sábado, junho 30, 2012

As raízes do racismo - DRAUZIO VARELLA


FOLHA DE SP - 30/06


Consideramos membros de nosso grupo mais justos, inteligentes e honestos do que integrantes de outros

Somos seres tribais que dividem o mundo em dois grupos: o "nosso" e o "deles". Esse é o início de um artigo sobre racismo publicado na revista "Science", como parte de uma seção sobre conflitos humanos, leitura que recomendo a todos.

Tensões e suspeições intergrupais são responsáveis pela violência entre muçulmanos e hindus, católicos e protestantes, palestinos e judeus, brancos e negros, heterossexuais e homossexuais, corintianos e palmeirenses.

Num experimento clássico dos anos 1950, psicólogos americanos levaram para um acampamento adolescentes que não se conheciam.

Ao descer do ônibus, cada participante recebeu aleatoriamente uma camiseta de cor azul ou vermelha. A partir desse momento, azuis e vermelhos faziam refeições em horários diferentes, dormiam em alojamentos separados e formavam equipes adversárias em todas as brincadeiras e práticas esportivas.
A observação precisou ser interrompida antes da data prevista, por causa da violência na disputa de jogos e das brigas que irrompiam entre azuis e vermelhos.

Nos anos que se seguiram, diversas experiências semelhantes, organizadas com desconhecidos reunidos de forma arbitrária, demonstraram que consideramos os membros de nosso grupo mais espertos, justos, inteligentes e honestos do que os "outros".

Parte desse prejulgamento que fazemos "deles" é inconsciente. Você se assusta quando um adolescente negro se aproxima da janela do carro, antes de tomar consciência de que ele é jovem e tem pele escura, porque o preconceito contra homens negros tem raízes profundas.

Nos últimos 40 anos, surgiu vasta literatura científica para explicar por que razão somos tão tribais. Que fatores em nosso passado evolutivo condicionaram a necessidade de armar coligações que não encontram justificativa na civilização moderna? Por que tanta violência religiosa? Qual o sentido de corintianos se amarem e odiarem palmeirenses?

Seres humanos são capazes de colaborar uns com os outros numa escala desconhecida no reino animal, porque viver em grupo foi essencial à adaptação de nossa espécie. Agrupar-se foi a necessidade mais premente para escapar de predadores, obter alimentos e construir abrigos seguros para criar os filhos.
A própria complexidade do cérebro humano evoluiu, pelo menos em parte, em resposta às solicitações da vida comunitária.

Pertencer a um agrupamento social, no entanto, muitas vezes significou destruir outros. Quando grupos antagônicos competem por território e bens materiais, a habilidade para formar coalizões confere vantagens logísticas capazes de assegurar maior probabilidade de sobrevivência aos descendentes dos vencedores.
A contrapartida do altruísmo em relação aos "nossos" é a crueldade dirigida contra os "outros".

Na violência intergrupal do passado remoto estão fincadas as raízes dos preconceitos atuais. As interações negativas entre nossos antepassados deram origem aos comportamentos preconceituosos de hoje, porque no tempo deles o contato com outros povos era tormentoso e limitado.

Foi com as navegações e a descoberta das Américas que indivíduos de etnias diversificadas foram obrigados a conviver, embora de forma nem sempre pacífica. Estaria nesse estranhamento a origem das idiossincrasias contra negros e índios, por exemplo, povos fisicamente diferentes dos colonizadores brancos.
Preconceito racial não é questão restrita ao racismo, faz parte de um fenômeno muito mais abrangente que varia de uma cultura para outra e que se modifica com o passar do tempo. Em apenas uma geração, o apartheid norte-americano foi combatido a ponto de um negro chegar à Presidência do país.

O preconceito contra "eles" cai mais pesado sobre os homens, porque eram do sexo masculino os guerreiros que atacavam nossos ancestrais. Na literatura, essa constatação recebeu o nome de hipótese do guerreiro masculino.

A evolução moldou nosso medo de homens que pertencem a outros grupos. Para nos defendermos deles, criamos fronteiras que agrupam alguns e separam outros em obediência a critérios de cor da pele, religião, nacionalidade, convicções políticas, dialetos e até times de futebol.

Demarcada a linha divisória entre "nós" e "eles", discriminamos os que estão do lado de lá. Às vezes com violência.

Revolução quase silenciosa - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 30/06


SÃO PAULO - Dados do IBGE mostram que a proporção de católicos no Brasil continuou caindo entre 2000 e 2010 e que, pela primeira vez, verificou-se também uma redução em seu número absoluto. Isso tudo era mais ou menos esperado. A questão que intriga os especialistas é saber se há ou não um fundo do poço, um piso abaixo do qual os católicos não despencam.

E uma análise dos números de 2010 sugere que não. No ainda inédito artigo acadêmico "A dinâmica das filiações religiosas no Brasil entre 2000 e 2010", os demógrafos José Eustáquio Diniz Alves, Luiz Felipe
Walter Barros e Suzana Cavenaghi mostram que a população evangélica tem proporcionalmente mais mulheres e jovens, e menos idosos. Isso significa que apenas pelo efeito da inércia demográfica, ou seja, mesmo que não houvesse novas conversões, o rebanho evangélico já cresceria mais do que o católico.

Mais interessante ainda, o texto mostra que o colar da região metropolitana do Rio de Janeiro, excluída a capital, funciona como uma espécie de "eu sou você amanhã" para o Brasil. O que ocorre nessa área em termos de religião acaba se repetindo no país 20 ou 30 anos depois.

E, olhado para esse conurbado, verificamos que os católicos são só 39%, enquanto os evangélicos já chegam a 34%. Mantidas as tendências atuais, no Brasil, até 2030, os católicos serão menos de 50% e, até 2040, deverá haver empate entre as filiações de católicos e evangélicos. Detalhe importante: os católicos caem com mais rapidez onde é maior a pluralidade de denominações. Ou seja, diversidade gera diversidade.

Ao que tudo indica, o Brasil caminha para um feito relativamente raro na história das nações, que é o de mudar sua religião hegemônica. E deve fazê-lo sem derramamento de sangue ou autos de fé. Só não será uma revolução silenciosa, brincam os autores, porque evangélicos não costumam respeitar a lei do silêncio.

O mundo futuro - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 30/06

O empresário Roberto Teixeira da Costa escreveu para o próximo numero da revista Política Externa um artigo onde relata recente debate ocorrido no Instituto Fernando Henrique Cardoso intitulado “Global Trends 2030”(Tendências Globais 2030) liderado por representantes do ESPAS – EuropeanStrategic and Policy Analysis; da ISS – European Union Institute for Securities Studies; The Office of the Director of National Intelligence dos Estados Unidos; e do Atlantic Council, com a participação da FGV do Rio de Janeiro,representada pelo economista Marcelo Neri.

Na ocasião foi distribuído um livro cujo título “Citizens in an Interconnected and Polycentric World” (Cidadãos num mundo interconectado e policentrico) define bem a visão de futuro do grupo: um mundo cada vez mais interconectado, com vários centros de decisão.

A seguir, algumas conclusões e observações dos participantes anotadas pelo empresário.

O empoderamento dos indivíduos contribuirá para que adquiram o crescente sentimento de pertencer a uma única comunidade humana.

O mundo policêntrico será caracterizado pela mudança de poder dos Estados, e crescentes deficiências dos Governos, sem responder de maneira adequada às demandas públicas globais.

A convergência de preocupações e a crescente vocalização de demandas serão enorme fator de contrastes com a capacidade dos governos de atendê-las, particularmente aquelas referentes à melhoria da qualidade da vida.

