaram servidores públicos de alto escalão, grandes empreiteiras, parlamentares e siglas políticas, todos envolvidos num mesmo objetivo, o de apoderar-se de dinheiro alheio para obter lucros escusos.

Em meio à repercussão centralizada naqueles dois maiores e mais conhecidos escândalos, por frestas pouco menores – mas não menos importantes do ponto de vista da moralidade – esvaem-se também recursos de pequenos contribuintes que recolhem parcelas de seus salários na esperança de garantir futura aposentadoria. A corrupção também pega em cheio alguns dos mais ricos fundos de pensão de estatais federais, como se revela nos casos do Postalis e do Funcef, respectivamente dos servidores dos Correios e da Caixa Econômica. Não escapam da mesma sanha o Petros (da Petrobras) e o Previ (Banco do Brasil).

A ligá-los há uma primeira coincidência: são todos administrados por gestores indicados pelo PT, PMDB e outros partidos. Uma segunda coincidência: todos se tornaram deficitários e incapazes de garantir a perpetuidade da seguridade prometida aos seus milhares de associados. E terceira: a ameaça de insolvência em que se encontram deve-se não apenas a gestões negligentes, imprudentes ou imperitas, mas também à má-fé. A ponto de se cometer fraudes documentais em que tintas corretoras de uso escolar foram utilizadas para adulterar cifras e cifrões.

O Postalis apresenta rombo de R$ 5,7 bilhões e, para tapá-lo, sua diretoria pretende recorrer ao mais usual artifício: obrigar aqueles que em nada contribuíram para o descalabro a pagar a conta mediante desconto, por longos 15 anos, de 26% de seus salários. O “furo” no Funcef é também superior a R$ 5,5 bilhões e o remédio encontrado para cobri-lo é semelhante, isto é, aumentar por 12 anos a alíquota de contribuição previdenciária dos empregados. Claro que nos dois casos as entidades de representação dos servidores movem medidas judiciais para que eles não sejam punidos com o corte de um quarto de seus salários.

Como os fundos de pensão movimentam cifras gigantescas, em boa parte oriundas diretamente também dos cofres públicos, sua crise administrativa e moral passa a ser assunto de interesse coletivo e que precisa ser investigada a fundo. Daí a iniciativa de alguns senadores de partidos de oposição visando à criação da CPI dos Fundos, mas o governo – por razões óbvias, mas nunca declaradas – se esforça para impedi-la. Já conseguiu, por exemplo, que a bancada do PSB retirasse suas assinaturas de um requerimento de instalação e articula outras medidas para enterrá-la de vez, embora a oposição siga tentando: na sexta-feira, dia 17, o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima, disse ter as assinaturas necessárias para protocolar o pedido, e vai fazê-lo na próxima quarta-feira, dia 22.

Podemos nos espantar com a atitude do governo de querer empurrar para debaixo do tapete a necessária investigação dos fundos? Não. Pelo contrário, a sabotagem apenas expõe à luz do dia a hipocrisia de quem afirma que se deve ao atual governo o combate rigoroso à corrupção no país. Na verdade, não se deve ao governo, mas a instituições do Estado que, com independência, têm sido assertivas na tarefa de selar algumas das incontáveis frestas – como o que vêm fazendo, no caso emblemático da Operação Lava Jato, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e o Judiciário.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO


QUARENTA FUNCIONÁRIOS SOB SUSPEITA

Aos menos quarenta funcionários da Petrobras podem ter participado do esquema de corrupção desmantelado pela Operação Lava Jato, segundo fontes policiais. Experientes investigadores acreditam que os ex-diretores Paulo Roberto Costa (Abastecimento), corrupto confesso, e Renato Duque (Serviços), presos pela Justiça, não comandariam o esquema de corrupção sem o auxílio de um “staff” corrupto.

STAFF DA CORRUPÇÃO

O “staff” dos ex-diretores teria atuado não apenas na própria sede da Petrobras como também em obras como a refinaria de Abreu e Lima.

A HORA VAI CHEGAR

Nesta fase, a Lava Jato se empenha em definir o papel dos líderes do esquema, para depois identificar cúmplices.

MUITO TRABALHO

As diretorias de Abastecimento e de Serviço da Petrobras coordenam outras dez subdiretorias. A Polícia Federal investiga todas.

PEC DA MAIORIDADE

Rubens Júnior (PCdoB-MA) protocolou no STF mandado de segurança para barrar o andamento da PEC 171, que reduz a maioridade penal.

CUNHA EXIGE QUE PT CONTROLE CUT E ONGS GAY

A nomeação de Henrique Alves no Ministério do Turismo foi quase um gesto de rendição de Dilma, mas o deputado Eduardo Cunha continua insatisfeito. Ele exige, por exemplo, que o PT e o governo controlem a CUT e entidades sob sua influência, como ONGs gay, que o hostilizam por onde ele passa, Brasil afora. A irritação do presidente da Câmara pode dificultar a aprovação das medidas de ajuste fiscal do governo.

‘NO PAU’, NÃO

Eduardo Cunha também põe na conta do Planalto o fato de a militância da CUT constranger deputados favoráveis ao projeto da terceirização.

AMEAÇAS

Fiador do projeto de lei da terceirização, Eduardo Cunha está disposto a ir à forra, caso a proposta não avance.

O PT IRRITA

Cerebral, de inteligência privilegiada para o bem e para o mal, Eduardo Cunha tem um ponto fraco: o PT costuma mexer nos seus nervos.

BOCA LIVRE NA CASA BRANCA

Dilma fará apenas uma visita de trabalho a Washington, em junho, mas vai ficar hospedada na Blair House, honraria reservada a poucos, e ainda terá direito a jantarzinho na Casa Branca. Mas se fosse aquela visita de Estado cancelada, seria jantarzão, no mínimo 600 convidados.

CAIU O RITMO

Pode não parecer, mas o ritmo de prisões pela Polícia Federal em 2015 é menor que em 2014. No ano passado foram 2.441 prisões, no total. Desde o início do ano, operações da PF já prenderam 16 servidores.

SÓ FALTA APOIO

Em tempo de redução de gastos, o senador Álvaro Dias é autor de PEC que reduz o número de senadores de 3 para 2, por estado, e de deputados federais em 20%.

BOLSA BILIONÁRIA

O governo Dilma já destinou R$ 4,7 bilhões ao Bolsa Família em 2015: a Bahia é o que mais recebe (R$ 610 milhões), seguida por São Paulo (R$ 404 milhões) e Maranhão (R$ 380 milhões).

IMPORTANTE É A POSE

Henrique Alves rastejou para ser ministro só para dizer em seu Estado que desfruta de “prestígio”, apesar de Lula e Dilma lhe terem negado apoio em sua derrotada campanha ao governo potiguar.

NÃO PASSA

Aécio Neves (PSDB-MG) não acredita que o ajuste fiscal de Dilma passe no Congresso sem alterações. Diz que o governo quer que o trabalhador pague o fruto da irresponsabilidade da presidente.

AHN?

Luciano Coutinho deixou os oposicionistas de orelha em pé em audiência na CPI da Câmara. Havia suspeita de que o presidente do BNDES estava usando ponto eletrônico, mas era um aparelho auditivo.

