quinta-feira, novembro 02, 2017

Garotas têm razão em temer homens que alimentam o ódio do feminino - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 02/11

Disfarçada de bruxa, uma menina de 7 anos deve participar de um arrastão de "doçura ou travessura" no prédio de uma amiga. Ela pergunta: "Pai, as bruxas existem?".

Achando que as bruxas podem ser apavorantes, o pai responde que elas não existem: bruxas são só fantasias para crianças brincarem. A menina insiste: e se aparecer algum adulto que não quer brincar? O pai garante que, na festa, bruxa só será disfarce de criança.

Na verdade, a menina não disse que ela tinha medo das bruxas. Ela perguntou se as bruxas existem e se há adultos que não topam brincar (não necessariamente adultos disfarçados de bruxas). Ou seja, talvez a menina não tenha medo das bruxas, mas, caso ela mesma seja a bruxa de brincadeira, dos "adultos" que não saberiam brincar.

Ela tem razão. Não precisou que as bruxas existissem para que 50 mil mulheres fossem queimadas vivas, enforcadas, afogadas e torturadas ao longo de poucos séculos, que, aliás, terminaram anteontem, menos de 300 anos atrás.

Para os leitores que pedem a lista dos 200 livros imperdíveis: "A Feiticeira" (prefiro "a bruxa"), de Jules Michelet (Aquariana, 2003).

Voltando: O Brasil tem a quinta maior taxa de feminicídio do mundo. Feminicídio não é qualquer assassinato de uma mulher; no ano passado, houve 5.657 registros de mulheres assassinadas, e 533 deles eram feminicídios.

Há feminicídio quando uma mulher é morta por ela ser mulher. A lei do feminicídio (13.104/2015 ) reconhece nele um crime de ódio: trata-se de odiar e matar uma mulher por sua diferença, por ela ser mulher.

Esse ódio do diferente está presente em grande parte da violência contra a mulher: o estuprador, por exemplo, não age por gostar "demais" das mulheres e não conseguir se controlar. O inenarrável deputado Jair Bolsonaro fala como se quisesse estuprar mulheres que acha gostosas. É um erro primário: sem exceções conhecidas, quem estupra odeia a sua vítima (e o feminino em geral).

Enfim, a caça às bruxas foi uma enorme onda de feminicídios, bem na aurora da modernidade. A nossa menina de Halloween tem razão em ter medo –não das bruxas, mas dos (homens) adultos que não brincam e, há 20 séculos, alimentam um formidável ódio do feminino.

Começou com a ideia de que Eva, a tentadora, seria responsável pela desobediência e pela desgraça de Adão. Continuou com a punição que Eva recebeu de Deus: parir com dor e estar sob o domínio do marido.

A literatura feminista mostra de maneira irrefutável, há quase meio século: repressão e ódio do feminino são constantes e talvez até princípios organizadores da nossa cultura.

É engraçado e compreensível que, ao mesmo tempo, o desejo feminino tenha sido idealizado como grande e fascinante mistério (Freud e a psicanálise entraram nessa), porque ele seria, desde aquele início bíblico, o protótipo do desejo sexual que deveria ser recalcado para que Adão e sucessores vivessem em paz.

Qualquer flecha contra essa estranha ordem do mundo é bem-vinda. Chester Brown acaba de publicar uma extraordinária história em quadrinhos, "Maria Chorou aos Pés de Jesus - Prostituição e Obediência Religiosa na Bíblia" (Martins Fontes).

Ele reconstrói as histórias de personagens que conhecemos bem: Caim e Abel, Tamar, Raabe etc., até Maria, mãe de Jesus. Só aos poucos nos damos conta das pequenas distorções que Brown introduz, sempre para mostrar outra possibilidade de situar o desejo feminino na história.

A coisa desabrolha quando Brown explica a suposta virgindade de Maria como uma maneira oculta de contar que Maria era promíscua e não saberia de quem Jesus seria filho –entendendo que a promiscuidade seria originalmente um traço positivo de várias figuras femininas do Antigo Testamento: figuras fortes, livres, cujo desejo não seria submisso ao do homem.

Mesmo que você se indigne com tanta "ousadia", não desista. Os quadrinhos são acompanhados de notas e referências bibliográficas preciosas: Chester Brown conhece a história bíblica, suas variantes, suas interpretações possíveis e sua exegese. Perder-se nos livros que ele cita, aliás, é sumamente interessante.

E, sobretudo, lembre-se: a de Brown é uma empreitada desesperada contra séculos de repressão cultural. Desesperada, mas portadora de uma grande esperança: a de que uma menina, no dia de Halloween, não precise ter medo de ser menina e de se vestir de bruxa.

As microrrupturas institucionais - EVERARDO MACIEL

ESTADÃO - 02/11

Uma obra da engenharia civil, salvo em casos de imprevisíveis desastres naturais, não desmorona sem antes emitir sinais, que isoladamente podem nada significar, mas que, no conjunto, constituem evidências de algum comprometimento.

Por analogia, o tecido institucional brasileiro vem revelando disfunções que, conquanto não sinalizem uma indesejada ruptura, inviabilizam, no médio prazo, qualquer perspectiva de desenvolvimento e paz social. São as microrrupturas institucionais. Destaco alguns dessas disfunções.