Esse “gap” será uma fonte permanente de tensão e conflitos sociais, podendo ser agravado pela ineficácia dos governantes.

De acordo com as Nações Unidas, em 2030 a população mundial atingirá 8,3 bilhões de pessoas.Grande parte desses indivíduos ganhará maior poder pelos progressos sociais e tecnológicos.

Nas últimas décadas o grande motor desse empoderamento foi a emergência de uma classe média, particularmente na Ásia,com acesso à educação aproximando-se de padrões mundiais pelos efeitos da informação e da comunicação tecnológica e também com a evolução do “status” das mulheres na maioria dos países.

Em 1990, cerca de 73% da população mundial sabia ler e escrever. Em 2010 atingiu 84% e estima-se que em 2030 chegue a 90%.

A classe média aumentará sua influência, passando de 3,2 bilhões em 2020 para 4,9 bilhões em 2030. Estima-se que esses cidadãos serão mais influentes que os antecessores de gerações passadas.

De qualquer forma, apesar dessas progressões, quando um número crescente de pessoas for beneficiado pela “era da informação”, diminuindo o chamado “digital divide” (a projeção é que em 2030 metade da população terá acesso a internet), muitos indivíduos, quer por falta de eletricidade, analfabetismo, ou ausência de acesso a telefones celulares,continuarão marginalizados.

O aumento da classe média, não resolverá uma persistente pobreza e desigualdade. Uma classe média burguesa emergirá na América Latina e Ásia.

De qualquer forma, segundo relatório recente do Banco Mundial (2011) entre 2005 e 2008- desde a África sub saariana até a América Latina, e desde a Ásia até a Europa Oriental, a proporção de pessoas que vivem na pobreza extrema (em renda inferior a US$ 1,25 por dia) vem diminuindo.

O fortalecimento dos indivíduos também terá consequência, particularmente na sociedade civil, tendo grande impacto em como as políticas públicas serão conduzidas.

Usuários da internet poderão ser motivados a um maior engajamento em assuntos de natureza política. O temor é que todas demandas sociais, justas ou não, farão enorme pressão sobre as instituições e partidos democráticos, podendo abrir espaço para um populismo radical, cuja saída poderá caminhar para a tentação do autoritarismo.

Apesar do progresso, sistemas educacionais fracos e o prevalecimento de doenças (epidêmicas ou não), continuarão sendo uma pesada carga para o desenvolvimento humano.

A corrupção será um fator de restrição ao desenvolvimento sustentável, funcionando como um dos principais obstáculos à inclusão social e`a operacionalidade da economia de mercado.

As mudanças climáticas trarão sérias conseqüências e afetarão os padrões de vida e de segurança pública pela exarcebação da falta de água e de alimentos.

A degradação ambiental provocará desastres humanitários, inclusive com a desertificação e enchentes de grande escala em algumas regiões.

Maior “stress” no desenvolvimento sustentável, tendo como pano de fundo maior escassez de recursos e persistente pobreza, potencializada por mudanças climáticas.

A água será um fator desestabilizador entre países fronteiriços, como por exemplo, China e Índia. Tensões pela disputa entre países por matérias primas poderão vir a acontecer.

A competição por recursos vai exarcebar tensões e provocará conflitos. Crise de energia sensibilizará e demonstrará que estaremos penetrando em uma “era de escassez”.

O modelo de economia de mercado prevalecente no desenvolvimento continuará sendo questionado. Os governos financiarão mais projetos de pesquisa para energias limpas e renováveis, que poderão ser insuficientes, ou que os obrigará, desde já, a tomar séria iniciativas para melhorar e buscar maior eficiência energética.

Na questão de segurança humana e da proteção dos cidadãos, muito embora seja um tema sempre presente, não se imaginam guerras entre os superpoderes, como também está descartada uma maior conflagração envolvendo armamentos químicos, biológicos ou nucleares nas próximas duas décadas.

Conflitos motivados por nacionalismo e políticas de identidade extremista poderão acontecer, assim como (associadas ou não) a massacres genocidas. Serão a preocupação principal da governança mundial.

Organizações criminosas e movimentos populistas – nacionalistas, poderão tornar os estados mais vulneráveis, como, aliás, tem acontecido em alguns países na América Latina.
O terrorismo continuará sendo grande preocupação, assim como os conflitos urbanos de baixa intensidade que não deixarão de ser considerados nas políticas de segurança interna. ( Amanhã, o Brasil e o mundo)

Futebol boa roupa - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 30/06


RIO DE JANEIRO - Uma novidade da Eurocopa é a exposição pela TV dos uniformes dos jogadores, antes do jogo, no vestiário, como que arrumadinhos por uma mãe zelosa para garotinhos a caminho da primeira comunhão. Posso ver os roupeiros se esmerando para que cada camisinha fique simétrica ao calçãozinho, enquanto os craques, de cueca, esperam que os câmeras se aviem e se mandem.

Como as camisas trazem os nomes dos jogadores, significa que os treinadores divulgaram as escalações com antecedência. O que é normal. Mas, e se um treinador tiver uma arma secreta -um jogador inesperado-, que ele só pretendia revelar a um minuto do jogo, para não dar tempo ao adversário de se precaver? Em nome da TV, isso não será mais possível.

Quando meu amigo Hans Henningsen, o "Marinheiro Sueco", me disse há 20 anos que, para a Fifa, o futuro do futebol estaria na transmissão pela TV e que o jogo no estádio seria um detalhe, não acreditei. Afinal, o que podia superar assistir a uma partida na arquibancada ou na geral, com o calor da massa ao redor? Pois esse futuro chegou.

Hoje, tanto faz que o público do jogo seja de 5.000 ou de 50 mil pessoas. Para os clubes, a cota da TV, das placas de publicidade e de outras arrecadações laterais são as mesmas. E qual é o problema com os estádios vazios? Afinal, por ordens da Fifa, estádios que comportavam 90 mil ou 120 mil pessoas não têm sido reduzidos à metade, como foi o Maracanã?

Para ela, o ideal seria que esses torcedores privilegiados fossem uma fina classe média, com carro próprio (e haja vagas de estacionamento ao redor) e boa roupa para passear pelos camarotes, sob a mira das câmeras, como coadjuvantes dos convidados e celebridades. Os pobres, os malvestidos e os desdentados, que faziam a massa da torcida, que fiquem em casa, assistindo pela televisão.

Cavendish vem aí - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 30/06

O PT desistiu de apanhar na opinião pública por impedir a convocação do empresário Fernando Cavendish (Delta) e do ex-diretor do Dnit Luiz Antônio Pagot. A vinda de ambos para depor na CPI do Caso Cachoeira será aprovada na próxima quinta-feira. Os petistas estão dizendo para os aliados, sobretudo ao PMDB, que não há mais como evitar e que o tema precisa ser tratado. Os petistas justificam que jogaram na retranca até agora para garantir a unidade da base aliada na CPI.

Fora Paraguai. Dilma aciona Adams
O advogado-geral da União, Luis Adams, viajou às pressas para Mendoza, na Argentina, na noite de quinta-feira, a pedido da presidente Dilma. Ontem, ele sustentou juridicamente o alcance da suspensão do Paraguai do Mercosul, com base no Protocolo de Ushuaia, de compromisso democrático. A decisão foi tomada, durante o café da manhã, pelos presidentes Dilma, Cristina Kirchner (Argentina) e José Mujica (Uruguai). O principal efeito prático da perda de direitos e atribuições pelo Paraguai foi a aprovação do ingresso da Venezuela no Mercosul. O Congresso do Paraguai foi o único que não votou essa autorização.

