domingo, agosto 10, 2014

O PT mostra que tem gabarito - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA 
A mídia golpista está de novo chateando o governo popular. Só porque os missionários do PT no Planalto, no Congresso e na Petrobras foram flagrados montando uma farsa na CPI da estatal, essa imprensa burguesa que não tem mais o que fazer está novamente com manchetes escandalosas. Parece até que não conhece o modus operandi de Dilma, Lula e companhia. Para um governo que forja suas próprias contas - a céu aberto, para todo mundo ver qual o problema em forjar uma sessão de CPI? Nada de novo no front. O problema, esse sim escandaloso, não está na encenação, mas no palco.
O Brasil assistiu - sonolento, como sempre - ao sepultamento da CPI do Cachoeira em 2013. Três meses depois, os brasileiros inundaram as ruas para um basta contra alguma coisa que eles não sabiam (não sabem) o que era. Nem um único pedestre, ativista, ninja ou mascarado fez alguma pálida referência ao escândalo. Tratava-se de uma conexão mafiosa entre um mega bicheiro e uma mega empreiteira - a escolhida pelo governo popular para fazer a maior parte das obras do PAC. A Primavera Burra não viu que o Caso Cachoeira, se devidamente investigado com o clamor das ruas, passaria a limpo boa parte da República.

Mas é perda de tempo falar de manifestações que hoje discutem se os pimpolhos incendiários podem ou não tramar em liberdade a explosão da cabeça do próximo inocente. Os novos donos do Brasil - os milionários imperadores do oprimido - sabem bem que nenhum lunático tranca-ruas desses corre o menor risco de entender o truque da elite vermelha. Por isso, a CPI do Cachoeira descansa em paz. Ela havia sido fomentada por Lula para atingir adversários do PT. Quando o oráculo viu que o caldo entornaria para dentro de casa, mandou parar a brincadeira. Nada como um líder.

E assim caminhava também a CPI da Petrobras, montada carinhosamente pelo governo com todas as cartas marcadas, para morrer a quilômetros da praia. A CPI do Cachoeira ainda tinha tido momentos insalubres, com o companheiro Collor, escalado por Dilma, Lula e Sarney para babar seu ódio contra a imprensa e tentar jogar areia nos olhos da opinião pública (como se precisasse). Na CPI da Petrobras, não foi preciso nada disso. Trabalho limpo, manipulação governista tranquila, maioria anestésica garantida - ninguém sabe, ninguém viu doleiro nenhum, muito menos ouviu falar onde fica Pasadena.

Mais um escândalo posto magistralmente em banho-ma-ria pelos companheiros, só esperando que a chegada da Copa do Mundo lhe desse o golpe de misericórdia - natural e indolor. Nem o mau humor dos 7 a 1 vexatórios lembrou ao distinto público a central de negociatas em que foi transformada a maior empresa brasileira. Tudo corria normalmente, até que surge a denúncia bombástica: os depoentes que responderam sobre a Petrobras na CPI são acusados de receber previamente as perguntas que lhes foram feitas pelos integrantes da Comissão.

A farsa em si não tem problema nenhum. Desde que o Brasil reelegeu Lula alegremente com o mensalão nas costas, a farsa está liberada. A CPI da Petrobras já era uma farsa antes da farsa, infestada de companheiros para não investigar nada. É como se você tivesse comprado o professor para lhe dar nota 10, depois montasse outro golpe para roubar o gabarito da prova! Tudo bem que sua vocação para o roubo seja forte, mas por que se arriscar tanto?

O caso do gabarito das questões da CPI para dirigentes da Petrobras é incrível, porque ali todos são índios da mesma tribo: perguntadores e perguntados servem à missão suprema de preservar o projeto de sucção do PT ao reeleger Dilma Rousseff. Essa operação para marcar as cartas já marcadas é, portanto, altamente intrigante. Um bom investigador diria, sem piscar: ainda há algum segredo valioso nessa história. Ainda bem que esse investigador não existe. O trabalho vai sobrar de novo para a imprensa burguesa, coitada. Como exploram essa elite branca.

É sempre um espetáculo assistir à ação coordenada do PT entre empresa estatal, Congresso e Palácio - naquilo que o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso já explicou que não é quadrilha. Seja qual for o nome do esquema, tem a chance de chegar à perfeição se Dilma for reeleita. 

Filhos do pai - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 10/08

Dia desses, eu ouvi que sou um homem moderno porque cuido dos meus filhos. E minha ex disse que é uma mulher moderna e, por isso, não pode gastar seu tempo cuidando das crianças, ela tem sonhos a alcançar. É tão estranho. Uns são modernos porque fazem e outros porque deixam de fazer a mesma coisa. Como explicar isso para os meninos?”

É um dos depoimentos que compõem o livro Filhos do Pai, de Valeria Santoro e Ana Paula Junqueira. Eu poderia ter selecionado qualquer outro, mas esse me pareceu bem representativo do que anda acontecendo: um contrafluxo. Mulheres saindo para caçar seu sustento e homens retornando para o interior das cavernas. Uma troca salutar de papéis, desde que a inversão não se polarize, agora de forma oposta. Perfeito seria que homens e mulheres negociassem a distribuição do seu tempo a fim de não prejudicar a criação dos filhos, ainda mais durante a primeira infância. Como tudo na vida, o parâmetro é o bom senso.

O livro da Valéria e da Ana Paula mostra uma revolução visível, ainda que silenciosa: os homens estão cobrindo nossas ausências. Cozinham mais, se envolvem mais com os afazeres domésticos, começam a expor mais seus sentimentos e, para o bom equilíbrio emocional da família, abandonaram a posição de pais distantes e agora tomam conta da gurizada com o afeto e o cuidado que antes era exclusividade feminina da casa.

Ganham todos, de todos os lados.

Os depoimentos mostrados em Filhos do Pai privilegiam histórias de abandono de lar por parte da mãe, viuvez e outras situações em que não resta alternativa a não ser o homem assumir integralmente o cuidado com o filho. No entanto, essa súbita mudança que parece aterrorizante no início se transforma numa experiência de entrega e amor que ele próprio não se julgava capaz. É nessa condição que o livro se torna emocionante: homens amplificam o significado de suas vidas quando deixam de amar à distância para mergulhar num convívio de absoluto envolvimento e responsabilidade (que, não custa lembrar, também aterroriza mães de primeira viagem, porém a elas nunca coube escolha).

A boa notícia é que as mulheres não estão precisando sumir do mapa ou morrer para que os homens assumam o compromisso de criar seus filhos: a sociedade atual vem introduzindo naturalmente a divisão proporcional de papéis. E a notícia melhor ainda: os homens estão gostando.

Sempre se valorizou mais o Dia das Mães do que o Dia dos Pais, não pela intensidade do amor de um e de outro, mas pela intensidade do comprometimento. Pois que a data de hoje passe a ser tão celebrada quanto a de maio, e que os filhos dos novos pais mantenham essa mesma dedicação quando chegar a vez deles.

Que essa modernidade dure séculos - ou ao menos até a próxima revolução de costumes.

GOSTOSA


Nas ruas do Rio - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 10/08


Agora, predomina o vidro fumê e é mais fácil fundir o motorista com a fábrica de sua máquina e até o modelo



Pensei em escrever: precisamos parar para pensar o trânsito. Que bobagem. Já estamos parados há algum tempo. Não vou discorrer sobre mobilidade urbana, um tema tão em moda. Nem apenas lamentar os R$ 29 bilhões que o Rio perde com os constantes engarrafamentos. Meu objetivo é, modestamente, investigar as mudanças que se passam em nossa cabeça, quando passamos a viver, com frequência, os engarrafamentos. Aqui no Rio, têm sido mais intensos para mim. Consola-me a esperança de que a cidade está melhorando para 2016 e que, nas Olimpíadas, poderemos nos mover tão livre e levemente nas pistas como os atletas de todo o planeta.

Minha referência é um conto de Julio Cortázar: “A autoestrada do sul”. O grande, em todos os sentidos, escritor argentino descreve um engarrafamento gigantesco na volta a Paris pela estrada do sul. Cortázar observa a atmosfera nervosa dos motoristas e nomeia as pessoas de acordo com seus carros: a moça do Dauphine, o soldado do Mercedes. Com o transcorrer do conto, passa também a chamá-los apenas pelo nome do carro: Peugeot, Citroën, etc.

Isso tem a ver com minha experiência. No engarrafamento de Cortázar fazia muito calor e as janelas estavam abertas. Agora, predomina o vidro fumê e é mais fácil fundir o motorista com a fábrica de sua máquina e até o modelo.

Quantas vezes não vi me dizendo:

— Aquele Corsa está mal parado, um Fox sacana avança pelo acostamento.

Não é apenas supressão do outro, transfigurado em máquina, que a leitura de Cortázar sugere. Há mudanças na percepção de tempo e espaço. Olhamos o relógio, como os personagens do conto, e lamentamos que os minutos estejam se passando, de fato, para quem escapou do engarrafamento. No conto de Cortázar, os helicópteros das rádios ainda não orientavam os motoristas. Hoje, posso saber que o tempo não corre para mim, mas está tudo normal na Helder Câmara e que na Ponte Rio-Niterói, infelizmente, estão tão encalacrados quanto nós. O engarrafamento cria castas no uso do tempo. Mas também no espaço, transforma nossa percepção. O horizonte é um Frontier e um Idea, mas sempre existe uma árvore para contemplar. Aos poucos, você começa a se irritar com árvore porque ela não sai do lugar, como se ali não fosse o seu lugar para sempre. A árvore paga o preço de ser uma referência, de me dar a ilusão de que deveria se mover, quando na verdade somos nós que não saímos do lugar. Não estamos desemparados. As rádios fazem programas destinados a atenuar a tensão nas horas do rush. Num deles, ouço a entrevista de um escritor que se apaixonou pela professora e queria ser bancário para conquistá-la, pois era casada com um bancário.

Você ri, até imagina que com a lógica o garoto jamais seria bancário e muito provavelmente escritor. Mas no fundo mesmo o que você quer é que o Idea mova sua respeitável traseira e você possa, de novo, sonhar em chegar em casa, subir com os equipamentos e tomar o esperado banho.

Tanto cheiro de gasolina em alguns trechos. Um fósforo aceso lançado no ar pode produzir fagulhas, quem sabe uma pequena explosão.

Há um momento em que o próprio rádio nos abandona. São sete horas em Brasília. Começa “A voz do Brasil” e aquelas vozes entoando “O Guarani” quase nos convencem de que o tempo é ilusão diabólica.

Se um dia fosse filmar engarrafamentos, usaria “O Guarani” como trilha sonora. No momento em que ecoa em todas as rádios dos carros, você se dá conta de que a noite avança, esquece de onde veio e para onde vai: caiu num limbo. Os urbanistas prometem bairros planejados nos quais se diverte, trabalha e compra. Mas isso é para um futuro muito distante. A tecnologia nos permite contatos imediatos, um permanente WhatsApp. Com tudo isso, continuarei nas ruas pois gosto de ver, ouvir, tocar e sentir o cheiro. Temo cair num engarrafamento em 2016, pensando em todo o sacrifício que fizemos para que o esporte internacional floresça, que excelentes negócios se façam, que o turismo cresça etc.

Uma coisa é certa: não ficarei furioso. Aprendi que não existe sentimento mais inadequado num engarrafamento. Belos tempos os do Paulinho da Viola, o sinal fechado: “Olá como vai? Eu vou indo e você tudo bem? Tudo bem, eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro e você?”.

