REVISTA VEJA
A agenda de Rosemary Noronha, a amiga de Lula, revela sua influência no Banco do Brasil, nos fundos de pensão e no trato com empresários poderosos
RODRIGO RANGEL E DANIEL PEREIRA
Não era bem o que parecia. Quando o nome de Rosemary Nóvoa de Noronha veio a público com a deflagração da Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, a amiga íntima do ex-presidente Lula e então chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo não passava de uma “pete-queira”. A expressão, cunhada pelo ex-deputado Roberto Jefferson para designar funcionários públicos que se deixam corromper em troca de ninharia, parecia feita para ela. Rose, como é conhecida, foi acusada de integrar uma quadrilha especializada em fraudar pareceres oficiais para beneficiar empresários trambiqueiros. Defendia os interesses dos criminosos no governo e, em contrapartida, tinha despesas pagas por eles — de cirurgia plástica a prestações de carro. A versão da petequeira foi providencial-mente adotada pelo PT. Rose, ventilou o partido, agiria apenas na arraia-miúda do governo e sem nenhuma relação com a sigla. Eis uma tese que os fatos vêm insistindo em derrubar.
No mês passado, VEJA revelou que a amiga de Lula usava o cargo para agendar reuniões com ministros de estado: abria as portas, inclusive de gabinetes no Palácio do Planalto, a interesses privados. Agora, descobre-se que sua área de atuação abrangia também setores de orçamentos bilionários, como o Banco do Brasil (BB) e o fundo de pensão de seus funcionários, a Previ. Rose, a petequeira, participou ativamente das negociações de bastidores que definiram a sucessão no comando tanto do BB quanto no da Previ, defendeu pleitos de caciques do PT junto à cúpula do banco e atuou como lobista de luxo de empresários interessados em ter acesso à direção e ao caixa da instituição. Sua agenda de compromissos como chefe do gabinete da residência em São Paulo, obtida por VEJA, mostra que, graças à intimidade com o então presidente, a mulher que num passado não muito remoto era uma simples secretária se transformou numa poderosa personagem do governo Lula. Com integrantes da cúpula do BB, em cujas dependências funcionava o gabinete que chefiava, suas audiências eram corriqueiras. De 2007 a 2010, foram pelo menos 39 reuniões com ocupantes de postos importantes da hierarquia do banco. Apenas com vi-ce-presidentes do BB, ela se reuniu 28 vezes. A explicação para tantos encontros: Rose usava a proximidade com Lula para influir nas decisões que envolviam o Banco do Brasil, inclusive sobre quem deveria ser escolhido para ocupar cargos de direção. Ela era frequentemente procurada e bajulada pela cúpula da instituição, interessada em fazer com que seus pleitos chegassem ao ex-presidente da República.
“A Rose levava as demandas institucionais do banco para o presidente. Esse contato direto foi muito positivo”, admite Ricardo Oliveira, vice-presidente do BB até o ano passado e até hoje um dos mais fiéis aliados do presidente do banco, Aldemir Bendine. A agenda de Rose registra dezesseis reuniões com Oliveira. Ele conta que a lista de serviços que ela prestou à cúpula da instituição incluiu missões espinhosas. Segundo Oliveira, Rose foi acionada, por exemplo, como ponta de lança da ofensiva destinada a convencer Lula a autorizar o BB a comprar a Nossa Caixa, um negócio de 5,3 bilhões de reais. Prestigiada, operou no processo que resultou na escolha do próprio Bendine, em 2009, para o comando do banco. Na ocasião, intercedeu junto a Lula por dois candidatos ao posto: Bendine e Ricardo Flores, petista que ocupava uma das vice-presidências da instituição. Preterido, o companheiro Flores — sempre com a providencial ajuda de Rose — ganhou a presidência da Previ, fundo de pensão que tem uma carteira de investimentos de 150 bilhões de reais. Flores e Rose se tornaram amigos — mas só até a Operação Porto Seguro estourar. Agora, ele diz: "Eu não me lembro dessas audiências com a Rose”. Bendine, embora não tivesse seus encontros registrados, também costumava se reunir com ela, mas preferia deixar os assuntos mais comezinhos a cargo de Ricardo Oliveira, seu fiel escudeiro. Na luta por poder dentro do banco, Rose chegou a costurar um acordo, jamais cumprido, pelo qual Flores sucederia a Bendine no comando do BB. O fracasso do acerto acabou por minar a unidade do grupo. Bendine e Flores viraram inimigos figadais. Para refrear a guerra, a presidente Dilma Rousseff demitiu Ricardo Oliveira do BB e Ricardo Flores da Previ. Em troca do acesso privilegiado a Lula, Rose cobrava um tratamento à altura de seu prestígio. Pedia ingressos para shows, eventos em resorts e almoços em restaurantes caros patrocinados pelo banco. Mas não era só. A investigação da PF já havia revelado um contrato de 1,2 milhão de reais firmado sem licitação entre uma subsidiária do Banco do Brasil e uma empresa de fundo de quintal registrada em nome de familiares da ex-secretária.
Agora, sua agenda dá pistas que podem ser úteis à polícia: no mesmo período em que o contrato era negociado, Rose teve reuniões, no gabinete da Presidência, com funcionários do banco encarregados justamente da área onde ela arrumou a boquinha — entre eles, José Salinas, vice-presidente de tecnologia do BB até junho de 2010. A pedido do amigão e ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, Rose chegou a advogar pela permanência de Salinas no posto. Não foi atendida — ninguém ganha todas. Mas o pupilo de Dirceu não ficou na chuva. Salinas hoje despacha em Nova York como gerente regional do BB na América do Norte. Em nota, o Banco do Brasil afirmou que a relação da instituição com Rosemary Noronha sempre foi institucional.
A agenda de Rose mostra suas incursões em outras áreas sensíveis. Ela registrou, por exemplo, um encontro em março de 2009 com o então ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Antonio Dias Toffoli, companheiro petista nomeado depois para o Supremo Tribunal Federal — no registro, fez constar que seria uma audiência para “despacho”. Os apontamentos revelam certa proximidade de Rose com Toffoli: além de marcar presença em sua posse no Supremo, ela recebeu, em São Paulo, o chefe do gabinete do ministro no tribunal. Chama atenção a diversidade de áreas por onde Rose transitava. E as suspeitas decorrentes daí são inevitáveis. É de indagar, por exemplo, por que a chefe administrativa do gabinete presidencial em São Paulo despachava com dirigentes de fundos de pensão de estatais. Com Newton Carneiro, diretor administrativo e financeiro da Petros, o multimilionário fundo dos servidores da Petrobras, foram cinco reuniões entre 2009 e 2011.
Nesse mesmo período, houve outros dois encontros com um emissário da presidência da Funcef, fundo de pensão dos servidores da Caixa Econômica Federal. As reuniões com empresários, muitos deles com interesses diretos no governo, eram igualmente frequentes. Com aval de Brasília, Rose se encarregava até de dar as boas-vindas a empresas estrangeiras recém-chegadas ao país. Foi assim com a Boiron, multinacional do setor de medicamentos, cuja representante no Brasil se reuniu duas vezes com a ex-secretária em 2009. A empresa francesa, com negócios em oitenta países, diz que foi recebida por Rose para “apresentar o seu projeto para o Brasil”. Hã? Isso mesmo. O rol de compromissos inclui ainda representantes de uma companhia japonesa, bancos privados, empresas aéreas e associações empresariais. Coisa digna de ministra de estado. Petequeira?
COM REPORTAGEM DE HUGO MARQUES
segunda-feira, janeiro 07, 2013
Mistérios da meia-noite - GEORGE VIDOR
O GLOBO - 07/01
Investimentos que dependem de obras públicas são lentos, mas há outros que poderiam ser tocados pelo setor privado
O trem-bala é uma decisão de investimento que mira o futuro. Embora seja um projeto polêmico devido ao seu elevado custo, não há dúvida que as duas megalópoles brasileiras vão precisar de um meio de transporte rápido de passageiros que seja uma opção para a ponte aérea entre os aeroportos Santos Dumont e Congonhas. Mas há outras questões relacionadas à infraestrutura de transporte que não podem esperar. Mesmo com a economia crescendo a um ritmo morno, os acessos rodoviários às grandes cidades brasileiras viraram um pesadelo. Perdem-se horas em engarrafamento e desperdiça-se energia inutilmente (de que adianta usar óleo diesel menos poluente, como o novo S-10, se os caminhões tiverem de andar a 10 quilômetros por hora?). A remontagem de parte dessa infraestrutura depende de obras públicas e recursos municipais, estaduais e federais. O resultado dessa equação infelizmente é uma lentidão exasperante (haja vista o prometido Arco Metropolitano na Baixada Fluminense ou o tempo que levou para se duplicar um trecho de pouco mais de 20 quilômetros da rodovia federal Rio-Santos). Entretanto, existem vários outros investimentos igualmente importantes que só dependem de autorização governamental, pois a execução ficará por conta de consórcios privados. É o caso, por exemplo da construção de novos trechos da Via Dutra ou da nova subida da Serra de Petrópolis.
Chega a ser um mistério da meia-noite porque o governo não toma logo decisão em relação a isso. O calendário está passando e à medida que vai chegando o ano eleitoral de 2014 tudo fica mais complicado.
Imposto com vida própria
Os autos de infração de empresas petrolíferas no Rio de Janeiro já rondam a casa de R$ 1 bilhão. Só o advogado Gustavo Brigagão, do escritório Ulhoa Canto, está com a incumbência de defender clientes com autos de infração que beiram R$ 300 milhões. A razão para isso é que existe uma "zona cinza" entre as fases de exploração e produção dos campos de petróleo. Equipamentos importados para uma das duas fases ficam temporariamente isentos de imposto, mas o fisco estadual não tem a mesma interpretação para a "zona cinza". Os recursos administrativos contra os autos de infração têm se acumulado sem que haja uma solução para o problema.
Sonho com o mar
O Túnel da Grota Funda viabilizou alguns empreendimentos imobiliários no segmento luxo na área do Recreio dos Bandeirantes. O alvo de incorporadores - como é o caso da XMN - são profissionais liberais e empresários bem-sucedidos de bairros tradicionais da Zona Oeste (Campo Grande, Santa Cruz, parte de Jacarepaguá) que tinham o sonho de morar perto da praia, mas não queriam se aventurar a passar horas do dia no trajeto de casa para o local onde trabalham. Logo no lançamento do primeiro prédio, com preços de 10% a 20% acima dos valores médios da região, o ex-executivo financeiro Paulo Cezar Ximenes, que antes de se tornar incorporador passou um bom tempo como corretor de imóveis de alto luxo, ficou surpreso com o número de interessados (46 candidatos para 20 unidades) e se animou em explorar mais esse filão na praia do Recreio. O chamariz está em oferecer varandões e opções de lazer antes disponíveis apenas em grandes condomínios fechados.
O trânsito deve continuar terrível ainda por alguns anos na direção da Barra e da Zona Sul, mas no lado oposto, com Túnel da Grota Funda e o BRT TransOeste, já houve uma razoável melhora. Daí a clientela alvo ser exatamente a que hoje está nesse lado oposto ao da Barra.
Histórias do petróleo
Jorge Camargo, hoje consultor de empresas, testemunhou, como técnico e executivo, profundas mudanças que ocorreram na Petrobras e na indústria do petróleo como um todo. Ele resumiu essa experiência em "Cartas a um jovem petroleiro", que faz parte de uma série endereçada a estreantes em várias profissões. O livro de Camargo é daqueles que se consegue ler em uma tarde de sábado ou em uma noite qualquer em que o sono tarda a chegar. Resume muito bem as transformações e os novos desafios do setor. Tenho uma relação meio sentimental com o petróleo (minha primeira reportagem de economia, em 1969, no extinto "Correio da Manhã", foi sobre a compra pela Petrobras da primeira plataforma de exploração no mar). Talvez por causa dessa antiga relação ainda escrevo com entusiasmo quando o tema é petróleo. Mas mesmo para quem, como eu, não é um jovem petroleiro, o livro de Camargo é de fácil leitura.
Investimentos que dependem de obras públicas são lentos, mas há outros que poderiam ser tocados pelo setor privado
O trem-bala é uma decisão de investimento que mira o futuro. Embora seja um projeto polêmico devido ao seu elevado custo, não há dúvida que as duas megalópoles brasileiras vão precisar de um meio de transporte rápido de passageiros que seja uma opção para a ponte aérea entre os aeroportos Santos Dumont e Congonhas. Mas há outras questões relacionadas à infraestrutura de transporte que não podem esperar. Mesmo com a economia crescendo a um ritmo morno, os acessos rodoviários às grandes cidades brasileiras viraram um pesadelo. Perdem-se horas em engarrafamento e desperdiça-se energia inutilmente (de que adianta usar óleo diesel menos poluente, como o novo S-10, se os caminhões tiverem de andar a 10 quilômetros por hora?). A remontagem de parte dessa infraestrutura depende de obras públicas e recursos municipais, estaduais e federais. O resultado dessa equação infelizmente é uma lentidão exasperante (haja vista o prometido Arco Metropolitano na Baixada Fluminense ou o tempo que levou para se duplicar um trecho de pouco mais de 20 quilômetros da rodovia federal Rio-Santos). Entretanto, existem vários outros investimentos igualmente importantes que só dependem de autorização governamental, pois a execução ficará por conta de consórcios privados. É o caso, por exemplo da construção de novos trechos da Via Dutra ou da nova subida da Serra de Petrópolis.
Chega a ser um mistério da meia-noite porque o governo não toma logo decisão em relação a isso. O calendário está passando e à medida que vai chegando o ano eleitoral de 2014 tudo fica mais complicado.
Imposto com vida própria
Os autos de infração de empresas petrolíferas no Rio de Janeiro já rondam a casa de R$ 1 bilhão. Só o advogado Gustavo Brigagão, do escritório Ulhoa Canto, está com a incumbência de defender clientes com autos de infração que beiram R$ 300 milhões. A razão para isso é que existe uma "zona cinza" entre as fases de exploração e produção dos campos de petróleo. Equipamentos importados para uma das duas fases ficam temporariamente isentos de imposto, mas o fisco estadual não tem a mesma interpretação para a "zona cinza". Os recursos administrativos contra os autos de infração têm se acumulado sem que haja uma solução para o problema.