PELO IMPEACHMENT

A oposição aguarda o Dia do Trabalho (1º de maio) para realizar manifestação pelo impeachment de Dilma. Paulinho da Força (SD) afirma que a ideia é “deixar o governo sangrando no feriado”.

PIOR FICA

O deputado Tiririca (PR-SP) tem sério concorrente na Câmara: o líder do PT, Sibá Machado (AC), depois da atabalhoada defesa de Vaccari.

sábado, abril 18, 2015

Disputa perigosa - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 18/04

Disputa mostra como são pouco republicanas as instituições. 


A disputa corporativa entre a Polícia Federal e o Ministério Público é exemplar do baixo índice de republicanismo que nossas instituições possuem. Nesses casos, como sempre, quem sai ganhando são os bandidos, enquanto os supostos "mocinhos" brigam entre si para ver quem recebe os louros de uma ação que tem o apoio da sociedade, mas pode ir por água abaixo devido a esse tipo de mesquinharia.

A base da divergência é um projeto de emenda constitucional (PEC) 412, que transforma a Polícia Federal em agência autônoma, com independência administrativa e orçamento próprio. Mesmo ainda não aprovada, os policiais já estariam agindo como se estivesse em vigor, o que incomoda os procuradores do Ministério Público.

A Associação dos Delegados da Polícia Federal, em nota, assume que a discordância é sobre quem manda na Operação Lava-Jato, alegando que o Ministério Público, sob o comando do procurador-geral, Rodrigo Janot, "promove o esvaziamento e o enfraquecimento da Polícia Federal com o nítido objetivo de transformá-la de uma polícia judiciária da União em uma verdadeira polícia ministerial".

Tudo se resumiria a disputas mais ou menos permanentes de corporações, cada qual em busca de maior independência, se não fosse a ação de representantes da Polícia Federal no Congresso, fazendo lobby para que a PEC 412 seja aprovada. O perigo de promiscuidade ficou claro quando o presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio, reuniu-se com o senador Humberto Costa do PT, com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do PMDB, e com o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputado Artur Lira, do PP, todos acusados na Operação Lava-Jato.

É claro que no mínimo o momento não é apropriado para pedir favores a parlamentares, muito menos àqueles investigados pela corrupção na Petrobras. E o que fizeram os procuradores? Passaram a boicotar a ação da Polícia Federal, chegando mesmo a telefonar para os investigados dizendo que eles não precisavam fazer depoimentos na PF, poderiam depor ao Ministério Público diretamente.

Os parlamentares investigados passaram a ter uma posição privilegiada, podendo barganhar com as duas instituições. A disputa, assim, passou a afetar a atuação de ambas, a ponto de um delegado da Polícia Federal que faz parte da Operação Lava-Jato em Curitiba, Eduardo Mauat da Silva, ter insinuado que o Ministério Público está atuando politicamente para atrapalhar as investigações da Polícia Federal, e acusado até mesmo o governo de não repassar as diárias dos policiais, que estariam tendo que pagar suas despesas do próprio bolso.

Cada instituição tem uma autoridade federal para chamar de sua, a PF subordinada ao Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e os procuradores ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ambos acusados de tentar sabotar as investigações. O Ministro Teori Zavascki, relator do processo do petrolão no supremo tribunal Federal (STF), atendeu a pedido do Ministério Público e suspendeu o depoimento de parlamentares em sete inquéritos.

A definição de quem é o autor do processo já está feita pelo STF, é o Ministério Público. Mas isso não quer dizer que a Polícia Federal tenha que atuar como mera colaboradora, não tendo liberdade para definir seus próprios procedimentos. Saber lidar com essas delicadezas institucionais sem colocar todo o trabalho a perder é fundamental.

A sociedade, que acompanha e apoia a Operação Lava-Jato, saberá repudiar os responsáveis por eventuais atrasos, ou até mesmo deslizes técnicos que prejudiquem a apuração. Os advogados dos investigados, de outro lado, estão de olho em possíveis falhas para tentar anular o processo.

É preciso que Ministério Público e Polícia Federal entrem em acordo o mais rápido possível para não passarem de responsáveis pelo sucesso da operação, louvados pela opinião pública, a culpados por seu fracasso, que será um pouco o da democracia brasileira.

Dilma e a fogueira partidária - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

O Estado de S. Paulo - 18/04

Dilma Rousseff terceirizou a condução da economia para o ministro Joaquim Levy, a articulação política para o vice Michel Temer e imaginava que o terceiro turno havia acabado. Declarou isso na terça-feira. Acordou um dia depois e percebeu que seu pesadelo não tinha fim. A prisão do tesoureiro que o PT insistiu em manter com a chave do cofre uniu a oposição pelo impeachment - e afastou a presidente do partido de Lula.

Se ficar tête-à-tête com Barack Obama, Dilma poderia pedir dicas sobre como lidar com uma oposição que está sempre tentando trançar-lhe o pé e, se der, derrubá-lo. No Brasil, pode parecer novidade, mas nos EUA é do jogo já faz tempo. O presidente tem de estar sempre em guarda e, de preferência, na ofensiva, para tomar o controle da narrativa. Se recua, a oposição toma-lhe terreno, o discurso e, quem sabe, o cargo.

A cordialidade na política brasileira está tão superada quanto as peladas entre deputados de partidos rivais na Constituinte. Lula fez muitas amizades naquele tempo, mas poucos sobraram daquele time, seja no Congresso, seja nas cúpulas partidárias. Os que restaram não jogavam bola - salvo Aécio Neves. Sem interlocução, diminui a chance de acordos.

Nesse novo campeonato político, o conflito é permanente, o adversário joga bruto, a imprensa corneta e, às vezes, até o juiz é do contra - uma Taça Libertadores sem fim. Mas, como bem enunciou o sábio corintiano Vicente Matheus, quem entra na chuva é para se queimar. E queimados, todos estão.

Pesquisa inédita mostra que, se a política está uma brasa, os partidos viraram carvão - quando não, cinzas. O Ibope registrou novo recorde na sua série histórica de preferência partidária: 2 de cada 3 brasileiros não têm simpatia por nenhuma sigla. No auge dos protestos de 2013 a taxa dos sem-partido chegara a inéditos 59%. Desde então, cresceu e alcançou, este mês, os 66%.

Quando - entre uma votação e outra de artigos da nova Constituição - o petista Lula e o futuro tucano Aécio corriam atrás da pelota com confrades do PT e do PMDB, a maioria dos brasileiros tinha preferência por esta ou aquela agremiação política. Em 1988, havia inacreditáveis 26% de simpatizantes peemedebistas. Os petistas e sua área de influência ainda eram 12%, e as demais siglas somavam 24% das preferências do público.

Mesmo durante as crises do final do governo Sarney, do impeachment de Collor e da superinflação do começo da gestão Itamar a proporção dos sem-partido nunca chegou nem à metade da população. Sua taxa oscilou na faixa dos 40% por toda a era FHC. O PSDB absorveu alguns ex-peemedebistas e bateu em 10% de simpatizantes no primeiro mandato de Fernando Henrique. Mas caiu junto com a popularidade do ex-presidente no começo de 1999.

Os anos 2000 assistiram à ascensão fulminante do petismo. Como já haviam faturado nas crises anteriores, os petistas cresceram durante o apagão do governo FHC. Saíram de 15% das preferências para picos de mais de 30%, superando de vez o PMDB. O petismo emagreceu durante a crise do mensalão enquanto os tucanos pareciam ganhar musculatura. Mas Lula se reelegeu em 2006, o PT se alimentou da popularidade do presidente, e o PSDB murchou.