Pegamos nosso lugar no futuro. E daí? Se disser ao BMW ou Citroën do lado olá como vai, está arriscado a ouvir:

— Não seja ingênuo. Vou bem, mas a lugar nenhum, nem eu nem você: estamos engarrafados.

Se for sete horas em Brasília, pelo menos, ouviremos os acordes do “Guarani”. Ouvimos isso desde crianças, em todos os lugares do Brasil à mesma hora, exceto os que vivem em fusos diferentes. Mas a hora deles sempre chega, mais cedo ou mais tarde. Os acordes do “Guarani” são só uma abertura: a ópera tem quatro atos. Tocada num engarrafamento faria brotarem no asfalto os índios de José de Alencar, autor do romance que inspirou Carlos Gomes: Peri vendendo Biscoito Globo, cocadas e água mineral. O engarrafamento é uma armadilha no tempo, uma cola no asfalto. Nele aprendemos o valor de uma frase que é ao mesmo pergunta e resposta: o que fazer?

Guerrear é preciso? - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 10/08


A TV mostra quarteirões transformados em ruínas por bombas e foguetes. Que sentido tem isso?


Diante das guerras que se travam hoje no mundo, sou obrigado a me perguntar por que, depois de séculos de massacres, o homem continua, como nos primórdios da civilização, a se armar e guerrear. Aliás, não apenas continua, torna-se mais capaz de matar, valendo-se de armas cada vez mais sofisticadas.

Logo me vem à mente a bomba atômica, que só não foi usada na escala que os belicistas pretendiam, porque, neste caso, quase ninguém sobreviveria. E os estadistas querem a guerra desde que ela não os atinja pessoalmente. Eles decidem por fazê-la, mas quem morre são os soldados e o povo em geral. Os chefões, quase nunca.

Costumo dizer que frequentemente me surpreendo com o óbvio, e isso acontece agora, quando a televisão me bombardeia diariamente com o número de mortos pelas bombas e foguetes na faixa de Gaza, na Síria, na Líbia, no Iraque, na Ucrânia.

Surpreendo-me com a quantidade de dinheiro que os países gastam com armamentos. E não só com armamentos, mas também com as forças armadas. Todos os países têm permanentemente centenas de milhares de soldados que constituem os efetivos militares. Eles fazem parte do Estado, como elemento fundamental dele, e constituem carreiras a que milhares e milhares de pessoas dedicam suas vidas.

Com isso, gastam-se fortunas, com a finalidade de fazer guerra. Claro, se for preciso. Mas a verdade é que essas forças são formadas e mantidas com essa finalidade: a defesa da pátria pelas armas, se for o caso. E por que isso? Porque a guerra é uma possibilidade permanente para os Estados, todos, sem exceção.

Mas por quê? Que os povos selvagens vivessem se matando, dá para entender. Por exemplo, os índios do Brasil neolítico, que eram nômades, viviam do que colhiam na natureza, eram obrigados a se deslocar para outras regiões em busca de alimentos. Se houvesse outra tribo ali, a guerra entre as duas era inevitável. Mas e hoje, por que a guerra?

As razões são as mais diversas. Ou é um louco como Hitler, que sonhava dominar o mundo, ou é concepção religiosa que leva líderes a atacar seus vizinhos, ou disputa de mercado. Mas, depois de tanta guerra que já houve, por essas e outras razões, resultando na morte de milhões de pessoas, parece que muito pouco o homem aprendeu com isso.

É certo que uma boa parte dos países --particularmente aqueles que sofreram na carne as consequências das últimas guerras-- evita lançar mãos das armas para impor seus interesses, mas mesmo estes continuam a produzir armamentos, cada vez mais sofisticados e mais mortais. A cada dia surgem notícias de aviões de guerra invisíveis aos radares, foguetes com velocidade e alcance inimagináveis, armas essas que anulam qualquer possibilidade de defesa.

Que significa isso, senão que a guerra é possível a qualquer momento, embora não se saiba entre que países e por que razão? Para que aquelas armas sejam concebidas e produzidas, os governos investem em pesquisa tecnológica e na formação de cientistas que dedicarão sua inteligência, seus conhecimentos e sua vida a produzir instrumentos de destruição. Mas não só os governos, há também empresas privadas que investem em armamentos, que vendem para diferentes países e com isso ganham fortunas. Muitos desses países mal têm recursos para atender as necessidades básicas de seu povo mas, ainda assim, compram armas e mantêm exércitos prontos para a guerra.

Desse modo, a guerra, quer ocorra ou não, é fator importante da economia mundial. Mesmo o Brasil, que não se caracteriza como um país belicoso, produz e vende armas para outros países. Deve-se concluir, portanto que a hipotética eliminação da guerra, por tornar a produção de armas desnecessária, não conviria a esses países, mesmo porque conduziria a uma grave crise na economia em escala planetária.

Isso, portanto, está fora de cogitação. E a televisão, a cada momento, dia após dia, nos mostra populações em pânico, mulheres desesperadas tentando escapar com seus filhos, das bombas que explodem à sua volta. E mostra também quarteirões inteiros de cidades transformados em amontoados de ruínas por bombas e foguetes. Que sentido tem isso?


Figuraças - HUMBERTO WERNECK

O ESTADO DE S.PAULO - 10/08


Tem problema que não é da minha terapia, pensei eu, com alívio, ao presenciar aquele papo entre a dona Alzira e sua vizinha de estimação. Embora amigas, ou talvez por isso mesmo, não havia jeito de se porem de acordo sobre a mais indiscutível das questões.

O assunto, que poderia ser qualquer um, era a depressão, e a vizinha, farejando provocação num comentário de dona Alzira, rebateu de primeira, veemente:

- Sou contra!

- Contra o que, minha filha? - saltou de lá a outra, já na ofensiva.

- Contra a depressão! Sou contra a depressão!

O surpreendente posicionamento fez baixar na sala um silêncio tão espesso que quase se poderia tomá-lo na mão, até que dona Alzira, incapaz de não dar um troco, retrucasse:

- Eu acabo de sair de uma depressão, e quer saber? Lá estava bem melhor!


*

Cidadão português transplantado para o Rio de Janeiro aos 40 e muitos anos, Miguel adotou tão radicalmente a nova pátria que no 7 de Setembro, para pasmo dos vizinhos aqui nascidos, nunca deixa de hastear bandeira brasileira no seu sítio em Inhaúma. A certa altura, já naturalizado, deu de achar que a cerimônia cívica, ainda que privada, exigia também o Hino Nacional. Na primeira vez, como ainda não soubesse letra nem música, recrutou um dos netinhos.

- O que tu sabes cantar? - indagou.

- O periquitinho verde, respondeu o menino - e foi ao som de uma versão esganiçada da marchinha de Antônio Nássara e José de Sá Róris, hit do carnaval carioca de 1938, que o auriverde pendão subiu mastro acima naquele 7 de Setembro.


*

O mesmo Miguel, ao irmão Arnaldo, quando, recém-chegados ao Rio, entraram num mictório público no centro da cidade e o mais novo se pôs a reclamar dos estampidos provenientes de uma das cabines:

- O que tu queres por um vintém? Ouvir a Tosca?


*

Este outro tem horror a mesquinharias. Arrepia-se todo à simples ideia de aproveitar resto do que quer que seja - nenhum espetáculo humano é mais desprezível, sentencia, do que um sujeito a aplicar toda a força dos polegares num beliscão tremelicante para extrair o que ainda possa jazer no exaurido tubo de pasta de dente. Ou aquele que, de garfo em punho, caça no prato já despovoado um petit-pois remanescente, um derradeiro grão de arroz.

Aos desavisados, suas implicâncias podem dar a impressão de que se trata de um magnata. Quem lhe dera! O saldo bancário é de classe média, tendendo a média-baixa - mas sua etiqueta manda enjeitar alguma coisa, qualquer coisa, ainda que seja o último naco de camarão, num gesto que, além de desapego, a seu ver denota finesse. Em casa, num apertado fim de mês, ele até admite traçar um mexidinho, desde que não haja estranhos à mesa e que a gororoba não se faça à base de sobras de refeições pretéritas: exige que se cozinhe expressamente cada componente dessa "mixórdia brasileira", como costuma dizer, para só então misturar. No escritório, já apostrofou um colega flagrado na operação de esquentar a ponta da caneta esferográfica a fim de amolecer a tinta e ordenhar uma última gotícula.

Em alguns casos, é verdade, não lhe falta razão quando reage indignado ao que considera avareza, sovinice, somiticaria. Aquela sua irmã, por exemplo, que à noite anda em braille pela casa para poupar energia elétrica, que disfarça na salada a folha já meio escurecida de alface e que foi pilhada quando lavava o coador de papel para mais um café. Pior que todos, o cunhado que reutiliza o fio dental.

Numa roda de filhos de amigos, vendo circular um baseado, ele invectivou o grupo, não por fumar maconha, mas por "fazer boca de anão" - expressão com que designa o ato de franzir os beiços, dando-lhes o aspecto de um código de barras, no esforço de sugar até o fim o resto do resto.

Há um item em que o camarada se supera: é capaz de abandonar a sala de concertos, pisando duro, se o pianista, tendo à disposição dos dedos um teclado inteiro, não o "otimiza", quer dizer, não usa todas as 88 teclas - "todas as brancas e todas as negras", especifica o nosso homem, sem, claro, economizar no pronome indefinido.

O colo da letra - FABRÍCIO CARPINEJAR

ZERO HORA - 10/08

Na infância, desprezava a assinatura.

A vida vinha anônima, abundante. Não precisava ser alguém para ser feliz. Nem colocava autoria no desenho, em nenhum lugar. Aquilo que era mundo era meu.

Mas, aos 12 anos, minha mãe chegou com a tarefa que estragou o paraíso da impunidade.

– Treina sua assinatura que amanhã faremos sua carteira de identidade. – Como assim?

– Deve assinar seu nome e depois não pode mais mudar.

Minha história pode ser dividida antes do RG e depois do RG. É como se fosse vítima de abrupta redução da maioridade penal.

A missão me paralisou. Como assinar e não mais mudar? Como oferecer uma forma para sempre?

Foi uma condenação assustadora. Eu me vi preenchendo cadernos de caligrafias diariamente até os 80 anos.

De uma hora para outra, restava-me criar uma personalidade. Um risco autoral. Assumir uma responsabilidade infinita.

Nem tinha noção por onde começar.

Lembrei da profissão de meu pai – escritor – e que ele autografava seus livros para os leitores. Tinha traquejo, experiência, jorrava seu nome com extrema facilidade e sem variação.

Tomei sua assinatura emendada e passei a imitar com o apoio de um papel vegetal.

A grafia paterna se movimentava como um desenho. Um ideograma.

Seu “c” era uma pista de skate. Seu “a” era igual ao “o”, só que vinha na contramão, da direita para esquerda. Seu “l” era uma árvore desfolhada. Seu “j” levantava um sol no acento. E o “r” se derramava como um escorregador.

Já não se assemelhava a uma assinatura, mas ao Parque Marinha do Brasil.

Por um breve momento, eu esqueci a tarefa e me divertia na praça de suas letras. Ficava na fila indiana com os colegas para descer nos brinquedos.