Sonho com o mar
O Túnel da Grota Funda viabilizou alguns empreendimentos imobiliários no segmento luxo na área do Recreio dos Bandeirantes. O alvo de incorporadores - como é o caso da XMN - são profissionais liberais e empresários bem-sucedidos de bairros tradicionais da Zona Oeste (Campo Grande, Santa Cruz, parte de Jacarepaguá) que tinham o sonho de morar perto da praia, mas não queriam se aventurar a passar horas do dia no trajeto de casa para o local onde trabalham. Logo no lançamento do primeiro prédio, com preços de 10% a 20% acima dos valores médios da região, o ex-executivo financeiro Paulo Cezar Ximenes, que antes de se tornar incorporador passou um bom tempo como corretor de imóveis de alto luxo, ficou surpreso com o número de interessados (46 candidatos para 20 unidades) e se animou em explorar mais esse filão na praia do Recreio. O chamariz está em oferecer varandões e opções de lazer antes disponíveis apenas em grandes condomínios fechados.
O trânsito deve continuar terrível ainda por alguns anos na direção da Barra e da Zona Sul, mas no lado oposto, com Túnel da Grota Funda e o BRT TransOeste, já houve uma razoável melhora. Daí a clientela alvo ser exatamente a que hoje está nesse lado oposto ao da Barra.
Histórias do petróleo
Jorge Camargo, hoje consultor de empresas, testemunhou, como técnico e executivo, profundas mudanças que ocorreram na Petrobras e na indústria do petróleo como um todo. Ele resumiu essa experiência em "Cartas a um jovem petroleiro", que faz parte de uma série endereçada a estreantes em várias profissões. O livro de Camargo é daqueles que se consegue ler em uma tarde de sábado ou em uma noite qualquer em que o sono tarda a chegar. Resume muito bem as transformações e os novos desafios do setor. Tenho uma relação meio sentimental com o petróleo (minha primeira reportagem de economia, em 1969, no extinto "Correio da Manhã", foi sobre a compra pela Petrobras da primeira plataforma de exploração no mar). Talvez por causa dessa antiga relação ainda escrevo com entusiasmo quando o tema é petróleo. Mas mesmo para quem, como eu, não é um jovem petroleiro, o livro de Camargo é de fácil leitura.
A fábrica de dinheiro de Cristina - JORGE OVIEDO
O Globo - 07/01
Cristina Kirchner emitiu tanta, mas tanta moeda em 2012, que chegou perto de igualar o volume total de dinheiro impresso por seu marido Néstor Kirchner em seus quatro anos e meio de mandato.
No ano passado, Cristina emitiu nada menos do que 715,9 milhoes de unidades de papel-moeda, a uma taxa de quase dois milhões por dia, incluindo domingos, feriados, dias de folga e até mesmo os dias de greve.
Nesse ritmo, com apenas mais 37 dias, ou seja, na primeira semana de fevereiro próximo, ela emitiria (desde 1 de Janeiro de 2012) volume igual aos 789,9 milhões que foram lançados por Néstor entre 23 de maio de 2003 e 14 de dezembro de 2007.
Estas são as datas mais próximas da posse de Néstor (25 de maio de 2003) e de Cristina (10 de dezembro de 2007), uma vez que o Banco Central não emite moeda todos os dias.
Néstor Kirchner, pelo menos, tinha a desculpa de que parte do problema era lastrear as quase-moedas provinciais, que foram usadas como dinheiro, os Patagones de Buenos Aires, os Lecops, as Evitas e os Quebrachos, entre outros. Esses papéis já eram utilizados como meio circulante não conversível, que em todo caso já influía nos preços como se fossem pesos, mas não nas estatísticas.
O problema aqui é que a ideia de que Cristina pode emitir para mitigar os efeitos da recessão, como nos Estados Unidos, não resiste a qualquer análise séria.
Um dos anos de menor lançamento de moeda pela atual presidente foi precisamente o recessivo 2008: menos da metade do que seu marido tinha mandado imprimir no ano anterior. E em 2009 foi ainda menos.
Naturalmente, a maneira de resolver o déficit fiscal foi apropriando-se da poupança acumulada nos fundos de previdencia. Nesses dois anos, somados, Cristina Kirchner não imprimiu nem 31% do total lançado em 2012.
Cristina havia acelerado em 2010. Adicionou ao meio circulante 393,7 milhões de notas, 52% a mais que em 2007, o ano de mais "impressão" da presidência de seu marido. E em 2011, com a economia em crescimento e apostando sua reeleição, emitiu mais de duas vezes que o seu marido em 2007. Esse foi o ano em que o Estado não grafica impressora e precisou mandar confeccionar notas em caráter emergencial no Brasil.
Dois meses após a morte do marido, a presidente enfrentou filas em caixas eletrônicos de pessoas que não conseguiram retirar o correspondente aos seus salários e bônus e outros que nos postos de gasolina tentam obter combustível para seus carros.
Em 2011 ela voltou a bater o seu recorde, emitindo mais 595,2 milhões de unidades.
Desde que assumiu, Cristina aumentou a emissão em 168%, quer dizer multiplicou por 2,7 o número total de notas em circulação. Seus valores favoritos foram os maiores. As notas de 50 foram multiplicadas por 3,05, e de cem por 3,6 .
Setenta por cento do total de notas que emitiu desde que assumiu foram de 100 pesos, mas o ritmo não foi regular, era crescente. Em 2012, o valor em circulacão se multiplicou por 3,4, ou seja, cresceu 264% entre 14 de dezembro de 2007 e o ultimo 31 de dezembro.
No ano passado, Cristina emitiu nada menos do que 715,9 milhoes de unidades de papel-moeda, a uma taxa de quase dois milhões por dia, incluindo domingos, feriados, dias de folga e até mesmo os dias de greve.
Nesse ritmo, com apenas mais 37 dias, ou seja, na primeira semana de fevereiro próximo, ela emitiria (desde 1 de Janeiro de 2012) volume igual aos 789,9 milhões que foram lançados por Néstor entre 23 de maio de 2003 e 14 de dezembro de 2007.
Estas são as datas mais próximas da posse de Néstor (25 de maio de 2003) e de Cristina (10 de dezembro de 2007), uma vez que o Banco Central não emite moeda todos os dias.
Néstor Kirchner, pelo menos, tinha a desculpa de que parte do problema era lastrear as quase-moedas provinciais, que foram usadas como dinheiro, os Patagones de Buenos Aires, os Lecops, as Evitas e os Quebrachos, entre outros. Esses papéis já eram utilizados como meio circulante não conversível, que em todo caso já influía nos preços como se fossem pesos, mas não nas estatísticas.
O problema aqui é que a ideia de que Cristina pode emitir para mitigar os efeitos da recessão, como nos Estados Unidos, não resiste a qualquer análise séria.
Um dos anos de menor lançamento de moeda pela atual presidente foi precisamente o recessivo 2008: menos da metade do que seu marido tinha mandado imprimir no ano anterior. E em 2009 foi ainda menos.
Naturalmente, a maneira de resolver o déficit fiscal foi apropriando-se da poupança acumulada nos fundos de previdencia. Nesses dois anos, somados, Cristina Kirchner não imprimiu nem 31% do total lançado em 2012.
Cristina havia acelerado em 2010. Adicionou ao meio circulante 393,7 milhões de notas, 52% a mais que em 2007, o ano de mais "impressão" da presidência de seu marido. E em 2011, com a economia em crescimento e apostando sua reeleição, emitiu mais de duas vezes que o seu marido em 2007. Esse foi o ano em que o Estado não grafica impressora e precisou mandar confeccionar notas em caráter emergencial no Brasil.
Dois meses após a morte do marido, a presidente enfrentou filas em caixas eletrônicos de pessoas que não conseguiram retirar o correspondente aos seus salários e bônus e outros que nos postos de gasolina tentam obter combustível para seus carros.
Em 2011 ela voltou a bater o seu recorde, emitindo mais 595,2 milhões de unidades.
Desde que assumiu, Cristina aumentou a emissão em 168%, quer dizer multiplicou por 2,7 o número total de notas em circulação. Seus valores favoritos foram os maiores. As notas de 50 foram multiplicadas por 3,05, e de cem por 3,6 .
Setenta por cento do total de notas que emitiu desde que assumiu foram de 100 pesos, mas o ritmo não foi regular, era crescente. Em 2012, o valor em circulacão se multiplicou por 3,4, ou seja, cresceu 264% entre 14 de dezembro de 2007 e o ultimo 31 de dezembro.
O que querem as Odetes - JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS
O GLOBO - 07/01
Uma é Odetinha, a menina-santa enterrada no São João Batista, a outra é Odete, a dona de casa que quer ser chamada de ‘cachorra’, sucesso de humor no YouTube
Uma é Odetinha, a menina-santa enterrada no cemitério São João Batista, a outra é simplesmente Odete desde a pia batismal, mas quer ser chamada de putinha no grande altar da cama. É a estrela mais fulgurante dos novos vídeos de humor que, saídos do Rio, estão tomando conta da internet.
Odetinha, a menina rica da Zona Sul que dava tudo aos pobres, vai ser encaminhada para a canonização quando o Papa puser os pés no Rio em julho, num cortejo previsto para mais de dois milhões de visitantes estrangeiros. Odete, a que está sentada à frente do marido no esquete “Sobre a mesa”, no YouTube, quer ser tratada como uma cachorra, possuída por toda a seleção da Nigéria, e, um século depois de lançada por Freud, responde sem papas na língua o célebre psicanalismo sobre o que querem as mulheres modernas.
Uma é Odetinha, a outra é Odete, um nome que desde Odete Lara nunca mais batizou qualquer garota entre Leblon e Ipanema. Ele está nas capas das revistas com o início, esta semana, da investigação pela Santa Sé para o processo de beatificação da menina que dividia a comida com os vizinhos pobres da sua mansão de Botafogo. Está também nos cadernos de cultura com o programa de humor do blog “Porta dos Fundos”. Neste, um homem, na mesa de jantar, frustrado por ter de escolher entre abacaxi e tangerina a sobremesa do jantar, diz que esperava mais da existência — e pergunta à mulher, Odete, o que ela quer da vida.
Uma é Odetinha, nascida em 1930, e cura os fiéis que a buscam em orações ou ao vivo, no túmulo do cemitério de Botafogo. A outra é Odete, uns 40 anos, nem feia nem bonita, aquele tipo que a vulgaridade masculina reconhece dar para o gasto. Apenas uma mulher de classe média, numa sala decorada sem quadros de santos na parede. Diante da pergunta do marido sobre o que quer da vida, ela vai direto ao assunto.
Em tom monocórdio, como se lesse a lista de compras do supermercado, responde que quer foder — e realça que não disse fazer amor, nheco-nheco ou transar. A Odete de 2013 quer dar para o porteiro, o cunhado, o personal trainer, o George Clooney, o exército israelense, a seleção africana. Não quer um de cada vez, mas todos ao mesmo tempo, esclarece.
Elas se chamam Odete e eu nunca mais tinha ouvido falar de uma desde a cantora Odete Amaral, sambista da Rádio Nacional. Estão de volta, aparentemente santas, aparentemente encapetadas — não está aqui quem as julgará. São mulheres em debate, falando da necessidade de ter a hóstia consagrada ou a sobremesa que escolherem para lhes dar sentido à vida. Houve ainda uma outra Odete, a do samba que João Gilberto regravou nos anos 1970, aquela do “Odete, ouve o meu lamento”.
Odetinha, morta aos 9 anos, em 1939, de febre paratifoide, não lamenta nada. Distribui graças. Uma delas é reconhecida pela atriz Giovanna Antonelli, agradecida por ter, depois de orações a Odetinha, conseguido o principal papel de sua carreira, o da muçulmana Jade, de “O clone”, que afronta a sociedade querendo escolher o próprio marido. A Odete, a dona de casa do “Porta dos fundos”, também não lamenta explicitamente a sua frustração. Diz ainda que quer ser chamada de vaca e vadia. Tudo de luz acesa. Trivial, como se escolhesse a calda da sobremesa, a Odete-diante-do-marido diz que quer repeteco de todo seu batalhão de amantes, acrescentando à lista o nome do nadador Michael Phelps. Zero de açúcar ou poesia. Odete usa apenas uma palavra não concreta de seu texto-desabafo. Depois de percorrer a multidão de machos espalhados entre o exército de Israel e a seleção da Nigéria, ela diz que ao final quer se sentir “extasiada”.
Uma é Odetinha, a menina-santa que carregou nas costas as chagas do mundo e, prenhe de êxtases místicos, agora deve ter o reconhecimento da Santa Igreja. O Papa e milhões de católicos a querem. A outra é Odete, a dona de casa-putinha. Cansada de carregar todas as aporrinhações do santo lar da classe média nas costas, ela agora quer que subam por ali, ou por onde preferirem, o Malvino Salvador e todos os santos másculos dos seus êxtases físicos reprimidos. Ontem, ela estava com 3.985.456 espectadores no YouTube.
Uma é Odetinha, a menina-santa enterrada no São João Batista, a outra é Odete, a dona de casa que quer ser chamada de ‘cachorra’, sucesso de humor no YouTube
Uma é Odetinha, a menina-santa enterrada no cemitério São João Batista, a outra é simplesmente Odete desde a pia batismal, mas quer ser chamada de putinha no grande altar da cama. É a estrela mais fulgurante dos novos vídeos de humor que, saídos do Rio, estão tomando conta da internet.
Odetinha, a menina rica da Zona Sul que dava tudo aos pobres, vai ser encaminhada para a canonização quando o Papa puser os pés no Rio em julho, num cortejo previsto para mais de dois milhões de visitantes estrangeiros. Odete, a que está sentada à frente do marido no esquete “Sobre a mesa”, no YouTube, quer ser tratada como uma cachorra, possuída por toda a seleção da Nigéria, e, um século depois de lançada por Freud, responde sem papas na língua o célebre psicanalismo sobre o que querem as mulheres modernas.
Uma é Odetinha, a outra é Odete, um nome que desde Odete Lara nunca mais batizou qualquer garota entre Leblon e Ipanema. Ele está nas capas das revistas com o início, esta semana, da investigação pela Santa Sé para o processo de beatificação da menina que dividia a comida com os vizinhos pobres da sua mansão de Botafogo. Está também nos cadernos de cultura com o programa de humor do blog “Porta dos Fundos”. Neste, um homem, na mesa de jantar, frustrado por ter de escolher entre abacaxi e tangerina a sobremesa do jantar, diz que esperava mais da existência — e pergunta à mulher, Odete, o que ela quer da vida.
Uma é Odetinha, nascida em 1930, e cura os fiéis que a buscam em orações ou ao vivo, no túmulo do cemitério de Botafogo. A outra é Odete, uns 40 anos, nem feia nem bonita, aquele tipo que a vulgaridade masculina reconhece dar para o gasto. Apenas uma mulher de classe média, numa sala decorada sem quadros de santos na parede. Diante da pergunta do marido sobre o que quer da vida, ela vai direto ao assunto.