Desde então, a taxa dos sem-partido é a imagem no espelho do petismo. Se um sobe, o outro cai - sem que os demais partidos cheguem nem perto dos dois dígitos e participem da cena. Foi nesse período que a disputa política mais se acirrou. Quanto mais violenta a partida, menor o público disposto a assisti-la.

Por causa da economia, da corrupção e da decepção com Dilma, o PT caiu a 14% de simpatizantes. Regrediu 15 anos. O resultado é que o antipetismo é hoje mais do que o dobro do petismo. Segundo o Ibope, 35% dos brasileiros se declaram contra o PT. Por isso, quase qualquer um - menos os queimados partidos tradicionais - consegue mobilizar tanta gente em manifestações antipetistas.

A estrela fica - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 18/04

Cultivar a ideia da supressão do PT revela o impulso de amputar nossa história. O PT é parte do que somos


A prisão de João Vaccari simboliza a "prisão preventiva do próprio PT", declarou Aécio Neves, do PSDB, secundado pelo deputado Rubens Bueno, líder do PPS, para quem o episódio "representa o PT na cadeia". Mais prático, o senador Ronaldo Caiado, líder do DEM, sugeriu que os desdobramentos poderiam resultar na perda do registro partidário do PT. A ideia de eliminação do PT, evocada pioneiramente por Jorge Bornhausen, do antigo PFL, em 2005, encontra eco entre setores dos manifestantes do 15 de março e do 12 de abril. Nessas circunstâncias, o dever de ensinar aos exterministas como funciona uma democracia não pode ser terceirizado ao próprio PT.

As condenações de José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, bem como a prisão preventiva de Vaccari, evidenciam que, no núcleo dirigente do PT, incrustou-se uma organização criminosa. A se julgar pelas receitas da empresa de consultoria de Dirceu e pelas movimentações bancárias da família Vaccari, a corrupção tradicional, essa "velha senhora" (Dilma Rousseff), está entre as atividades da quadrilha. O seu foco, porém, é a corrupção de novo tipo, "netinha peralta da velha senhora" (Roberto Romano), destinada a cristalizar um bloco de poder. Mas nada disso autoriza a impressão de um carimbo policial na estrela do PT.

O PT não se confunde com a organização criminosa nele incrustada. O partido, semeado no chão da luta contra a ditadura militar, não é uma sigla de conveniência como as criadas por Gilberto Kassab, o despachante do Planalto para negócios cartoriais. É sua militância e sua base de filiados, responsável por eleições internas que mobilizam centenas de milhares de cidadãos. É, sobretudo, sua base eleitoral, constituída por vários milhões de brasileiros. O PT é parte do que somos.

Sibá Machado, líder petista no Senado, classificou como "política" a prisão de Vaccari. Os políticos presos do PT ergueram os punhos para declarar-se prisioneiros políticos. André Vargas repetiu o gesto no Congresso, diante de Joaquim Barbosa, para dizer que o PT não reconhece a legitimidade do STF. O Partido cindiu o país em "nós" e "eles", reproduzindo no plano da linguagem o que fazem, por meios policiais, regimes autoritários de esquerda. O Partido celebra tiranias, aplaude violações de direitos políticos em Cuba e na Venezuela, clama pela limitação da liberdade de imprensa no Brasil, fabrica listas negras de críticos, qualificando-os como "inimigos da pátria". Mas a aversão petista ao equilíbrio de poderes e à pluralidade política não justifica o erro simétrico, que é crismar o PT como "inimigo da pátria".

Na mensagem ao 5º Congresso Nacional do PT, a direção partidária interpreta o "sentimento antipetista" como reação conservadora "às ações políticas de inclusão social" dos governos Lula e Dilma. Vendando os olhos dos militantes, embalando-os numa ilusão complacente, os dirigentes postergam uma difícil, mas inevitável, revisão crítica. De fato, o "sentimento antipetista" expressa a vontade de evitar a identificação entre Estado e Partido. Já a manipulação exterminista desse sentimento não passa de uma cópia invertida do desejo petista de anular o direito à divergência.

No Palácio, o PT perdeu o patrimônio moral indispensável para defender a democracia. Hoje, triste ironia, são os críticos do PT que podem desempenhar o papel de advogados da sua existência como ator legítimo. Pedir o impeachment da presidente, por bons ou maus motivos, não atenta contra a ordem democrática. Sobram razões para gritar por um governo sem o PT, algo que serviria tanto ao Brasil quanto ao PT, que só na planície será capaz de entender as virtudes do pluralismo político. Por outro lado, cultivar a ideia da supressão do PT revela o impulso autoritário de amputar nossa história.

Vaccari é caso de polícia; o PT, não. A estrela fica.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

PT CONVOCA MILITÂNCIA PARA ‘TEMPOS DE GUERRA’

Resolução da facção Articulação de Esquerda revela os planos do PT para o próximo Congresso Nacional do partido. Dividido em cinco tarefas, o documento batizado de “Um partido para tempos de guerra” define como “golpe” a crise de corrupção que engoliu o partido e ainda defende a “reocupação das ruas”. Segundo o documento petista, o objetivo máximo é “derrotar a direita, mesmo sem a ajuda do governo”.

TUDO MENOS PROTESTO

Segundo a Articulação, os protestos de 15 de março foram uma forma de “criminalizar o PT, os movimentos de esquerda, os sem-terra” etc.

CENSURA NA CABEÇA

Para a facção, o PT deve lutar pela “mídia democrática” e “engajar e orientar seus quadros e militantes” a brigar pela imprensa monitorada.

DISCURSO VELHO

O documento admite que o PT foi incapaz de “retirar do grande capital” o controle da economia e da política. E convoca militantes para a briga.

CHORO VERMELHO

Mencionado sete vezes no documento do PT, Eduardo Cunha (PMDB), presidente da Câmara, é acusado de liderar a “ofensiva da direita”.

PARA CUNHA, ‘PEDALADAS’ É QUE DÃO IMPEACHMENT

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, já afirmou que a Operação Lava Jato ainda não tem elementos para abertura de processo de impeachment contra Dilma. Mas, em conversas com aliados, admite que o fato jurídico capaz de levá-la à cassação está relacionado às “pedaladas fiscais”, crimes previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal. O crime já foi reconhecido pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

CRIME FISCAL

Com as “pedaladas”, o governo simulou melhoria das contas públicas, para efeito de superávit, usando operações ilegais com bancos oficiais.

REBORDOSA

O Ministério Público Federal, junto ao TCU, denunciou as “pedaladas” e pediu a abertura de processo-crime.

EXPLICAÇÕES

O TCU aumentou de 14 para 17 as autoridades a serem interrogadas sobre as “pedaladas”. O assunto, depois, deve ir para o Judiciário.

NÃO VAI FICAR ASSIM

Apesar de mais discreto, Renan Calheiros não é menos implacável que Eduardo Cunha. Por isso o governo trabalha com uma certeza: vem aí o troco pela demissão do ex-ministro do Turismo Vinícius Lages.

IMPEACHMENT

A prisão do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, colocou gasolina no pedido de impeachment de Dilma. A oposição e até petistas acham que Vaccari não suportará a pressão e logo vai propor delação premiada.