"A democracia brasileira está fragilizada. Goiás é só a ponta do iceberg. O crime organizado começou a agir na política” — Paulo Teixeira, deputado federal (PT-SP) e vice-presidente da CPI do Caso Cachoeira

ANTES E DEPOIS. O ministro Alexandre Padilha (Saúde), que esteve na Câmara, quinta-feira, para convencer os líderes aliados a não votar projeto que reduz a jornada de trabalho semanal dos enfermeiros para 30 horas, foi quem encaminhou aos sindicatos da categoria documento no qual a presidente Dilma se compromete com a proposta. Acima, publicamos a reprodução da introdução do documento com a assinatura do ministro.

Cansado de guerra
O ex-presidente Lula deveria ser a estrela das convenções do PT no fim de semana. Mas ele optou por gravar depoimentos em vídeo. Se for a algum evento, será o que confirmará Luiz Marinho como candidato à reeleição em São Bernardo do Campo.

Tucanos sem bico
O PSDB do Paraná está em situação eleitoral difícil. O governador tucano Beto Richa não conseguiu emplacar candidato a prefeito em nenhuma das cinco maiores cidades: Curitiba, Londrina, Maringá, Foz do Iguaçu e Ponta Grossa.

O PSD, Serra e o governo Dilma
Parcela expressiva da bancada do PSD está só esperando as eleições municipais passarem para iniciar negociações a fim de se integrar ao governo Dilma. A maioria dos filiados deixou o DEM na perspectiva de se aproximar do Planalto. Esse segmento do partido avalia que o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, não tinha como evitar adotar uma postura de solidariedade ao tucano José Serra, de quem herdou o mandato.

Todos os gostos
As eleições de Fortaleza podem ser as mais pulverizadas do país. Até ontem havia dez candidatos. Entre esses: Roberto Cláudio (PSB), Moroni Torgan (DEM), Elmano Freitas (PT), Marcos Cals (PSDB) e Inácio Arruda (PCdoB).

Na linha fina
O TSE, ao registrar o PSD, definiu como data para efeitos de bancada fundadora o dia 27 de outubro. Com base nisso, seus dirigentes calculam que terão dois minutos e dois segundos de tempo na TV e uma receita mensal de R$ 1,75 milhão.

COM TEMPO de TV na mão, o PSD fechou aliança em Campinas (SP) com o candidato do PT, Márcio Pochman. O novo partido indica o vice.

HOLLYWOODIANA. Na denúncia do mensalão do DEM, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, registrou: "Siga o dinheiro." Garganta Profunda (William Mark Felt) deu esse conselho a Bob Woodward, do "Washington Post".

O CLUBE de Engenharia do Rio faz homenagem na segunda-feira ao ex-presidente Itamar Franco. Itamar, que morreu há um ano, foi o primeiro engenheiro a exercer a presidência da República.

Com e sem serifa - SÉRGIO AUGUSTO


O Estado de S.Paulo - 30/06


Se você não sabe o que é serifa, melhor saltar a prosa de hoje.

Mas já que você, mordido pela curiosidade, caminhou mais sete palavras para vislumbrar onde essa lereia vai dar, esclareço: serifa é aquele traço ou espessamento que remata os terminais das letras. O logo do Sabático, por exemplo, tem serifa; o do jornal, não.

O texto que você teimou em seguir foi composto em Freight Text Book (corpo 10.3), para o jornal impresso, e em Freigth Text Light (19 pixels), para a versão online, e originalmente digitado em Calisto MT (corpo 13,5), fonte também com serifa. Dois anos atrás, o teria digitado em Caslon, Georgia, Cyan ou Mrs. Eaves, igualmente serifadas.

Sim, sou um tipomaníaco. E daqueles que não só mudam de fonte (ou tipo) como quem troca de camisa, mas até as baixam na internet, grátis e no cartão. Talvez seja uma forma de transtorno obsessivo compulsivo, tão grave quanto comprar ou refugar um livro exclusivamente pela capa, piração de que também padeço.

Se um tipo me intriga, tento identificá-lo através do fórum WhatTheFont. Foi assim que descobri qual a fonte utilizada nos créditos dos filmes de Woody Allen (Windsor) e no Kindle (PMN Caecilia), e também a existência de uma versão pirata do tipo usado nas titulações da revista The New Yorker. O que me faltava conhecer - afinal, não sou designer nem estudei paginação - aprendi com um livro que a Zahar acaba de traduzir: Esse É Meu Tipo, do jornalista inglês Simon Garfield (359 págs., tradução de Cid Knipel, R$ 44,90), um tratado de tipologia cheio de histórias saborosas, cuja leitura encherá de prazer mesmo aqueles que não sabem o que é uma ligatura ou uma palavra em versal.

Se, a exemplo da arquitetura, a tipografia expressa uma civilização, uma fonte pode definir um produto, uma instituição, e até reorientar uma campanha política, como aconteceu com a de Barack Obama, deslanchada com a britânica, "formal e dura", Gill Sans, logo substituída pela "descontraída e mais solta" Gotham, célebre por haver sido projetada para a revista GQ, na virada do milênio.

Quando a Ikea, a Tok Stok sueca, trocou seu visual (saiu Futura, sem serifa, entrou Verdana, idem), foi um deus nos acuda no mercado. Parte da frontovérsia deveu-se ao fato de a família Verdana haver sido concebida pelo britânico Matthew Carter para a Microsoft. Carter também desenhou outro must da era digital, a já citada Georgia, a de melhor leiturabilidade na tela do computador, segundo os entendidos.

A preferência por determinados tipos pode não determinar o sexo e o caráter de uma pessoa, mas esclarece um bocado sobre sua personalidade. De todo modo, assim como os homens são de Marte e as mulheres, de Vênus, as fontes grossas pesadas e com arestas pontiagudas são, tendencialmente, masculinas, e as fantasiosas, mais leves e curvilíneas, vocacionalmente femininas. Se letras usassem roupa, as cursivas vestiriam saia e todos os negritos, bombachas.

Ao primeiro sinal de insatisfação com o que escreveu ou de desânimo para iniciar um novo texto, experimente trocar sua fonte habitual (New Times Roman ou Arial, aposto) por outra, pelo tempo necessário à recuperação e à manutenção daquela velha chama. A adoção de uma nova aparência gráfica já resolveu até casos de bloqueio. Não se envergonhe de ser um Casanova tipográfico, fadado a nunca encontrar o tipo ideal, uma fonte para o resto da vida.

Das mais de 100 mil fontes existentes no mundo, as melhores e piores costumam vir de brinde nos sistemas operacionais e editores de texto. Acredita-se que com apenas meia dúzia delas (Times New Roman, Helvetica, Garamond, Calibri, Gill Sans, Verdana) conseguiríamos sobreviver condignamente.

Arial? Redundante. É a Helvetica da Microsoft. Já lhe tive afeição (na versão Narrow, uma estroinice, reconheço), como já me enrabichei por outros espécimes sem serifa (destaque para Trebuchet e Optima), que ainda considero ideais para anotações e rascunhos. Parecem menos formais e mais contemporâneas, mas a elegância não é seu principal atributo.

Os escritores americanos se amarram no Courier, corpo 12, que lhes recorda os caracteres medidos em paicas das máquinas de escrever e transmite um certo ar de transitoriedade, adequado a textos ainda abertos a alterações e aprimoramentos. Todos, sem exceção, execram o popular e infantilizado Comic Sans, que, aliás, virou judas de uma agressiva campanha na internet, aparentemente infrutífera.