Em tom monocórdio, como se lesse a lista de compras do supermercado, responde que quer foder — e realça que não disse fazer amor, nheco-nheco ou transar. A Odete de 2013 quer dar para o porteiro, o cunhado, o personal trainer, o George Clooney, o exército israelense, a seleção africana. Não quer um de cada vez, mas todos ao mesmo tempo, esclarece.
Elas se chamam Odete e eu nunca mais tinha ouvido falar de uma desde a cantora Odete Amaral, sambista da Rádio Nacional. Estão de volta, aparentemente santas, aparentemente encapetadas — não está aqui quem as julgará. São mulheres em debate, falando da necessidade de ter a hóstia consagrada ou a sobremesa que escolherem para lhes dar sentido à vida. Houve ainda uma outra Odete, a do samba que João Gilberto regravou nos anos 1970, aquela do “Odete, ouve o meu lamento”.
Odetinha, morta aos 9 anos, em 1939, de febre paratifoide, não lamenta nada. Distribui graças. Uma delas é reconhecida pela atriz Giovanna Antonelli, agradecida por ter, depois de orações a Odetinha, conseguido o principal papel de sua carreira, o da muçulmana Jade, de “O clone”, que afronta a sociedade querendo escolher o próprio marido. A Odete, a dona de casa do “Porta dos fundos”, também não lamenta explicitamente a sua frustração. Diz ainda que quer ser chamada de vaca e vadia. Tudo de luz acesa. Trivial, como se escolhesse a calda da sobremesa, a Odete-diante-do-marido diz que quer repeteco de todo seu batalhão de amantes, acrescentando à lista o nome do nadador Michael Phelps. Zero de açúcar ou poesia. Odete usa apenas uma palavra não concreta de seu texto-desabafo. Depois de percorrer a multidão de machos espalhados entre o exército de Israel e a seleção da Nigéria, ela diz que ao final quer se sentir “extasiada”.
Uma é Odetinha, a menina-santa que carregou nas costas as chagas do mundo e, prenhe de êxtases místicos, agora deve ter o reconhecimento da Santa Igreja. O Papa e milhões de católicos a querem. A outra é Odete, a dona de casa-putinha. Cansada de carregar todas as aporrinhações do santo lar da classe média nas costas, ela agora quer que subam por ali, ou por onde preferirem, o Malvino Salvador e todos os santos másculos dos seus êxtases físicos reprimidos. Ontem, ela estava com 3.985.456 espectadores no YouTube.
A estrela sobe - ANCELMO GOIS
O GLOBO - 07/01
Invasão brasileira
Zeca Pagodinho, hospedado no Grand Floridian Disney Resort, não tem sossego. É que Orlando, como Miami e Nova York, virou território nacional, pela grande invasão de brasileiros.
Sobrou para Wonder
O cantor Stevie Wonder, que fez o show em Copacabana com Gil, estava no Galeão no dia do apagão. Como a American Airlines cancelou o voo para Nova York, ele teve que pegar, horas depois, um avião para Dallas, onde fez conexão.
Bandeira francesa
O grupo Accor não comprou só o Caesar Park de Ipanema. A bandeira francesa levou todos os Caesar Park de Brasil, Argentina e Chile.
Religião dos artistas
A Companhia das Letras vai publicar no Brasil "Going clear", de Lawrence Wright, que sai agora em janeiro nos EUA. O livro mostra detalhes obscuros da cientologia, a religião que atrai artistas como Tom Cruise, John Travolta e Priscilla Presley.
Ícone pop
Lea T., a transsexual brasileira filha de Toninho Cerezo, foi a sensação nas festas no balneário uruguaio de Punta del Este. Ela ganhou até elogios do jornal “La Nación”, de Buenos Aires, que a definiu como “ícone pop contemporâneo e emblema da luta pela liberdade sexual no mundo”.
SAI PRA LÁ, Ô PORCALHÃO!
Ano sim, ano também, tem gente que não aprende a se comportar em público. Inimigos da folia, no Rio, os rapazes sem vergonha de fazer xixi na rua já começam a dar trabalho um mês antes do carnaval. Indignada, uma fiel leitora da coluna enviou flagrante de um desses sem-educação, que fez pior noite dessas. Aproveitou o sinal fechado na Rua Visconde de Albuquerque, no bairro chique do Leblon, saiu de sua picape envenenada e foi "conversar" com uma bela figueira. Que feio!
Calma, gente
O "Daily News" do Egito publicou matéria sobre a polêmica com o cartunista brasileiro Carlos Latuff, que apareceu no ranking de uma ONG de extrema-direita de Israel como um dos 10 maiores antissemitas do mundo. O jornal publica a reação de intelectuais liderados pelo cineasta judeu Sílvio Tendler, de apoio a Latuff.
No país dos Rousseff
Com 25 edições no Brasil, e já publicado na França, Alemanha, Itália, Holanda, Inglaterra, EUA, Cuba e Israel, o romance "Essa Terra", de Antônio Torres, está sendo negociado pelo agente literário Stéphane Chao com a editora Delakort, da Bulgária.
Primeira pessoa
O Selo Primeira Pessoa, da Sextante, começou e acabou 2012 em primeiro lugar. “O X da questão”, autobiografia de Eike Sempre Ele Batista, liderou a venda de não-ficção nos primeiros meses do ano e “Giane — vida, arte e luta” fechou dezembro na frente.
Convite
José Serra foi convidado para ser secretário de Saúde de Geraldo Alckmin.
Carminha vive
A novela acabou em outubro, mas a malvada Carminha continua viva. A loja de comércio na internet Moda Focka (www.modafocka.com.br) produziu esta camisa com foto da atriz Adriana Esteves, chapéu da Cármen Miranda e a frase: “There is only one Carmen”.
Churrasco e samba
O Porcão vai ter um camarote na Sapucaí para 400 pessoas.
Sem música clássica
A Rádio Nacional vai transmitir também em FM, ocupando o lugar da MEC-FM, a emissora voltada para a música clássica. Na verdade as rádios em AM cada vez são menos captadas nos grandes centros, devido a interferências de outros canais.
Danadinho de volta
Em abril, o ator, político e empresário Arnold Schwarzenegger vem ao Rio abrir a Arnold Sports Festival, uma das principais feiras de fisiculturismo dos EUA. Antes do sucesso no cinema, o astro de “O exterminador do futuro” foi campeão da modalidade.
O evento, com investimento inicial de R$ 6 milhões, estima atrair mais de 50 mil visitantes e gerar cerca de R$ 60 milhões em negócios.
Aliás...
Um dos vídeos campeões de popularidade na internet documenta uma visita do fortão ao carnaval carioca, ainda no início da carreira.
O ator danadinho surge ali, como o diabo gosta, no meio de mulatas. Confira no site da coluna.
Intimidade - LUIZ FELIPE PONDÉ
FOLHA DE SP - 07/01
Eles têm aquele tipo de amor que brota dos restos do gozo e da intimidade suja
Duas coisas me encantam: o amor e a intimidade. Sou daquele tipo de pessoa que tem preconceito contra quem não é capaz de se sujar de intimidade.
Sou um homem de obsessões. Uma delas é que não controlamos a vida. Mas, mesmo assim, devemos tentar ter algum controle sobre ela. Ao final, sempre somos derrotados. Se pensarmos nisso, nada vale a pena. Mas, antes da morte, tudo vale a pena justamente porque nunca venceremos a batalha. Não há qualquer outra dignidade na vida além da do herói épico que combate 1 milhão de inimigos.
Revi o maravilhoso "Revelações", com Anthony Hopkins (Coleman Silk) e a bela Nicole Kidman (Faunia Farley). O filme é baseado no romance de Philip Roth "A Marca Humana".
Este romance guarda um segredo que não deve ser revelado, sob pena de destruir seu impacto. Ele devia ser lido por todo mundo acometido da doença do século: a superficialidade de alma. Não se combate essa doença com alguma teoria sobre a vida (como pensam os superficiais ilustrados), mas unicamente com o mais puro impasse.
Silk é um "scholar" de literatura que tem sua vida destruída porque usa a palavra "spook" ("fantasma", mas que tem um segundo possível significado, "negro", no sentido pejorativo) para dois alunos que nunca iam à aula.
Apesar de que ele não os conhecia, e, portanto, não sabia que eram negros, os dois alunos "se ofendem" mortalmente e, por isso, Silk sofre um processo na universidade por racismo. É humilhado por seus colegas. Pede demissão. Sua mulher morre do coração de desespero. Ele tem sua vida arruinada. A universidade, como sempre, quanto se trata de política, é o pior antro de canalhas da face da Terra.
Intelectuais são os "comissários do povo" mais temíveis da história. Comissários do povo eram canalhas comunistas que serviam a ideologia do partido. Intelectual com ideologia deve ser evitado como uma praga.
Sou um vocacionado à tristeza, mas resisto bem. As pessoas a minha volta sempre me salvam, mesmo que sem querer. Livros e filmes como esses me deixam felizes porque vejo neles o que vejo em mim: o sentido da vida que brota do fracasso, do impasse.
Roth sempre narra como indivíduos são esmagados por processos históricos. Neste caso, a hipocrisia neopuritana que se alimenta do antirracismo, fruto imundo da luta pelos direitos civis nos EUA, e que corrói a universidade como uma "peste do bem". Todos devem provar que não têm preconceitos (como em outros tempos teriam que provar a fidelidade ao partido ou a pureza racial) e, por isso, as palavras e os gestos são controlados no detalhe.
Coleman e Faunia se apaixonam. Ele, um velho deprimido ("Graças a Deus inventaram o Viagra"), ela, uma jovem pobre desgraçada, faxineira, com três empregos, que "matou seus filhos" num incêndio, espancada pelo marido, abusada pelo padrasto, abandonada pelos pais.
Todos são contra. Seus amigos, ex-amigos, inimigos, advogado. Ele é acusado de abusar de uma mulher jovem e pobre. Mulheres mais velhas odeiam quando mulheres mais jovens se apaixonam por homens mais velhos. Ela é acusada de querer dar o golpe da barriga. Ele é culto e sofisticado, ela fala "to fuck" ao invés de "fazer amor". Vulgar, se veste mal e limpa a merda dos outros o dia todo, todos os dias.
Mas eles têm aquele tipo de amor que brota dos restos do gozo e da intimidade suja, do afeto úmido que mora entre as pernas das mulheres. Um microcosmo no qual o materialismo vence sua pobreza. Uma vitória do corpo sobre o medo.
O filme é uma profunda prova do fracasso do sentido das coisas. Tudo na narrativa constrói a destruição do sentido da vida. O único lugar onde Coleman e Faunia existem é na solidão gloriosa do sexo.
Num dado momento ela chama a atenção dele para que tudo que existe entre eles é sexo. Ele insiste que não. Ela diz para ele que ele pensa assim porque não faz sexo há muito tempo.
A intimidade física entre uma mulher e um homem é de fato uma das maiores experiência da vida. Em meio aos restos dela, no encontro entre a saliva e o sexo, podemos encontrar alguma alma que valha a pena.
Eles têm aquele tipo de amor que brota dos restos do gozo e da intimidade suja
Duas coisas me encantam: o amor e a intimidade. Sou daquele tipo de pessoa que tem preconceito contra quem não é capaz de se sujar de intimidade.
Sou um homem de obsessões. Uma delas é que não controlamos a vida. Mas, mesmo assim, devemos tentar ter algum controle sobre ela. Ao final, sempre somos derrotados. Se pensarmos nisso, nada vale a pena. Mas, antes da morte, tudo vale a pena justamente porque nunca venceremos a batalha. Não há qualquer outra dignidade na vida além da do herói épico que combate 1 milhão de inimigos.
Revi o maravilhoso "Revelações", com Anthony Hopkins (Coleman Silk) e a bela Nicole Kidman (Faunia Farley). O filme é baseado no romance de Philip Roth "A Marca Humana".
Este romance guarda um segredo que não deve ser revelado, sob pena de destruir seu impacto. Ele devia ser lido por todo mundo acometido da doença do século: a superficialidade de alma. Não se combate essa doença com alguma teoria sobre a vida (como pensam os superficiais ilustrados), mas unicamente com o mais puro impasse.
Silk é um "scholar" de literatura que tem sua vida destruída porque usa a palavra "spook" ("fantasma", mas que tem um segundo possível significado, "negro", no sentido pejorativo) para dois alunos que nunca iam à aula.
Apesar de que ele não os conhecia, e, portanto, não sabia que eram negros, os dois alunos "se ofendem" mortalmente e, por isso, Silk sofre um processo na universidade por racismo. É humilhado por seus colegas. Pede demissão. Sua mulher morre do coração de desespero. Ele tem sua vida arruinada. A universidade, como sempre, quanto se trata de política, é o pior antro de canalhas da face da Terra.
Intelectuais são os "comissários do povo" mais temíveis da história. Comissários do povo eram canalhas comunistas que serviam a ideologia do partido. Intelectual com ideologia deve ser evitado como uma praga.
Sou um vocacionado à tristeza, mas resisto bem. As pessoas a minha volta sempre me salvam, mesmo que sem querer. Livros e filmes como esses me deixam felizes porque vejo neles o que vejo em mim: o sentido da vida que brota do fracasso, do impasse.
Roth sempre narra como indivíduos são esmagados por processos históricos. Neste caso, a hipocrisia neopuritana que se alimenta do antirracismo, fruto imundo da luta pelos direitos civis nos EUA, e que corrói a universidade como uma "peste do bem". Todos devem provar que não têm preconceitos (como em outros tempos teriam que provar a fidelidade ao partido ou a pureza racial) e, por isso, as palavras e os gestos são controlados no detalhe.
Coleman e Faunia se apaixonam. Ele, um velho deprimido ("Graças a Deus inventaram o Viagra"), ela, uma jovem pobre desgraçada, faxineira, com três empregos, que "matou seus filhos" num incêndio, espancada pelo marido, abusada pelo padrasto, abandonada pelos pais.
Todos são contra. Seus amigos, ex-amigos, inimigos, advogado. Ele é acusado de abusar de uma mulher jovem e pobre. Mulheres mais velhas odeiam quando mulheres mais jovens se apaixonam por homens mais velhos. Ela é acusada de querer dar o golpe da barriga. Ele é culto e sofisticado, ela fala "to fuck" ao invés de "fazer amor". Vulgar, se veste mal e limpa a merda dos outros o dia todo, todos os dias.
Mas eles têm aquele tipo de amor que brota dos restos do gozo e da intimidade suja, do afeto úmido que mora entre as pernas das mulheres. Um microcosmo no qual o materialismo vence sua pobreza. Uma vitória do corpo sobre o medo.
O filme é uma profunda prova do fracasso do sentido das coisas. Tudo na narrativa constrói a destruição do sentido da vida. O único lugar onde Coleman e Faunia existem é na solidão gloriosa do sexo.