Inventava cenas e diálogos em meio ao sol da página em branco. Meu pai me empurrava no balanço. Meu pai disputava corrida da escada à lixeira laranja. Meu pai cuidava de mim com sua boina, seu casaco de couro e sua gargalhada alta e amiga.

Descobri que letra é feita para sonhar. Assim que criei minha assinatura. Espantada. Grande. Estranha. Absoluto espelho do meu pai.

Exercitei ao longo da madrugada meu nome como se fosse uma continuação do nome do meu pai. Uma extensão de nossas pernas caminhando juntos. Inventei uma centopeia de tinta – minhas botas ortopédicas prosseguindo seus sapatos pretos de bico fino.

Não há nada mais íntimo do que ser um copista e segurar – com a imaginação – a mão de quem a gente admira.

Ao falsificar seu traço, me tornei verdadeiro. Ao assinar, dou a mão ao meu pai.

Quando autografo minhas obras, a assinatura do meu pai está por baixo. É a minha sombra. É o meu apoio. É o meu fundo.

Ele vive me oferecendo colo por toda a eternidade das palavras.

Caro Fernando Haddad - ANTONIO PRATA

FOLHA DE SP - 10/08


Eu trabalho, pago meus impostos, tenho direito a uma varanda com vista e espaço gourmet


Quem te escreve aqui é Espírito Paulistano. O senhor não me conhece, como deixa claro a sua rejeição por 47% dos motoristas, quero dizer, dos cidadãos de nossa pujante metrópole. Não votei no senhor, mas tampouco me apavorei com a sua vitória. Apesar de vir do PT, o senhor aparenta ser de boa família, tem essa pinta de pai em propaganda do Itaú Personnalité, chama-se Fernando e traz o sobrenome Haddad, que me remete ao Maluf, ao Kassab, ao Habib's: três marcas das quais São Paulo pode se orgulhar. Desde que assumiu a prefeitura e começou com as faixas de ônibus, contudo, percebi que por trás da pinta Personnalité se escondia um administrador démodé.

"Non ducor duco" ("Não sou conduzido, conduzo") é o lema da nossa cidade, mas, em vez de valorizar a livre iniciativa dos bandeirantes, que se perpetua no direito inalienável ao transporte individual, a ultrapassar pela direita, a trafegar pelo acostamento, o senhor quer nos botar em fila dentro de coletivos, como índios cativos. São Paulo é uma cidade de vencedores, prefeito. Se o cidadão não conseguiu sequer comprar um carro, não deveria ser ajudado, deveria ser expulso. Isso, sim, melhoraria o trânsito.

Depois das faixas, o senhor me vem com este Plano Diretor. Proíbe, entre outras coisas, prédios altos no miolo dos bairros. Ora, eu trabalho, pago meus impostos, tenho direito a uma varanda com espaço gourmet e vista para as casinhas geminadas, lá embaixo, não? O senhor afirma que, se todas as casinhas derem lugar a prédios altos, o trânsito vai piorar. OK. Eu me mudo pra outro prédio, no miolo de outro bairro: é assim que a nossa cidade funciona, estimulando a construção civil, gerando empregos, intensificando o aquecimento global, quero dizer, da economia.

Que saudades do doutor Paulo, quando os tapumes de obras viárias estampavam o slogan "São Paulo crescendo, São Paulo não pode parar". Saudades da época em que a rua era da Rota, não de japoneses "black blocs" com bombas incendiárias não inflamáveis.

O senhor me acha reacionário. Diz que São Paulo quer uma revolução "desde que não se mexa em nada". Mentira! Quero uma revolução mexendo no cerne dos nossos problemas, como fez o Kassab ao criar cupons padronizados para todos os valets da cidade. Há questão mais séria, numa metrópole, do que os valets?Senhor prefeito, caso haja algo de Personnalité por trás de todo esse ranço da FFLCH, escute-me: se vossa excelência continuar a priorizar o transporte público em vez do individual, se continuar a negociar com movimentos populares e a limitar a atuação das construtoras, se seguir criando espaço para as bicicletas e empregos para craqueiros, corremos o sério risco de ver, em alguns anos, uma pequena diminuição na distância entre ricos e pobres nesta cidade --e tudo o que eu, Espírito Paulistano, menos quero, é pobre perto de mim.

Sem mais, subscrevo-me,

E.P.

Obs.: Este é um texto de ficção. As ideias do E.P. não representam as crenças do autor, e qualquer semelhança entre as mesmas e opiniões de pessoas vivas ou mortas é apenas uma boa razão para eu me mudar pra Reykjavík.

Desiguais perante a lei - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S.PAULO - 10/08


Dois dias antes de o Tribunal de Contas da União (TCU) julgar o caso Pasadena, o ex-presidente Lula recebeu seu ex-ministro de Relações Institucionais José Múcio Monteiro, por ele nomeado ministro do TCU. No mesmo dia, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, percorreram um a um os gabinetes dos nove ministros do TCU. Objetivos: influenciar no julgamento e convencer o plenário do tribunal a isentar a presidente Dilma Rousseff de responsabilidade pelo prejuízo de US$ 792,3 milhões à Petrobrás na compra da refinaria no Texas. A operação blindagem deu certo: o TCU culpou diretores da estatal, mas isentou a candidata do PT, embora na época ela fosse presidente do Conselho da empresa.

Diante de notícias sobre perguntas e respostas combinadas previamente na CPI da Petrobrás, danosas para a campanha de sua candidata, o PT decidiu dar o troco ao adversário Aécio Neves e instalou a CPI do Metrô de São Paulo, que prejudica governos do PSDB. Desta vez não obteve êxito porque enfrentou um terceiro adversário, o PMDB, e a CPI só vai começar a funcionar em setembro - no que ninguém acredita, porque todos estarão dedicados às eleições.

Como tantos que denunciam privilégios, influência política indevida e jogo rasteiro de vingança, os dois episódios mostram que os políticos brasileiros preferem o vale-tudo de seu concentrado poder, em detrimento de valores democráticos inscritos na Constituição: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". No caso da refinaria, não cabe a Lula, Cardozo e Adams usarem seu poder para, na surdina, às escondidas, influenciar numa decisão da Justiça, que precisa ser isenta e independente para ganhar credibilidade e respeito do cidadão comum - aquele que a Constituição determina ser igual a Lula e que nem sequer ousa pensar em fazer algo parecido.

No segundo caso há curiosa pergunta: se de fato há o que apurar e incriminar, por que a CPI do Metrô paulista não foi instalada antes? Por que só agora, em represália à revelação da ação combinada na CPI da Petrobrás? Importantes instrumentos de investigação do Legislativo, CPIs manipuladas como arma de retaliação ou ataque eleitoral são desmoralizadas e degradam a democracia. No passado, eram levadas mais a sério. Uma delas logrou até destituir um presidente da República.

Nos últimos anos a democracia avançou em alguns aspectos ligados à liberdade (de voto, de expressão, de reunião, de imprensa). Mas naquilo que depende da construção de instituições fortes, voltadas a proteger o cidadão contra políticos que praticam o malfeito, ela até retrocedeu. O mensalão é um exemplo entre milhares. Um bom começo seria a classe política respeitar a distinção entre funções de governo e funções de Estado. Aceitar que não pode interferir na Justiça, nas Forças Armadas, em órgãos técnicos como o Banco Central e agências reguladoras e nos que mais necessitam de autonomia, independência e isenção de influências políticas, para trabalhar com foco no bem-estar e no progresso da população. Essas são funções de Estado, que funcionam com eficácia se isentas de favores políticos.

Entre elas se destacam aquelas voltadas a fiscalizar a qualidade da aplicação do dinheiro público. São os tribunais de contas - da União, Estados e municípios -, responsáveis por fiscalizar, aprovar ou rejeitar a prestação de contas de presidente, governadores, prefeitos, empresas estatais e órgãos sustentados com dinheiro dos impostos. No País há 33 desses tribunais e seus ministros e conselheiros são escolhidos com base em conhecimento jurídico e reputação ilibada. Mera formalidade, pois quase todos são oriundos da classe política e para sua escolha valem mais acordos político-partidários entre presidentes, governadores, deputados e senadores - justamente os que terão suas contas julgadas - do que "notório saber jurídico". Muitos respondem a processos criminais, como o conselheiro Robson Marinho, do TCE-SP, acusado de receber propina.

No próximo domingo, voltarei ao assunto.


De políticos e líderes - HENRIQUE MEIRELLES

FOLHA DE SP - 10/08


A melhor definição do papel do líder e do político é a de que o político fala o que o povo quer ouvir, enquanto o líder fala o que o povo deve ouvir. O equilíbrio entre as duas posturas define o sucesso dos grandes lideres políticos.

A história mostra que líderes que se distanciam excessivamente do que o povo está preparado a ouvir em determinado momento terminam derrotados ou até destruídos politicamente.

Por outro lado, o político que só diz o que o povo quer ouvir pode até ter sucesso e sobrevida política, mas será de pouca utilidade à população e ao seu país, podendo até prejudicá-los.

O Reino Unido é um exemplo interessante. O governo de David Cameron efetuou uma política dura para reformar a economia e torná-la mais competitiva. Controlou as despesas públicas de um Estado perdulário e liberou recursos no setor privado para consumo e investimento. Teve grande sucesso, e a economia britânica é a que mais cresce na Europa. Mas ele enfrentará eleição difícil em 2015 contra adversários que prometem maior distribuição de recursos públicos.

Em vários países da Europa, e mais ainda nos países da América Latina, há exemplos de políticos que conseguem manter o poder com desempenho econômico medíocre e endividamento crescente do Estado. Sobrevivem a essas más políticas distribuindo recursos públicos e promovendo políticas populistas que agradam aos beneficiados, mas prejudicam o país.

Sábio é o povo capaz de discernir e premiar os que tomam decisões e praticam gestão que podem não trazer resultados imediatos, mas certamente aumentam o bem-estar da população em prazo maior. E o longo prazo demora, mas chega.

O desafio que se coloca aos políticos que disputam as eleições no Brasil é achar o equilíbrio certo entre as propostas econômicas que, se cumpridas, façam o país voltar a crescer e a flexibilidade para equilibrar essas medidas com mensagens aceitáveis aos que preferem benefícios mais imediatos, mantendo sempre a responsabilidade fiscal.

Tivemos exemplos bem-sucedidos no Brasil na década passada, quando o país controlou a inflação, diminuiu a dívida pública (até a eclosão da crise), cresceu com vigor (elevando a arrecadação, o que permitiu expandir programas sociais) e gerou milhões de empregos (melhorando a distribuição de renda). Tudo isso garantiu índices de aprovação expressivos ao governo.

Será interessante observar e analisar o debate eleitoral e, mais interessante ainda, as ações dos que resultarem vitoriosos. Os resultados das políticas econômicas aplicadas nos próximos anos serão fundamentais para o bem-estar dos brasileiros.

Há que fazer - AMIR KHAIR

O ESTADO DE S.PAULO - 10/08


O modelo econômico que vem sendo adotado no País desde o Plano Real é o de subordinar as decisões econômicas ao fantasma da inflação, apesar de ter passado vinte anos de vida deste plano.

Para combater a inflação, o Banco Central usa dois instrumentos principais: baixa liquidez e alta taxa básica de juros. A primeira, uma das mais baixas do mundo, exerce a função de encarecer o crédito para esfriar o consumo. A segunda atrai o capital especulativo internacional, inundando o mercado de dólares e, com isso, apreciando o câmbio para baratear as importações. Só de juros, esse capital leva US$ 10 bilhões todo ano, e os sucessivos governos vivem cortejando-o, com Selic elevada e isentando-o de impostos.