Anne Fadiman se diz eclética, mas em seus livros e manuscritos rejeita qualquer fonte sem serifa derivada da Helvetica, cujo longo prestígio, notadamente em Nova York (as bancas tkts, a Bloomingdale's, a Gap, a Knoll, o metrô, as caixas de correio), inspirou um documentário dirigido por Gary Hustwit. Nenhuma outra fonte logrou semelhante façanha.

Nossos escritores preferem, quase por unanimidade, a Coca-Cola tipográfica do Windows, o New Times Roman, concebida há 80 anos por Stanley Morison para o Times de Londres. Nesse pormenor, Rubem Fonseca não foge à regra. Seus e-mails, em Calibri, corpo 11, tampouco destoam do gosto majoritário. João Ubaldo Ribeiro quase adotou o Courier New, pelos mesmos motivos de seus colegas americanos, mas embora tenha fechado com o indefectível New Times Roman, corpo 14, dotou seu teclado dos plict-plocts-plim! das máquinas de escrever, ruídos que o rejuvenescem e o levam de volta a Salvador dos anos 1950, "entre a gritaria, a barulheira e a fumaceira das redações".

Ubaldo tentou, debalde, me converter ao nostálgico artifício. Se há algo de que não sinto a menor saudade é de máquina de escrever.

As doses do mensalão - VALDO CRUZ


FOLHA DE SP - 30/06


BRASÍLIA - Julgamento agendado, enfim, para agosto, o inquérito do mensalão vai monopolizar as atenções no início do segundo semestre de 2012, ano de eleição municipal. As emoções, porém, podem ser servidas em doses, criando sensações bem distintas naqueles que vão acompanhar o processo.

Explico: os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) devem decidir, primeiro, a situação de cada um dos 36 réus do inquérito do mensalão, se eles são ou não culpados pelo envolvimento no esquema irregular de financiamento político durante o governo do petista Lula.

Depois então viria o que é chamado de dosimetria. Ou seja, a definição do tamanho da pena de cada um daqueles que forem, de fato, condenados pela maioria dos 11 ministros do STF. Em outras palavras, só depois da primeira fase é que saberíamos se algum réu será condenado à prisão ou, então, a prestar serviços sociais para reparar erros.

Os ministros podem, muito bem, calibrar o tamanho da pena no momento em que proferirem seu voto. Só que, na avaliação de um dos integrantes do julgamento, tudo indica que a maioria irá optar por definir a dosimetria apenas depois.

Ou seja, podemos estar diante do seguinte cenário. Concluída a primeira fase do julgamento, uma possível manchete dos jornais seria: "STF condena petistas no mensalão". Isso pode ocorrer no final de agosto. Depois, talvez já em meados de setembro, nova hipotética manchete: "Petistas escapam de prisão no julgamento final do mensalão".

Sem querer entrar no mérito da questão nem mesmo torcer por este ou aquele roteiro, o fato é que todos os que vão acompanhar o julgamento devem estar preparados para esses detalhes do processo.

Os advogados dos réus vão mirar suas estratégias nos dois cenários. Primeiro, tentar inocentar seus clientes. Depois, encurtar penas. Aí pode estar o caminho de alguns ministros para agradar gregos e petistas.

O golpe que não existiu - ALVARO DIAS


FOLHA DE SP - 30/06


A decisão do Congresso paraguaio que consumou o impeachment do presidente Fernando Lugo foi legítima e constitucional.
A Suprema Corte, provocada pela defesa do ex-mandatário, validou todos os procedimentos adotados de forma autônoma e transparente pelo parlamento. Qualquer contestação ao itinerário trilhado afronta a soberania do Paraguai.
A movimentação canhestra que o governo brasileiro orquestrou, sob a batuta argentina, venezuelana e de outros maestros menores, ao longo da crise instalada no Palácio de los López, foi a primeira nota de uma partitura mal executada pela diplomacia da Casa de Rio Branco.
Em acordes seguintes e ostensivamente dissonantes, fizemos coro ao equívoco de impor sanções à nação vizinha. Essa postura atenta inclusive contra a nossa Lei Maior, que preceitua que o Brasil rege suas relações internacionais pelos princípios, entre outros, da não intervenção e da autodeterminação dos povos.
O desgaste crescente daquele que, a princípio, acatou a determinação soberana do Congresso com altivez democrática e que, nos últimos dias, protagoniza a pantomima do "gabinete paralelo" não foi percebido pela nossa competente diplomacia.
Talvez se explique tamanha desatenção diante de um cenário estratégico tão próximo o fato de a nossa política externa direcionar o seu complacente olhar para apoiar Bashar al-Assad, na Síria, Mahmoud Ahmadinejad, no Irã, e outros controversos governantes pouco afeitos à democracia. Essa cegueira diplomática é inaceitável.
Não podemos rechaçar a legitimidade do processo que culminou com o afastamento de Lugo embasados em juízo de valor sobre o conjunto de normas jurídicas vigentes no Paraguai. A celeridade do rito aplicado pelo Legislativo está consagrada na Constituição do país.
Condenar uma deliberação expressa pela soberania local e arbitrar sanções são condutas inadequadas que, além de tudo, penalizam o povo paraguaio.
O meu entendimento, com a chancela do PSDB, de apoio e respeito ao novo governo se ampliou em uma recente visita ao meu gabinete de uma comitiva de parlamentares paraguaios.
Entre os presentes, estavam os presidentes das comissões de Assuntos Constitucionais e de Relações Exteriores do Senado, Miguel Abdón Saguier e Miguel Carrizosa, que demonstraram exaustivamente a legalidade do processo de impeachment conduzido por maioria esmagadora do parlamento, sem qualquer afronta ao Estado democrático de Direito.
A delegação foi reforçada pelo representante dos brasileiros que vivem no Paraguai, José Marcos Sarabian. Ele foi taxativo: entre os brasiguaios, impera o sentimento de confiança na investidura do recém-empossado Federico Franco.
Há crença generalizada de que serão restauradas as deterioradas condições de segurança jurídica e física impostas a esse expressivo contingente de trabalhadores desde que o ex-bispo Lugo assumiu o poder.
O momento não enseja bravatas. É imperioso que o equilíbrio e o bom senso prevaleçam norteando o posicionamento do Brasil. Um comportamento histriônico destoa da nossa secular tradição na busca da solução de controvérsias.

Desavença italiana - MARCELO RUBENS PAIVA


O Estado de S.Paulo - 30/06


Domingo. Se deliciavam no café da manhã, dia da semana em que tudo era permitido: queijo gordo, geleias, croissant, ovos com salchicha, até bacon. Combinaram na lua de mel em Cancún que em todos os domingos teriam um café da manhã digno de um resort mexicano.

Liam o jornal e se esbaldavam. Mas de férias de repente do nada ela se virou para ele e sugeriu depois de ler o caderno de economia: "Vamos nos separar?"

Ele estava com a xícara erguida. Deteve o movimento. Olhou pensativo. Deu um gole no café. Delicioso. Era ele quem o preparava como um connaisseur. Depositou a xícara sobre o caderno de esporte e respondeu: "Bora".

Ela estendeu a mão para firmar o pacto: "Promete?"

Ele estendeu a sua. Apertaram, olhos nos olhos: "Prometo".

Voltaram a ler o jornal. Ele abriu o caderno de cultura, e ela leu os editoriais. Depois de um tempo, ela comentou:

"Você aceitou tão rápido. Já tinha pensando nisso?"

"Na verdade, não. Tá vendo como mesmo depois de tantos anos você não me conhece?"