RIQUEZAS DA CÂMARA

Mais conhecida pela riqueza dos integrantes do que pelo valor do acervo histórico, a Câmara expõe, até 26 de julho, sua coleção de obras que chegaram ao Brasil com o imperador D. João VI.

A VEZ DA PUBLICIDADE

Com a prisão de Vaccari, os petistas estão receosos, especialmente, com os contratos de comunicação da Petrobras. Dizem que muitos políticos estão enrolados em contratos de publicidade.

DECLÍNIO MELANCÓLICO

Humilhante para Henrique Alves não foi só suplicar o cargo, mas, após onze mandatos e a presidência da Câmara, virar ministro apenas pela força do apadrinhamento de Eduardo Cunha.

CAÇA AO KASSAB

O PMDB quer reduzir o número de ministérios de 39 para 20, extinguindo inclusive o Ministério das Cidades de Gilberto Kassab, ministro proprietário do PSD e do futuro Partido Liberal (PL).

FORA, CUNHA

Será no domingo, no Aterro de Iracema, em Fortaleza, o ato que pede a renúncia do presidente da Câmara. Lidera o evento o movimento “Eu exijo a renúncia de Eduardo Cunha”.

OSTRACISMO

Marina Silva tenta não cair no esquecimento. Há dias ela perambulava no Congresso fazendo lobby contra o projeto que reduz a maioridade penal. Orlando Silva (PCdoB-RJ) aproveitou para tirar uma foto.

PENSANDO BEM...

O Ministério da Justiça se jacta do combate ao crime “eficiente”, apesar de o Brasil ter a 11ª maior taxa de homicídios do mundo, assim como certamente se orgulha dos indicadores suecos de corrupção.


PODER SEM PUDOR

CONTA DE SOMAR

Homem sério, o líder mineiro Milton Campos nunca foi daqueles políticos que tentam explicar o inexplicável. Ele perdeu para João Goulart, em 1960, a eleição para vice-presidente da República, que na época não era "casada" com a de presidente. Na expectativa de obter uma avaliação profunda do seu próprio insucesso, um jornalista provocou:

- Dr. Milton, por que o senhor perdeu?

- Perdi porque ele teve mais votos - disse, encerrando a conversa mole.

O outro lado do 'outro lado' - FERNÃO LARA MESQUITA

O ESTADO DE S.PAULO - 18/04

O PT apoia sua estratégia de controle hegemônico do Brasil na reafirmação sistemática de mentiras essencialmente porque isso funciona. É uma técnica especialmente desenvolvida, testada e aprovada. O dano colateral do uso dessa arma é virtualmente irreversível, mas o poder é sexy o bastante para contar sempre com quem esteja disposto a matar e morrer por ele.

Na quarta-feira, 15, este jornal publicou extensa reportagem do Guardian sobre o assunto, no mínimo, angustiante.

Hoje todo mundo já nasce com os recursos de manipulação de imagens nas mãos e vive a maior parte da vida em mundos virtuais, de modo que a primeira coisa de que estamos treinados a desconfiar é daquilo que nossos olhos veem. Mas não foi sempre assim. A humanidade custou a recuperar-se do advento do registro cinematográfico. A edição de imagens destruiu a última barreira sólida que havia entre o nosso equipamento cognitivo e a realidade exterior. "Eu vi com meus próprios olhos" já foi o argumento que encerrava qualquer controvérsia. Hoje não existem mais certezas. Tudo pode ser nada.

Os totalitarismos e os genocídios do século 20 não teriam sido possíveis sem as falsas emoções e "realidades" que era possível plantar como reais antes que a humanidade aprendesse a redefinir o valor do que seus olhos viam e seus ouvidos ouviam.

Na ponta contrária, desenvolver essas técnicas em ciências se transformou numa credencial obrigatória de acesso ao poder e num imperativo de sobrevivência para os Estados nacionais. Enquanto os dois lados tinham objetivos diferentes a atingir, tratava-se de antecipar as reações do adversário, algumas jogadas adiante, e induzi-lo a erro ou a reações previsíveis por meio de informações falsas.

Mas os tempos ingênuos da "desinformação" ficaram para trás. Agora, na era do poder para nada, na era do poder pelo poder, não se trata mais de convencer, ainda que pela mentira. O que conta é conquistar e manter o poder, seja como for, não "para isto" ou "para aquilo", mas apenas para tê-lo, apenas para desfrutá-lo.

O Guardian descreve, então, como o celerado Putin, ex-KGB e agora czar de todas as Rússias, retomou a obra de onde a tinham deixado os soviéticos para adaptá-la à nova realidade das armas tão destrutivas que não podem mais ser usadas, em que as tiranias se impõem e se mantêm como se tudo não passasse de uma disputa entre advogados desonestos que se confrontam nos fóruns e tribunais internacionais, na qual o objetivo é manter-se sempre nas intersecções da regra e "destruir a ideia mesmo de prova" capaz de caracterizar uma determinada ação como estando em conflito com alguma delas, num universo em que nada é moralmente superior a nada, não há mais fatos, só versões, e onde a realidade "pode ser constantemente recriada".

Como é que se faz isso?

A Pequena Enciclopédia e Guia de Referências sobre Operações de Informação e Guerra Psicológica, compilada a partir do momento, em 1999, em que o marechal Igor Sergeyev, então ministro da Defesa, admitiu que a Rússia não tinha mais condição de competir militarmente com o Ocidente e era preciso partir para "métodos alternativos" para levar as guerras para a "psicosfera", onde as armas são outras, explica didaticamente o caminho. "Trata-se menos de métodos de persuasão e mais de influenciar as relações sociais (...) de desenvolver uma álgebra da consciência (...) As armas de informação funcionam como uma radiação invisível que atua contra alvos que sequer ficam sabendo que estão sendo atingidos e, assim, não acionam seus mecanismos de autodefesa."

Aproveitando o momento vulnerável da imprensa americana, que, no nível historicamente mais baixo de sua credibilidade por ter embarcado na mentira das armas químicas de Saddam Hussein sem checar suficientemente fontes alternativas, tentava redimir-se obrigando-se a dar um "outro lado" a toda e qualquer história que publicasse, Putin sentiu que estava na mão a oportunidade de levar a sua "guerra da psicosfera" para um patamar mais elevado.

Criou, então, a RT, uma espécie de BBC russa de televisão transmitida para diversos países, a começar pelos próprios Estados Unidos, chefiada por Margarita Simonyan, cujo mantra é "não existem reportagens objetivas. E se elas não existem, todas as versões são igualmente verdadeiras". Na velocidade da internet (Putin também paga um exército de blogueiros para inundar a rede de "provas" e "versões" do seu interesse para todo e qualquer fato que surge na imprensa mundial, de modo a tornar impossível apurá-los e desmenti-los a todos), os russos passam a testar a fidelidade dos jornalistas americanos à nova regra. "Especialistas" são convocados a todo momento às bancadas da RT para dar versões estapafúrdias de todo e qualquer acontecimento, que os jornalistas nunca desafiam, apenas reproduzem sob o onipresente título/álibi: "O outro lado". Assim nascem histórias bizarras que chegam a correr mundo como as de que o Ebola foi criado pela CIA para destruir populações de países pobres, a derrubada do avião da Malaysia Airlines pelos invasores russos da Ucrânia foi um erro dos americanos, que pensavam estar atacando o jato particular de Putin, e por aí afora.