Num dado momento ela chama a atenção dele para que tudo que existe entre eles é sexo. Ele insiste que não. Ela diz para ele que ele pensa assim porque não faz sexo há muito tempo.
A intimidade física entre uma mulher e um homem é de fato uma das maiores experiência da vida. Em meio aos restos dela, no encontro entre a saliva e o sexo, podemos encontrar alguma alma que valha a pena.
Vício - MARION STRECKER
FOLHA DE SP - 07/01
Tento ser honesta comigo mesma e me pergunto: superei a compulsão? A resposta é não
No meio dos feriados, em Florianópolis, depois de fazer uma ligação, por puro vício acabo abrindo a caixa de entrada de e-mails no celular. Vejo dezenas de e-mails enviados desde a véspera. Muitos são boletins jornalísticos de sites com nomes do tipo TechPulse 360. Coisas de nerd. Sem pensar muito, começo a selecionar aqueles que vou apagar sem ler. E, como sempre, vou deixar na caixa postal outros e-mails, para ler talvez um dia, talvez nunca.
Meu e-mail entrou em colapso. Às vezes perco mensagem importante soterrada numa pilha imensa de bobagens. O que seria solução virou também um problema que me consome muito tempo.
Poderia dizer o mesmo do Facebook, que só não abandono de vez porque virou uma imensa agenda de contatos. Hoje a única rede social que me dá prazer é o Instagram, que não requer palavras nem reciprocidade, assiduidade nem respostas. Eu me sinto livre no Instagram. Mas vejo em volta, com meus amigos, como pode ser uma compulsão.
Lembro subitamente que preciso escrever esta coluna. Penso no ano que passou, da temporada na Califórnia, embutida na indústria do Vale do Silício. Penso nos dias angustiantes que precederam o momento em que me dei conta de que estava totalmente viciada em internet. A produtividade em queda, a ansiedade em alta, a mania de pular de aparelho em aparelho, de aplicativo em aplicativo, de rede social em rede social, sem necessidade nenhuma, sem objetivo definido, vagando pelo mundo on-line como zumbi.
Tento ser honesta comigo mesma e me pergunto: superei o vício? Controlei a compulsão? A resposta é não.
Tomei algumas atitudes sensatas, como me privar de eletrônicos por algumas horas por dia e evitar levar a internet para o quarto de dormir. A internet se infiltrava no quarto disfarçada em despertador do celular ou em livro eletrônico no iPad. Barrei. Quer dizer, procuro barrar. Mas nem sempre barro. Quando estou sozinha é mais difícil.
Não tinha nenhuma compulsão antes da internet. Não estou substituindo um vício por outro. Juro.
Olho minha filha de 14 anos, e ela está muito mais viciada que eu no seu iPhone. Usa Facebook, Twitter, WhatsApp, Instagram, essas coisas. Os amigos são tudo para ela. Para mim também. Tento alertá-la de que está passando horas demais com o aparelho. Sugiro um livro. Às vezes ela aceita, outras não. Tenho certeza de que ela, como eu, perde um tempo imenso em papo furado nas praças virtuais do planeta.
OK, papo furado faz parte da vida. Por que não faria na internet? Minha preocupação não é o papo furado. Minha preocupação é a angústia, a ansiedade que a internet é capaz de produzir. Eu conheço esse estado bem demais. É como andar de bar em bar, procurando algo que não se vai encontrar. É intoxicante. Faz mal à saúde.
Escrevo o que escrevi e de novo me pergunto se estou sendo honesta. É a internet que produz essa ansiedade em mim ou sou eu que estou terceirizando minha ansiedade? Lembro-me da frase de Homer Simpson: "A culpa é minha, e eu coloco ela em quem eu quiser". Boa, não?
Tento ser honesta comigo mesma e me pergunto: superei a compulsão? A resposta é não
No meio dos feriados, em Florianópolis, depois de fazer uma ligação, por puro vício acabo abrindo a caixa de entrada de e-mails no celular. Vejo dezenas de e-mails enviados desde a véspera. Muitos são boletins jornalísticos de sites com nomes do tipo TechPulse 360. Coisas de nerd. Sem pensar muito, começo a selecionar aqueles que vou apagar sem ler. E, como sempre, vou deixar na caixa postal outros e-mails, para ler talvez um dia, talvez nunca.
Meu e-mail entrou em colapso. Às vezes perco mensagem importante soterrada numa pilha imensa de bobagens. O que seria solução virou também um problema que me consome muito tempo.
Poderia dizer o mesmo do Facebook, que só não abandono de vez porque virou uma imensa agenda de contatos. Hoje a única rede social que me dá prazer é o Instagram, que não requer palavras nem reciprocidade, assiduidade nem respostas. Eu me sinto livre no Instagram. Mas vejo em volta, com meus amigos, como pode ser uma compulsão.
Lembro subitamente que preciso escrever esta coluna. Penso no ano que passou, da temporada na Califórnia, embutida na indústria do Vale do Silício. Penso nos dias angustiantes que precederam o momento em que me dei conta de que estava totalmente viciada em internet. A produtividade em queda, a ansiedade em alta, a mania de pular de aparelho em aparelho, de aplicativo em aplicativo, de rede social em rede social, sem necessidade nenhuma, sem objetivo definido, vagando pelo mundo on-line como zumbi.
Tento ser honesta comigo mesma e me pergunto: superei o vício? Controlei a compulsão? A resposta é não.
Tomei algumas atitudes sensatas, como me privar de eletrônicos por algumas horas por dia e evitar levar a internet para o quarto de dormir. A internet se infiltrava no quarto disfarçada em despertador do celular ou em livro eletrônico no iPad. Barrei. Quer dizer, procuro barrar. Mas nem sempre barro. Quando estou sozinha é mais difícil.
Não tinha nenhuma compulsão antes da internet. Não estou substituindo um vício por outro. Juro.
Olho minha filha de 14 anos, e ela está muito mais viciada que eu no seu iPhone. Usa Facebook, Twitter, WhatsApp, Instagram, essas coisas. Os amigos são tudo para ela. Para mim também. Tento alertá-la de que está passando horas demais com o aparelho. Sugiro um livro. Às vezes ela aceita, outras não. Tenho certeza de que ela, como eu, perde um tempo imenso em papo furado nas praças virtuais do planeta.
OK, papo furado faz parte da vida. Por que não faria na internet? Minha preocupação não é o papo furado. Minha preocupação é a angústia, a ansiedade que a internet é capaz de produzir. Eu conheço esse estado bem demais. É como andar de bar em bar, procurando algo que não se vai encontrar. É intoxicante. Faz mal à saúde.
Escrevo o que escrevi e de novo me pergunto se estou sendo honesta. É a internet que produz essa ansiedade em mim ou sou eu que estou terceirizando minha ansiedade? Lembro-me da frase de Homer Simpson: "A culpa é minha, e eu coloco ela em quem eu quiser". Boa, não?
Política e ecologia - Mujica na Rio+20 - MARIO CESAR FLORES
O Estado de S.Paulo - 07/01
Uma avaliação criteriosa dos pronunciamentos na recente Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) destacaria por sua lucidez o do presidente do Uruguai, José Mujica, discreta e polidamente aplaudido pela plateia e menoscabado pela mídia. Na verdade, praticamente ignorado, talvez porque não tenha desenvolvido explicitamente fatos da flora e fauna, o desmatamento, a poluição, a mudança climática e o efeito estufa, como pedia o clima do evento. Este artigo comenta o pronunciamento, simples na forma e profundo no conteúdo, que pode ser acessado no Google e vale a pena ver/ouvir e ler (está legendado em português).
O simpático presidente homenageou a boa-fé dos oradores que o precederam e passou a desenvolver sua ideia básica: a causa protagônica do cenário ecológico/ambiental sombrio que preocupa o mundo é o modelo de civilização que vivemos. Disse o que provavelmente a maioria dos presentes partilhava como ideário abstrato, sem observá-lo no cotidiano concreto porque satisfeita com a vida pautada na cultura consumista: vivemos um modelo de civilização marcado pelo hiperconsumo. Integrou as questões ambientais e ecológicas que dominavam a Rio+20 numa razão comum: na raiz da agressão do homem à natureza está presente o hiperconsumo, praticado no mundo de população imensa e crescente. Caracterizado pelo "use e jogue fora", esse modelo nos obriga a trabalhar mais para consumir mais, a fazer coisas que não durem e a comprar sempre mais porque, se o consumo não cresce, paralisa a economia. Complementou sua crítica com uma breve menção também crítica ao crédito a serviço da política do desenvolvimento baseada no consumo (e no desperdício...). E fechou essa cadeia de raciocínio com uma frase de efeito, coerente com sua vida pessoal modesta, de arguto significado emblemático: "Pobre não é quem tem pouco, mas sim quem deseja muito, sempre mais e mais".
Sintoma simbólico da esquizofrenia insinuada no pronunciamento: o Natal perdeu sua conotação de festa religiosa, passou a ser uma apoteose comercial; em vez da igreja, o shopping... Por vezes a compulsão ao "compre mais" chega ao desatino. Exemplo: o poder público brasileiro estimula a compra do carro porque a indústria automobilística emprega e pesa na economia e na receita fiscal, mas é reticente quanto ao seu uso, quando não o cerceia (algo assim como "compre carro, mas deixe-o na garagem") porque não consegue compatibilizar a infraestrutura (ruas, estradas, estacionamento) com o aumento do numero de carros...
Passando do diagnóstico à correção: para Mujica, o despautério exige a revisão do modelo socioeconômico consumista e do comportamento humano nele - um processo complexo, dependente da condução política. Declarou que como governante seguiria as recomendações emanadas do evento, mas o fez em tom que indicava não serem elas suficientes: há que rever o modelo de civilização de consumo desenfreado.
O pronunciamento de Mujica nos leva a pensar: procedimentos corretivos como os que vêm sendo preconizados e precariamente praticados (Kyoto e outros "mandamentos" da boa-fé) talvez possam reduzir ou retardar os efeitos perniciosos da ação humana na sua relação com a natureza. Mas a solução no longo prazo, que compatibilizará definitivamente o bem-estar da humanidade com a sustentabilidade da natureza, passa pela mudança de comportamento humano, pela revisão da política de desenvolvimento predadora e geradora de poluição, alicerçada no consumo apoiado no crédito desvairado.
Reside aí o nó da questão. O "compre mais" convém à economia de mercado e assegura empregos, além de ser útil à receita fiscal. Para que os políticos de país democrático contestem esse lema seria necessário, portanto, que estivessem dispostos a contrariar o "apetite consumista" das populações, a correr risco político-eleitoral. Não é isso que acontece: no mundo democrático, em forte evidência no Brasil, os políticos estimulam o "compre mais", visto como atestado de cidadania no modelo consumista que impregna o teatro político. Quanto aos autoritarismos, no mundo integrado pelas comunicações, que disseminam os costumes e universalizam as pretensões, também seus políticos se veem compulsados a apoiar o consumo, sob pena de desestabilização política e social. É o que ocorre na China hoje.
Em suma, o presidente Mujica deixou na Rio+20 uma mensagem significativa no tocante ao futuro da relação humanidade-natureza: o desenvolvimento que atenda à humanidade e seja sustentável não se dará no longo prazo sem uma revisão no estilo de vida dos povos - basicamente no modelo socioeconômico dominado pelo hiperconsumo. Há que reconfigurar o modelo às injunções da natureza e isso contrariará tanto os beneficiários de padrões de consumo já consolidados nos países ricos como o interesse da imensa maioria global pretendente a esses mesmos padrões. No desenvolvimento desse tema Mujica usou uma observação simplória, mas simbólica e instigante: o impacto na atmosfera, caso a proporção carro/homens na Índia venha a subir à proporção carro/homens alemã; teria sido mais contundente se tivesse usado a proporção norte-americana na China...
O caminho preconizado no pronunciamento do presidente do Uraguai é tarefa de políticos com visão estadista de futuro. Será possível? Na atual conjuntura de informações globalizadas e de economia de consumo já consolidada em parte da humanidade e pretendida por toda, ele é, para dizer o mínimo, muito difícil. Exige uma reestruturação cultural que não entusiasma o mundo político, democrático e autoritário.
Uma pitada de realismo sóbrio num cenário de manifestações de boa-fé de duvidosa viabilidade, a mensagem de Mujica merecia maior destaque. Na verdade, merecia o grande destaque do evento Rio+20.
Virtudes virtuais - LÚCIA GUIMARÃES
O Estado de S.Paulo - 07/01
Em janeiro de 1956, Profiles in Courage (Perfis em Coragem) disparou nas listas de livros mais vendidos nos Estados Unidos, onde ficaria até 1964, um ano depois de John Kennedy, o único autor com crédito na capa, ser assassinado em Dallas. O livro, lançado quando Kennedy era senador pelo Estado de Massachusetts, reúne perfis de oito senadores americanos que demonstraram coragem e independência no exercício do mandato, começando por John Quincy Adams, na primeira década do século 19.
No prefácio, o futuro presidente explica sua preocupação com a coragem política diante da pressão de eleitores, partidos e grupos de interesse. Mas ele não explica que não teve a coragem de escrever Profiles in Courage sozinho. Longos trechos do livro foram escritos pelo então assessor e redator de discursos de Kennedy, Ted Sorensen, que, antes de morrer, admitiu ter escrito a primeira versão da maioria dos capítulos e fez em segredo um polpudo acordo de direitos autorais com o chefe. O livro não foi indicado para o Pulitzer de 1957, mas ganhou o prêmio assim mesmo porque o pai de John, Joseph Kennedy, torceu o braço de um membro do comitê eleitor, que, por sua vez, convenceu os outros membros a votarem a favor.
Na semana passada, as palavras covardia e coragem foram citadas várias vezes na mídia americana, aplicada a diferentes personagens e situações.
John Boehner, o líder republicano da Câmara, saiu se gabando da seguinte valentia: aproximou-se do líder democrata no Senado, Harry Reid, a poucos passos do Salão Oval da Casa Branca, disse e repetiu: "Go f*#@* yourself" (Vá se f*@#r). Wow. João Valentão Boehner, que cresceu varrendo o botequim do pai em Ohio, não leva desaforo para casa. Não importa que Reid, um mórmon meio magrelo, se sentiria religiosamente impedido a retrucar. No meio da embaraçosa negociação para evitar o abismo fiscal, Reid havia acusado Boehner de ter instalado uma pequena ditadura na Câmara, cortejando a minoria republicana radical.