"Não conheço, mesmo. Achei que ia fazer um escândalo, tentar me convencer do contrário."

"Tô de boa. Você sugeriu com tanta convicção, que achei que é a coisa certa. Senti isso. Reparou como a gente sempre sabe o que o outro está pensando antes de ele falar?"

"É o convívio."

"Como você quer fazer?"

"Não pensei nisso ainda."

"Posso ir prum flat."

"De boa?"

"Sempre quis morar num. Imagine... Você deixa o quarto uma zona, vai trabalhar, volta, e ele está arrumadinho."

"Posso ajudar a decorar?"

"Lógico. Você tem um puta bom gosto. Por isso me casei com você. Entre outras coisas..."

"Tipo?"

"Ah, você é uma baita gostosa, linda..."

"Cê acha, é?"

"Puxa, agora que vou morar sozinho, vou falar palavrões. Acho tão avançado homem que fala palavrão, desprendido..."

Ela pegou na mão dele, colocou-a no seu rosto, beijou, abaixou para o peito. Ele fez carinhos neles, ela tirou e disse: "Achei que ia brigar pelo apê".

"Nada de separação litigiosa. Acho coisa de gente rancorosa, mal resolvida..."

"Meu Deus, o que a gente fala pras crianças?!"

"Hum, boa pergunta. Precisamos de um motivo."

"Bora dar um Google."

"Motivos mais comuns em divórcios? Elas não são mais crianças, estão já namorando, na faculdade, daqui a pouco vão morar com amigos, fazer intercâmbio na Espanha. Estão se lixando para nós. Vão até gostar. Terão duas contas bancárias para explorar."

"E pros amigos, o que a gente diz?"

"Vamos falar da crise dos sete anos. Sempre tem a desculpa da crise dos sete anos."

"Mas nós somos casados há 20."

"Vamos dizer que há 13 anos a gente não superou a crise dos sete."

"Ninguém vai cair nessa."

"É verdade. Vou dar um Google. Olha, só não vale falar que decidimos por causa da falta de tesão, que com o tempo diminuiu a frequência. Acho muito baixo-astral casal que se separa e sai espalhando que não transava mais, que pareciam dois irmãos na cama..."

"Até porque no nosso caso não é verdade. Nossa média é alta, comparada a outros casais."

"Então, por que nos separamos?"

"Boa pergunta. Deixa eu ver... O que diz o Google?"

"A conexão tá lenta..."

"E se a gente não disser nada?"

"Como assim?!"

"Ué, se perguntarem, a gente faz aquela cara dissimulada, sabe? De gente fechada que não gosta de falar das suas intimidades."

"Hum, você é tão esperto. Me dá um tesão. Por isso me casei com você."

Ela o abraçou para trás e beijou o pescoço dele.

"Pensei que fosse por causa da minha barriga tanquinho."

"Tanquinho industrial?"

Ela deu um apertão na gordura da cintura dele e começou a recolher a louça. Ele ficou se examinando, se apalpando, se olhou no reflexo da janela: "Preciso emagrecer. Agora que sou um divorciado de meia-idade disponível no mercado".

"Relaxa. Mulheres não ligam pra isso."

"Não? E do que elas gostam? Conta outra..."

"De cara interessante."

"Será que sou um cara interessante?"

"Você vai catar geral, será seletivo ou dará um tempo sozinho?"

"Não me decidi. Posso catar geral?"

"Por mim... Exceto minhas amigas, OK?"

"Por que não?"

"Nem vem!"

"Estou pensando em partir pra outra geração."

"Que faixa?!"

"Dez anos a menos, no máximo."

"Ufa, que susto. Tudo bem. Deve ser interessante pegar uma geração diferente, outros costumes, bandas, gírias, lugares, bares. Contanto que não seja a geração dos nossos filhos. É doente, isso."

"E você?"

"Não planejei nada. Mas..."

"Fala."

"Ai, tenho vergonha..."

"Pode se abrir. A gente é amigo agora."

"Você não vai me zoar? Tá bom, eu falo. Eu queria pegar, sei lá... Outra mulher. Pronto, falei."

"Uau! Que legal."

"Ah, nunca fiquei. Me sinto uma careta. Hoje em dia é tão normal. Deve ser uma experiência diferente. Já levei cantadas de umas mulheres bem interessantes. Gatas."

"Você sente atração?"

"Não sei explicar."

"Mas você não vai virar lésbica, nem coisa do tipo."

"Sei lá. Por quê?"

"Porque daí teríamos o motivo. 'Ah, se separaram porque ela é gay, sempre foi, desde pequena, ficou anos casada com aquele cara, mas no fundo gosta de mulher'."

"E daí? Deixa falar. Te incomoda? Antigamente até iam pensar, 'pô, o cara é tão devagar que a mulher trocou por outra, o cara nem sabe fazer direito'. Hoje em dia as pessoas estão mais abertas. Até a sua turma do clube."

"Dane-se. Eles vão é morrer de inveja quando me ver na piscina com uma gata dez anos mais nova com um baita corpão e um biquininho mínimo..."

"Bobo. Você nem vai na piscina com medo de pegar doença de pele, seu hipocondríaco!"

Riram. Terminaram de lavar a louça. Começaram a enxugar.

"O título do clube fica com quem?", ela perguntou.

"Se tiver algum entrave no estatuto, pode ficar pra você. Vou pegar um flat com piscina."

"Boa. Posso vender o meu carro? Não aguento mais esse trânsito. Tô pensando em andar só de bicicleta agora."

"Coisa de sapata."

"Hiii, começou a gozação."

"Ah, acho bacana. Alguém tem que fazer alguma coisa pelo planeta."

"E os livros?"

"A gente divide: o que eu não li fica pra mim e vice-versa."

"Os móveis?"

"Posso ficar com a LCW? É design do Charles Eames. Deve caber no flat."

"Olha só... Não sabia que você era ligado em design."

"Você não sabe muita coisa de mim, baby. Tem cem anos que o cara desenhou essa poltrona. É um clássico."

Começaram a guardar a louça. Ele desmontou a cafeteira italiana, tirou o pó, limpou, a segurou um instante. Perguntou: "Posso ficar com a cafeteira?"

"Oi?"

"Não consigo tomar café de outra."

"Foi tio Modesto quem me deu."

"Eu sei."

"É uma Moka legítima."

"Hoje em dia qualquer supermercado vende."

"Então compro uma."

"Só consigo fazer café nesta daqui."

"Não."

"Não o quê?"

"A cafeteira não sai daqui."

"Me apeguei a ela. É a única coisa que estou pedindo, além da LCW."

Disputaram a cafeteira.

"Me dá aqui. Quer fazer cafezinho nela pra sua Lolita, seu pedófilo. Não vai!"

"Solta! Você não vai usar a herança do tio Modesto com um sapatão, sua degenerada!"

Cada um segurou uma parte dela. Até ela se dividir, e ambos rolarem pelo chão. Cena patética presenciada pelos filhos recém-chegados à porta da cozinha.

O resultado foi óbvio. Não se separam, pois não queriam abrir mão daquele bem. Estão casados até hoje. Nunca mais tocaram no assunto. Única diferença é que ela ficou mais gostosa depois que começou a andar de bike, e ele perdeu a barriga proeminente graças à natação no clube. E começou a falar palavrão.