A Constituição de 1988, por uma manobra política, afastou-se da pretensão originalmente parlamentarista para fixar-se no presidencialismo, sem dispensar, contudo, instrumentos próprios daquele regime, como a Medida Provisória, que findou sendo uma versão piorada do execrado Decreto-lei.

Os requisitos de relevância e urgência da Medida Provisória jamais foram verdadeiramente apreciados no Legislativo, exceto em raríssimos episódios com incidental motivação política.

Esse instituto desmotivou a iniciativa de projetos de lei no âmbito do Legislativo e ensejou, na aprovação dos projetos de lei de conversão, uma abjeta barganha para liberação das emendas parlamentares.

A essa disfunção juntou-se o ativismo judicial, que prospera em virtude da mora legislativa, como no disciplinamento da greve no setor público, e de princípios constitucionais demasiado abertos, sem regras que fixem sua aplicabilidade para casos concretos, como no acesso aos serviços públicos de saúde, cuja judicialização encerra, frequentemente, conflitos com o princípio universal da escassez.

O ativismo judicial aprimorou-se a ponto de dispor sobre normas regimentais do Legislativo, ainda que não raro estimulado por demandas dos parlamentares insatisfeitos com reveses em sua própria Casa.

Apenas para argumentar, qual seria a reação se a algum parlamentar ocorresse a insana ideia de, mediante lei, estabelecer regras aplicáveis aos regimentos do Judiciário?

São kafkianas as normas processuais aplicáveis à responsabilização do Presidente da República, nos crimes de responsabilidade e nas infrações penais comuns de que tratam os arts. 85 e 86 da Constituição.

O processo de impeachment da deposta Presidente Dilma foi uma tediosa e infindável sequência de julgamentos burocráticos, que beiravam o ridículo.

De igual forma, as acusações recentes contra o Presidente Temer revelam um poder desproporcional do Chefe do Ministério Público Federal, capaz de paralisar o País ao promover um patético julgamento político, com enormes e desnecessários custos para o País.

Acompanhando uma tendência mundial, acolhemos, na legislação pátria, instrumentos poderosos de combate à corrupção, com especial destaque para a colaboração premiada e para os acordos de leniência.

É certo que a colaboração premiada permitiu desmontar organizações criminosas enraizadas na administração pública brasileira, mas não se pode esquecer que é tão somente um instrumento de investigação.

Quando procedente a colaboração, a premiação deveria seguir parâmetros objetivos a serem aplicados pela Justiça, vedada qualquer possibilidade de “indulto”.

Lamentavelmente, ela é, quase sempre, acompanhada de vazamentos, autorizados ou não pela Justiça, confundindo a sociedade que a entende como prova.

Os vazamentos se inserem em um ambiente de espetacularização, que assume enredo de novela animada por uma mórbida alegria popular pela desgraça alheia (Schadenfreude, em alemão).

Quando a colaboração se revela ineficaz, por ausência de prova, transparece para a sociedade que houve impunidade.

Acordos de leniência, por sua vez, estão envoltos em furiosos conflitos corporativos, que comprometem seus objetivos. A pertinente legislação é malfeita e demanda revisão.

São muitas as microrrupturas institucionais. Em algum momento, é preciso dar curso a um preventivo processo de repactuação dos limites dos Poderes e dos instrumentos de combate à corrupção, sem receio das previsíveis e indevidas reações corporativas.

Não tem salvador da pátria - ZEINA LATIF

ESTADÃO - 02/11

As dificuldades para conquistar o eleitorado em 2018 não serão apenas de um eventual candidato apoiado pelo governo. O descontentamento da sociedade é amplo e salpicado de intolerância, e os anseios são variados

O governo Temer perdeu a batalha da comunicação. Houve vários avanços na agenda econômica e, segundo Carlos Pereira, com custo agregado (ministérios, recursos e emendas parlamentares) menor do que o de presidentes anteriores. Ainda assim, a desconfiança prevalece, com interpretação distorcida de qualquer iniciativa do governo.

No Congresso, a base governista se reduziu, ainda que talvez menos pelo desgaste das denúncias contra o presidente e mais pela dificuldade de Temer de ser cabo eleitoral em 2018. Como ensina Carlos Melo, o poder de um político hoje provém da perspectiva de poder no futuro.

A comunicação falha alimenta o déficit de credibilidade do governo, o que afeta o humor do consumidor. A sociedade não compreende que a queda da inflação e a recuperação em curso da economia não são acontecimentos fortuitos, mas sim frutos dos acertos da política econômica. Não confia, portanto, que haverá mais avanços. Assim, apesar da melhora do mercado de trabalho, antes do esperado, o medo do desemprego se mantém em patamares recordes e a confiança do consumidor não apresenta o mesmo vigor que a dos empresários, que caminha mais rapidamente para o campo otimista. Fosse o governo Lula, o retrato seria bem diferente.

Apesar disso, o governo de transição de Temer poderá entregar o que prometeu: uma ponte para 2019.