Um mercado tinha sido criado. Bastava aos russos atender à demanda por "outros lados". "Se a objetividade é mesmo impossível e todas as versões, por mais bizarras que sejam, merecem ser apresentadas numa base de igualdade, então nenhum órgão de imprensa é mais confiável que os outros" é a conclusão dos auxiliares de Putin.

O projeto evolui, assim, para "uma espécie de sabotagem linguística da infraestrutura da razão: se a mera possibilidade de uma argumentação racional for soterrada num nevoeiro de incertezas, não há mais espaço para o debate e o público acabará desistindo de saber quem tem razão", efeito que, notam os estatísticos, "já é mensurável na Europa, onde as pesquisas registram um nítido desgaste da identidade coletiva e uma sensação geral de perda de controle".

Qualquer semelhança com o Brasil do PT não é mera coincidência.

O governo pisca - IGOR GIELOW

FOLHA DE SP - 18/04

BRASÍLIA - Depois de uma semana em que más notícias turvaram algumas boas novas para o Planalto, o governo Dilma Rousseff exerceu com galhardia sua vocação para o tiro no pé nesta sexta (17).

Em vez de responder tranquilamente à condenação do TCU (Tribunal de Contas da União) às pedaladas fiscais de 2014, Dilma mandou nada menos do que dois ministros fazerem uma defesa exaltada e politizada, avocando novamente a palavra impeachment para si.

E não são titulares quaisquer. São o ministro da Justiça, supostamente o baluarte do republicanismo, e o advogado-geral da União, teoricamente estandarte da boa governança.

Ocorre que José Eduardo Cardozo e Luís Inácio Adams se apresentaram como militantes partidários de um governo acossado. Adams foi explícito, aliás, ao falar em um "ambiente de estresse econômico, fiscal e político". Desceram ao nível de um Sibá Machado, o líder cuja envergadura tem servido de epitáfio para o partido que o PT já foi no Congresso.

Cardozo, por sua vez, repetiu um papel recorrente, o de porta-voz do contraditório à oposição. Reclamou de quem pede o impeachment por causa do "casus belli" encarnado no desrespeito às regras do jogo.

A questão das pedaladas é séria e passível de punição, mas só ultrapassa o nível do Ministério da Fazenda em direção ao campo político se realmente houver um clamor pelo impedimento de Dilma.

Os mais de 60% de brasileiros que hoje defendem a medida são uma régua, e as ruas, menos estridentes mas presentes, outra. O PMDB mandando de fato no governo está, por sua vez, avaliando essas variáveis enquanto a banda toca.

Isso dito, por ora temos um acirramento natural da oposição querendo inflamar uma bandeira --como o PT já fez no seu tempo de militância.

Ao piscar tão nervosamente, o governo dá a exata medida do temor que se encerra em seu coração.

segunda-feira, abril 13, 2015

As viagens de Lula pagas pela Odebrecht

O ANTAGONISTA - 13/04

Lula, em janeiro de 2013, fez um périplo por Cuba, República Dominicana e Estados Unidos, pago pela Odebrecht.

Ele acompanhou Alexandrino Alencar, o executivo que, segundo Alberto Youssef e outros dois delatores da Lava Jato, era encarregado de distribuir a propina da empreiteira.

Em sua reportagem, O Globo informa que, embora a viagem tenha sido paga pela construtora, Lula não possuía qualquer relação oficial com as atividades da empresa naqueles países.

O documento da Líder Táxi Aéreo, que forneceu o avião usado por Lula, mostra que o contratante exigiu discrição. No campo “passageiro principal” do formulário, o funcionário da Líder escreveu: “voo completamente sigiloso”.

Para evitar que fosse vinculada ao fretamento, a Odebrecht usou uma de suas parceiras para pagar a despesa: a DAG Construtora, da Bahia.

O dono da empresa, Dermeval Gusmão, primeiro negou ter pagado pelo voo. Anteontem à noite, porém, ele ligou para O Globo informou ter localizado um pagamento de 435 mil reais à Líder e disse que um de seus diretores pode ter feito isso a pedido da Odebrecht.

"Rainha, enfim" - VINICIUS MOTA

Folha de SP - 13/04

Premonitórias foram as palavras do publicitário João Santana logo após a primeira eleição de sua pupila Dilma Rousseff. Ela estaria fadada a ocupar "a cadeira da rainha", uma lacuna na "mitologia política e sentimental brasileira".

A profecia agora se cumpre. Como ocorre com o monarca no Reino Unido, Dilma Segunda se senta no trono, mas não governa. Acalentou personificar a força da mulher e das minorias, mas entregou o cetro a quatro homens brancos, que farão o oposto do prometido na campanha.

Esse arremedo de república (ou, caricaturalmente, de monarquia) parlamentarista é a resultante não controlada nem planejada de um processo político estrambótico, em meio à deterioração da economia e da popularidade presidencial e à eclosão nas ruas de um movimento de centro-direita.

O arranjo político deve, por um momento, estancar a sangria em que se converteu a governabilidade nos últimos 90 dias. A popularidade da presidente parou de piorar, há sinais de distensão no Congresso, e a agenda de centro-esquerda do PT foi trocada por uma de centro-direita, liberal na economia e conservadora nos costumes e na distribuição de danos.

Desse modo o "governo de fato" se sintoniza com o que parece ser o sentimento majoritário circunstancial da sociedade. Amolda-se também ao tacão dos credores do governo e do país, que exige recomposição mínima de equilíbrio financeiro.

Fruto do improviso, esse balanço exótico de forças, que faz de Dilma uma presidente-observadora, não apresenta resposta duradoura à crise. Uma camada de gelo fino se cristalizou sobre um mar tumultuoso que continua a agitar-se logo abaixo.

A degradação da renda e do emprego da população apenas se inicia e veio para ficar por um longo tempo. O escândalo da corrupção partidária ainda tem muitos cartuchos para queimar. Faltará pão para saciar a fome de políticos vorazes.

Peça decisiva - PAULO GUEDES

O GLOBO - 13/04

É importante interpretar as recentes iniciativas de poderes supostamente independentes para enfrentar a crise política e econômica que nos ameaça. Após cem dias de turbulência, o Executivo define finalmente sua estratégia. Encurralada pela crise de duas cabeças, a presidente Dilma Rousseff, que já havia convocado Joaquim Levy para a economia, entrega agora a coordenação política para Michel Temer. Dilma teve de executar esses dois movimentos, pois eram os que lhe restavam para promover o ajuste econômico e evitar o caos político.

"Dilma é a primeira presidente da República que não foi parlamentar. Ela não conhece o Congresso", havia criticado o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. "Dilma Rousseff confiou excessivamente em sua precária formação em economia. Tornou-se, portanto, indissociável do equivocado rumo tomado pela economia. Suas digitais estão em toda parte. A presidente tem de interditar a economista. Dilma deve se comprometer com a recuperação dos fundamentos fiscais, indicando pessoas com quem não gostaria de trabalhar e que provavelmente também não gostariam de trabalhar com ela", escrevi nesta coluna em novembro passado. Fomos ambos atendidos.