Mas, curiosamente, João Valentão não teve coragem de aplicar o mesmo epíteto obsceno a Chris Christie. O governador de Nova Jersey pesa 160 quilos e é o atual macho alfa do Partido Republicano. Ao saber que Boehner cancelou, em cima do ano-novo, a votação do pacote de ajuda às vítimas do furacão Sandy, amedrontado com a repercussão de uma nova despesa de US$ 60 bilhões, em meio ao debate sobre o déficit, Christie não precisou recorrer a nenhum palavrão: Acusou John Boehner de se curvar a intrigas palacianas, de prolongar inutilmente o sofrimento de milhares de vítimas do furacão e reduziu o deputado de Ohio em público a um castrato de coral da Renascença.
E como anda a coragem presidencial? Vejamos: a primeira providência de Barack Obama para tratar do trauma nacional com o massacre de crianças em Newtown, Connecticut, foi delegar a responsabilidade de procurar uma solução para o problema das armas de fogo ao vice-presidente Joe Biden. Depois de proclamar que sua vitória nas urnas era sinal de que os americanos aprovam a alta de impostos para os afluentes, gente que ganha mais de US$ 250 mil por ano, Obama não precisou de muito convencimento para dizer sim quando os republicanos decretaram que o teto devia ser US$ 450 mil.
Sabem quem foi acusada de covarde? Hillary Clinton. Comentaristas de direita disseram que Hillary estava escondida debaixo da cama porque não queria depor na comissão que investiga o ataque ao consulado americano em Benghazi, em setembro. Depois de ter contraído um vírus em viagem oficial, Hillary ficou desidratada, desmaiou e bateu a cabeça. Um check-up determinou que ela tinha um raro coágulo no cérebro e a secretária de Estado comemorou o ano-novo numa cama de hospital.
Sabem quem foi apontada como corajosa? A comediante Kathy Griffin, que simulou um ato sexual com o âncora Anderson Cooper, durante a transmissão ao vivo da festa do ano-novo em Times Square.
A coragem mais em evidência hoje na vida pública americana vem acolchoada por US$ 25 bilhões. O prefeito Michael Bloomberg, que comprou a terceira eleição pressionando a cidade a mudar a lei de limite de mandatos, fala o que quer. Não pode eleger-se presidente, não pode reeleger-se prefeito em 2013 e dá um bocejo quando lhe acenam com cargos honorários. Pretende gastar sua fortuna no final da vida promovendo causas, diga-se de passagem, virtuosas, como obesidade, meio ambiente e controle de armas de fogo. Nos dias que se seguiram ao massacre de Newtown, ele foi a única figura nacional eleita a tratar a tragédia como uma falha moral criminosa da vida americana.
A coragem, na Grécia antiga, era uma das quatro virtudes platônicas, ao lado da justiça, da temperança e da prudência. Num ano em que um sinal de coragem e independência foi encomendar centenas de balas para armas automáticas on-line, é justo, prudente e temperado indagar se a coragem está migrando para o mundo virtual?
Matemática do fracasso - VINICIUS MOTA
FOLHA DE SP - 07/01
SÃO PAULO - Alunos de 14 anos da rede pública municipal de São Paulo calculam como crianças de 11, nada além disso. Esses estudantes avançam para o ensino médio, o antigo colegial, fase em que o atraso no conhecimento só faz aumentar.
Não é de estranhar que essa clientela esteja em desvantagem para disputar seja os vestibulares mais concorridos das universidades, seja as vagas mais bem remuneradas do mercado de trabalho.
Como ocorreu com seus pais, esses jovens vão ocupar a base da pirâmide de renda. A base veio ficando menos distante do topo nos últimos anos, graças ao aumento dos brasileiros que completam o ensino médio e -muitas vezes mais próximos dos 30 que dos 20- a faculdade.
Mas nada disso altera o status esperado da criança de seis anos que terá de enfrentar 12 anos de ensino básico público.
As cotas em universidades públicas mudarão o destino de poucos -na hipótese, a ser provada, de que essas instituições mantenham seu prestígio no mercado de trabalho. O sistema universitário estatal não tem a escala do problema. Para cada aluno da rede pública beneficiado pela cota, outros nove ficarão de fora.
O debate das cotas, aliás, arrasta por vezes uma premissa equivocada. Não cabe à universidade, pública ou privada, corrigir os problemas acumulados nos ciclos anteriores. Da mesma forma, o ensino médio não deveria saldar a conta do atraso de nove anos da escola fundamental.
Não se faz mágica com aprendizado. O avanço formal -os diplomas e as formaturas acumuladas, o aumento dos anos que o brasileiro passa na escola- já entregou praticamente tudo o que poderia em termos de mitigação da desigualdade social.
Administradores incapazes de analisar um balanço, engenheiros ignorantes em álgebra elementar e advogados semiletrados não vão longe. E não impulsionarão o desenvolvimento do país.
SÃO PAULO - Alunos de 14 anos da rede pública municipal de São Paulo calculam como crianças de 11, nada além disso. Esses estudantes avançam para o ensino médio, o antigo colegial, fase em que o atraso no conhecimento só faz aumentar.
Não é de estranhar que essa clientela esteja em desvantagem para disputar seja os vestibulares mais concorridos das universidades, seja as vagas mais bem remuneradas do mercado de trabalho.
Como ocorreu com seus pais, esses jovens vão ocupar a base da pirâmide de renda. A base veio ficando menos distante do topo nos últimos anos, graças ao aumento dos brasileiros que completam o ensino médio e -muitas vezes mais próximos dos 30 que dos 20- a faculdade.
Mas nada disso altera o status esperado da criança de seis anos que terá de enfrentar 12 anos de ensino básico público.
As cotas em universidades públicas mudarão o destino de poucos -na hipótese, a ser provada, de que essas instituições mantenham seu prestígio no mercado de trabalho. O sistema universitário estatal não tem a escala do problema. Para cada aluno da rede pública beneficiado pela cota, outros nove ficarão de fora.
O debate das cotas, aliás, arrasta por vezes uma premissa equivocada. Não cabe à universidade, pública ou privada, corrigir os problemas acumulados nos ciclos anteriores. Da mesma forma, o ensino médio não deveria saldar a conta do atraso de nove anos da escola fundamental.
Não se faz mágica com aprendizado. O avanço formal -os diplomas e as formaturas acumuladas, o aumento dos anos que o brasileiro passa na escola- já entregou praticamente tudo o que poderia em termos de mitigação da desigualdade social.
Administradores incapazes de analisar um balanço, engenheiros ignorantes em álgebra elementar e advogados semiletrados não vão longe. E não impulsionarão o desenvolvimento do país.
Dos quatro anos, o melhor - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 07/01
O ano de 2013 dos políticos promete. Não por causa das previsões do governo, de uma economia mais robusta, um produto interno bruto (PIB) mais rechonchudo ou algo parecido. O que torna este ano especial é o fato de governadores, a presidente Dilma Rousseff e a oposição chegarem à segunda semana de janeiro com ares de quem deseja mostrar serviço ao eleitor. Tudo para, em 2014, ou emplacar mais um mandato ou fazer o sucessor.
Vejamos o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Pegou um governo redondinho de Mário Covas, morto em 2001. Reelegeu-se em 2002. Em 2006 passou o bastão paulista para José Serra, seu aliado, mas nem tanto. Retomou o bastão em 2010. Agora, no meio de seu segundo mandato inteiro à frente do governo, faltando dois anos para concorrer à reeleição, se prepara para encher o estado de obras que deixou de fazer nos períodos anteriores.
Da parte do governo federal, a mesma coisa. Dá-lhe obras para ampliar a agenda de inaugurações no ano que vem. No Orçamento da União, a previsão de investimentos é maior que a do ano passado em relação ao PIB. De 19% para 27%. São R$ 176 bilhões para investir, dos quais R$ 110 bilhões virão das empresas estatais. Se o país aplicar parte dos R$ 31 bilhões previstos para os portos até 2015 e conseguir levar o empresariado a colocar em prática os projetos do setor privado estaremos num ambiente pra lá de promissor. No caso da iniciativa privada, há mais R$ 100 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) disponíveis para empréstimos.
Nas áreas da saúde e da educação, não é tão simples assim. Dilma fez um gol com o projeto Ciência sem Fronteiras. O programa “pegou”. É comum, hoje, ver grupos de jovens conversando entre si sobre perspectivas de estudar fora ou buscando informações sobre cursos em universidades estrangeiras. Mas as escolas públicas ainda deixam a desejar, daí as críticas à reserva de vagas das universidades a alunos oriundos do ensino público. Sinal de que os governos federal, estaduais e municipais estão longe de ter um caminho totalmente seguro para conquistar o coração do eleitor nesse quesito.
Na saúde não é diferente. A cada imagem de corredor de hospital cheio de gente, naquele sufoco, esperando atendimento, surgem pontos a menos nas intenções de voto, seja do prefeito (reeleito), seja do governador, seja da presidente Dilma. Só não afeta o prefeito que acabou de assumir o cargo. Esse último grupo, aliás, tem se esmerado em mostrar os estragos encontrados para, lá na frente, dizer que arrumou a bagunça.
Enquanto isso, nos partidos…
Aqueles que colecionam projetos realizados em anos anteriores planejam caravanas. Entram nessa batida o senador Aécio Neves, de Minas Gerais, disposto a embalar o PSDB dentro de uma campanha presidencial, mostrando para isso o que fez como governador de estado. O de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB, também projeta andanças pelo Brasil. Está rouco de tanto dizer que não é candidato a presidente e que não trata de 2014. Mas os socialistas querem Eduardo exibindo os projetos pernambucanos pelo Brasil afora da mesma forma que Aécio apresentará os mineiros. E ainda vem Marina Silva, correndo por fora das legendas já registradas no Tribunal Superior Eleitoral.
… as contas vão chegando
Pelo cálculos feitos do PSB ao DEM, as andanças de Aécio, Eduardo e Marina devem começar logo depois do carnaval. Afinal, diz o dito popular, quem chega primeiro bebe água limpa. No meio político, embora Dilma seja considerada hoje imbatível, há um receio de que, no afã de mostrar serviço ao eleitor, o governo acabe colocando os pés pelas mãos na área econômica, que já não está aquela maravilha toda, e parte da população começa a perceber problemas.
O fantasma da inflação é comentado aos quatro cantos nos supermercados e nas conversas entre as donas de casa que acompanham o preço dos alimentos. O poder de compra da classe C continua movimentando o comércio, mas o endividamento também está bastante elevado. Se continuar assim, uma hora a conta não vai fechar.
Tudo que o governo não quer é que essa conta exploda antes da eleição ano que vem. Por isso, fará o que estiver ao seu alcance para mostrar que o país está num ritmo satisfatório. E, com Dilma, cada governador tentará se superar para fazer valer o clima de que “estamos muito bem”, apesar dos pesares. Esse é o nome do jogo. Os governantes querendo mostrar serviço e seus opositores garantindo que fariam melhor. Parte deles chegará ao fim do ano com mais legitimidade para bradar “esse cara sou eu”. É isso que faz de 2013 o melhor dos quatro anos de um governo. Bom para o contribuinte. Acompanhemos.
O ano de 2013 dos políticos promete. Não por causa das previsões do governo, de uma economia mais robusta, um produto interno bruto (PIB) mais rechonchudo ou algo parecido. O que torna este ano especial é o fato de governadores, a presidente Dilma Rousseff e a oposição chegarem à segunda semana de janeiro com ares de quem deseja mostrar serviço ao eleitor. Tudo para, em 2014, ou emplacar mais um mandato ou fazer o sucessor.
Vejamos o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Pegou um governo redondinho de Mário Covas, morto em 2001. Reelegeu-se em 2002. Em 2006 passou o bastão paulista para José Serra, seu aliado, mas nem tanto. Retomou o bastão em 2010. Agora, no meio de seu segundo mandato inteiro à frente do governo, faltando dois anos para concorrer à reeleição, se prepara para encher o estado de obras que deixou de fazer nos períodos anteriores.
Da parte do governo federal, a mesma coisa. Dá-lhe obras para ampliar a agenda de inaugurações no ano que vem. No Orçamento da União, a previsão de investimentos é maior que a do ano passado em relação ao PIB. De 19% para 27%. São R$ 176 bilhões para investir, dos quais R$ 110 bilhões virão das empresas estatais. Se o país aplicar parte dos R$ 31 bilhões previstos para os portos até 2015 e conseguir levar o empresariado a colocar em prática os projetos do setor privado estaremos num ambiente pra lá de promissor. No caso da iniciativa privada, há mais R$ 100 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) disponíveis para empréstimos.
Nas áreas da saúde e da educação, não é tão simples assim. Dilma fez um gol com o projeto Ciência sem Fronteiras. O programa “pegou”. É comum, hoje, ver grupos de jovens conversando entre si sobre perspectivas de estudar fora ou buscando informações sobre cursos em universidades estrangeiras. Mas as escolas públicas ainda deixam a desejar, daí as críticas à reserva de vagas das universidades a alunos oriundos do ensino público. Sinal de que os governos federal, estaduais e municipais estão longe de ter um caminho totalmente seguro para conquistar o coração do eleitor nesse quesito.
Na saúde não é diferente. A cada imagem de corredor de hospital cheio de gente, naquele sufoco, esperando atendimento, surgem pontos a menos nas intenções de voto, seja do prefeito (reeleito), seja do governador, seja da presidente Dilma. Só não afeta o prefeito que acabou de assumir o cargo. Esse último grupo, aliás, tem se esmerado em mostrar os estragos encontrados para, lá na frente, dizer que arrumou a bagunça.
Enquanto isso, nos partidos…
Aqueles que colecionam projetos realizados em anos anteriores planejam caravanas. Entram nessa batida o senador Aécio Neves, de Minas Gerais, disposto a embalar o PSDB dentro de uma campanha presidencial, mostrando para isso o que fez como governador de estado. O de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB, também projeta andanças pelo Brasil. Está rouco de tanto dizer que não é candidato a presidente e que não trata de 2014. Mas os socialistas querem Eduardo exibindo os projetos pernambucanos pelo Brasil afora da mesma forma que Aécio apresentará os mineiros. E ainda vem Marina Silva, correndo por fora das legendas já registradas no Tribunal Superior Eleitoral.
… as contas vão chegando
Pelo cálculos feitos do PSB ao DEM, as andanças de Aécio, Eduardo e Marina devem começar logo depois do carnaval. Afinal, diz o dito popular, quem chega primeiro bebe água limpa. No meio político, embora Dilma seja considerada hoje imbatível, há um receio de que, no afã de mostrar serviço ao eleitor, o governo acabe colocando os pés pelas mãos na área econômica, que já não está aquela maravilha toda, e parte da população começa a perceber problemas.
O fantasma da inflação é comentado aos quatro cantos nos supermercados e nas conversas entre as donas de casa que acompanham o preço dos alimentos. O poder de compra da classe C continua movimentando o comércio, mas o endividamento também está bastante elevado. Se continuar assim, uma hora a conta não vai fechar.