A economia importa, sim. Não é coincidência que, na eclosão dos protestos em 2013, a inflação de alimentos estava em 15% ao ano. A economia mais arrumada após o desastre dos últimos anos ajudará a conter o sentimento de indignação da sociedade, que já começa a recuar, segundo a Ipsos. E também poderá produzir um debate eleitoral mais maduro no campo econômico, que não negue os problemas, inclusive entre as candidaturas mais extremistas.

As dificuldades para conquistar o eleitorado em 2018 não serão apenas de um eventual candidato apoiado pelo governo. O descontentamento da sociedade é amplo e salpicado de intolerância, e os anseios são variados. Uma parcela da sociedade quer agenda econômica liberal; outra, intervencionismo econômico. Uma parcela é conservadora nos costumes; outra condena esses valores; e outra defende a liberdade. Uma deseja igualdade de oportunidades; outra teme a perda de seus privilégios. A colcha de retalhos é grande, com as mais diversas combinações nesses temas. Não se trata de esquerda versus direita, nem PT versus PSDB.

A sociedade brasileira é heterogênea. O desastre econômico e político exacerbou sua complexidade, o que deixa todos os candidatos vulneráveis. O diálogo com a sociedade é mais desafiador. A rejeição, mesmo a não políticos, é elevada. A desaprovação a Sergio Moro, por exemplo, atingiu 45%, segundo a Ipsos.

Ainda que este seja um fenômeno global, no Brasil há mais elementos.

A consequência é que, provavelmente, todos os candidatos terão “teto baixo”, inclusive aqueles com discurso estridente. Não há “salvador da pátria”. Apenas salvadores de alguns grupos, sem arrebanhar maiores parcelas da sociedade. Será uma eleição disputada, não só entre candidatos. A luta será também para tirar o eleitor do desalento. A eleição suplementar no Amazonas este ano, com pouco mais de 50% de votos válidos, é simbólica.

A pauta da eleição está crescendo entre os eleitores. O eleitor aos poucos migrará do atual estágio mais emocional para uma decisão mais racional de voto. E o quadro econômico deverá contribuir para esse movimento. Valores dos eleitores capturados nas pesquisas qualitativas, como experiência e honestidade, deverão ganhar maior importância.

Apesar de sermos hoje uma sociedade mais complexa, um sentimento une a todos: o desejo de melhorar a vida ou o crescimento sustentado. Essa agenda pressupõe zelo com as contas públicas, melhor gestão de políticas governamentais e ambiente de negócios favorável para atrair o capital privado. Não há fórmula mágica. E, desta vez, após o tombo, temos uma sociedade mais vacinada contra discursos fáceis.

*ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMENTOS

COLUNA ESTADÃO - ANDREZA MATIAS - Ministra cita escravidão e pede ao governo salário de R$ 61 mil

ESTADÃO - 02/11

Ministra cita escravidão e pede ao governo salário de R$ 61 mil

Naira Trindade


A ministra Luislinda Valois, dos Direitos Humanos, apresentou ao governo um pedido para acumular o seu salário com o de desembargadora aposentada, o que lhe garantiria vencimento bruto de R$ 61,4 mil. Em 207 páginas, ela reclama que, por causa do teto constitucional, só pode ficar com R$ 33,7 mil do total das rendas. A ministra diz que essa situação, “sem sombra de dúvidas, se assemelha ao trabalho escravo, o que também é rejeitado, peremptoriamente, pela legislação brasileira desde os idos de 1888 com a Lei da Abolição da Escravatura”.

Sobra pouco. Luislinda justifica no documento que, por causa da regra do abate-teto, pela qual nenhum servidor ganha mais do que um ministro do Supremo, seu salário de ministra cai para R$ 3.292 brutos. O de desembargadora, de R$ 30.471,10, é preservado.

Ops. Ao citar a Lei Áurea, a ministra Luislinda comete um deslize. Ela diz que a norma “recebeu o número 3533”, quando a lei sancionada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888 é a 3353.

Com a palavra
. Procurada durante todo o dia de ontem para comentar o assunto, a ministra disse, por nota, que “não vai se pronunciar a respeito”. Filiada ao PSDB, ela assumiu a pasta em fevereiro deste ano.

Argumentos. No documento, Luislinda diz que “ao criar o teto remuneratório, não se pretendeu, obviamente, desmerecer ou apequenar o trabalho daquele que, por direito adquirido, já percebia, legalmente, os proventos como sói acontecer na minha situação”.

Definição. O Código Penal define trabalho análogo ao de escravo o que submete a pessoa a condições degradantes, jornada exaustiva, trabalho forçado, cerceamento de locomoção e servidão por dívida.

Benefícios. Como ministra, Luislinda tem direito a carro com motorista, jatinhos da FAB, cartão corporativo, imóvel funcional e a salário de R$ 30,9 mil.

É histórico. Nas terras onde o Plano Piloto foi construído, o último registro de trabalho escravo foi no século XIX. A região, onde está a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes pertencia a Goiás.