Viva Vlado! - ZUENIR VENTURA


O GLOBO - 30/06


Nesta semana em que Vladimir Herzog faria 75 anos, participei de uma homenagem a ele no Midrash Centro Cultural. A data coincide com uma nova tentativa da família de fazer cumprir uma sentença de 1978, quando o juiz Márcio José de Moraes determinou a apuração das circunstâncias em que o jornalista foi torturado até a morte nas dependências do II Exército em SP, há 37 anos. Como a ordem judicial nunca foi cumprida, prevalece a versão mentirosa de que o então diretor da TV Cultura tinha se suicidado.
A recente recusa do Itamaraty a atender ao pedido da OEA para reabrir o caso repercutiu tão mal que a ministra Maria do Rosário se reuniu com a viúva Clarice e o filho Ivo Herzog, para explicar a inexplicável atitude do Brasil. O resultado foi uma nota conjunta em que o governo reconhece "a luta histórica empreendida" pelos Herzogs, mas nem se refere à exigência principal, que é um novo atestado de óbito desmentindo o falso suicídio.
Acompanho esse caso desde que Clarice me ligou no dia 25 de outubro de 75 dizendo: "Mataram o Vlado." Na véspera, policiais tinham ido ao seu local de trabalho, convidando-o a comparecer ao quartel do Exército para prestar esclarecimentos. Ele podia ter fugido, mas não quis. "Não tenho nada a esconder. Vou e saio logo." Chegou no dia seguinte às 8 da manhã e às 3 da tarde estava morto, após uma sessão de tortura. Outros jornalistas também presos ouviram seus últimos gritos.
Uma reação cautelosa que não desse pretexto à repressão começou já no enterro, com o rabino Henry Sobel negando-se a sepultar o judeu Vlado no lugar destinado aos suicidas. Como diria mais tarde, "foi minha maneira de denunciar a farsa". Depois veio o culto ecumênico celebrado em conjunto pelo rabino, por D. Evaristo Arns, D. Hélder Câmara e pelo reverendo James Wright. A polícia montou 385 barreiras para impedir o acesso à Catedral da Sé, e mesmo assim cerca de 3 mil pessoas compareceram à histórica cerimônia, uma das mais dramáticas já realizadas em SP.
Quando Clarice quis recorrer à Justiça, não foi fácil encontrar advogado, e tive a honra de participar dessa procura. Por interferência de Guguta Brandão, prima de Heleno Fragoso, fomos a ele, um respeitado criminalista, que aceitou o caso e indicou para a área cível o jovem Sergio Bermudes. Três anos depois, graças a Bermudes, que moveu a ação, e ao juiz federal Márcio, que deu a corajosa sentença, ambos com 32 anos, aconteceu o que parecia impossível: a União era considerada responsável pela prisão, tortura e morte de Vladimir Herzog. Foi a partir do choque causado pela morte do jornalista - com a revolta que espalhou - que a imprensa tomou coragem de avançar até o horizonte do possível. Ele pode ser considerado um mártir da abertura. Naqueles tempos difíceis de viver, Vlado soube viver, trabalhar e morrer com dignidade.

Ueba! Romarinho quer panicat! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 30/06


Os manos querem saber: vão reduzir o IPI do ingresso? O 1º jogo foi no Boca, agora é na Bocada!



Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

E olha esta no Twitter: "Essa Carol Francischini disse que usou camisinha e anel vaginal e ainda assim engravidou. O pai da criança só pode ser o MacGyver!". Rarará!

E tô adorando as vices! A vice do Haddad: Nádia Campeão! Campeão ela não é mais, porque é vice.

Nádia Vice Campeão. Vai ter que trocar o nome pra Nádia Vice Campeão! Nádia Vasco!

E a vice do Chalita: Marianne Pinotti! Pra dar um pinote na candidatura dele! Rarará!

E atenção! Olha este anúncio: "Troco meu ingresso para a final Corinthians X Boca por um apartamento no Guarujá de frente pro mar, um Veloster 0km e um ano de supermercado!". Já tem ingresso custando R$ 22 mil! O único corintiano que eu conheço que pode pagar isso é o Washington Olivetto! Rarará!

E os manos querem saber: vão reduzir o IPI do ingresso? Porque o primeiro jogo foi no Boca, agora é na Bocada! Rarará!

E o Tite sobre o Romarinho: "Ele é um gelo". Então até quarta-feira ele derrete! Rarará! E eu não tenho nada pra comemorar porque sou bambi e tô gripado! Isso é vida? Ser bambi e estar gripado? Então toma Coristina: Corinthians com Argentina! Rarará!

O mundo tá gripado. O cosmos tá gripado! E diz que a Globo vai lançar o absorvente de maracujá: pra acalmar periquita de periguete! Rarará! E se o Zeca Pagodinho fosse triste, ele ia ser a cara do Riquelme! Rarará! E o que o Romarinho pensou quando fez o gol no Boca? "Agora eu quero um carro importado e comer uma panicat." Nessa ordem!

E olha o que uma menina escreveu no meu Twitter: "Na moral, não vou te assistir, Bial. Fátima Bernardes, desculpe, mas hoje não vou ao encontro! Acabou o meu Rivotril". Rarará! E passaram cola nas mãos da Fátima? Ela só aparece nas chamadas de mãozinhas juntas, grudadas! É mole? É mole, mas sobe!

E hoje a minha cozinha tá uma zona, imagine na Copa! Rarará! Detesto esta expressão: "imagine na Copa".

Bem do contra. Pra zicá o Brasil!. "Hoje a fila da padaria tava enorme, imagine na Copa!" Rarará! "E se hoje eu acordei com preguiça, imagine na Copa!". Rarará!

Ou como diz uma amiga minha: "Ivagina na Copa". Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!

Que hoje eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

PLANALTO PAULISTA - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 30/06

O vice-presidente Michel Temer é homenageado no livro "Direito Constitucional Contemporâneo", lançado anteontem, na sede da Fiesp. Sua mulher, Marcela Temer, leu uma carta de Dilma Rousseff parabenizando seu vice. O ex-ministro do STF Eros Grau e o ex-deputado José Genoino estavam lá.

SAL NA TAXA
A polêmica da cobrança de taxa de conveniência para comprar ingressos pela internet chegou à Assembleia Legislativa de SP. Um projeto de lei protocolado no começo da semana defende que o consumidor pague, no máximo, 8% a mais sobre o valor do ingresso para utilizar esse serviço.

SAL 2
A tarifa costuma variar entre 15% e 20%. É "lícita", mas "exagerada", diz o texto do deputado Fernando Capez (PSDB-SP). O projeto também considera a cobrança de taxa adicional para entregar os ingressos em casa "obrigação inerente" de quem vende pela internet.

SAL 3
As empresas já foram questionadas por órgãos de defesa do consumidor. Mas mantêm as taxas.

FORÇA, TIMÃO
Ronaldo autografou dez exemplares do livro "Nação Corinthians". Estarão à venda a partir de segunda no site da editora Toriba por R$ 9.000 cada um.

EXCESSO DE BAGAGEM
A companhia holandesa de dança Nederlands Dans Theather, que se apresenta no Theatro Municipal hoje, trouxe oito toneladas de equipamentos ao país.

CINEMINHA
A produtora do cineasta Hector Babenco, de SP, poderá captar, via leis de incentivo, R$ 14,3 milhões para o filme "Cidade Maravilhosa".

SUBINDO A SERRA
Dos 136 músicos bolsistas que chegam a Campos do Jordão (SP) hoje para participar do 43º Festival Internacional de Inverno da cidade, 30% são de instituições com destaque no cenário mundial, como Royal Academy Music, de Londres, e o Conservatório de Amsterdã. Além de aulas práticas, eles se apresentarão com a regente Marin Alsop, da Osesp, e o pianista Nelson Freire.