Tudo que o governo não quer é que essa conta exploda antes da eleição ano que vem. Por isso, fará o que estiver ao seu alcance para mostrar que o país está num ritmo satisfatório. E, com Dilma, cada governador tentará se superar para fazer valer o clima de que “estamos muito bem”, apesar dos pesares. Esse é o nome do jogo. Os governantes querendo mostrar serviço e seus opositores garantindo que fariam melhor. Parte deles chegará ao fim do ano com mais legitimidade para bradar “esse cara sou eu”. É isso que faz de 2013 o melhor dos quatro anos de um governo. Bom para o contribuinte. Acompanhemos.
JUSTIÇA ANIMAL - MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 07/01
JUSTIÇA ANIMAL 2
Os corpos foram encontrados há um ano em sacos de lixos próximos à casa de Dalva, na Vila Mariana. Filhotes eram maioria. Segundo o advogado Martim Lopes Martines, "ela pegava animais debilitados para reabilitá-los e dar a pessoas que gostavam de cuidar". Ele diz que sua cliente sacrificou seis bichos "sem condição de recuperação", usando anestesia.
Martines afirma que Dalva não cuida mais de animais. E que 15 bichos "vacinados, bonitos" foram tirados dela.
PETIÇÃO
A Anda (Agência de Notícias de Direitos Animais) lança hoje, em seu site, um abaixo-assinado a ser encaminhado para o governador Geraldo Alckmin pedindo a criação de delegacias especializadas. A motivação foi "a morosidade do processo do caso Dalva". A agência calcula que, em dez anos, ela teria matado milhares de animais. Para a promotora Vânia Tuglio, é uma "certeza moral", sem "prova técnica".
QUEDA DE BRAÇO
Na véspera do Ano-Novo, um dia antes de deixar seu cargo de vereador de SP, Agnaldo Timóteo foi a Caratinga (MG). Na cidade natal, reinaugurou uma estátua de bronze sua, de corpo inteiro. "Uma pessoa quebrou um dos braços da estátua antiga. Acho que não concordou que parecia comigo", conta.
ESSE RELIGIOSO SOU EU
Sem se reeleger, Timóteo quer se concentrar na atividade "fatural" (que lhe dá dinheiro): a música. Vai a Miami tentar negociar o álbum "Recuerdos de Mi Juventud", em espanhol. E investe na divulgação do CD "Minha Oração". "Como Roberto Carlos, vou voltar a fazer sucesso em disco. Esse religioso sou eu."
CURTIR DUPLO
Tyler e Cameron Winklevoss, os gêmeos que fundaram o Facebook com Mark Zuckerberg, vieram ao Brasil. A dupla passou o Ano-Novo em Florianópolis.
MARC E OS MANOS
O estilista Marc Jacobs passou o Ano-Novo rodeado por brasileiros, em Nova York. Além do atual namorado, Harry Louis, estavam com Jacobs o ex, Lorenzo Martone, e o apresentador Pedro Andrade.
Os amigos assistiram a um show da cantora Azealia Banks na virada.
SÃO PAULO 459
A fonte multimídia do parque Ibirapuera terá um show com projeções e músicas para comemorar o aniversário de São Paulo, no dia 25. Serão exibidas imagens de um passeio de Itamar Assumpção pela cidade e da fundação da capital paulista. Entre as canções que compõem o espetáculo estão uma nova versão de "SP Feelings", de Marina Lima, "Samba Italiano", de Adoniran Barbosa, "Só Sei Dançar com Você", na voz de Tiê, e "Dançar pra Não Dançar", de Rita Lee.
S.O.S. PRAIA GRANDE
O Estado de SP inaugura hoje seu primeiro Centro de Reanimação de Afogados, em Praia Grande -ocorrem na orla paulista cerca de 80 afogamentos no verão, metade deles no município. Até 17 de fevereiro, um médico e um enfermeiro, em um 4x4, ficarão de prontidão para atendimento na areia.
TUDO AFINADO
A jornalista Leilane Neubarth foi à primeira apresentação de "Tudo Esclarecido", novo show de Zélia Duncan, na quinta. Estavam na plateia do Sesc Pinheiros as cantoras Ná Ozetti e Vange Milliet, a atriz Lúcia Veríssimo e o músico Tom Zé. A temporada vai até 13 de janeiro, de quinta a domingo.
É DIVINO, LÁ LÁ IÁ
Neymar voltou a treinar pelo Santos no dia 3, mas suas férias ainda dão o que falar. O jogador compartilhou no Instagram muitas fotos de sua folga. Aqui, um compilado das imagens em que ele descolore os cabelos de um amigo e do pai, Neymar; de seu filho, Davi Lucca, comendo coxa de frango dentro de um cooler; da piscina da casa do atacante com suas iniciais no fundo e de um passeio de lancha dele com os amigos em Florianópolis.
Curto-circuito
As Oficinas Culturais, promovidas pela Secretaria de Estado da Cultura, abrem hoje inscrições para as atividades de férias, que vão de janeiro a março.
A mostra "Cápsula do Tempo: Identidade e Ruptura no Vestir de Ney Matogrosso", em cartaz no Senac de Santo Amaro, foi prorrogada até o dia 31.
Como colocar ordem no progresso? - REINALDO GARCIA
O Estado de S.Paulo - 07/01
O Brasil tem sido frequentemente condenado por seus "gargalos" em infraestrutura. Estive fora do País por trinta anos, mas acompanhei o avanço sociopolítico da nação e o ganho de prestígio internacional. Retornei em 2011 e, obviamente, me deparei com outro Brasil, onde o crescimento econômico gerou os desafios atuais, que precisam ser superados para permitir nova evolução da indústria e da sociedade brasileira.
De acordo com o último Censo Demográfico do IBGE, o Brasil é o quinto país mais populoso do mundo, atrás de China, Índia, EUA e Indonésia. O salto populacional desde 1970, de 90 para 190 milhões de brasileiros em 2012, ampliou o poder da indústria e permitiu a evolução da classe média, hoje fundamental para a sustentação da economia. Para 2050, devemos ser mais de 250 milhões brasileiros, segundo projeção do Censo.
Esse indicador populacional é um alerta. Mais pessoas representam mais alimentos, mais energia, mais transporte, mais serviços de saúde e mais infraestrutura. Para garantir o aumento sustentável da produção industrial, o desenvolvimento dos mercados e o suprimento da crescente demanda em diferentes setores, é preciso mais do que planejamento e investimento envolvendo o poder público e atores da iniciativa privada.
Usando a experiência brasileira como exemplo de aprendizado, na década de 1950, ocorreu uma grande mudança na geografia do País, com o investimento no modelo rodoviário, que possibilitou conectar diferentes Estados com o intuito de ampliar o comércio intra-estado e internacional. Um movimento benéfico, mas que não poderia ter acontecido de maneira isolada.
Ainda apoiado na história do que ocorreu com o Brasil de 1950, sabe-se que os investimentos para viabilizar a expansão das estradas foram de responsabilidade do governo. O Projeto de Lei Orçamentária divulgado pelo ministério da Fazenda em agosto de 2012 prevê investimentos de R$ 186,9 bilhões para 2013, um aumento de 9% sobre o ano anterior. Uma projeção do BNDES, divulgada em 2012, aponta que o País receberá US$ 850 bilhões de investimentos da iniciativa privada, até 2014, para aplicação na indústria, pesquisa e inovação. Cultivar esta parceria é outro aprendizado importante que tem sido ampliado, com benefícios para ambos os lados.
Quais são os próximos passos? Em novembro passado, durante o +Brasil, evento realizado em São Paulo, governo, iniciativa privada e academia discutiram o trabalho para alavancar o crescimento sustentável que possibilite a expansão dos principais indicadores econômicos e sociais do País, sanando os entraves que impedem o avanço constante e ordenado. A principal conclusão é que o planejamento precisa ser realizado mutuamente, tanto pelo governo como pela iniciativa privada.
No cenário mundial, uma rápida imersão no êxito da Coreia do Sul mostra como a infraestrutura pode sustentar o desenvolvimento. O avanço econômico, que fez o PIB per capita saltar de US$ 100 em 1963 para mais de US$ 31 mil por habitante em 2011, segundo o Fundo Monetário Internacional, possibilitou criar uma rede de transportes avançada e de alta tecnologia que cruza todo o território nacional. Investimentos em educação resultaram na presença de aproximadamente 89% das pessoas no terceiro grau. E com isso, permitiram o reabastecimento de talentos no mercado de trabalho.
Ao lado de programas do governo para enaltecer a pesquisa, os aportes em educação foram o principal combustível para permitir que as gigantes da indústria coreana ultrapassassem concorrentes japonesas na liderança da tecnologia da informação. E apesar de ser uma nação com ampla capacidade de geração energética instalada, anunciou um plano para investir US$ 36 bilhões entre 2011 e 2015 para o desenvolvimento de fontes renováveis de energia, para crescer com exportações de energia limpa.
Os desafios do Brasil decorrentes de carências em infraestrutura e outros setores não apenas persistem como representam entraves para um país com grandes ambições. As primeiras projeções oficiais para 2013, divulgadas pelo Banco Central em 18 de dezembro, apontam melhora na economia, mas continuidade das exportações em ritmo reduzido. Esse termômetro reforça a importância de se planejar um Brasil com o governo e iniciativa privada caminhando juntos, investindo continuamente e localmente em soluções inovadoras para os desafios, para aumentar o potencial do mercado interno como sustentação da economia e possibilitar uma melhora significativa das exportações. Pensar na evolução do Brasil com o crescimento de toda a sociedade brasileira, a exemplo do avanço na Coreia do Sul, pode ser determinante para que 2013 seja o começo de um capítulo ainda mais promissor para o País.
Saia justa no PT - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 07/01
Depois de negar repetidas vezes o mensalão, partido esboça discreta reformulação de discurso após o fim do julgamento no STF
Causa alguma surpresa a avaliação petista, expressa em carta convocatória para o congresso do partido, de que não foi plenamente elaborada pelos militantes "uma narrativa sobre o período histórico que se iniciou em 2003".
A começar de seu líder máximo, o ex-presidente Lula, não parecem ter faltado ao PT recursos retóricos no sentido de celebrar aquilo que "nunca antes na história deste país" fora realizado e promovido.
Todavia, o documento interno do PT prossegue em tons de autocrítica, notando "a ausência de um balanço aprofundado de nossa experiência de governo".
Não erraria quem tentasse ler nas entrelinhas alguma referência aos "erros" (como preferem dizer os petistas), ou melhor, aos crimes (como decidiu o STF) cometidos no episódio do mensalão.
Ainda aqui, entretanto, o mesmo documento insiste numa "narrativa histórica" fartamente repetida nos meios partidários.
"Sabe-se", diz a carta, "que denúncias de corrupção sempre foram utilizadas pelos conservadores no Brasil para desestabilizar governos populares", como os de Getúlio Vargas e João Goulart.
Como "narrativa histórica", o texto omite o fato de que, se algum governo foi desestabilizado até a raiz por denúncias de corrupção, este foi o do "neoliberal" Fernando Collor, num escândalo que terminou com o processo de impeachment do presidente, para o qual o PT contribuiu com entusiasmo.
Águas passadas, sem dúvida -das que não movem moinhos, muito menos lavam a roupa suja das administrações petistas. Resta observar, de todo modo, que algum desconforto se entrevê nas declarações das lideranças partidárias.
Rui Falcão, o atual presidente da legenda, notabilizou-se pelo modo belicoso com que sempre reagia aos fatos comprovados do mensalão. Nesta semana, entretanto, admitiu que o PT errou ao enveredar "por práticas comuns a outros partidos" e apontou a necessidade de mudar o sistema de financiamento das campanhas políticas.
Pertencente a outra corrente partidária e conhecido pela falta de parcimônia nas manifestações verbais, o governador gaúcho Tarso Genro, por sua vez, declarou em entrevista à Folha que a agenda da sigla "não pode ser ficar a vida inteira explicando" o mensalão -que agora já "é história".
Verborragia à parte, o que se nota é um subterrâneo esforço de ajuste discursivo diante de uma realidade que o próprio PT já parece cansado de negar.
É o caso de perguntar se tais oscilações correspondem apenas ao período de campanha interna que antecede a convenção do partido ou -o que parece improvável- ao empenho concreto em rever os métodos escusos e a visão conspiratória a que lideranças e ativistas aderiram com tanta arrogância.
Depois de negar repetidas vezes o mensalão, partido esboça discreta reformulação de discurso após o fim do julgamento no STF
Causa alguma surpresa a avaliação petista, expressa em carta convocatória para o congresso do partido, de que não foi plenamente elaborada pelos militantes "uma narrativa sobre o período histórico que se iniciou em 2003".
A começar de seu líder máximo, o ex-presidente Lula, não parecem ter faltado ao PT recursos retóricos no sentido de celebrar aquilo que "nunca antes na história deste país" fora realizado e promovido.
Todavia, o documento interno do PT prossegue em tons de autocrítica, notando "a ausência de um balanço aprofundado de nossa experiência de governo".
Não erraria quem tentasse ler nas entrelinhas alguma referência aos "erros" (como preferem dizer os petistas), ou melhor, aos crimes (como decidiu o STF) cometidos no episódio do mensalão.
Ainda aqui, entretanto, o mesmo documento insiste numa "narrativa histórica" fartamente repetida nos meios partidários.
"Sabe-se", diz a carta, "que denúncias de corrupção sempre foram utilizadas pelos conservadores no Brasil para desestabilizar governos populares", como os de Getúlio Vargas e João Goulart.
Como "narrativa histórica", o texto omite o fato de que, se algum governo foi desestabilizado até a raiz por denúncias de corrupção, este foi o do "neoliberal" Fernando Collor, num escândalo que terminou com o processo de impeachment do presidente, para o qual o PT contribuiu com entusiasmo.
Águas passadas, sem dúvida -das que não movem moinhos, muito menos lavam a roupa suja das administrações petistas. Resta observar, de todo modo, que algum desconforto se entrevê nas declarações das lideranças partidárias.
Rui Falcão, o atual presidente da legenda, notabilizou-se pelo modo belicoso com que sempre reagia aos fatos comprovados do mensalão. Nesta semana, entretanto, admitiu que o PT errou ao enveredar "por práticas comuns a outros partidos" e apontou a necessidade de mudar o sistema de financiamento das campanhas políticas.
Pertencente a outra corrente partidária e conhecido pela falta de parcimônia nas manifestações verbais, o governador gaúcho Tarso Genro, por sua vez, declarou em entrevista à Folha que a agenda da sigla "não pode ser ficar a vida inteira explicando" o mensalão -que agora já "é história".