Veja trechos dos documentos assinados pela ministra Luislinda Valois:







Veja o contra-cheque de Luislinda como ministra com o abate-teto de R$ 27 mil:


Veja o contra-cheque de Luislinda como desembargadora aposentada:

Mais ocupação, menos emprego - CELSO MING

ESTADÃO - 02/11

O crescimento do trabalho informal não pode ser avaliado apenas como defeito conjuntural; o mundo do Trabalho passa por grandes mudanças


O desemprego recuou, mas a maior parte dos novos postos de trabalho é informal ou, simplesmente, corresponde a atividades “por conta própria”. É o que se viu nas estatísticas do IBGE, que acusaram queda no desemprego de 13,7%, pico registrado no trimestre terminado em março, para 12,4%, no trimestre terminado em setembro.

É uma situação que assegura mais poder aquisitivo, que vem beneficiada por outro fator: pela derrubada da inflação e, portanto, pela menor corrosão da renda com o aumento de preços. Mas à custa da queda das ocupações com carteira assinada.

Algumas avaliações sobre esse comportamento do emprego sugerem que o crescimento do trabalho informal e autônomo não passa de defeito conjuntural, digamos, da atual fase de retomada da atividade econômica. E que, mais à frente, o emprego volta a ser o que era.

Não dá para desfazer totalmente essa impressão. A recuperação por aqui é lenta e sujeita a instabilidades. Ninguém sabe, por exemplo, em que mãos vai ficar o comando político a partir de 2019. São fatores que freiam não só o investimento, mas, também, a contratação de pessoal. E, se esses obstáculos forem superados, será inevitável maior crescimento do emprego formal.

Mas não dá para contar com virada substancial no mercado de trabalho. Esta Coluna vem advertindo de que o emprego, tal como o conhecemos, passa por rápidas transformações, à medida que o setor de serviços segue absorvendo a maior parte da mão de obra e à medida que a tecnologia de informação, a internet, a inteligência artificial e toda sorte de aplicativos transformam as atividades profissionais.

Categorias profissionais importantes estão sendo atingidas pela modernidade. Os bancos, por exemplo, estão fechando agências e deixando de contratar pessoal porque o celular e os aplicativos substituem os caixas convencionais. Tendência parecida acontece no comércio, à medida que as compras eletrônicas dispensam lojas e vendedores. Tem o Uber, o Cabify e tantas outras virações que proporcionam atividades com remuneração até melhor do que o contrato de trabalho com registro em carteira. Os tempos que vêm aí poderão proporcionar trabalho e ocupação, mas não emprego.

Daí, dois efeitos colaterais perversos: a redução do arrecadação do Imposto de Renda na fonte sobre os salários; e a redução da arrecadação da Previdência Social, que já vem sendo fortemente prejudicada pelas aposentadorias precoces e pelo aumento da expectativa de vida da população.

Pode-se argumentar que o trabalho autônomo também está sujeito às regras do Imposto de Renda e das contribuições para a Previdência. No entanto, a falta de comprovação leva os contribuintes ou a fugir dos pagamentos ou a recolher valores mínimos. Além disso, no caso da Previdência, deixa de existir a contribuição do empregador.

Ou seja, além dos rombos já existentes, as mutações no trabalho tendem a criar problemas adicionais.

CONFIRA

» Marcha lenta

Não dá para comemorar demais o crescimento industrial de setembro, de 0,2% sobre agosto, perfazendo um acumulado de 1,6% nos nove primeiros meses do ano. A recuperação é lenta e desigual, mas promissora. O resultado ficou algo aquém do esperado mas, o principal indicador a considerar é a recuperação do poder aquisitivo da população, pelo aumento da ocupação e queda da inflação (como apontado no corpo desta Coluna), fator que tende a empurrar a indústria nos próximos meses.

Bancões pouco animados com 2018 - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 02/11

Itaú e Bradesco não parecem assim animados com a recuperação econômica em 2018, a julgar pelas estimativas de crescimento do crédito desses dois bancões. Não foi o único copo de água fria em quem imaginava um crescimento maior do que o ora previsto para o ano que vem, de 2% e uns trocados.

Os resultados de indústria, comércio e serviços foram fracos no terceiro trimestre, pelo que se sabe até agora. A perspectiva de aumento de salário no ano que vem está sobre o muro, sub judice. Se o investimento federal "em obras" não diminuir em 2018, será um milagre. O investimento privado é um mistério emparedado entre o receio do resultado da eleição e a capacidade ociosa das empresas.

Mais animadores são os números da confiança de indústria, comércio, serviços e empresários. Estão em alta e, na média, voltaram ao mesmo nível de meados de 2014, o que não é lá grande coisa, mas freia receios maiores sobre 2018. Os consumidores, porém, ainda estão com o pé atrás.

BANCOS

O crédito no país pode crescer até 5% no ano que vem, disse o pessoal do Bradesco ao apresentar o balanço do terceiro trimestre (descontando a inflação, dá 1%. Muito pouco). Para quem prefere ver copos meio cheios, seria um avanço, pois, de setembro de 2016 a setembro de 2017, o recuo da carteira de crédito do banco foi de 6,7%. Neste ano, a baixa do crédito no país anda pela casa de 2% (levando em conta a inflação, uns 5%).

No Itaú, o crédito encolheu 5% até setembro. Para 2018, o banco estima crescimento entre nada e 4% de sua carteira de empréstimos –mais provável que fique mais perto de nada.