ESPORTE CAPITAL
O ministro do Esporte, Aldo Rebelo (PCdoB), e o deputado Romário foram à inauguração da academia Bodytech, no shopping Iguatemi de Brasília. O espaço tem entre os sócios o empresário Alexandre Accioly e o deputado Fábio Faria (PSD-RN).

SORRIA, NIEMEYER
Aos 104 anos, Oscar Niemeyer enfrentou longa sessão de fotos de mais de três horas. Na noite de quinta, 28, ele compareceu ao coquetel de lançamento da revista "Nosso Caminho", em uma joalheria de Ipanema, no Rio.

Numa cadeira de rodas, o arquiteto foi abordado por dezenas de convidados que se posicionavam para uma foto. Alguns nem sequer pediam autorização. Simplesmente paravam ao lado dele e faziam pose. Foram mais de cem flashes ao longo da noite. Caetano Veloso já disse que, em situações assim, um artista se sente como "o Mickey na Disney", em torno do qual turistas formam fila para capturar uma imagem.

Idealizada pelo arquiteto, a revista "Nosso Caminho" é um projeto conduzido por sua mulher, Vera Niemeyer. "Por sugestão dele, nesta edição, estamos homenageando Portinari", disse ela, que ficou ao lado do marido, sempre de mãos dadas, durante as três horas do coquetel.
(FABIO BRISOLLA, DO RIO)

CURTO-CIRCUITO

Mário Beni autografa o livro "Turismo - Planejamento Estratégico e Capacidade de Gestão" na Livraria da Vila do shopping Higienópolis, na segunda, a partir das 18h30.

A Casa de Dança Carlinhos de Jesus inaugura hoje filial em São Paulo com baile no clube Esperia, em Santana, às 22h. Classificação etária: 18 anos.

O empresário Alain S. Levi está de mudança para os EUA. Iniciará em Miami uma operação regional da agência Motivare.

com ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER, LÍGIA MESQUITA e OLÍVIA FLORÊNCIA

União bancária no euro - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 30/06


Os mercados festejaram ontem o que passou a ser considerado o melhor acordo de cúpula do bloco do euro entre todos os que já foram firmados nesse tempo de crise.

Depois de 12 horas de negociações, foi divulgada uma declaração de apenas três parágrafos. Seu conteúdo pode não ser suficiente para tirar o euro da beira do precipício, mas é substancial avanço nessa direção. A mais importante decisão foi a de criar, na prática, uma união bancária. É o que está sendo examinado nesta Coluna. As demais decisões dessa cúpula ficam para serem avaliadas na edição de amanhã.

Os fundos de resgate do bloco, hoje o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF, na sigla em inglês) que será sucedido pelo Mecanismo Europeu de Estabilização (ESM), ficarão autorizados a injetar capital diretamente nos bancos de toda a área para resgatar aqueles que estejam atolados em crise patrimonial.

O objetivo dessa decisão é livrar os Tesouros nacionais da necessidade de aumentar suas dívidas para levantar recursos destinados a reforçar o capital dos seus bancos, situação que afundou a Irlanda e já passou a ameaçar as finanças da Espanha.

A condição para que essa nova função dos fundos de resgate seja colocada em movimento é que a supervisão dos bancos da área seja feita pelo Banco Central Europeu (BCE) e não mais pelos países soberanos, como é hoje.

Não ficou claro se o BCE vai desempenhar essa nova função diretamente ou se vai operar como supervisor dos supervisores nacionais.

Além de fiscalizar a operação dos bancos, a supervisão centralizada implica mais duas exigências técnicas: o mandato de emprestador de última instância aos bancos e a criação de um mecanismo central que funcione como seguro de depósitos em conta corrente.

A decisão tomada tem importantes implicações. Uma delas é exigir mais delegação de soberania dos Estados nacionais para um poder central. Ou seja, a união bancária vai na direção da união política.

Boa pergunta consiste em saber até que ponto os fundos europeus de resgate, que têm munição de apenas 500 bilhões de euros, darão conta de tanta necessidade de recursos. Também será preciso saber até que ponto o bloco do euro estará preparado para enfrentar essas mudanças no curtíssimo prazo decidido pelos líderes. A declaração diz que a Comissão Europeia deve estudar propostas nessa direção até final deste ano. E, nesse meio tempo, é preciso saber se os mercados, sempre tão aflitos, saberão esperar.

Finalmente, pode-se perguntar se o ESM estará pronto para exercer essas novas funções nesse prazo. Até agora, apenas 7 entre os 17 membros do euro aprovaram o tratado do MEE. Seu nascimento ainda não foi inteiramente garantido.

Essa decisão desarmou duas bombas do mercado financeiro. A primeira delas, já mencionada, foi a da escalada do endividamento dos Estados nacionais que puxava para cima o risco de suspensão de pagamentos (e de calote). A segunda bomba desarmada foi a do enfraquecimento em cadeia dos bancos e, no limite, da fuga dos depositantes e do aumento de risco de uma quebra em cadeia.

(Amanhã, as outras decisões desta cúpula e seu principal significado.)

Dentro da noite - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 30/06


O debate entre os líderes europeus varou a noite. Mas terminou bem, com um acordo que pode levar a mudanças importantes. Ontem, o mercado comemorou, com alta do euro e redução do custo das dívidas dos países, principalmente da Espanha. Não é o fim da crise, mas o começo de um acordo no sentido de aprofundamento da união entre os países da zona do euro. A ameaça de implosão da união monetária está mais distante.
Como tudo na Europa, haverá idas e vindas. A concordância em uma federação de países soberanos, em que todos respeitam as regras de aprovação dos parlamentos para as decisões do executivo, é mesmo demorada. A Europa tem tempos e processos que os outros países não entendem, os mercados detestam, mas que precisam ser respeitados.
Ontem foi dia de vitória, porque ao fim de tantas reuniões em que os principais líderes discordavam sobre tudo a da noite de quinta-feira para sexta-feira foi diferente: eles concordaram. Espanha e Itália, unidos, foram capazes de vencer a irredutível Alemanha.
O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira e o Mecanismo Europeu de Estabilidade poderão financiar diretamente a recapitalização dos bancos em dificuldade, sem ter que passar pelos tesouros nacionais. Isso significa que a Espanha, por exemplo, não terá um aumento de dez pontos percentuais na sua dívida bruta, como proporção do PIB. Antes da decisão tomada durante a noite, a Espanha teria que se financiar para capitalizar os bancos. Ontem mesmo houve uma queda forte nos juros cobrados da Espanha, de 7% para 6,35%, para vencimento em 10 anos.
A Irlanda, segundo analistas, é o segundo país mais beneficiado, porque apesar de já ter tido um aumento brutal na sua dívida para capitalizar o sistema financeiro, precisaria de captar mais para um novo resgate. Além disso, poderá rever o que já foi acordado e dar fim às supervisões que a troika - Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu - faz no país. O governo irlandês comemorou a decisão como uma "virada de jogo". Num cenário mais otimista, a Irlanda será o primeiro dos países resgatados a voltar ao mercado de dívida soberana, no início do ano que vem. A Itália, com sua dívida que, como a da Irlanda, é do tamanho do seu PIB, é outra beneficiada pelas novas regras.
Elas não são de aplicação imediata, nem todas as regras foram definidas. Mas houve o mais importante: concordância na reunião de cúpula. A nota começa dizendo: "Afirmamos que é imperioso romper o círculo vicioso entre bancos e emissores soberanos." E a segunda frase é também promissora: "A comissão apresentará em breve propostas relativas ao mecanismo único de supervisão bancária."
Essa segunda frase se refere ao segundo passo dado durante a reunião da noite. Agora, a Europa começa a dar passos na direção da união bancária, como me disse em entrevista durante a Rio+20 o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso. Haverá um órgão de supervisão bancária supranacional, que pode ser o Banco Central Europeu (BCE), que criará regras para a solidez dos bancos de toda a região do euro.
O presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, disse que a flexibilização foi permitida para que os fundos europeus de resgate possam comprar dívidas no mercado secundário dos países que cumpram seus compromissos de ajuste e consolidação fiscal. Não entrou em detalhes sobre se os países terão também que cumprir compromissos macroeconômicos.
Outra decisão tomada foi a de aprovar um pacote de 130 bilhões para estimular o crescimento econômico nos países da região. Dada a dimensão da queda em alguns deles, e ao fato de que, como um todo, a zona do euro está em recessão, o pacote é pequeno. Não tem a força necessária para retomar o crescimento, mas ajuda a fortalecer a liderança do presidente da França, François Hollande, que se elegeu com o discurso de lutar por políticas favoráveis ao crescimento.
Tudo é sempre apresentado como uma luta entre a Alemanha e os países de maior fragilidade econômica do bloco. Mas não é simples assim. De acordo com o analista Felipe Queiroz, da Austin Rating, 31% das dívidas dos bancos dos PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) estão com bancos alemães e 18,5% estão com bancos franceses. Esses números pesaram na discussão durante a noite. Na prática, problemas bancários nesses países significam risco para Alemanha e da França. O problema também respingaria em instituições americanas, que detêm 13% dessa dívida, e sobre bancos ingleses, que carregam 9,7% do total. Tudo isso aumenta a pressão sobre as lideranças europeias.
Nos próximos dez dias há uma série de eventos com capacidade de mexer com os mercados: a troika volta à Grécia no dia 2 de julho; o BCE se reúne no dia 5; os detalhes do plano de resgate dos bancos espanhóis serão divulgados no dia 9. Certamente, muitas dúvidas sobre o acordo anunciado ontem vão aparecer nos próximos dias, mas qualquer volatilidade que houver será melhor do que o clima de desânimo e de falta de saída que estava se consolidando na Europa depois da falta total de entendimento entre os líderes nas reuniões recentes.