O Plano Real deu certo ao baratear as importações, fazendo o câmbio apreciar. Contribuiu mais ainda para baratear as importações a decisão, pouco lembrada, do então Ministro da Fazenda Ciro Gomes, que numa canetada derrubou as tarifas de importação. O Plano Real sem isso poderia fracassar.

A âncora cambial é o instrumento que o Banco Central adota para segurar os preços internos barrados pelos externos, que são subsidiados pelo câmbio irreal. A consequência dessa política de controle da inflação é jogar no lixo qualquer tentativa de crescimento econômico, pois a expansão do consumo das famílias acaba sendo atendida em boa parte pelo produto importado, o que reduz o Produto Interno Bruto.

Para retomar o crescimento, é necessário mudar esse modelo econômico, deixando de subordiná-lo a essa política de controle inflacionário. Isso não significa, no entanto, que se deixará de preocupar com o controle da inflação. Pelo contrário, esse controle se fará sem jogar por terra o crescimento econômico. E isso é possível? Creio que sim. Vejamos.

A maior parte dos países no mundo consegue conviver com razoável crescimento econômico e baixa inflação. A globalização deu golpe mortal na escalada sem controle de preços devido ao acirramento da concorrência. Não há mais casos de hiperinflação como antigamente. Além disso, avanços no comércio eletrônico, ainda pouco usado por aqui, e na logística tendem a puxar os preços para baixo. Os consumidores são beneficiados ao verem ampliadas suas opções de compra.

Esse processo está longe de ser esgotado e a tendência é continuar a expansão do comércio eletrônico, os avanços tecnológicos e na logística, buscando atender as exigências crescentes dos consumidores. Há busca frenética por redução de custos e preços em escala internacional.

Por aqui, ao invés de contenção da demanda para conter a inflação, que tem sido o carro-chefe da visão monetarista, o que se impõe é a elevação da oferta pelo estímulo ao investimento e a produção. O realismo cambial cumpre papel importante no rol de estímulos à produção. Competir no mercado brasileiro, tendo o empresário contra si a alta carga tributária e de juros, a burocracia em excesso e insumos básicos com preços bem acima do padrão internacional, é missão ingrata. Se ainda por cima é encurralado pelo câmbio, esse empresário tem de jogar a toalha na lona e cair fora para escapar da falência. Não há inovação nem produtividade que resista a esse ambiente.

O combate à inflação tem de ser feito não pela contenção do consumo, mas sim pela ampliação da oferta, que só se consegue com políticas firmes de estímulo ao crescimento e de redução dos custos de produção, com destaque para preços mais competitivos nos insumos básicos, o que envolve nova política tarifária para a importação, expondo os monopólios que dominam esses insumos à competição internacional. Chega de proteção do governo a eles.

É fundamental na política de crescimento econômico e de controle da inflação saber usar da vantagem estratégica que dispõe o País na produção de alimentos. Ao reduzir seus preços, amplia o poder de compra de vastas camadas da população, que passa a consumir mais e melhor e com isso atrai a oferta, gerando produção e investimento. O preço dos alimentos nos últimos quatro anos cresceu por ano 9,0% e elevou o IPCA em 2,2 pontos porcentuais numa inflação média anual nesse período de 6,0%, ou seja, por 37% da inflação. Caso isso não tivesse ocorrido, a inflação média no período teria sido de 3,8% (!), abaixo do centro da meta de 4,5%.

Existem várias políticas de redução de preços dos alimentos. Entre elas, as exitosas em várias prefeituras que procuram aproximar produtores de consumidores eliminando/reduzindo a intermediação onerosa que responde por parcela importante dos preços. Trata-se de estimular políticas de abastecimento a nível local, e aí devem ser cobrados os prefeitos que ainda não se preocuparam com a questão do abastecimento. O resultado dessa política traz maior ganho ao produtor e menor preço ao consumidor.

Os governadores de Estado devem ser cobrados pelo excesso que causa nos preços o pior tributo do País, que é o ICMS, com alíquotas elevadas. Majoram entre 20% e 40% os preços dos alimentos, vestuário e demais produtos de consumo, além das contas de telefone, energia elétrica, gasolina, diesel e demais combustíveis.

Outra política de combate à inflação e, mais importante ainda, de redução dos preços da economia é atuar na redução de custos comerciais, financeiros e tributários nos bens e serviços que afetam o orçamento doméstico de amplas camadas da população. Além dos alimentos, o transporte coletivo, a moradia, os medicamentos, etc. Ao reduzir custos, há o impacto sobre os preços e abre o espaço para novos consumos, o que ativa o crescimento.

Enfim, não faltam políticas de fácil e rápida implementação que podem permitir o relançamento da economia com maior estabilidade de preços. Há que fazer!

Dilma e as eleições - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 10/08


Dilma tem que perder para o Brasil ganhar, mudando tudo radicalmente, tarefa que a presidente não fará sob pena de negar totalmente seu primeiro mandato. Esse é o dilema das eleições: mudar ou aprofundar o desastre. Seu governo se diz dos pobres e Marilena Chauí disse, na Convenção do PT, em momento de estupidez, que odiava a classe média. Contudo, o governo de Dilma, na parte tributária, machuca os pobres. Um estudo do professor de direito tributário da UFMG Paulo Adyr, meu ex-aluno do doutorado, prova a afirmação com sobras de mérito. 

Reproduzo aqui suas principais conclusões, ao meu sentir, irrespondíveis: A comparação internacional mostra que temos a 12ª maior carga tributária do mundo, atrás apenas da Suécia, da Dinamarca, da França, da Holanda, da Itália, de Israel, da Hungria, do Canadá, da Alemanha, da Polônia e do Reino Unido. E com que países poderíamos nos comparar quanto ao desempenho administrativo? A conclusão é clara: nossa carga tributária, embora não seja a mais alta, é, seguramente, a mais desfavorável do mundo. Ou seja: nenhum país paga tanto por tão pouco.

Cargas elevadas são bem suportadas por países de economia forte. Porém, num país miserável, como o Brasil, tendo em vista nossa capacidade de produzir riquezas, o limite suportável estaria situado em aproximadamente 25%. A tributação que ultrapassa o marco da nossa realidade econômica deságua na informalidade, na ilegalidade, na sonegação e na inibição do crescimento. É precisamente o que está a ocorrer.

Ademais, é gravíssima a ofensa à nossa capacidade contributiva. A grande marca de nosso sistema tributário atual é a regressividade. Num país em que não há renda, a tributação tende a se concentrar sobre o consumo. Nos EUA, 49% da arrecadação é oriunda da renda. No Brasil, 45% da arrecadação incide sobre bens e serviços. Renda e lucros respondem por apenas 19% (e esse patamar somente é atingido porque o Imposto de Renda brasileiro é confiscatório). Intensifica-se, dessa forma, a tributação indireta, que incide pesadamente sobre o pobre. A carga tributária suportada pelas famílias brasileiras que ganham até dois salários mínimos chega a 48%. Para as famílias que ganham 30 salários mínimos, a carga cai para 26%. Quanto mais pobre é o contribuinte brasileiro, maior é o impacto da tributação.

Questão gravíssima é a ofensa à capacidade contributiva das pessoas jurídicas o que se dá por diversas formas. Exemplo claro é a adoção da produção como parâmetro de tributação  um dos pontos menos inteligentes na organização de nosso sistema. Receita e faturamento, divorciados da lucratividade, não são manifestações de riqueza. As empresas operam com custos de produção diferenciados. Muitas delas estão a exibir faturamento que, embora expressivo, é superado pela despesa, não há capacidade contributiva alguma. A manifestação não é de riqueza, mas de endividamento. Todavia, PIS e Cofins incidem impiedosamente, empurrando a empresa para o precipício. 

Outra forma de agressão à capacidade contributiva reside na cobrança do tributo anteriormente ao fato gerador. Nesse sentido, tem havido redução dos prazos de pagamento. O prazo para o IPI, por exemplo, fixado em 120 dias, foi reduzido para 10 dias. O Imposto de Renda é pago muito antes de se saber qual será o lucro efetivo. A contribuição previdenciária é paga no segundo dia do mês, ocasião em que o fato correspondente (despesa com a folha de pagamento) ainda não ocorreu. E com o mecanismo da substituição tributária para frente, com base de cálculo fixada por presunção frequentemente superior ao montante da operação real. A incidência tributária anterior ao fato econômico implica endividamento da empresa para pagamento do tributo (pois o ingresso correspondente não ocorreu), atingindo o capital de giro imprescindível à própria sobrevivência empresarial. Nada mais desastroso.

Subsiste a cumulatividade na tributação sobre o consumo, a despeito de princípio constitucional que a proíbe. A adoção do sistema de créditos físicos, as restrições do crédito de PIS e Cofins no regime não cumulativo, as contínuas restrições de crédito de ICMS, a cumulatividade econômica remanescente na tributação sobre o consumo, agridem frontalmente a neutralidade de mercado. O tributo que deveria ser suportado pelo consumidor final (pois esse é o mecanismo próprio da tributação sobre o consumo) passa a onerar todas as etapas da cadeia de circulação. Tudo estimula a verticalização das empresas exatamente a contramão da modernização empresarial, num mundo que prega a contínua especialização. Com isso, perdemos competitividade e mergulhamos profundamente no nosso próprio atraso.


Dá para dobrar a renda per capita? - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 10/08


Para dobrá-la em 15 anos, seria necessário crescer 5,8% anualmente; sob Dilma, essa média será de 1,7%


Na Quinta-feira da semana passada, fui responsável pela palestra de abertura do 19º Encontro dos Economistas da Região Sul, organizado pelo Corecon do Paraná, no belíssimo campus da Universidade Positivo, em Curitiba. A organização do evento pediu-me que discorresse sobre as possibilidades de a economia brasileira dobrar a renda per capita em 15 anos.

Para dobrarmos a renda per capita, a economia terá que crescer nos próximos 15 anos à taxa média de 5,8% ao ano. Para termos uma ideia do desafio, ao longo do quadriênio da presidente Dilma, o crescimento médio anual será de 1,7%. Nos oito anos de Lula, nosso melhor período nos últimos 35 anos, crescemos à taxa média de 4% ao ano.

Para conseguirmos elevar nos- so crescimento para o patamar anual de 5,8%, será necessário elevar a taxa de investimento dos atuais 18% do PIB para algo próximo de 25%.

Adicionalmente, a taxa de crescimento da produtividade sistêmica da economia, que no período Lula avançou 1,5% ao ano e no período Dilma apresentará expansão nula, terá de ir para algo próximo a 2,5% ao ano.

Duas estatísticas --taxa de investimento e produtividade sistêmica-- e duas agendas distintas. Vamos a elas por partes.

A elevação da taxa de crescimento da eficiência sistêmica da economia dependerá da reversão do pacote de políticas adotado a partir de 2009, conhecido por nova matriz econômica.

A nova matriz econômica aumenta muito a intervenção direta do Estado no dia a dia do funcionamento da economia. Amplia muito a discricionariedade e reduz a previsibilidade, além de distorcer os preços relativos. Trocamos regras, regimes e sistemas por medidas administrativas, sem consistência sistêmica, a reboque dos fatos e de forma tópica.