Bradesco e Itaú têm cerca de um terço dos empréstimos bancários do país. Logo, indicam para onde o vento sopra. No caso de outros bancos maiores do país, a Caixa, por exemplo, está com a língua de fora, sem capital. O BNDES vai continuar sob lipoaspiração.

SALÁRIOS

O aumento da média dos salários neste ano parece bem razoável, 2,4% sobre setembro de 2016, segundo o IBGE, em termos reais (isto é, descontada a inflação). No entanto, foi a inflação que fez parte boa do serviço de sustentar o poder de compra.

Os salários vinham com reajustes nominais altos, de 7% até meados do ano. Como a inflação caiu bem além da conta, houve ganhos inesperados de renda. Em setembro, porém, o ritmo do aumento nominal dos salários baixou a 4,9% ao ano. A inflação, por sua vez, deve sair da casa dos 3% para 4% em 2018.

Em tese, os reajustes nominais devem ser agora mais contidos, justamente por causa da inflação baixa deste 2017 e porque, enfim, há sobra de trabalho, desemprego enorme. Ou seja, há risco de os aumentos reais de salário estagnarem ou minguarem.

A compensação pode vir por meio do aumento da massa de rendimentos (total dos salários, digamos) devido ao aumento da ocupação. Isto é, com mais gente trabalhando, pode haver mais dinheiro para consumo. Um resto de ânimo pode vir da queda da despesa das famílias com o pagamento de suas dívidas, que continua.

Mas, como se nota, ainda estamos catando moedas a fim de manter a esperança de crescimento melhor em 2018.

Milagres acontecem. Desastres também - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O Globo - 02/11


O perigo é quando agendas são mentirosas, candidatos mais fortes se desviam das principais questões e vendem soluções fáceis


Muita gente está desanimada com o cenário para as eleições presidenciais de 2018. E — quer saber? — o quadro, visto de hoje, mostra uma polarização perigosa. Esclarecendo: a polarização não é necessariamente perigosa. Não raro as sociedades ficam diante de opções opostas, entre uma agenda liberal e outra de esquerda, por exemplo. O perigo é quando as agendas são mentirosas, quando os candidatos mais fortes se desviam das principais questões e vendem soluções fáceis.

Para quem acha que isso está por acontecer no Brasil, sugiro voltarmos a 1992. Collor caiu, Itamar Franco assumiu em meio a uma crise econômica parecida com o pós-Dilma, recessão com inflação, mas ainda pior porque o país não tinha moeda com um mínimo de credibilidade. Haviam circulado nada menos que cinco moedas desde 1985, ano da redemocratização.

Em poucos meses de governo, Itamar teve três ministros da Fazenda. As expectativas só pioravam diante do então evidente despreparo do presidente para lidar com tamanha crise. No meio disso, Itamar recebe uma mensagem iluminada sabe-se lá de onde e nomeia Fernando Henrique Cardoso ministro da Fazenda. Talvez ninguém tenha sido mais surpreendido do que o próprio FHC, até então um satisfeito ministro das Relações Exteriores.

A escolha não entusiasmou. De fato, foi recebida com algum ceticismo. Fernando Henrique tinha mais credibilidade do que seus antecessores no cargo, mas não era economista nem especialmente familiarizado com a prática de política macroeconômica.

Foi, portanto, uma boa surpresa quando FHC, sociólogo do campo da esquerda à moda europeia, montou uma equipe com economistas de primeira e deu início a um programa claro: liquidar a inflação, introduzir a nova moeda e reformar as instituições econômicas na linha mais liberal e ortodoxa.

Deu no Plano Real e na eleição de FHC, em primeiro turno, em 1994 e 98, batendo Lula nas duas vezes. Não parecia, mas acabou sendo o homem certo na hora exata em que o país mais precisava.

O Real não foi apenas a introdução de uma moeda estável, reconhecida como tal pela população, mas o início de uma sequência de reformas que retiraram o caráter estatizante da Constituição de 1988. Modernizou a administração, do Ministério da Fazenda às estatais e bancos públicos, e introduziu a noção e as leis de responsabilidade fiscal.

Portanto, pessoal, milagres acontecem, e sempre há um jeito de sair da crise. Esta história parece dar razão à tese segundo a qual a sociedade encontra o líder de que precisa na hora em que precisa. A crise gera sua solução. Acrescente aí a doutrina econômica das expectativas racionais — as pessoas sempre tomam as decisões mais racionais e mais adequadas a seus interesses e necessidades — e pronto, é só esperar que surja o FHC de 2018.

Fácil demais, simples demais para ser verdade. O prêmio Nobel de economia deste ano, Richard Thaler, demonstra exatamente o contrário, que as pessoas frequentemente tomam decisões irracionais, contrárias a seus interesses. Falava das decisões econômicas, pessoais, mas pode-se aplicar à política. Quantos povos em quantos países não votam de maneira totalmente equivocada?

Ou seria Trump um líder selecionado pela História? E Dilma? Temer?

Por outro lado, é um fato que os franceses, colocados diante de radicais de esquerda (Mélenchon) e de direita (Marine Le Pen) e representantes da velha política, elegeram Macron, que se apresentou com uma agenda clara de reformas ditas impopulares (previdência, com aumento da idade mínima, trabalhista, com aumento da jornada de trabalho, e privatizações).