O Poder Legislativo ensaia uma agenda própria. Renan Calheiros quer examinar no Senado a independência do Banco Central. Eduardo Cunha quer levar adiante na Câmara de Deputados uma inadiável reforma política. Breve saberemos se o PMDB está apenas renegociando as condições de capitulação da presidente à velha política, oferecendo sustentação parlamentar e seguro presidencial contra impeachment a preços moderados ( ministérios do Turismo e da Pesca) quando comparados ao mensalão e ao petrolão. Ou, alternativamente, se está usando sua independência para aperfeiçoar nossas instituições.

Agora, a peça decisiva. Nossa transição do Antigo Regime para a Nova República dependeria então de uma aposta em menos oportunismo e fisiologia? Apesar da sensata sugestão de Cunha para a redução do número de ministérios, seria ingênuo contar com papas renascentistas para fazerem as reformas. Nossas esperanças estão agora com o Poder Judiciário. As atuações de Joaquim Barbosa, antes, e Sergio Moro, agora, são claras indicações de que há novas exigências éticas para o exercício da política

Deus salve a rainha! - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 13/04

Que maneira infeliz de celebrar os primeiros cem dias de governo! Seis em cada dez brasileiros consideram péssima ou ruim a administração de Dilma. Quase seis em dez acham que ela sabia da corrupção na Petrobras e nada fez. Para quase oito em dez, a inflação aumentará. Assim como o desemprego, para sete em cada dez. Dois em cada três são favoráveis à abertura de um processo de impeachment contra Dilma.

AS MANIFESTAÇÕES de rua são apoiadas por sete em cada dez. E se a eleição para a escolha do sucessor de Dilma tivesse ocorrido na semana passada, Aécio Neves teria derrotado Lula por 33% dos votos contra 29%, segundo a mais recente pesquisa Datafolha. Dos seus vários bunkers em Brasília, a presidente só sai para lugares onde não corra o risco de ser vaiada. Se falar na televisão, pode deflagrar um panelaço.

O QUE DILMA fez para merecer isso? Mentiu. Apenas mentiu. Simples assim. O Brasil era um paraíso na propaganda dela para se reeleger. Menos de dois meses depois, o paraíso se evaporara. Dilma jurou que jamais faria certas coisas que só seriam feitas por seus adversários. Começou a fazê-las antes do fim do seu primeiro mandato. Mentiu de novo? Não. Era a mesma mentira. Tudo era uma mentira só.

UMA PESSOA QUE não ama seus semelhantes, ou que não sabe expressar seu amor por eles, não pode ser amada. Que o diga Jane, ex-criada do Palácio da Alvorada. Um dia, Dilma não gostou da arrumação dos seus vestidos. E numa explosão de cólera, jogou cabides em Jane. Que, sem se intimidar, jogou cabides nela. O episódio conhecido dentro do governo como "a guerra dos cabides" custou o emprego de Jane.

MAS ELA DEU sorte. Em meio à campanha eleitoral do ano passado, Jane foi procurada pela equipe de marketing de um dos candidatos a presidente com a promessa de que seria bem paga caso gravasse um depoimento a respeito da guerra dos cabides. Dilma soube. Zelosos auxiliares dela garantiram a Jane os benefícios do programa "Minha Casa, Minha Vida", uma soma em dinheiro e um novo emprego. Jane aceitou. Por que não? 


LULA SE QUEIXA de Dilma porque ela não segue seus conselhos. Segue, sim. Só que às vezes demora. Para que abdicasse da maioria dos seus poderes, por exemplo, foi decisivo o bate-boca que teve com Lula no Palácio da Alvorada, em março último. A certa altura, Lula disse: "Eu lhe entreguei um país que estava bem..." Dilma devolveu: "Não, presidente. Não estava. E as medidas que estou tomando são para corrigir erros do seu governo".

A RÉPLICA NÃO demorou. "Do meu governo? Que governo? O seu já tem mais de quatro anos", disparou Lula. Os assessores de Dilma que aguardavam os dois para jantar e escutaram o diálogo em voz alta, não sabem dizer se ela nesse instante respondeu a Lula ou se preferiu calar. Um deles guardou na memória o que Lula comentou em seguida: "Você sabe a coisa errada que eu fiz, não sabe? Foi botar você aí".

FOI PRESSIONADA por Lula que Dilma entregou o comando da economia ao Ministro Joaquim Levy, da Fazenda, que pensa muito diferente dela. Foi também pressionada por Lula que delegou o comando da política a Michel Temer, seu vice, a quem sempre desprezou. Levy está sujeito a levar carões públicos de Dilma, já levou. Temer, não. Levy pode ser trocado por outro banqueiro. Temer, não.

LULA INVENTOU o parlamentarismo à brasileira para tentar impedir o naufrágio de Dilma. É sua última cartada para salvar a chance de voltar à Presidência em 2018.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

VARGAS RECEBIA A COMISSÃO DEVIDA À AGÊNCIA
A ganância e a soberba levaram o ex-deputado André Vargas (ex PT-PR) a ser preso na 11ª fase da Lava Jato, acusado de receber propinas da agência de propaganda Borghi/Lowe. Controlada por estrangeiros, e por não entender esse sistema, a agência declinou do “BV”, espécie de comissão paga por fornecedores (gráficas, produtoras de TV etc), para evitar problemas com a Justiça. Vargas “cresceu o olho” para o “BV”.

BV NO BOLSO
Articulado com o vice-presidente da Borghi/Lowe, seu parceiro Ricardo Hoffmann, também preso, André Vargas recebia os valores do “BV”.

COMISSÃO POLÊMICA
Agências multinacionais declinam do “BV” temendo ilegalidade. O TCU acha que o valor deveria ser convertido em desconto para o governo.

ERA PROPINA MESMO
A suspeita da força-tarefa é que os repasses do “BV” a André Vargas, eram o pagamento pelo contrato milionário que ele garantiu na Caixa.

SOBERBA É PECADO
Certo da impunidade, Vargas usou suas empresas de fachada (com o irmão Leon), e emitiu notas fiscais à Borghi/Lowe no valor dos “BVs”.

ITAMARATY PUNE SABOIA POR ASSESSORAR TUCANO
O diplomata Eduardo Saboia não foi punido apenas pela coragem que falta a seus chefes, no Itamaraty, salvando a vida do senador boliviano Roger Molina ao favorecer sua fuga para o Brasil. A punição é atribuída no Itamaraty à retaliação do governo Dilma ao fato de Saboia ter sido convidado por um senador de oposição, Aloysio Nunes (PSDB-SP), para assessorar a Comissão de Relações Exteriores do Senado.

BUROCRACIA
A requisição de Eduardo Saboia já foi enviada pelo presidente do Senado ao governo, mas a Casa Civil não a retira da gaveta.

ANÃO DIPLOMÁTICO
A punição a um diplomata da estirpe de Eduardo Saboia apenas reforça a péssima imagem da atual política externa brasileira.

MEDO DE AVIÃO?
O líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani, deve fazer o trajeto do Rio para Brasília de carro. Em 2 meses gastou R$15 mil em gasolina.

PIRATARIA NA EMBRAPA
Pesquisadores da Embrapa estão estarrecidos: o banco de dados dos recursos genéticos da área de animais tem sido compartilhado com os EUA, contrariando decretos presidenciais. Os americanos aproveitam as informações que são preciosas, porque Brasil é referência na área.