Além de toda a desorganização na institucionalidade microeconômica promovida pela nova matriz econômica, ela desorganizou também o regime de política macroeconômica. Um exemplo é suficiente: a inflação tem que ser de 4,5% ao ano. Essa é a meta. A banda de dois pontos percentuais para cima ou para baixo serve para acomodar choques de oferta.

Há hoje clara pressão para um ajustamento no câmbio. Como a inflação tem rodado no teto da meta nos últimos anos, o BC opera no mercado futuro para neutralizar a tendência de desvalorização, pois não há espaço para acomodarmos uma perda de valor da moeda, que cria pressões inflacionárias.

A redução dos preços das commodities deixa de ser compensada pela desvalorização do câmbio. Um sistema deixa de operar e, com ele, a previsibilidade.

Assim, a agenda de elevar a taxa de crescimento da produtividade sistêmica dependerá de recolocarmos a economia no caminho que ela trilhava até 2008. Atingir os 2,5% necessários para dobrar a renda em 15 anos talvez não seja possível, mas o 1,5% ao ano do período Lula pode ser recuperado.

O segundo ponto da agenda é elevar a taxa de investimento dos atuais 18% para algo mais próximo de 25%. Dado que já estamos absorvendo poupança externa na casa de 3,7% do PIB, o crescimento da poupança em sete pontos percentuais do PIB para financiar o aumento da taxa de investimento terá que ser na poupança doméstica.

Países que sustentam longos ciclos de aceleração do crescimento apresentam instituições que garantem que essa aceleração, fruto da melhora institucional e, consequentemente, da eficiência sistêmica da economia, poupe parcelas crescentes do ganho de produção. A elevação da taxa de poupança é consequência da aceleração do crescimento.

No Brasil, esse canal fundamental de sustentação de longos ciclos de crescimento está entupido pela economia política. A sociedade escolhe que a maior parcela do ganho de produção seja alocada no aumento do consumo. O ciclo de aumento do investimento acaba tendo que ser financiado por poupança externa.

A primeira agenda, elevação da produtividade, requer alterar o regime de política econômica. A segunda, o equilíbrio político. Não é possível crescermos 5,8%, mas poderíamos chegar a 3,5% ou um pouco mais.

Não culpem a água - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 10/07


Nada mais parecido com a crise da energia do país do que a crise da água em São Paulo. Os dois problemas têm como uma das explicações a seca de 2014. Mas há outros motivos. Os governantes erraram na gestão da crise, adiaram medidas fortes por razões político-eleitorais e empurram com a barriga, esperando que a solução caia do céu, em forma de chuva para encher reservatórios e represas.

As duas crises ensinam que o país tem sido imprevidente com a água. Rios estão maltratados, assoreados e sem mata ciliar. São o lugar onde se despejam lixos e esgotos. O Brasil é um país que tem água em abundância mas não aguenta atravessar um ano de escassez de chuva. É uma insensatez que impressiona.

Converse com autoridades do governo federal sobre a crise de energia, e elas dirão que a culpa é da chuva que não choveu. Faça o mesmo com as autoridades do governo de São Paulo, e dirão que a culpa é da chuva que não choveu.

Em qualquer sistema de gestão de risco, o normal é ver todos os cenários, inclusive o pior, não esperar pela variável que não se controla, e agir sobre as que se controla. Há quanto tempo o país - nos dois níveis - não deveria estar fazendo programas de eficiência energética e de combate ao desperdício?

São Paulo ainda tem, a esta altura dos acontecimentos, o uso de água para irrigação. Diante da emergência, o melhor a fazer é indenizar o agricultor para que a água seja poupada para os usos mais nobres. O governo de São Paulo pensou em rodízio e não adotou, avaliou o racionamento e prefere fazê-lo de forma não declarada, chegou a anunciar um sistema de sobretarifa para quem aumentasse o consumo de água, mas preferiu dar bônus para quem poupasse. O resultado é que um dos itens que tem reduzido a inflação é a taxa de água em São Paulo, exatamente onde está havendo a maior escassez. Os preços servem para dar sinais: o bônus só poderia ser adotado se houvesse o ônus, para não se criar essa contradição de uma cidade perto do colapso do abastecimento reduzindo o preço do que está acabando.

Na energia se vê o mesmo negacionismo dos fatos evidentes. Há uma crise, de grandes proporções, e a falta de chuvas apenas tornou o problema mais explícito. Mas o governo diz que se chover tudo vai passar, tudo se resolve. Não é verdade. A Eletrobrás deve à Petrobras. As geradoras devem ao mercado de curto prazo, as distribuidoras devem ao mercado de curto prazo, ao governo, e aos bancos. Os bancos públicos emprestam para as distribuidoras e vão emprestar para a Eletrobrás pagar uma parte do que deve à Petrobras e ainda financiar o investimento porque está tendo prejuízo na operação. Todos os empréstimos foram tomados para serem pagos pelo consumidor. Criaram dívidas para nós.

Há falta de informação recente sobre a real capacidade dos reservatórios das hidrelétricas, porque, se for feito um exercício de simular o passado - incluindo no modelo de previsão todos os dados do que houve em termos de chuva, afluência e consumo -, o resultado do nível dos reservatórios será mais alto do que está. Algo está errado com o modelo de previsão. Mário Veiga, da PSR, fez isso e descobriu que, em vez de 40% de água no começo do ano, deveria ter 65%. Outros consultores fizeram o mesmo exercício e mostraram que, diante dos fatos que aconteceram, o nível da água teria que ser mais elevado. A conclusão foi que a capacidade estrutural do sistema é menor do que se pensa. É preciso rever o modelo e recuperar os reservatórios.

Na crise da água de São Paulo, ou no caso da energia, o que se vê nas autoridades é a mesma paralisia diante de medidas amargas que possam desagradar o eleitor, e os dois governos despejam sobre a chuva toda a culpa, como se eles fossem vítimas de uma fatalidade climática.

O governo tem que aprender com o ano de 2014 o que não deve fazer, e qual não deve ser a atitude diante das crises. Os climatologistas já nos avisaram que os eventos extremos serão cada vez mais extremos e mais frequentes. É preciso se preparar para a escassez e o excesso de águas com obras de infraestrutura e um modelo eficiente de gestão de crise. Um grande centro urbano como São Paulo tem que estar ainda mais preparado para os dois riscos. E que nenhum governante culpe a água porque assim será o futuro.

Você e a lei das domésticas - CELSO MING

O ESTADO DE S.PAULO - 10/08


Desde o dia 7, famílias ou pessoas físicas no Brasil estão sujeitas à multa de R$ 805 por falta de regularização da situação trabalhista de cada um dos seus empregados domésticos, como manda lei sancionada em abril deste ano.

É uma situação nova que, em princípio, deve aumentar os registros em carteira de trabalho e o pagamento dos direitos assegurados aos domésticos. (Veja no Entenda o que falta regulamentar e como fica a situação dos diaristas.)

Sem prévia autorização do morador, o fiscal do Ministério do Trabalho não pode entrar num domicílio para conferir se a lei está sendo cumprida ou não, como se fosse uma firma qualquer. Por isso, o controle é indireto e a aplicação da multa tem tramitação especial. Primeiro, haverá a denúncia por parte do empregado. Em seguida, será expedida notificação pelo Ministério do Trabalho para que o patrão faça sua contestação e, só então, as autoridades poderão concluir ou não pela infração e pela imposição da multa.

Como atestam as estatísticas do IBGE, hoje, quase 70% dos 5,9 milhões de empregados domésticos existentes no Brasil não têm registro em carteira de trabalho. Essa lei, que veio para criar empregos e regularizar relações de trabalho, pode ter um efeito contrário.

O professor José Pastore, especialista em Economia do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP), reconhece o lado bom, o de que o início da vigência da multa é fator que, por si só, levará ao aumento das formalizações. Mas adverte que o mercado está encolhendo. O número de empregados domésticos contratados diminuiu após a aprovação da PEC: "Trouxeram para a vida doméstica uma regulação fabril e irrealista, que trata da mesma forma ambientes distintos. Em uma fábrica ou em um banco, há relógio de ponto, departamento de recursos humanos, área jurídica, controladoria, toda uma parafernália para controle de pessoal. Não há nada disso em uma residência. Empregadores domésticos não podem ser tratados como empresa".

Esta é uma situação que aumenta a insegurança jurídica, mesmo para quem cumpre a lei. A título de exemplo, Pastore aponta algumas consequências da dificuldade de comprovar o número real de horas trabalhadas pela doméstica. "Para não ter problemas jurídicos futuros, muitos casais certamente preferirão colocar seus filhos numa creche do que contratar uma babá."

E há as questões que envolvem a possível redução das alíquotas devidas ao INSS, tanto pelo empregador quanto pelo empregado doméstico. Hoje, os patrões pagam 12% e os empregados domésticos, entre 8% e 11%, dependendo do salário. No entanto, já foi aprovado no Senado e praticamente também na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 7.082/10 que prevê a adoção da alíquota única de 6% para as duas partes. O objetivo do PL é facilitar, com uma conta mais baixa do INSS, o registro dos empregados domésticos.

Se não houver recurso para exame em plenário, o projeto de lei seguirá para sanção da Presidência da República. No entanto, o governo é contra essa alíquota única porque conta com o aumento da arrecadação da Previdência Social.


GOSTOSA


Mau negócio - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 10/08


Os empresários da indústria e da agricultura que se reuniram nas duas últimas semanas com os candidatos à Presidência da República manifestaram claramente seu desagrado com o loteamento dos cargos políticos na administração federal.

Na sabatina da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) o momento em que o candidato do PSB, Eduardo Campos, recebeu da plateia aplausos mais entusiasmados foi quando repetiu a frase que já virou uma bandeira: “Ninguém aguenta mais governar com Renan, Collor e Sarney”. Respondia à indagação sobre sua disposição de acabar com o modelo de entrega dos ministérios aos partidos. Na semana seguinte, o assunto voltou a ser abordado com mais ênfase na sabatina da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

Das cinco questões a que tinham direito de apresentar aos candidatos, os empresários do agronegócio escolheram o tema na conversa com Campos e com Aécio Neves. Quiseram saber especificamente se eles entregariam os ministérios do Trabalho e da Agricultura aos feudos partidários de sempre. O tucano saiu pela tangente. Fez o compromisso, mas preferiu não se alongar na história do fisiologismo e anunciou a criação do “superministério da Agricultura”. Campos desenvolveu sua tese de que é possível quebrar o modelo atual engajando a sociedade na agenda política, tal como ocorreu por ocasião da luta pela redemocratização do país e pela estabilidade econômica.

O importante aqui é notar que o empresariado inclui na pauta o tema do chamado presidencialismo de coalizão como um entrave ao desenvolvimento, uma espécie de custo Brasil adicional. O setor produtivo está farto disso e começa a cobrar dos candidatos. Um debate que, se ganhar corpo, os deixará durante a campanha numa saia-justa para conciliar esses questionamentos à necessidade de apoio dos políticos para se eleger. Apoios esses diretamente relacionados com a expectativa de ocupação de cargos nos governos, caso venham a ser eleitos.

Regra clara. É verdade que as campanhas ficam mais caras porque as doações de pessoas jurídicas garantem a circulação de volumes maiores de dinheiro. Mas é verdade também que as novas normas para prestação de contas mês a mês, com a divulgação quantia e da origem do recurso significa uma evolução no quesito transparência em relação a eleições anteriores. Inibe o uso do caixa 2, pois com os dados publicados fica mais fácil confrontá-los com possíveis exorbitâncias de gastos.