Portanto, pessoal, o Brasil não está perdido. Tampouco está salvo.


COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

DIÁRIO DO PODER - 02/11

ANS LAVA AS MÃOS DIANTE DA GANÂNCIA DOS PLANOS

É dever da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) “assegurar o interesse público” no setor dos planos de saúde, como manda a lei 9.961/2000, que a criou, mas, na prática, quer mais é “fortalecer” a “boa gestão e a sustentabilidade das empresas”, como se fosse uma associação de planos de saúde. A ANS lava as mãos diante da falta de escrúpulos de planos de saúde: não interfere no reajuste de contratos coletivos (ou empresariais), os únicos disponibilizados no mercado.

BURLA IMPUNE
A ANS não age contra a burla dos planos de saúde ao Estatuto do Idoso, que proíbe valores maiores após os 60 anos do segurado.

BRASILEIROS ASSALTADOS
A burla dos planos de saúde, sem qualquer punição, é aumentar as mensalidades em até 100% no aniversário de 59 anos do segurado.

MÃOS DE PILATOS
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) aponta aumentos de até 73,3% em planos coletivos, sem qualquer intervenção da ANS.

REAJUSTE ABUSIVO
A ANS só cuida dos planos individuais, em extinção. Mesmo assim, reajustou-os em 13,5%. Novo abuso: a inflação anual não chega a 3%.

INGRATIDÃO DE EX-SECRETÁRIA ESTARRECE O PLANALTO
O Planalto está às voltas com um caso espantoso até para os padrões da política brasileira. É que o governo Michel Temer investiu na eleição de Flavia Piovesan, secretária de Direitos Humanos, à vaga na Comissão de Direitos Humanos da OEA, a Organização dos Estados Americanos, mas, depois de eleita, ela desatou a falar mal do governo. Temer gostava muito da moça desde quando orientou sua tese de mestrado. Procurada por meio de sua assessoria, ela não retornou.

ZERANDO DÍVIDA
Piovesan se empenhou para o governo pagar US$8 milhões devidos junto à OEA. Sem isso, sequer poderia concorrer à vaga que ganhou.

APOIO TOTAL
Embaixadores do Brasil pediram voto aos governos membros da OEA. E Temer até disponibilizou jato da FAB para a campanha de Piovesan.

TOMA LÁ, DÁ CÁ
O chanceler Aloysio Nunes pediu votos dos seus homólogos para a secretária, e o Brasil até trocou votos na OEA para garantir a vaga.

RETROCESSOS, NÃO
O senador Romero Jucá (PMDB-RR) diz que vai sair até o fim do mês a Medida Provisória da reforma trabalhista. A torcida é que o governo não restabeleça a excrescência da contribuição sindical obrigatória.

ESTÁTUA PARA TORQUATO
Em vez de Pezão incomodar Torquato Jardim com uma “interpelação judicial”, deveria homenageá-lo. Até para mostrar, se é inocente, que nada tem com a promiscuidade denunciada pelo ministro da Justiça.

FALTA MUITO POUCO
A partir de quinta (2) faltam 339 dias para a eleição 2018, que definirá o próximo presidente da República, governadores dos 26 estados e do DF, além de 513 deputados federais de dois terços (54) do Senado.

A PRÓXIMA VÍTIMA
Prevalecendo a inviabilização do aplicativo de transporte Uber, entidades de bancários planejam tentar proibir aplicativos para acessar bancos via celular. Alegam que “elimina empregos”.

SIMPÓSIO NO AMAZONAS
Três importantes ministros debaterão o papel das Ouvidorias na crise, em simpósio do Tribunal de Contas do Amazonas, dias 16 e 17: Marco Aurélio (STF), Mauro Campbell (STJ) e Walton Rodrigues (TCU).

A BANCA DO DISTINTO
O departamento de “pesquisa macro” do Banco Itaú Unibanco produziu estudo para orientar investidores estrangeiros em relação às eleições no Brasil, em 2018. Lula aparece em 39 das 89 páginas do relatório.

JUSTIÇA X FACEBOOK
Juiz de Anápolis (GO) intimou o Facebook a informar os dados do autor de perfis falsos usando uma adolescente. Fixou multa diária de R$1 mil e acusou a empresa de “atos omissivos mais graves” que o acusado.

ROMBO 2018
Apesar de garantir que o governo pretende “descontingenciar” verbas, o ministro Dyogo Oliveira (Planejamento) avisou ontem que, para 2018, “não está sobrando dinheiro”. O rombo continua enorme.

PENSANDO BEM...
...só políticos do Rio se ofenderam com a afirmação do ministro da Justiça de que, por lá, o comando da polícia e tráfico se relacionam.

Precisamos voltar a falar de delações premiadas - ROBERTO SOARES GARCIA

FOLHA DE SP - 02/11

O naufrágio da delação dos donos e executivos da J&F, a aparente defesa de interesse deles por procurador da República quando ainda integrava a Lava Jato, o malogro da delação de Delcídio do Amaral, além da concessão de prêmios nada razoáveis a delatores, como é o caso da pena que Sérgio Machado cumpre em mansão à beira-mar, trouxeram dúvidas a respeito do instituto da delação premiada.