JOGO DE RISCO
Deputados ligados a Eduardo Cunha acham que Michel Temer na articulação é a “bala de prata” de Dilma. Mas se o governo desandar de vez, dizem eles, essa bala atingirá em cheio a cabeça do PMDB.

SIBÁ É GASTADOR
O líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC), torrou R$ 77,7 mil entre janeiro e março, com a verba indenizatória. Flaviano Melo, um conterrâneo do PMDB, gastou menos de um terço: R$ 24,2 mil.

MICHEL TEM A FORÇA
Para entender o novo papel de Michel Temer no governo: Dilma terceirizou para seu vice algumas das mais ambicionadas formas de exercer o poder, ou sejam, nomear, demitir e liberar emendas. A dúvida é saber por quanto tempo Madame vai aguentar isso.

SEM PAPO
Michel Temer ouviu de líderes aliados reclamações já conhecidas (e ignoradas) pelo Planalto: ministros resistem em receber parlamentares. Na última reunião, abriram fogo contra Arthur Chioro (Saúde).

CONVENIÊNCIA
O deputado Rubens Jr (PCdoB-MA) culpava o clã Sarney pelo caos no presídio de Pedrinhas. Mas agora que seu partido governa o Maranhão e a anarquia continua, ele diz sentir “cheiro de sabotagem”.

COLETA SELETIVA
Vem fracassando a coleta seletiva determinada pelo prefeito paulistano Fernando Haddad. Pena. Como em outras cidades, o lixo separado pela população acaba misturado nos caminhões que o recolhe.

INVESTIMENTO
Na contramão da crise, o polo de Manaus agora tem a primeira fábrica da Nippon Carbide na America Latina. A NCI atua no segmento de películas decorativas e autoadesivas. Investimento de R$ 8 milhões.

PENSANDO BEM...
...parlamentares devem examinar melhor a Lei da Terceirização, porque o eleitor anda louco para terceirizar suas excelências.

domingo, abril 12, 2015

Hora e vez de Sibá Machado - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 12/04

Mais uma vez, o povo na rua. Grande parte de nossa esperança está depositada na sociedade. Ela é quem pode dinamizar a mudança. A maioria vai gritar "Fora Dilma", "Fora PT". Não há espaço agora para outras palavras. No entanto, a saída de Dilma é apenas o começo. Vai ser preciso um ajuste econômico. Todos deveriam se informar e tomar posição sobre ele. O governo Dilma não se mexe na redução de ministérios e cargos de confiança. Não há um projeto sério de contenção de gastos com a máquina. E sem isso, o impacto do ajuste, aumentando impostos e cortando benefícios sociais, dificilmente será digerido pelo Congresso e pela própria sociedade.

O Congresso é passível de suborno com verbas e cargos. A sociedade, não. Mas um simples ajuste econômico merecia um pouco mais de reflexão para além deste domingo.

Vale a pena retomar um crescimento apoiado no consumo de carros e eletrodomésticos? É possível superar a limitação do voo da galinha na economia brasileira, achar um caminho sustentável?

Os rios brasileiros estão exauridos. Vamos continuar a destruição? A Califórnia luta há anos com a escassez de água. É um estado que sempre soube se reinventar. Abriga a indústria do cinema, o Vale do Silício. Apesar de toda a experiência, a crise atual ameaça seu futuro.

Cada vez que um grande movimento vai às ruas pedindo a saída de Dilma, ela, na realidade, vai saindo aos pouquinhos. Hoje não controla a política, nem a economia. Inaugura, faz discursos para a claque. Apegado à negação de seus erros, o PT é quase um fantasma. Seu líder na Câmara é Sibá Machado. Ele acha que as manifestações do dia 15 e também as de hoje são organizadas pela CIA. E foi ao ministro da Fazenda pedir novos financiamentos para as empreiteiras do Lava-Jato.

A tendência é achar que o Sibá Machado não existe, que é criação de algum escritor dedicado ao realismo fantástico. Mas Sibá existe e ocupa a liderança de um partido com 64 deputados na Câmara. Como foi possível Dilma ser presidente do Brasil? Como foi possível Sibá Machado tornar-se o líder de um partido que está no poder há 12 anos?

Não há espaço para explicar tudo. Mas Dilma é fruto da vontade de Lula, que detesta a ideia de surgirem outros líderes no partido. Sibá é o fruto da disciplina de quem espera na fila a hora do revezamento. Todos podem ser líderes, independentemente de estarem preparados. É a hora e a vez de Sibá Machado.

Estamos atravessando uma atmosfera de "Cem anos de solidão". Sibá pede mais dinheiro público para quem nos roubou. Dilma afirma que sua tarefa é recuperar a Petrobras, que ela e o PT destruíram. Não acredito que sejam cômicos por vocação, embora o Sibá leve muito jeito. Isaac Deutscher, o grande biógrafo de Trotsky, demonstra que muitas vezes os governos fazem bobagem porque já não têm mais margem de manobra.

O buraco em que o PT se meteu é mais grave do que a estreiteza da margem de manobra. É a escolha de quem se agarra à negação para fugir da realidade. Por isso é que, além dos incômodos da crise, do assalto às estatais e fundos de pensão, o PT irrita. São muitas as pessoas simples que se sentem não apenas assaltadas como contribuintes, mas desrespeitadas pelo cinismo oficial.

Já é um lugar comum afirmar que vivemos a maior crise dos últimos tempos. Nela, entretanto, há um dado essencial: aparato político burocrático segue afirmando que a realidade é a que vê e não a compartilhada por milhões de pessoas na rua.

O que pode acontecer numa situação dessas? Collor saiu de nariz empinado e submergiu alguns anos. Ele chamava verde e amarelo, aparecia preto. O PT chama vermelho, aparecem verde e amarelo.

O curto circuito pictórico parece não dizer nada para eles. No fundo, havia em Collor uma espécie de orgulho pessoal. No PT, há uma confiança na manipulação. O partido no poder escolheu o caminho mais espinhoso. Seu líder na Câmara parece delirar, mas apenas quer cumprir suas tarefas elementares de negação.

O assalto à Petrobras não existiu. As manifestações foram arquitetadas pela CIA, e as empreiteiras, coitadinhas, precisam de grana oficial para financiar nossas campanhas. E os marqueteiros nos observam como jacarés tomando sol. Daqui a pouco vão entrar em ação para convencer a todos que o Brasil é maravilhoso e vai ficar melhor ainda.

É assim que a negação se reflete numa alma simples como a de Sibá Machado. Ele vem de uma região marcada pelas experiência místicas com a ayahuasca, planta que provoca visões. Um pouco distante dali, mas também na Amazônia, o pastor Jim Jones comandou um suicídio coletivo.

Na hora e vez de Sibá, o próprio inferno será refrigerado. Ganha-se muito dinheiro quando se passa pela cadeia, como fez José Dirceu. E há sempre Cuba e Venezuela para um recuo estratégico.

Vamos para a rua fingindo que os agentes da CIA nos organizam. No fundo, sabemos que se dependêssemos deles, correríamos o risco de uma grande trapalhada.

Mas pra que contrariar Sibá Machado e o PT na sua fase tardia ? De uma certa forma, já não estão entre nós. Morreram para o debate racional.