Verborragia à parte, o que se nota é um subterrâneo esforço de ajuste discursivo diante de uma realidade que o próprio PT já parece cansado de negar.
É o caso de perguntar se tais oscilações correspondem apenas ao período de campanha interna que antecede a convenção do partido ou -o que parece improvável- ao empenho concreto em rever os métodos escusos e a visão conspiratória a que lideranças e ativistas aderiram com tanta arrogância.
Pior que a Guerra do Paraguai - RUBENS RICUPERO
FOLHA DE SP - 07/01
Somemos o custo de projetos faraônicos no Brasil e chegaremos a um atraso superior a 50 anos de guerra
"Maldita guerra, atrasa-nos meio século!". Francisco Doratioto, autor de magistral história da Guerra do Paraguai, foi buscar o título da obra nessa frase do barão de Cotegipe, logo no início do conflito.
Os fatos provaram que o líder baiano do Partido Conservador não se enganou. A Guerra da Tríplice Aliança não só infligiu ao Paraguai feridas das quais nunca se recobrou até nossos dias. A vitória nominal do Império do Brasil foi alcançada a custo tão alto que marcou o início do fim do regime.
Nesse sentido, ela se parece à vitória da França na Primeira Guerra Mundial, da qual o país jamais se reergueu. Ou a do Reino Unido na Segunda Guerra, início do irreversível declínio e fim do Império Britânico.
Por que seria que certas guerras, mesmo vitoriosas, têm esse poder fatídico de minar a vitalidade dos impérios? A resposta é que a guerra não deixa de ser um empreendimento humano com custos e consequências. Parte desse custo, a mais importante, é incalculável, pois é expressa em vidas perdidas, a cujo respeito só se pode repetir a frase de Malraux: "a vida de um ser humano não vale nada, mas nada vale a vida de um ser humano".
A parte restante corresponde aos recursos materiais destruídos. É o balanço entre esse custo e o resultado que determina se o impacto de qualquer empreendimento será perduravelmente negativo ou não.
O raciocínio aplica-se não apenas à guerra, mas às empresas coletivas mobilizadoras de recursos gigantescos. Até que ponto elas nos avançam ou nos retardam?
A que conclusão se chegaria se as universidades, sempre em busca de temas para teses, induzissem seus doutorandos a pesquisar o que nos custaram os projetos faraônicos, os elefantes brancos nos quais insistimos com persistência digna de melhor causa? Para não mergulhar muito longe no passado, pode-se começar pelo Programa Nuclear da era Geisel, a Transamazônica, a Perimetral Norte, a Ferrovia Norte-Sul, as iniciativas finalmente concluídas com retardo de anos e aumentos milionários de custo.
Lugar privilegiado deveriam ocupar nos estudos três projetos: a transposição do São Francisco, Belo Monte e o trem-bala. De vez em quando se tem a impressão de que foram abandonados, mas renascem incessantemente das próprias cinzas. Eu mesmo, no Ministério do Meio Ambiente e depois na Fazenda, ajudei a evitar por alguns anos o início do primeiro.
Quem visita a mostra de fotos do Brasil no Instituto Tomie Ohtake verá que já em 1989 os caiapós lutavam contra Belo Monte. Do trem-bala, cujo custo poderia alimentar a construção de incontáveis trens metropolitanos e metrôs, nem é preciso falar, tal sua evidente desnecessidade.
Acrescentemos os projetos de refinarias e o Comperj da Petrobras, cujos custos estimados se multiplicaram quase dez vezes; somemos o dinheiro derramado pelo BNDES no ralo insaciável dos monopólios falidos, das concessionárias incompetentes e chegaremos a um atraso seguramente superior aos 50 anos da Guerra do Paraguai!
Qual será o custo humano em pobreza, doença, ignorância dessa irracional insistência nas falsas prioridades?
Somemos o custo de projetos faraônicos no Brasil e chegaremos a um atraso superior a 50 anos de guerra
"Maldita guerra, atrasa-nos meio século!". Francisco Doratioto, autor de magistral história da Guerra do Paraguai, foi buscar o título da obra nessa frase do barão de Cotegipe, logo no início do conflito.
Os fatos provaram que o líder baiano do Partido Conservador não se enganou. A Guerra da Tríplice Aliança não só infligiu ao Paraguai feridas das quais nunca se recobrou até nossos dias. A vitória nominal do Império do Brasil foi alcançada a custo tão alto que marcou o início do fim do regime.
Nesse sentido, ela se parece à vitória da França na Primeira Guerra Mundial, da qual o país jamais se reergueu. Ou a do Reino Unido na Segunda Guerra, início do irreversível declínio e fim do Império Britânico.
Por que seria que certas guerras, mesmo vitoriosas, têm esse poder fatídico de minar a vitalidade dos impérios? A resposta é que a guerra não deixa de ser um empreendimento humano com custos e consequências. Parte desse custo, a mais importante, é incalculável, pois é expressa em vidas perdidas, a cujo respeito só se pode repetir a frase de Malraux: "a vida de um ser humano não vale nada, mas nada vale a vida de um ser humano".
A parte restante corresponde aos recursos materiais destruídos. É o balanço entre esse custo e o resultado que determina se o impacto de qualquer empreendimento será perduravelmente negativo ou não.
O raciocínio aplica-se não apenas à guerra, mas às empresas coletivas mobilizadoras de recursos gigantescos. Até que ponto elas nos avançam ou nos retardam?
A que conclusão se chegaria se as universidades, sempre em busca de temas para teses, induzissem seus doutorandos a pesquisar o que nos custaram os projetos faraônicos, os elefantes brancos nos quais insistimos com persistência digna de melhor causa? Para não mergulhar muito longe no passado, pode-se começar pelo Programa Nuclear da era Geisel, a Transamazônica, a Perimetral Norte, a Ferrovia Norte-Sul, as iniciativas finalmente concluídas com retardo de anos e aumentos milionários de custo.
Lugar privilegiado deveriam ocupar nos estudos três projetos: a transposição do São Francisco, Belo Monte e o trem-bala. De vez em quando se tem a impressão de que foram abandonados, mas renascem incessantemente das próprias cinzas. Eu mesmo, no Ministério do Meio Ambiente e depois na Fazenda, ajudei a evitar por alguns anos o início do primeiro.
Quem visita a mostra de fotos do Brasil no Instituto Tomie Ohtake verá que já em 1989 os caiapós lutavam contra Belo Monte. Do trem-bala, cujo custo poderia alimentar a construção de incontáveis trens metropolitanos e metrôs, nem é preciso falar, tal sua evidente desnecessidade.
Acrescentemos os projetos de refinarias e o Comperj da Petrobras, cujos custos estimados se multiplicaram quase dez vezes; somemos o dinheiro derramado pelo BNDES no ralo insaciável dos monopólios falidos, das concessionárias incompetentes e chegaremos a um atraso seguramente superior aos 50 anos da Guerra do Paraguai!
Qual será o custo humano em pobreza, doença, ignorância dessa irracional insistência nas falsas prioridades?
Mais um ano de inflação - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 07/01
O governo promete mais crescimento e menos inflação em 2013, mas sua prioridade será, com certeza, o cumprimento da primeira promessa. O estilo de jogo, tudo indica, será o mesmo dos últimos dois anos, com mais estímulos ao consumo e algum esforço para impulsionar o investimento. A presidente Dilma Rousseff e sua equipe tratarão a alta de preços como assunto secundário, como até agora, e cuidarão apenas de manter o resultado final abaixo de 6,5%, limite de tolerância fixado na política de metas. Se esse roteiro for cumprido, o quarto ano de mandato será iniciado com um potencial de crescimento ainda medíocre e um quadro de preços muito pior que o das economias mais produtivas - emergentes ou industrializadas.
O Banco Central (BC) mantém as projeções mais otimistas: inflação de 4,8% em 2013 e 4,9% em 2014, segundo o último relatório trimestral de inflação. No fim de dezembro, a estimativa do mercado financeiro para este ano chegou a 5,5%, de acordo com a pesquisa Focus, realizada semanalmente pelo BC. Essas previsões se referem ao Índice Geral de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência para a política monetária.
A inflação deverá ser contida, segundo as autoridades, pela conjunção de alguns fatores externos e internos. A economia global continuará em marcha lenta e os preços internacionais dos produtos agrícolas e de outras matérias-primas deverão acomodar-se ou, em alguns casos, recuar. Internamente, o crescimento econômico será maior que em 2012, mas o aumento dos salários e do crédito será moderado e, além disso, o governo alcançará a meta fiscal sem ajuste, isto é, sem recorrer ao desconto do valor investido no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O aumento de 9% para o salário mínimo, a partir de 1.º de janeiro, põe parcialmente em xeque uma das hipóteses do BC. A elevação real certamente supera, com folga, qualquer ganho de produtividade imaginável, mesmo com muito esforço, para o ano passado. Moderação no crédito é algo para ser conferido, nos próximos meses, mas nada permite supor, até agora, um padrão diferente do observado nos últimos anos. Quanto à política fiscal, provavelmente continuará expansionista, confirmando uma avaliação do próprio BC.
No fim do ano o governo confirmou a intenção de manter a política de estímulo fiscal ao consumo. Está prevista uma redução gradual do incentivo, mas o governo cedeu a pressões dos setores mais favorecidos, nos dois últimos anos, e poderá ceder de novo em 2013 e esticar os benefícios. Quanto aos investimentos, são muito menos certos, embora o Tesouro já esteja comprometido com mais créditos subsidiados para o BNDES.
Os indicadores de preços continuaram subindo vigorosamente no último bimestre e nada aponta para um arrefecimento significativo em 2013. As cotações das matérias-primas voltaram a subir, depois de um breve arrefecimento, como apontaram tanto a Fundação Getúlio Vargas (FGV) como o IBGE. Em dezembro, em 14 das 23 atividades da indústria de transformação cobertas pela pesquisa oficial houve alta de preços ao produtor. O IPC-S, o índice de preços ao consumidor atualizado semanalmente pela FGV em sete capitais, subiu 0,66% na última quadrissemana de dezembro e 5,74% no ano. Para 2013, a projeção é de um aumento de 5,4%.
Economistas de várias instituições de pesquisa têm procurado avaliar os efeitos positivos e negativos de alguns eventos esperados - reajustes de preços de combustíveis, aumentos de tarifas de ônibus e redução das contas de eletricidade. Essas contas podem ser muito interessantes, mas o fator decisivo é de outra ordem: qualquer aumento de preço pode gerar um amplo efeito de contágio simplesmente porque as condições da demanda são favoráveis. Essas condições dependem do nível de emprego, da massa de salários e dos gastos públicos. Isso explica a ampla difusão da alta de preços nos últimos dois anos e a persistência da inflação elevada. No fundo da cena está a política de tolerância. Esse quadro, tudo indica, deve manter-se em 2013.
MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO
FOLHA DE SP - 07/01
Empresa de energia eólica reforça investimentos
A Renova Energia elevou o valor dos recursos que serão aportados pela empresa até 2016. Serão R$ 600 milhões, além dos R$ 3.2 bilhões já divulgados, segundo o presidente da Renova Energia, Mathias Becker.
O BNDES aprovou em dezembro um empréstimo de R$ 300 milhões para 15 parques eólicos na Bahia. O complexo vai demandar um investimento total de R$ 1,4 bilhão.
Esse valor inclui a construção da linha de transmissão associada aos parques, que passou a ser uma das grandes preocupações do setor de energia eólica.
"Vamos passar a fazer linhas de transmissão", diz.
Com o atraso na entrega da linha, a companhia teve de contratar geradores a diesel, apenas para fazer manutenção do equipamento.
Nos 14 parques já instalados, a companhia investiu R$ 1,2 bilhão.
"E a linha que não ficou pronta custa R$ 71 milhões", acrescenta o executivo.
"Temos energia que poderia ser gerada, mas está parada", lamenta.
No último leilão, a empresa já não depositou a garantia para a linha que fará por conta própria.
Becker afirma que a Renova tem trabalhado com a nova direção da Chesf, responsável pelas obras das linhas para várias companhias, a fim de resolver o problema dos atrasos.
A companhia prospecta áreas com potencial eólico em outros sete Estados (Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, Alagoas e Piauí), mas, por ora, tem parques só na Bahia.
Duto... O centro nacional de controle da Transpetro monitorou remotamente cem oleodutos em 2012 (86% da malha da companhia).
...monitorado Em 2013, o objetivo é chegar a 106 oleodutos e, em 2016, estima-se que 160 oleodutos, ou 91% da movimentação da empresa, sejam acompanhados pelo centro.
Europa A confiança do consumidor inglês caiu sete pontos em dezembro e ficou em -29 (em escala de -100 a 100), segundo a GfK. A média anual também foi -29. Na Alemanha, a expectativa econômica caiu de -14,6 para -17,9.
FERMENTO NO SANDUÍCHE
A Subway, rede de fast-food, terá de 340 a 360 novas unidades em funcionamento neste ano.
"Iniciamos 2013 com 361 novas franquias assinadas. Destas, 121 já estão em construção", diz Roberta Damasceno, principal executiva da marca no Brasil.
A meta é elevar a participação nas regiões Norte e Centro-Oeste e em cidades com mais de 50 mil habitantes do interior de São Paulo, Paraná e Minas Gerais.
"Identificamos uma grande demanda em cidades do interior que são polos industriais e universitários", afirma.
Serão 61 restaurantes no Norte do Brasil, 113 em São Paulo, 30 no Rio, 58 no Paraná e em Santa Catarina, 66 no Centro-Oeste, 18 no Rio Grande do Sul e 15 em Minas Gerais.
No ano passado, a companhia abriu 250 franquias totalizando 1.033 lojas no país. A previsão é chegar a 2.000 unidades em 2015.
R$ 400 mil é o investimento máximo de uma franquia da rede
2.000 é a meta de franquias da empresa até 2015
MULHERES SUPERSTICIOSAS
O Natal e o Réveillon aumentam em 100% o volume de vendas mensal das marcas de lingeries, segundo algumas empresas do setor.
"A data é bem mais importante para nós do que o Dia dos Namorados. Enquanto em dezembro as vendas dobram, em junho, sobem apenas 30%", afirma Sylvio Korytowski, diretor de expansão da Hope.
Em dezembro de 2012, as vendas gerais da empresa cresceram 6% ante o mesmo mês de 2011. Durante todo o ano, no entanto, a expansão foi de 13%.
"Esperávamos mais de dezembro, mas não é um resultado ruim diante da situação econômica do país", diz Korytowski.
A Scala registrou alta de 33% nas vendas de calcinhas em dezembro de 2012 ante o mesmo mês de 2011.
Entre as mais procuradas, o destaque foi uma coleção de calcinhas em parceria com a astróloga Susan Miller, com previsões para cada signo.