Surpreende-me que os questionamentos se limitem ao debate sobre a necessidade de melhor regulação do instrumento processual, quando, na verdade, as chagas expostas deveriam apontar para sua extirpação do ordenamento.

Antes de mais, vale informar que não se trata de mecanismo há muito em uso no direito brasileiro.

Ainda no Império, as Ordenações Filipinas autorizaram que o traidor de Tiradentes pudesse assistir de longe ao enforcamento e esquartejamento do alferes. A legislação penal republicana repeliu a delação premiada, até que, no fim do século 20, a reinserimos para o combate ao tráfico de entorpecentes e à extorsão mediante sequestro.

Nesses casos graves, digo logo, pouco se ouviu falar em delações.

A Lei 12.850, de 2013, robusteceu a disciplina da delação, dando impulso à concessão de prêmios a delatores. Pouca notícia há de que o instrumento tenha valido para desbaratar grupos de traficantes, mercadores de armas ou para colocar em prisões organizações perigosas de ladrões de banco, por exemplo.

Utilizamos a delação para atacar a corrupção, em que o traço de violência se restringe ao discurso dos procuradores, que dizem que os valores desviados de cofres públicos matam porque o pobre não tem atendimento de saúde adequado.

Se os recursos não tivessem sido desviados, os aparelhos de saúde seriam de outro mundo...

Fosse assim tão simples, os procuradores deveriam denunciar corruptos e corruptores pelas mortes havidas nos hospitais públicos, em vez de conchavar-se com os ladravazes, não? Mas a prática brasileira tem mostrado concessão de impunidade total ou parcial a bandidos que chegam a bom termo com o Ministério Público.

Fizemos da Lava Jato um patrimônio nacional. Qualquer palavra que se diga contra seus métodos faz do argumentante traidor da pátria, amante do malfeito, quando, na verdade, quem dá mãos ao crime, na forma de concessão de benesses a criminosos, não é quem expõe os problemas do instituto.

Note-se que o Brasil, hoje, não mais espera pela descoberta de um crime, com a punição do criminoso, depois do devido processo legal.

Estamos hipnotizados pela dinâmica de impor prisão temporária ou condução coercitiva, ameaçar transformá-las em preventiva, conseguir delação e partir para a próxima condução coercitiva, enquanto escondemos a ineficiência do sistema, revelada pela desconstrução da delação de Delcídio, ao lado da leniência com o malfeito, escancarada pela imunidade outorgada a Joesley e companhia e ao prisioneiro à beira-mar Sérgio Machado.

Nesse meio do caminho, dignidades são destruídas, muita vez injustamente, o que poderia ser evitado se as autoridades voltassem a investigar em vez de se limitarem a apostar nas próximas delações.

O problema não é de falta de regulamentação, mas de princípio: a traição que integra a essência do instituto da delação, ao ser adotada pelo Estado para premiar quem praticou crime, corrompe o sistema penal e a própria sociedade —que não percebe que, desde os tempos da vovó, a traição não é conduta a ser incentivada por prêmios.

ROBERTO SOARES GARCIA, 46, advogado criminal, integra a defesa do presidente Michel Temer e atuou como advogado de acusados da Odebrecht na Operação Lava Jato, sem ter participado de acordos de delação firmados; foi vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e coordenador da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP

Investigações em curso - MERVAL PEREIRA

O Globo - 02/11

Se causaram rebuliço entre políticos e autoridades estaduais, as declarações do ministro da Justiça, Torquato Jardim, sobre a contaminação política do crime organizado nas forças policiais não surpreenderam os cariocas e os que acompanham a situação da segurança pública no Rio.

Os políticos que saíram em defesa das corporações o fizeram corretamente para evitar generalizações, mas eles certamente sabem o que acontece em setores da segurança do estado. Essa promiscuidade não é inerente às forças policiais do Rio, mas acontece em todos os lugares em que o combate ao crime organizado está em andamento.

A célebre história do policial Sérpico, em Nova York, que ajudou a desbaratar quadrilhas de criminosos que atuavam dentro da polícia nova-iorquina, transformada em filme de sucesso com Al Pacino, foi lembrada ontem pelo deputado Miro Teixeira.

O que milhões de pessoas viram nos filmes “Tropa de Elite”, 1 e 2, citados pelo ministro Torquato Jardim como situações que voltamos a viver no Rio depois de um breve intervalo em que as Unidades Pacificadoras funcionaram, era ficção baseada na realidade.

A Força-Tarefa que foi criada recentemente pela Procuradoria-Geral da República, a pedido do ministro da Defesa, Raul Jungmann, tornou-se necessária justamente devido à situação específica do Rio, em que a corrupção política abriu caminho para a atuação do crime organizado dos traficantes e dos milicianos.

Os precedentes de sucesso no Acre e, sobretudo, no Espírito Santo, estados que já estiveram dominados pelo crime organizado comandado pela classe política, mostram que a criação de uma Força-Tarefa para combater o crime organizado, sem prazo determinado, com uma visão de longo prazo e sem estar atrelada a mandatos governamentais, é o melhor caminho para restabelecer a supremacia da lei no Estado do Rio.