Com mais de 90% do financiamento sendo garantido pelas empresas, vai ser difícil os partidos chegarem a uma solução que contemple a legalidade e ao mesmo tempo proteja o contribuinte, depois que o Supremo Tribunal Federal confirmar a proibição das doações de pessoas jurídicas para as próximas eleições. Ganharão força e argumentos os que defendem o financiamento público exclusivo.

Inadmissível. Na visão do governo brasileiro, um analista de finanças está proibido de relacionar com clareza os movimentos do mercado à tendência dos resultados eleitorais. Mas, na concepção do governo brasileiro é permitido o exercício da difamação a partir dos computadores do Palácio do Planalto. No caso do Banco Santander a presidente gritou. No episódio da alteração dos perfis dos jornalistas Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg na Wikipédia para a inclusão de desaforos e mentiras, Dilma Rousseff se calou. Consentiu, pois.

Talvez tenha acreditado preservar a liberdade de expressão em ambiente palaciano. Faltou observar que as críticas dos jornalistas são feitas às claras, assinadas, em frente às câmeras ou aos microfones e os mexericos ofensivos são clandestinos. Se a chefe da nação prefere compactuar com sujeitos ocultos, deve estar ciente de que escolhe o lado da sombra.


Aloprados fazem o diabo - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 10/08
O hábito de enviar mensagens por meio de robôs com ataques a jornalistas independentes, e invadir sites ou usar os que são abertos, como a Wikipédia, para denegrir a imagem dos que consideram seus inimigos políticos, é um expediente comum dos militantes petistas aloprados.
Em 29 de outubro de 2011 esses marginais entraram na minha página na Wikipédia para incluir uma suposta notícia de que eu havia sido identificado pelo Wikileaks como informante do governo dos Estados Unidos, juntamente com outros jornalistas.

Na verdade, o Wikileaks havia divulgado uma série de telegramas do embaixador dos Estados Unidos, entre os quais relatos de encontros que mantivera comigo e com outros jornalistas, onde conversamos sobre diversos assuntos, inclusive as eleições presidenciais de 2010. Nada do que disse naquele encontro diferia do que escrevi nas minhas colunas naquela ocasião, nenhum segredo havia para ser informado.

O encontro de jornalistas com diplomatas estrangeiros é o que há de mais normal no mundo todo, e essa troca de opiniões faz parte de um relacionamento profissional que apenas mentes pervertidas, ou a soldo, podem transformar em uma atividade de espionagem .

Alertado, eu mesmo entrei no Wikileaks e retirei a peça infamante. Esta semana, vendo o que aconteceu com Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardemberg, lembrei-me do episódio e mandei fazer um levantamento na Wikipédia para verificar se era possível, a partir do IP dos computadores, saber de onde haviam sido acionados.

Para minha surpresa, descobri que haviam feito, de junho de 2011 até 8 de agosto deste ano, diversas entradas em minha página na Wikipédia para acrescentar comentários desairosos ou informações falsas. Algumas dessas aleivosias foram retiradas pela própria direção da Wikipédia; outras por pessoas que discordavam do que lá estava escrito, como, por exemplo, de que eu, nas colunas, destilo meu ódio contra o ex-presidente Lula.

Ontem, retiraram qualquer juízo de valor sobre minhas atividades jornalísticas. O levantamento feito pelo jornal não indicou nenhum servidor de órgãos do governo, inclusive o Palácio do Planalto, nas agressões inseridas na Wikipédia contra mim. Os servidores utilizados são de Toronto, no Canadá, da Austrália e apenas um tem origem em São Paulo, mas não foi possível definir com precisão sua localização.

O que espanta no caso atual, em que Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardemberg foram os alvos, é que as agressões partiram de computadores alocados no Palácio do Planalto, o que indica que essa ação de alterar perfis de jornalistas e pessoas consideradas inimigas já se tornou tão habitual para a militância petista que ela deixou de lado a cautela, utilizando até mesmo o Planalto para suas investidas ilegais.

É sintomático que jornalistas independentes tenham sido vítimas dessas ações de guerrilha na internet, pois desde que chegaram ao poder, em 2003, há um núcleo petista que tenta de diversas maneiras controlar a imprensa, a última delas com o tal controle social da mídia . Os conselhos populares fazem parte desse mecanismo de controle estatal que os petistas tentam impor à sociedade brasileira.

O fato de que os atos delinquenciais partiram de dentro do Palácio do Planalto os coloca muito próximos, pelo menos fisicamente, do centro do poder. O episódio revela, no mínimo, uma falta de controle do pessoal que trabalha no Palácio do Governo. Quando não a conivência de algum alto assessor com o crime contra a liberdade de imprensa numa campanha em que fazer o diabo estava previsto pela própria presidente Dilma Rousseff.

Gotejando - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 10/08


BRASÍLIA - Depois de o Planalto enviar um funcionário a um seminário de internet em Cuba, tudo é possível. Cuba é o último lugar do mundo para fazer curso de internet... a não ser de guerrilha digital.

Por essas e outras, é irritante, mas não surpreendente, a informação da Folha e do "Globo" de que a rede do Planalto é usada para adocicar perfis de aliados, azedar dos adversários e plantar calúnias contra jornalistas críticos. A operação, além de indecente e possivelmente criminosa, é também de uma burrice gritante.

Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg, afora serem queridos amigos, são dois dos mais premiados jornalistas do país. Logo, o ataque não foi só aos dois, mas a uma categoria inteira e a uma cidadania que exige liberdade de expressão e de crítica.

Do ponto de vista político, é péssimo para Dilma Rousseff, mas é sobretudo um desastre para o PT, que já enfrenta alta rejeição, candidatos assustados e atritos de toda sorte.

Segundo o marqueteiro João Santana, eleições trabalham o imaginário popular. Pois o uso da sede da Presidência para golpes rasteiros só "vai gotejando" uma imagem ruim do PT, como diz Gilberto Carvalho.

A hora é de falar de Mais Médicos, Minha Casa, Pronatec, não de o Planalto fazer jogo sujo que remete a mensalão, aloprados e manipulação da CPI. E também à estrela vermelha de dona Marisa no Alvorada, ao passeio da cadelinha em carro oficial, ao emprego da nora para não fazer nada no Sesi e ao contrato milionário do filho --"o Ronaldinho"-- por baixo dos panos.

A confusão entre público e privado corresponde às boquinhas e ao aparelhamento de Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil. Em nome de "uma causa" --a dos poderosos e da elite de plantão. Os outros? Os outros são "contra os pobres".

Se cabeças rolaram no Santander por avaliações de mercado, o que ocorrerá no Planalto por ações que nada têm a ver com o interesse público, o Estado e a nação?

O Santander e o caminho da servidão - FÁBIO OSTERMANN

GAZETA DO POVO - PR - 10/08


Causou polêmica um comunicado recente do banco Santander a um grupo seleto de clientes com perfil de investidor. Nele, o banco trazia uma breve análise do cenário da economia brasileira e perspectivas, sugerindo aconselhamento de investimentos diante do cenário traçado. O governo, o PT e a presidente-candidata não gostaram nem um pouco da análise. Tanto pressionaram que até o presidente mundial do Santander se manifestou desculpando-se e reafirmando a confiança do banco no futuro da economia do Brasil. O analista responsável pelo comunicado acabou demitido.

Mas o que dizia de tão grave o tal informe do Santander? Além de um breve apanhado geral do cenário econômico atual (“baixo crescimento, inflação alta e déficit em conta-corrente”), relacionava a queda da presidente Dilma Rousseff nas pesquisas de intenções de voto com as recentes altas no índice Ibovespa. O informe também afirmava que, caso a situação eleitoral mudasse em favor de Dilma, “o câmbio voltaria a se desvalorizar, juros longos retomariam a alta e o índice Bovespa cairia, revertendo parte das altas recentes”. Por fim, recomendava que, diante desse cenário, o cliente procurasse seu gerente de relacionamento para avaliar quais as melhores alternativas de investimento diante desse cenário.

Em suma, trouxe uma versão resumida de fatos concretos e objetivos da realidade brasileira que hoje influenciam as flutuações do mercado. Em nenhum momento o analista do Santander emitiu julgamentos de valor sobre os rumos tomados pela política econômica do atual governo. Apenas fez o que se espera de um profissional encarregado de aconselhar clientes sobre as melhores formas de investir seu dinheiro. Estaria sendo negligente e irresponsável se ignorasse o atoleiro econômico em que se encontra o Brasil. No mesmo sentido já haviam se posicionado grandes bancos estrangeiros, como o Deutsche Bank e o Goldman Sachs.

Mesmo que a análise do Santander estivesse equivocada, nenhum governo ou partido tem o direito de interferir na sua relação com seus clientes desta forma. Onde ficam a autonomia contratual do cliente do banco, sua confiança, a independência de seus analistas, a transparência? E a liberdade de expressão?

A valorização (e desvalorização) de ativos está diretamente relacionada a suas expectativas de valor futuro. Em um país como o Brasil, onde temos um profundo grau de intrusão governamental na economia, um canetaço do governo federal pode decidir o sucesso ou a falência de muitas empresas. Basta observar o que vem ocorrendo com a Petrobras e com as empresas do setor elétrico, pagando o pato do descontrole fiscal e monetário em vigor no país.

As reações da presidente e de seu partido são de uma gravidade que não pode ser ignorada. Quando a mão intervencionista muito visível do Estado acovarda até um dos maiores bancos da América Latina, é preciso refletir sobre o que resta a nós, reles mortais. “Trabalhe, pague impostos e fique de boca fechada” é o que parecem dizer. E assim seguimos, como o Santander, tecendo a corda de nossa própria forca.

Os aloprados no Planalto JOÃO BOSCO RABELLO

O ESTADO DE S.PAULO - 10/08


A reprodução, na forma e conteúdo, da atual campanha do PT em relação às anteriores reflete o esgotamento de uma fórmula vitoriosa enquanto a maquiagem da realidade resistiu aos efeitos do tempo.

A crise da economia é o desfecho de um ciclo populista que se mostra insustentável desde que o contribuinte despertou da anestesia de consumo a que foi submetido em favor de um projeto cujo objetivo único é o da permanência no poder.

O recurso aos mesmos métodos de sempre já não se mostra, por isso, eficiente. A substituição do debate pela desqualificação dos adversários, a comparação com o governo do PSDB (já lá se vão 12 anos), o discurso antiprivatização, a terceirização dos erros - ora à imprensa, ora a causas externas - se mantêm sedutores para uma parcela cada vez menor do eleitorado.

Nesse contexto, ressurgem os chamados aloprados, termo cunhado pelo ex-presidente Lula para desvincular o governo de ações sujas que vão da quebra de sigilos à difamação de adversários, agora operadas de dentro do Palácio do Planalto.

O que há de novo nessa ação é o fato de os aloprados de ontem, militantes de campanha, agora atuarem dentro do governo, como mostra a alteração de perfis de jornalistas na internet a partir de computador do Palácio do Planalto.

O ministro das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, responsabilizado por Lula, em 2006, pela seleção dos aloprados que produziram dossiês falsos contra o candidato da oposição, José Serra, participa da campanha em cargo oficial.