Começou o terceiro mandato da doutora - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 12/04

Dilma prometeu uma coisa, tentou outra e vai começar tudo de novo, com Levy, Temer, mais PMDB e menos PT


O primeiro mandato da doutora Dilma foi de 2011 a dezembro de 2014. O segundo durou 97 dias. Teve vida mais curta que o de Napoleão entre sua fuga da ilha de Elba e a batalha de Waterloo. O terceiro começou na semana passada. Nada tem a ver com o que a candidata prometeu ou com o que tentou fazer. Para um governo que se meteu em tantas trapalhadas em tão pouco tempo, qualquer previsão será um exercício astrológico. De qualquer maneira, ninguém de boa-fé poderá dizer que Guido Mantega seria melhor ministro do que Joaquim Levy. Da mesma forma, trocar o aloprado "núcleo duro" de Aloizio Mercadante por Michel Temer indica que terminou o período de articulação do caos.

Temer teve a astúcia de assumir uma função sem ocupar qualquer cargo. Um bom indicador para a sua fé no trato com a doutora será a leitura de sua agenda. No dia em que for anunciado que, por alguma razão, ele viajou para o exterior, estará dado o sinal de que desistiu.

O comissário Tarso Genro queixou-se dizendo que "para o bem e para o mal: PT é cada vez mais acessório no governo". Qual PT? O da Papuda e de João Vaccari ou o de Sérgio Buarque de Holanda e Florestan Fernandes? A referência a fundadores mortos deve-se à falta de exemplos seguros entre os vivos que estão sem bússola.

Para o bem, a perda de influência do PT significa estancar a produção de maluquices a que ele se entregou. Coisas como plebiscitos, Constituinte exclusiva, voto de lista ou mesmo a convocação do "exército" de João Pedro Stedile (com quentinha ou sem quentinha?).

O breve segundo mandato da doutora fritou-se. O terceiro, socorrido por Temer, exigirá dela tocar o expediente, valendo-se do apoio de seus aliados. Essas duas funções não podem ser terceirizadas, são atribuições da Presidência da República. Se o novo mandato tiver menos marquetagem e mais trabalho, quem sabe, dará certo.

ANAC ÀS MOSCAS

A doutora Dilma entregou a coordenação política do governo a Michel Temer. Pelo andar da carruagem precisará arrumar um coordenador de governo. É difícil, mas alguém pode achar que oito meses é um prazo aceitável para a escolha de um ministro do Supremo.

Na Agência Nacional de Aviação Civil a situação é pior. A Anac tem cinco diretorias. Três estão vagas. A primeira delas desde 2013, quando o titular foi defenestrado no rastro de um escândalo. A terceira vagou há três semanas. Estão brincando com fogo. Em 12 anos o setor passou a 34 milhões de passageiros/ano para 101 milhões em 2014. É o terceiro do mundo, perdendo só para os EUA e a China, e as tarifas caíram 40%.

A alta do dólar e a retração da economia podem roubar uma das joias da coroa do PT, devolvendo o andar de baixo para as rodoviárias.

PORTA GIRATÓRIA

O senador Ataides Oliveira (PSDB-TO) quer uma CPI para investigar os ilícitos cometidos no Conselho de Administração de Recursos Fiscais. A ideia poderá expandir o tema. Se recuar muito, arrisca-se chegar ao século 16, quando os caetés comeram o provedor Antonio Cardoso de Barros, o primeiro secretário da Receita de Pindorama. A porta giratória que transformava auditores aposentados em consultores de empresas autuadas que recorriam ao Carf para reduzir seus débitos foi lubrificada no início da década de 90. Desde então rodou invicta, até que chegou a Polícia Federal.

PAVIO CURTO

Ao lidar com a repercussão de suas falas desastradas, o ministro Joaquim Levy já deu uma demonstração de que anda com pavio curto.

FRANCES PERKINS

O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, contou que acaba de ler uma biografia de Frances Perkins, a mulher fenomenal a quem Franklin Roosevelt entregou a Secretaria do Trabalho em 1933.

Barbosa deveria distribuir uma tradução desse livro ("The Woman Behind the New Deal" - "A mulher por trás do New Deal") aos comissários que lidam com os chamados "movimentos sociais" para que conhecessem uma pessoa de quem poucos terão ouvido falar.

Tendo sido uma das personagens mais poderosas de Washington ao longo dos 12 anos em que Roosevelt ocupou a Presidência, ao sair do governo teve que batalhar por empregos de segunda. Pegara fama de esquerdista e sempre vivera do salário. Nem endereço tinha. Arrumou-se com um quarto na Universidade Cornell. Morreu em 1965, aos 85 anos, cega e surda, em heroica pobreza.

Ela ajudou a criar a Previdência Social americana, a proteção aos desempregados, o salário mínimo e as leis que proibiram o trabalho infantil. Quase todo o crédito foi para Roosevelt e, o que sobrou, para sua mulher Eleanor. Isso nunca a incomodou, pois tinha horror a jornalistas.

Perkins batia duro. No dia em que assumiu o cargo, seu antecessor, fazendo-se de desentendido, disse que sairia para almoçar. Ela mandou que suas coisas fossem tiradas do escritório e mandadas para casa. Começou a trabalhar espantando a barata que estava numa gaveta e foi adiante expulsando ratos bípedes.

Frances Perkins não tinha agenda pessoal. Duas coisas a moviam: a fé na religião e a vontade de trabalhar pelo andar de baixo.

O SOFTWARE VENCIDO DAS EMPREITEIRAS

As bancas de defesa dos empreiteiros capturados pela Lava Jato continuam tentando usar nesse processo o software usado com êxito na Operação Castelo de Areia. Algo como tentar rodar um programa AppleWorks no sistema OS 10 do Macintosh. Em 2009 a Polícia Federal chegou a um ninho de roubalheiras provadas e documentadas. Seu trabalho foi desossado pelos advogados dos maganos a partir de objeções processuais e há pouco o Supremo Tribunal Federal sepultou-o.

O último sonho da turma que está presa em Curitiba foi o de obter do STF a anulação dos depoimentos de Alberto Youssef em sua colaboração com a Viúva. Morreu numa decisão do ministro Dias Toffoli. Amparada num parecer do ex-ministro do STJ Gilson Dipp, a defesa argumentava que Youssef não merecia crédito porque já fechara dois acordos de colaboração e mentira em ambos. Se esse raciocínio prevalecesse, quebraria uma perna da Lava Jato.

Dipp entende do assunto, mas a ideia de que velhas mentiras devessem impedir um novo acordo é meio girafa.

O mafioso Tommaso Buscetta, preso no Brasil em 1972, foi extraditado para a Itália, fez um acordo com o juiz Giovanni Falcone (flor do orquidário de Sergio Moro) e expôs boa parte das ações da Máfia. Ajudou bastante, mas também mentiu e recusou-se a falar de políticos.

Em 1992 a Máfia dinamitou o carro do juiz Falcone, matando-o. Buscetta começou uma nova rodada de colaboração e nela entregou as conexões da Máfia com políticos, inclusive o ex-primeiro ministro Giulio Andreotti. Graças a essa nova fase detonou o coração da Máfia com o poder.

Pela doutrina de Dipp, as provas apresentadas por ele depois da morte de Falcone seriam "imprestáveis", pois as omitira na primeira colaboração.