Como já escrevi aqui, a criação dessa força-tarefa, reunindo equipes do Ministério Público Federal, da Justiça Federal, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, surgiu do diagnóstico das forças de segurança de que o estado foi capturado pela corrupção e pela criminalidade, ambos se cruzando.

Temos cerca de um milhão de pessoas no Rio de Janeiro vivendo em um estado de exceção, sob o controle de bandidos, milicianos ou traficantes. Quem tem esse controle sobre o território tem o controle político, é capaz de direcionar votos, de eleger seus representantes, fazer seus aliados, que se encontram na Câmara Municipal, na Assembleia Legislativa e mesmo no Congresso Nacional.

Isso significa que são capazes de colocar seus prepostos dentro do aparato de segurança. No Rio de Janeiro, alguém dessa ligação pode indicar um chefe de batalhão, um delegado e assim por diante. Essa prática, comum no estado, em algum momento voltou, e a captura de postos-chaves no aparato de segurança por indicações políticas acabou sendo uma realidade novamente no governo estadual, envolvido profundamente na corrupção e na proteção de quadrilhas, segundo diagnóstico original dos serviços de inteligência.

Sempre que as Forças Armadas são chamadas a intervir no Rio, devido ao recrudescimento da ação dos bandidos, há um desconforto que não é explicitado formalmente na relação com as polícias locais. Não é possível generalizar, e esse certamente foi um erro do ministro Torquato Jardim, mas a citação de que ações sigilosas vazam com frequência é de conhecimento de todos dentro dos setores de segurança.

Tanto que a Força-Tarefa recém-criada é federal, terá a participação das polícias do Rio em posição secundária. O Rio necessita de uma força-tarefa federal para dar conta, sobretudo, de um estado paralelo, classificado pelas análises dos serviços de informação como “capturado pelo crime organizado”.

Foi a partir das informações dos serviços de inteligência do Exército e da Polícia Federal que o ministro Torquato Jardim soltou informações importantes sobre a segurança pública no Rio, e não foi à toa o que disse. A hipótese mais provável é que ele tenha falado para fazer andar as investigações, que estariam paradas por pressões políticas.

O improvável é que ele tenha sido leviano, o que falou, primeiro para o blog de Josias de Souza, depois para O GLOBO, foi com base em investigações que estão sendo feitas no Rio desde a intervenção das Forças Armadas. Não adianta o governo do estado nem a PM reclamarem; o sistema de inteligência do Exército está atuando. O ministro sabe certamente o nome dos políticos que estariam envolvidos nesse conluio, e os indícios das investigações levaram às suas declarações. E certamente levarão a ações concretas de repressão.

Aplicativos na mira - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 02/11

Para motoristas e usuários, a vantagem básica de aplicativos de transporte como Uber, Cabify e 99 está em sua flexibilidade.

Levar passageiros pode ser a atividade principal do condutor ou apenas uma forma de complementar a renda. Para ingressar no trabalho, basta que possua ou alugue um automóvel, sem a necessidade de se submeter aos ditames que regem os taxistas.

A população ganha, dessa maneira, a oferta de um serviço de fácil acesso e em geral mais barato.

Nesse contexto, é positivo que o Senado, nesta terça-feira (31), tenha abrandado um projeto destinado a regulamentar tais aplicativos, que agora retornará à análise da Câmara dos Deputados.

A proposta original impunha tantas exigências aos motoristas vinculados ao Uber e seus congêneres que praticamente os igualava aos choferes de praça.

Os senadores fizeram bem ao eliminar do texto a exigência de que os veículos tenham placa vermelha, pertençam ao condutor e só possam rodar no município em que estão registrados.

Parece excessiva, contudo, a retirada da possibilidade de regulação por parte das prefeituras. Mais que razoável, é necessário, por exemplo, que o serviço seja tributado, tanto para compensar o município pelo sobreuso das vias como para equilibrar a concorrência.

No caso da cidade de São Paulo, uma solução inteligente foi impor uma taxa progressiva conforme a distância percorrida.

De todo modo, o projeto ainda tende a sofrer alterações na Câmara, onde é mais forte o lobby antiaplicativos —lá opera, inclusive, uma certa "Frente Parlamentar em Defesa dos Interesses da Classe dos Taxistas", que reúne cerca de 200 dos 513 deputados.

Não soa improvável, portanto, que a Casa rejeite as mudanças promovidas pelos senadores, hipótese em que o texto voltaria à forma original e seguiria para a sanção do presidente da República.

Felizmente, a equipe de Michel Temer (PMDB) já dá sinais, segundo se noticia, de que não gostaria de ver retrocessos nessa questão. Presume-se, assim, que serão vetadas eventuais cláusulas draconianas na regulamentação.

Há que zelar, sim, pela concorrência justa e pela segurança de passageiros e profissionais. O que não se pode é inviabilizar um serviço de ampla aceitação pelos consumidores apenas em nome dos interesses de uma corporação.

A política pública, aqui, deve ter como norte a mobilidade urbana, que certamente tem muito a se beneficiar das novas tecnologias.