De sua secretaria, o governo coordenou a ação de desmoralização da CPI da Petrobrás, dando conhecimento prévio a diretores da empresa das perguntas que lhes seriam feitas na comissão, o que está muito longe da normalidade da preparação de depoentes.

Já havia o PT, antes, produzido uma lista negra de jornalistas, divulgada pelo seu vice-presidente, Alberto Cantalice (RJ), em um ato de cunho fascista, que remete à dedução legítima de que lista bem mais ampla circula em órgãos do governo com meios de prejudicar profissionais a partir do acesso a dados pessoais cuja proteção é garantida constitucionalmente.

A volta dos aloprados à cena eleitoral revela que a expressão jocosa com a qual o ex-presidente os classificou funciona para eles como uma espécie de licença para delinquir, protegidos pela versão de que agem à revelia do partido e do governo.

Mas, uma vez dentro do Planalto e de outros órgãos públicos, muitos com representação regional, não cabe mais o silêncio da presidente Dilma Rousseff em relação a esses delitos.

A força dos nulos, brancos e indecisos - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA


Não cruzem os braços, não sejam meros espectadores. Vamos votar, está combinado?



Eles são 24%, quase um quarto do eleitorado brasileiro. Tenho simpatia por esse exército de deserdados, órfãos, ou qualquer nome que se queira dar aos 34 milhões de brasileiros aptos a votar, mas dispostos a abrir mão de escolher o próximo presidente. Os dados são da última pesquisa do Ibope, divulgada na quinta-feira.

Tenho simpatia, mas, diante da encruzilhada em que se encontra o Brasil, sinto vontade de dizer: escolham um candidato, mesmo que não estejam totalmente convictos, mesmo que tenham de cobrar depois. Sou contra o voto obrigatório, por considerar o voto um direito e não um dever. Mas, se assim é a lei em nosso país, vamos votar em alguém, está combinado?

Não cruzem os braços, não sejam meros espectadores, não se apoiem na falsa comodidade de pensar que nada têm a ver com isso que está aí. Numa democracia, somos todos responsáveis, em algum grau, pelos rumos da cidade, do Estado e do país.

São vários os sentimentos por trás da vontade de anular ou deixar branco o voto, cara a cara com a urna. Desencanto, revolta, indiferença, impotência, desinformação, desconfiança. Vontade de não se misturar à corja de políticos que só sabem aumentar os impostos e roubar a educação, a saúde, a habitação, o transporte, a segurança. Mentem com desfaçatez. E roubam até dos pobres.

Simpatizo com os nulos, brancos e indecisos, mas jamais consegui, na hora de votar, assumir esse “protesto” inútil. Lamento que o eleitor jovem tenha se afastado, diante da sucessão de escândalos e alianças sujas no partido que mais prometeu ética na recente história política brasileira. Entre 2010 e 2014, caiu 31% o número de eleitores entre 16 e 18 anos. Por que, Lula? Por que, Dilma? Por que, oposição? É uma questão de agenda, arrogância, credibilidade ou tudo junto?

Muitos jovens também se desiludiram com a violência e o vandalismo dos protestos de rua. Protestos que começaram vestidos de branco e terminaram de preto. Numa ditadura, o extremismo se entende. Numa democracia, é patético. Foi covarde e nojenta a repressão policial – de uma truculência e omissão inaceitáveis. Mas os autoproclamados líderes dos protestos afastaram o povo, que não quer um país em chamas.

Há quase 142 milhões de eleitores no Brasil. De acordo com a última pesquisa do Ibope, Dilma Rousseff (PT) tem 38%; Aécio Neves (PSDB), 23%; Eduardo Campos (PSB), 9%; outros, 6%. Os nulos, brancos e indecisos somam 24%. Mais que o segundo colocado na disputa para a Presidência.

Trinta e quatro milhões de brasileiros, a dois meses das eleições, não têm em quem votar para presidente, por rejeição ou desinteresse. No mundo, somente 37 países têm mais habitantes – não eleitores – que nosso exército de órfãos da política.

Esse enorme contingente é valioso para todos os candidatos, porque quem já decidiu dificilmente mudará o voto, a não ser que a campanha revele algo catastrófico. Até agora, a disputa anda tão fria nas ruas que lembra a Copa do Mundo. Provavelmente continuará assim, incendiando apenas as redes sociais, que têm estado intragáveis com a invasão dos militantes.

Campos, na ansiedade de subir para dois dígitos e conquistar os indecisos, afiou um discurso de terceira via, pela educação em tempo integral em todas as classes sociais, e afirmou: “Os únicos que não governarão com Renan, Sarney e Collor somos nós, Marina e eu”.

A nova classe média, cortejada pelo PT, anda ressabiada. Segundo uma pesquisa do Data Popular, 32% da classe C acha desesperadora a situação. Para 69%, está difícil pagar as contas de manutenção da casa e de comida. Com malabarismos, a classe C tenta fazer o gasto caber no orçamento. Um exercício que o governo ignora. Os gastos públicos aumentam sem parar. O Planalto sabe que o povão não lê nada sobre economia, e muitos nem recebem conta de luz.

Se você não quiser ou não puder apagar a luz e se mudar do Brasil, pense bem antes de votar nulo ou branco. Informe-se e decida. É aqui, neste país onde crescem os filhos e os netos, que as mudanças precisam acontecer. Todos os candidatos sabem disso. Tanto que os três prometem mudar.

Não dá para conviver com esse noticiário escabroso de roubalheira oficial, escolas depredadas e sem professores, hospitais sem higiene, sem leitos, sem equipamento e sem médicos, barracos sem sistema de esgoto, mares e lagos poluídos, assaltantes e PMs que matam e estupram.

É nocivo para a saúde ver como o Brasil maltrata os honestos e enriquece larápios. Vote em Dilma. Vote em Aécio. Vote em Campos. Mas vote mesmo, na hora da verdade.

CGU pede socorro - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 10/08

Para explicar a multiplicação de escândalos de corrupção nos últimos tempos, o governo petista costuma dizer que "nunca antes" se combateu tanto os malfeitos como agora. Por essa lógica, a corrupção sempre teve a intensidade atual, mas não vinha à luz porque ninguém investigava, gerando impunidade; hoje, conforme a versão petista, há diversos mecanismos para investigar e punir os responsáveis por desvios na administração pública federal. Um desses mecanismos é a Controladoria-Geral da União (CGU), a quem, segundo disse a presidente Dilma Rousseff em entrevista recente, o governo deu "todos os instrumentos para atuar". No entanto, memorandos da direção da CGU obtidos pelo Estado mostram que o mesmo governo que se diz tão empenhado em combater a corrupção tem sido indiferente à situação precária que o órgão enfrenta há tempos, o que tem comprometido sua capacidade de apurar o enorme volume de denúncias que lotam seus escaninhos.
Em ofícios encaminhados em 17 de abril passado aos ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Miriam Belchior (Planejamento), o chefe da CGU, ministro Jorge Hage, faz um apelo, "em caráter de urgência", para que a presidente Dilma autorize a convocação de 303 candidatos que passaram em concurso de 2012 para trabalhar como analistas de finanças e controle.

Segundo Hage, o esforço de investigar os casos de corrupção "atingiu seu limite" diante da crescente falta de funcionários. Ele afirma que houve "drástica redução" do quadro de servidores - mais de 700 saíram do órgão desde 2008, deixando a CGU com cerca de 2.300 funcionários, ou menos de metade do previsto em seu organograma -, enquanto as atribuições da controladoria aumentaram nos últimos tempos, em razão da aprovação de diversas leis destinadas a reprimir ou a prevenir a corrupção.

O problema imediato, conforme salienta Hage, é o manancial de denúncias a respeito da Petrobrás. No memorando enviado a Miriam, o ministro diz que, "nos últimos meses, o volume de denúncias envolvendo a Petrobrás (...) tem forçado a necessidade de remanejamento dos escassos quadros de analistas, de outras áreas, para os setores que fiscalizam as áreas de energia, petróleo e gás, por pane da CGU".

No ofício enviado a Mercadante, Hage diz contar com a "lucidez" do ministro para perceber a "relevância das funções de controle e combate à corrupção para o governo como um todo". Em resposta, a Casa Civil informou, por meio de nota a este jornal, que a demanda da CGU é "relevante, assim como a de outros Ministérios" e que "ajunta orçamentária do governo está avaliando os pleitos, levando em conta as possibilidades orçamentárias". Isso significa que a CGU terá de entrar na fila para obter os recursos e funcionários de que tanto necessita, sem nenhuma garantia de que os receberá algum dia.

Os apelos da CGU são antigos. Desde ao menos 2011 o governo vem sendo alertado formalmente pelo órgão de que não tem pessoal suficiente para todas as suas atribuições. No começo do ano passado, Hage pediu à ministra Miriam Belchior que autorizasse a convocação de ao menos metade do pessoal concursado e não nomeado para ocupar as vagas autorizadas, chamando a atenção para o fato de que, em breve, a CGU não teria condições de desempenhar suas funções. Não foi atendido.

No final de 2013, Hage tornou a solicitar à ministra, no mesmo tom dramático, autorização para contratar pessoal. Em janeiro deste ano, finalmente, Miriam Belchior liberou a contratação de 40 funcionários. Como esse número era claramente insuficiente, Hage renovou seus apelos, até aqui sem sucesso.

Ainda que essa situação venha a ser superada, os problemas que a CGU enfrenta há anos para realizar seu trabalho e a aparente indisposição do governo para resolvê-los - usando as restrições orçamentárias como desculpa - deixam claro que existe uma razoável distância entre discurso e prática quando se promete priorizar o combate à corrupção no País.

A roda da fortuna - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 10/08


Dados da primeira prestação de contas das campanhas eleitorais reforçam percepção de que é grande o desgaste da presidente Dilma Rousseff


A primeira prestação de contas das campanhas eleitorais, divulgada há poucos dias pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), traduz em cifras a leitura que os principais grupos empresariais fazem a respeito do cenário político atual.

Os dados, relativos somente à arrecadação do primeiro mês de disputa, reforçam a percepção de que é grande o desgaste da presidente Dilma Rousseff (PT).

A essa altura do campeonato de 2010, a candidata do PT havia amealhado R$ 14,7 milhões. Seus dois concorrentes diretos, José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV), contavam, respectivamente, com R$ 5,2 milhões e R$ 8,9 milhões.

Neste ano, os R$ 10,1 milhões acumulados pela petista a deixam atrás, nesse quesito, de Aécio Neves (PSDB), com R$ 11 milhões, e pouco à frente de Eduardo Campos (PSB), com R$ 8,2 milhões.

Se fatores ideológicos e apoios incondicionais guiam parte das doações, é inegável que o pragmatismo preside as escolhas dos maiores contribuintes. Poucos arriscariam todas as fichas em apenas um postulante, sobretudo se suas chances de vitória fossem pequenas --daí por que um mesmo grupo costuma dividir seus recursos entre os concorrentes.

Chama a atenção, assim, que Dilma, hoje no comando da máquina pública federal e com 36% das intenções de voto, tenha arrecadado menos que Aécio, com 20%. Quatro anos atrás, a petista detinha quase o triplo das verbas de Serra, com quem estava empatada nas pesquisas de julho.

Verdade que, considerando as simulações de segundo turno e a avaliação do governo, o favoritismo de Dilma se diluiu muito neste ano. Ainda assim, parece haver, nas diferenças entre os dois cenários, mais do que mero cálculo de retorno sobre o investimento.