As amarelas foram as mais vendidas no período, seguidas pelas brancas.
A marca Gisele Bündchen Brazilian Intimates registrou um aumento de mais de 20% ante dezembro de 2011.
Para a data, foi lançada uma coleção com tons dourados, que, segundo a empresa, foi procurada por fazer referência a dinheiro.
CRONÔMETRO PROFISSIONAL
O tempo de procura e alocação de um profissional qualificado mais que dobrou para alguns cargos nos últimos cinco anos, segundo levantamento da Page Personnel, empresa de recrutamento para funções de nível técnico e de suporte a gestão.
"Além da escassez de mão de obra, o rigor das contratantes cresceu muito. Algumas funções muito específicas nem existiam",diz Gil van Delft, diretor da empresa.
"Há alguns anos, não havia analista de marketing digital e e-commerce, por exemplo."
A vaga de supervisor de produção, que há pouco mais de cinco anos levava até 25 dias para ser preenchida, hoje pode chegar a 60 dias.
O salário é de R$ 6.500 a R$ 9.000 para o profissional que precisa conhecer cadeias de produção, lidar com matérias-primas e evitar gargalos.
Empresa de energia eólica reforça investimentos
A Renova Energia elevou o valor dos recursos que serão aportados pela empresa até 2016. Serão R$ 600 milhões, além dos R$ 3.2 bilhões já divulgados, segundo o presidente da Renova Energia, Mathias Becker.
O BNDES aprovou em dezembro um empréstimo de R$ 300 milhões para 15 parques eólicos na Bahia. O complexo vai demandar um investimento total de R$ 1,4 bilhão.
Esse valor inclui a construção da linha de transmissão associada aos parques, que passou a ser uma das grandes preocupações do setor de energia eólica.
"Vamos passar a fazer linhas de transmissão", diz.
Com o atraso na entrega da linha, a companhia teve de contratar geradores a diesel, apenas para fazer manutenção do equipamento.
Nos 14 parques já instalados, a companhia investiu R$ 1,2 bilhão.
"E a linha que não ficou pronta custa R$ 71 milhões", acrescenta o executivo.
"Temos energia que poderia ser gerada, mas está parada", lamenta.
No último leilão, a empresa já não depositou a garantia para a linha que fará por conta própria.
Becker afirma que a Renova tem trabalhado com a nova direção da Chesf, responsável pelas obras das linhas para várias companhias, a fim de resolver o problema dos atrasos.
A companhia prospecta áreas com potencial eólico em outros sete Estados (Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, Alagoas e Piauí), mas, por ora, tem parques só na Bahia.
Duto... O centro nacional de controle da Transpetro monitorou remotamente cem oleodutos em 2012 (86% da malha da companhia).
...monitorado Em 2013, o objetivo é chegar a 106 oleodutos e, em 2016, estima-se que 160 oleodutos, ou 91% da movimentação da empresa, sejam acompanhados pelo centro.
Europa A confiança do consumidor inglês caiu sete pontos em dezembro e ficou em -29 (em escala de -100 a 100), segundo a GfK. A média anual também foi -29. Na Alemanha, a expectativa econômica caiu de -14,6 para -17,9.
FERMENTO NO SANDUÍCHE
A Subway, rede de fast-food, terá de 340 a 360 novas unidades em funcionamento neste ano.
"Iniciamos 2013 com 361 novas franquias assinadas. Destas, 121 já estão em construção", diz Roberta Damasceno, principal executiva da marca no Brasil.
A meta é elevar a participação nas regiões Norte e Centro-Oeste e em cidades com mais de 50 mil habitantes do interior de São Paulo, Paraná e Minas Gerais.
"Identificamos uma grande demanda em cidades do interior que são polos industriais e universitários", afirma.
Serão 61 restaurantes no Norte do Brasil, 113 em São Paulo, 30 no Rio, 58 no Paraná e em Santa Catarina, 66 no Centro-Oeste, 18 no Rio Grande do Sul e 15 em Minas Gerais.
No ano passado, a companhia abriu 250 franquias totalizando 1.033 lojas no país. A previsão é chegar a 2.000 unidades em 2015.
R$ 400 mil é o investimento máximo de uma franquia da rede
2.000 é a meta de franquias da empresa até 2015
MULHERES SUPERSTICIOSAS
O Natal e o Réveillon aumentam em 100% o volume de vendas mensal das marcas de lingeries, segundo algumas empresas do setor.
"A data é bem mais importante para nós do que o Dia dos Namorados. Enquanto em dezembro as vendas dobram, em junho, sobem apenas 30%", afirma Sylvio Korytowski, diretor de expansão da Hope.
Em dezembro de 2012, as vendas gerais da empresa cresceram 6% ante o mesmo mês de 2011. Durante todo o ano, no entanto, a expansão foi de 13%.
"Esperávamos mais de dezembro, mas não é um resultado ruim diante da situação econômica do país", diz Korytowski.
A Scala registrou alta de 33% nas vendas de calcinhas em dezembro de 2012 ante o mesmo mês de 2011.
Entre as mais procuradas, o destaque foi uma coleção de calcinhas em parceria com a astróloga Susan Miller, com previsões para cada signo.
As amarelas foram as mais vendidas no período, seguidas pelas brancas.
A marca Gisele Bündchen Brazilian Intimates registrou um aumento de mais de 20% ante dezembro de 2011.
Para a data, foi lançada uma coleção com tons dourados, que, segundo a empresa, foi procurada por fazer referência a dinheiro.
CRONÔMETRO PROFISSIONAL
O tempo de procura e alocação de um profissional qualificado mais que dobrou para alguns cargos nos últimos cinco anos, segundo levantamento da Page Personnel, empresa de recrutamento para funções de nível técnico e de suporte a gestão.
"Além da escassez de mão de obra, o rigor das contratantes cresceu muito. Algumas funções muito específicas nem existiam",diz Gil van Delft, diretor da empresa.
"Há alguns anos, não havia analista de marketing digital e e-commerce, por exemplo."
A vaga de supervisor de produção, que há pouco mais de cinco anos levava até 25 dias para ser preenchida, hoje pode chegar a 60 dias.
O salário é de R$ 6.500 a R$ 9.000 para o profissional que precisa conhecer cadeias de produção, lidar com matérias-primas e evitar gargalos.
Paradoxo democrático - PAULO BROSSARD
ZERO HORA - 07/01
No último dia do ano findo, Folha de S. Paulo estampou longa entrevista do presidente Sarney. Com sua vasta experiência parlamentar e governamental, sobra-lhe autoridade para opinar sobre grandes e pequenos problemas do Estado, concorde-se ou não com suas considerações. Da entrevista, aparto dois tópicos para comentar, um sobre medidas provisórias, outro sobre sistemas de governo, mostrando-se fiel ao parlamentarismo.
Acerca do primeiro deles, conclui o antigo presidente da República e hoje presidente do Senado, que "sem medidas provisórias é impossível governar... mas com elas a democracia jamais se aprofundará e as instituições jamais se consolidarão". Com efeito, há situações que exigem medidas urgentes e o processo legislativo pode ser aligeirado, mas não será urgente e deliberadamente não deve sê-lo.
A sabedoria exige algum tempo para a elaboração das leis, salvo aquelas que sejam de óbvia simplicidade em suas causas e efeitos ou quando há urgência urgentíssima, sem a qual pode ser inócua ou frustrante a adoção de norma inadiável. Vinte e quatro horas de divulgação poderá ser fatal à medida, que chegará a destempo. No entanto, as medidas provisórias converteram-se em expediente do dia a dia, virou feijão com arroz, com a conivência de todo o mundo, quando a Constituição impõe duas condições para a edição delas, "relevância e urgência".
O Brasil avançará institucionalmente, afirmou o presidente Sarney, "quando passarmos do sistema presidencialista para o parlamentarista". Quase desnecessário dizer que, a meu juízo, a assertiva é oportuna e sábia. Já se disse que o presidencial procede como se aos problemas políticos fossem aplicáveis as leis da astronomia, capaz de prever fenômenos com larguíssima antecedência; com efeito, os períodos marcados para os poderes executivo e legislativo funcionam por tempo fixo, aconteça o que acontecer, quaisquer que sejam os fatos supervenientes, quando, no sistema parlamentar, os períodos de ambos podem ter antecipado sua duração, o Executivo quando perder o apoio parlamentar, o Legislativo quando, por iniciativa do gabinete, que exerce o governo, solicita ao presidente da República, que preside mas não governa, dissolva a Câmara e ao mesmo tempo convoque eleições para o menor prazo possível, dois, três meses no máximo.
O eventual choque é resolvido pela nação. O paradoxo fica evidente no sistema presidencial, onde os poderes executivo e legislativo, eleitos no mesmo dia e pelo mesmo eleitorado, podem ser reciprocamente conflitantes, e assim permanecer até o termo de seus mandatos, enquanto no parlamentar a antinomia, que é uma anomalia na democracia, segundo o qual dois poderes nascidos no mesmo dia pelo voto do mesmo eleitorado, tem como compor a funcionalidade de ambos, mediante os expedientes que o sistema consagra. Ou seja, as crises que podem surgir são solúveis em breve tempo e não permanecer anos a fio, até o fim dos respectivos mandatos, o que é ilogismo democrático.
Por isso, Joaquim Nabuco notou que o sistema presidencial marca a opinião de quatro em quatro anos, enquanto o parlamentar marca as horas, senão até os minutos. O assunto é rico e fascinante, mas excede as dimensões de um artigo. De qualquer sorte, vale acentuar que merece reflexão a sentença de quem foi governador de Estado e presidente da República, sem falar em mais de meio século de vida parlamentar.
A velha "nova matriz econômica" - GUSTAVO LOYOLA
Valor Econômico - 07/01
Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o Brasil teria vivido, em 2012, o primeiro ano de uma nova matriz econômica, caracterizada por juros baixos e uma taxa de câmbio competitiva. Em artigo publicado no Valor (19/12), o ministro nos informou que "as taxas elevadas estão na gênese de duas outras grandes distorções na economia, a saber, câmbio valorizado e carga fiscal elevada, que levam à má alocação de recursos e a um menor crescimento da economia". De tal afirmativa, segue a conclusão de que os agora juros baixos levaram à desvalorização da taxa cambial e à redução da carga tributária, o que deve beneficiar o crescimento econômico nos próximos anos.
Ocorre que uma política econômica caracterizada por juros reais próximos a zero e taxa de câmbio desvalorizada jamais poderia ser chamada de "nova matriz econômica". Ao contrário, tal política é tão velha quanto a hiperinflação brasileira que precedeu o plano Real. No passado, essa "matriz" conduziu-nos a um processo de aceleração inflacionária, no qual a veleidade de se manter um câmbio real competitivo, por meio de frequentes desvalorizações nominais da taxa cambial, servia de combustível adicional para a inflação, numa economia dominada por mecanismos de indexação.
Da mesma forma, no plano fiscal, a ideia de que a carga tributária elevada no Brasil é resultado dos juros altos não tem nada de novo. Parece a ressurreição, com nova roupagem, da malsinada teoria da "origem financeira do déficit público". Como se recorda, nos anos 1980, os apologetas dessa visão julgavam inúteis e contraproducentes quaisquer medidas de ajuste fiscal primário, atribuindo a culpa do déficit à "ciranda financeira". Intelectualmente, podem ser considerados como os pais do frenesi de expansão dos gastos primários - e posteriormente da carga tributária - que se seguiu à promulgação da Constituição de 1988.
No passado, política de juros reais baixos e câmbio desvalorizado levou a uma aceleração hiperinflacionária
Não custa lembrar que a política econômica praticada desde 1999 - regimes de taxas flutuantes de câmbio e de metas para inflação, com autonomia de fato do Banco Central, e responsabilidade fiscal com metas robustas de superávit fiscal - foi a responsável pela redução das principais vulnerabilidades macroeconômicas do Brasil, a saber: risco de insustentabilidade do endividamento público; vulnerabilidade da economia a choques externos; inflação elevada e falta de previsibilidade de sua trajetória futura.
Ao atuar com sucesso sobre essas três vulnerabilidades, o acima mencionado "tripé" de políticas macroeconômicas vinha propiciando a queda das taxas reais de juros de equilíbrio no Brasil, processo que, aliás, já ocorria mesmo antes de o atual titular da Fazenda assumir o cargo.
Dessa maneira, nada indicava que a continuidade das políticas macroeconômicas sadias iniciadas com a estabilização da economia em 1994 não pudesse levar à convergência das taxas de juros brasileiras aos níveis internacionais. Ao contrário, como assinalamos, essa trajetória vinha ocorrendo de maneira segura e incontestável. Por outro lado, é razoável crer que tal convergência pudesse, ao longo do tempo, tornar viável a redução da carga tributária, sem prejuízo para a responsabilidade fiscal e sem a necessidade da adoção de mirabolantes manobras contábeis de véspera de "réveillon" ou de uma "nova matriz econômica". Ou seja, a responsabilidade fiscal, entre outros fatores, leva à queda sustentável dos juros reais que, em seguida, viabiliza a diminuição da carga tributária. Causalidade distinta, portanto, da propugnada pelos antigos e atuais defensores da teoria da origem financeira do déficit público.
O risco da "nova matriz macroeconômica" decorre fundamentalmente da inversão das prioridades da política macroeconômica de curto prazo. O que se observou nos dois primeiros anos do atual governo, mesmo levando-se em conta as circunstâncias conjunturais negativas, foi o abandono do regime de taxas flutuantes de câmbio, a relativização do regime de metas para inflação e o aumento da opacidade na gestão das contas públicas combinado com a piora dos indicadores fiscais. Em paralelo, assistiu-se ao uso intensivo dos bancos públicos na oferta de crédito, em larga medida alavancados em fartos recursos proporcionados pelo Tesouro, assim como o aumento das desonerações tributárias de cunho setorial.
Com tudo isso, as condições de previsibilidade macroeconômica pioraram. Os agentes econômicos, mesmo ainda acreditando que o governo mantenha seu compromisso com o controle da inflação, não têm mais uma ideia clara sobre as prioridades na gestão macroeconômica. Juros baixos? Câmbio "competitivo"? Inflação na meta? Crescimento ("pibão") em 2013? O resultado pode ser a retração do investimento, indo na direção contrária da pretendida pelas autoridades.
As expectativas para o PIB em 2013 apontam para um crescimento moderado, entre 3% e 3,5%. É nesse intervalo que parece se situar a taxa de crescimento potencial da economia brasileira, no quadro atual de reduzido crescimento da produtividade e de baixa taxa de investimento. Para elevar o crescimento a patamares superiores, são necessárias políticas que cuidem desses obstáculos e não uma "nova" velha matriz macroeconômica que só faz aumentar as incertezas na economia.
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