Aos olhos dos financiadores, Aécio parece mais palatável do que Dilma, seja pelo desempenho pífio da economia no atual mandato, seja pela expectativa de uma gestão menos intervencionista.

O próprio diretório nacional do PT enfrenta dificuldades para encontrar doadores. O partido há 12 anos alojado no poder ocupa o oitavo lugar na lista de arrecadação e juntou R$ 6,2 milhões --menos, em valores atualizados, que na primeira prestação de contas de 2010, quando era o terceiro colocado.

Enquanto o PT parece ter sido prejudicado pelo estilo Dilma de fazer política, o PMDB se beneficiou. Dirigindo a Câmara e o Senado, a legenda tornou-se particularmente importante para quem perdeu interlocução com o Planalto. Trocando em miúdos, o partido já arrecadou R$ 28,5 milhões, sendo o líder isolado nesse aspecto.

Tudo somado, seria o caso de dizer, com ou sem trocadilho, que a roda da fortuna começa a girar.

Simplificação tributária é promessa factível - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 10/08

Entendimento em torno do ICMS esteve próximo de ser concretizado. Início de mandato é bom momento para se avançar nesse tipo de reforma


Redução de carga tributária é um tópico presente nos programas de todos os candidatos à presidência da República. Mas, na prática, desde 1997 essa carga aumenta ou se estabiliza em patamares elevados, independentemente de quem ocupa o Palácio do Planalto ou o Ministério da Fazenda. Pode-se afirmar que é uma “questão suprapartidária”.

Tal redução nunca se materializa, pois as despesas primárias do setor público não param de avançar. E o pior é que os investimentos não deixam de ser uma parcela pouco expressiva no total dos gastos.

Desse modo, a carga tributária acaba sendo um dos fatores que inibem os investimentos e, por consequência, o bom funcionamento da economia. Além do setor público andar de roda presa, também os agentes privados não conseguem se financiar adequadamente, pois a poupança doméstica disponível é insuficiente para viabilizar novas inversões de capital.

Os contribuintes já não contam com a possibilidade de redução da carga tributária (em estratosféricos 37% do PIB), desesperançosos com o descumprimento de seguidas promessas. Para eles, virou uma utopia. Porém, mantêm a expectativa quanto à simplificação do sistema tributário. Dentro e fora do Congresso, especialmente no plano administrativo (no âmbito do Confaz, o conselho que reúne todos os secretários estaduais de Fazenda), houve alguns avanços na discussão em torno do ICMS. Chegou-se quase a um denominador comum, capaz de conciliar os interesses de diferentes unidades da Federação. O receio de perda de arrecadação e a falta de garantia de compensação capaz de convencer os estados que se consideram prejudicados impediram o consenso. Mas o acordo se mostrou factível, e não parece mais tão longe no horizonte.

Reforma tributária não é fácil. Mesmo que o sistema tributário em vigor não satisfaça ao fisco ou aos contribuintes, o temor de que as mudanças possam piorá-lo desestimulam as tentativas de reforma.

No caso da simplificação do ICMS, tema que está em pauta, não existe mais dúvida que todos sairão ganhando no médio e longo prazos. O problema está na fase de transição.

O momento mais propício para se chegar a um acordo que envolva o pacto federativo é o início dos mandatos presidencial e de governadores, assim como da nova legislatura no Congresso. Nos debates que antecipam as eleições gerais de outubro, essa é uma questão que merece ser abordada, para que candidatos não deixem de incluir a reforma em seus programas e agendas

Promessas de redução de carga tributária podem ser vãs por parte de políticos, mas simplificação e desburocratização dos procedimentos tributários estão ao alcance dos governantes que realmente se disponham a caminhar nessa direção. Será importante começo.

Leilão precipitado - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 10/08


Só a necessidade de fazer caixa explica a pressa do governo para leiloar a frequência de 700 MHz



O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou, no dia 4, que o governo federal ainda não publique o edital do leilão da ­frequência de 700 MHz, em que as operadoras de telefonia disputarão uma nova faixa para oferecer seus serviços de 4G, antes que o pleno do TCU aprove o documento. A decisão adia por algumas semanas o plano de realizar o quanto antes o leilão, mas não será suficiente para cumprir o desejo das operadoras de telecomunicações, que gostariam de deixar tudo pelo menos para 2015.

A faixa de 700 MHz, entre os canais 52 e 59, é hoje ocupada por emissoras de televisão operando em sinal digital e analógico. À medida que elas vão adotando o sinal digital, os dois modelos estão convivendo simultaneamente, mas existe um cronograma para o desligamento definitivo do sinal analógico (chamado switch-off), começando em abril de 2016 e encerrando em novembro de 2018, iniciando pelas grandes cidades (em Curitiba, a data é 25 de junho de 2017) e terminando pelas regiões mais remotas do país. No entanto, diversos especialistas em comunicação revelam que o cronograma é um tanto ambicioso e deverá enfrentar várias dificuldades, desde a adaptação das emissoras menores até a mudança total nos aparelhos de toda a população brasileira, já que só funcionarão os televisores que saem de fábrica preparados para o sinal digital, ou aqueles que tiverem conversores.

Até aí, é natural e desejável que as frequências que forem gradativamente abandonadas pelas emissoras de televisão sejam ocupadas pela telefonia móvel, melhorando o serviço oferecido ao consumidor. Visto por esse ângulo, o leilão parece – e é – a coisa certa a fazer, para não deixar ociosa uma frequência que as operadoras de telefonia cobiçam com ansiedade por questões técnicas. Hoje, o 4G opera apenas na frequência de 2,5 GHz. Mas o raio de alcance das antenas de 2,5 GHz é menor que as de 700 MHz, ou seja, no futuro será preciso instalar e manter menos antenas para cobrir a mesma área. Além disso, o sinal de 700 MHz é melhor que o de 2,5 GHz em ambientes fechados.

O problema está no timing do leilão. As operadoras contestam, com razão, a necessidade de leiloar imediatamente algo que só estará completamente disponível daqui a quatro anos – e isso se não houver absolutamente nenhum empecilho na migração do sinal de televisão. É bom lembrar a experiência de Japão e Estados Unidos, sociedades mais avançadas tecnologicamente e que tiveram de enfrentar adiamentos na mudança definitiva para o sinal digital. Também no Brasil as datas do processo de desligamento do sinal analógico já foram postergadas uma vez, pois a previsão anterior para era encerrar a migração em 2016. Isso indica que seria melhor esperar o início do switch-off para avaliar o ritmo do processo e ter uma noção mais precisa do cronograma.

Além disso, as operadoras precisarão desembolsar agora dinheiro que poderia ser usado na melhoria da rede de telecomunicações atual – que, como todos sabemos, bem precisa de um incremento na qualidade. E ainda caberá aos vencedores do leilão arcar com custos como os da redistribuição dos canais de televisão, mitigação contra interferências no sinal digital, além da compra de filtros e conversores para beneficiários do Bolsa Família e de antenas para casas onde o sinal sofrer interferência do 4G. Inclusive os custos que excederem o que estiver estipulado no edital também terão de ser bancados pelas operadores de telefonia, o que forçará os participantes do leilão a dar tiros no escuro.

Mas talvez a real motivação para tanta pressa em fazer o leilão esteja nas palavras do secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. “Estou contando com os R$ 8 bilhões este ano”, disse a jornalistas, referindo-se ao valor que, imagina-se, as operadoras pagarão pela faixa de 700 MHz. Esse dinheiro é parte dos recursos extraordinários com os quais o governo espera poder fechar suas contas no fim de 2014, assim como fez no ano passado, com os R$ 15 bilhões do leilão do campo de Libra, no pré-sal. Em outras palavras, o governo resolveu correr com algo que afeta praticamente todos os brasileiros e onera desequilibradamente as teles não porque tenha uma política de médio e longo prazo para as telecomunicações, mas simplesmente pela necessidade de fazer caixa. É um absurdo evidente usar o leilão para, mais uma vez, maquiar a incapacidade governamental de economizar o necessário para cumprir metas como a do superávit primário. Essa precipitação por pura falta de disciplina fiscal cria riscos para a área de telefonia e para a de televisão, sem falar do risco moral de um governo que acredita poder contar eternamente com receitas extraordinárias – designação, aliás, autoexplicativa – e que, guiado apenas pela pressão para tapar rombos fiscais, se condena a errar sistematicamente.


Equívocos da política energética - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 10/08

Muito antes de as chuvas rarearem, esvaziando os reservatórios e derrubando a produção de energia hidrelétrica no país, era notória a dificuldade de investir nesse setor no Brasil. Mesmo pequenas centrais hidrelétricas, as PCHs, podem levar 10 anos da fase de estudos à conclusão das obras.
A demora na análise de projetos, em especial em relação ao licenciamento ambiental, desestimula o investimento. E quem se aventura sabe que terá outros problemas pela frente, como os interesses estranhos à área energética contrabandeados para o meio pela mão forte do Estado - por exemplo, na administração dos preços, não a favor da oferta, mas com o fim único de controlar a inflação.

Assim vai rolando a bola de neve em que se transformou a crise de energia no país. Com a capacidade de investimento prejudicada e obrigado a evitar o racionamento, o setor teve de bancar o custo mais alto das termelétricas, que, além de mais caras, são poluidoras.

Pelo menos três efeitos colaterais logo se fizeram sentir: o endividamento das distribuidoras; a sobrecarga dos cofres públicos, chamados a socorrê-las com R$ 18,5 bilhões, até agora - sem contar R$ 17,8 bilhões em empréstimos contraídos pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica; e a perda da qualidade da matriz energética, das mais limpas do mundo, contaminada pela emissão de gás carbônico, com o acionamento das usinas movidas a óleo combustível.

A esta altura, o somatório de adversidades lança dúvidas até sobre a suficiência do sistema interligado para garantir o abastecimento. O círculo vicioso poderia ter sido quebrado lá atrás, se, em vez de ação intervencionista na economia, o governo tivesse feito o dever de casa, desburocratizando os procedimentos de concessão de outorgas. Para se ter ideia, mais de 600 projetos de PCHs estão na fila da análise, apenas esperando a aprovação do órgão regulador para o início das obras.

Segundo a Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa, a demora empata investimentos da ordem de R$ 50 bilhões, que poderiam acrescentar nada menos que 8 mil megawatts/hora à produção nacional. Isso apenas em relação às pequenas centrais hidrelétricas, cujos reservatórios, pelo tamanho menor, impactam bem menos o meio ambiente.

A perigosa inércia governamental preocupa a população. Pesquisa do Ibope, feita a pedido da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia, constatou que 75% dos cidadãos consideram de muito alto a médio o risco de escassez de fornecimento de energia. E 83% são favoráveis a campanha de incentivo à economia de eletricidade, de modo a evitar a falta de luz ainda este ano.

Mas nem isso é feito. Ainda que sem convencer, o governo insiste no discurso de que o sistema segue seguro. O equívoco tampouco ajuda a campanha à reeleição da presidente Dilma. Afinal, não derruba o fantasma do racionamento que paira no ar nem permite que o eleitor exerça a disposição e o direito de contribuir. Sem contar que dois terços dos brasileiros também desaprovam as tarifas pagas, consideradas altas, e 77% reclamam o direito de produzir energia em casa, seja por meio de painéis solares, seja por fontes eólicas.