Quem saiu ganhando? - GILLES LAPOUGE


O Estado de S.Paulo - 30/06


Em Bruxelas, a cúpula "de último recurso" para o euro encerrou-se ao amanhecer de ontem. Terá conseguido salvar a moeda comum europeia? Tudo gira em torno de US$ 2 trilhões. Vale lembrar que, nos dois últimos anos, houve outras 18 cúpulas, todas elas de último recurso. Mas vamos com calma.

A outra pergunta é: a alemã, a poderosa Angela Merkel, conseguiu que todas as cabeças se curvassem diante dela, e particularmente a do socialista François Hollande, que, contrariamente ao seu predecessor, Nicolas Sarkozy, não se inclina automaticamente diante dos desejos da chanceler? Então, quem ganhou? Como desconfio da minha subjetividade, vou responder a esta pergunta reproduzindo a resposta dada por dois grandes jornais franceses, ambos extremamente sérios, Le Monde e L'Express. A manchete do Monde diz: "A Europa do Sul dobra Merkel", e a do L'Express: "Cúpula europeia: por que Angela Merkel venceu". Portanto, juntando as duas manchetes, obtemos a fórmula totalmente esclarecedora: Merkel venceu, perdeu.

É preciso explicar: houve de fato uma grande mudança. Até agora, a zona do euro (17 membros) era encarnada por duas pessoa, a alemã Merkel e o francês Sarkozy. Como se entendiam perfeitamente, reuniam-se, conversavam e depois comunicavam suas decisões aos outros países. E os outros países diziam: "Sim, senhores!" Inverossímil. O contrário de uma União.

Esse esquema desmoronou. Um pouco por causa do francês Hollande, que não renovou o entendimento sobre o "motor franco-alemão" do euro. Mas também graças à ruidosa entrada em cena de dois países considerados como "quantidades negligenciáveis" por Merkel e Sarkozy: a Espanha e a Itália.

Na noite de quinta-feira, foram eles que deram as cartas. O italiano Monti e o espanhol Rajoy deram prova, sob o olhar de aprovação de Hollande, de um domínio, de uma energia, de um talento formidáveis.

Merkel recuou. Ela tinha um ar um pouco atordoado com a resolução destes dois países que considera preguiçosos e despreocupados.

De fato, Madri e Roma obtiveram ganho de causa. Os dois países são obrigados a pagar juros insuportáveis: 6%, 7% ou mesmo mais, para o financiamento de suas enormes dívidas. Conseguiram que o Mecanismo de Estabilização Financeira possa emprestar diretamente aos bancos nacionais e que os fundos de ajuda possam comprar dívida soberana. O resultado foi fulgurante: pela manhã, os juros nos dois países baixaram maravilhosamente (mas isso durará?).

E Hollande? Ele batalhava numa outra frente. Sua tese é a seguinte: para sair do buraco, é preciso manobrar com duas alavancas, não apenas com uma: por um lado, é preciso fazer economia, impor o rigor, mas procurando não matar os doentes com purgantes exagerados. Portanto, paralelamente ao rigor é preciso empreender uma ação em favor do crescimento. Merkel só queria saber de austeridade. De sua parte, os países em dificuldades, Espanha, Itália, etc. formaram um bloco com Hollande exigindo uma ação em favor do crescimento. Essa tese ganhou.

Foi decidido um Pacto para o Crescimento, de 120 bilhões.

Merkel foi obrigada a ceder. Mas ela não cedeu no essencial. Se fez concessões, foi para salvar o que considera essencial: a União Orçamentária (chamada na Alemanha de União da Estabilidade), que prevê que Bruxelas tenha direito de supervisionar e mesmo de controlar os orçamentos de cada país. Em outras palavras, dentro de alguns meses, a França, como os outros membros da zona do euro, deverá submeter seu projeto de orçamento ao olhar glacial dos Comissários Europeus de Bruxelas.

Na verdade, Merkel, diante da revolta da tropa, cedeu em relação aos projetos a curto prazo: a salvação de um ou outro país, mas ela mantém o controle dos movimentos de grande amplitude, os movimentos lentos que poderíamos comparar às derivas inexoráveis das placas tectônicas sob a superfície dos oceanos. Esse movimento lento, aos olhos de Merkel, é a redução das soberanias nacionais. No horizonte distante, vislumbra-se uma perspectiva, sem que a palavra seja pronunciada, o "federalismo", ou pelo menos uma dose de federalismo.

É em torno deste encontro que as verdadeiras nuances ou contradições entre uns e outros se manifestarão em toda a sua aspereza. A França, assim como outros países, não parece disposta, por enquanto, a embarcar nesta grande viagem. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

Feira livre - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 30/06

Antes mesmo da decisão que deu tempo de TV ao PSD, políticos já recolhiam assinaturas pelo país para fundar legendas de olho em 2014. Pelo menos dois novos partidos têm mais de 300 mil adesões e estão prontos para serem oferecidos a parlamentares insatisfeitos em suas siglas. O deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), por exemplo, articula a criação do Partido da Força, "mais de centro-esquerda'', ainda sem estimativa de seguidores. "Vou conversar na semana que vem."

Pega leve Aliados de José Serra tentaram demover Campos Machado da aliança do seu PTB com Celso Russomanno, fechada anteontem. Ante o insucesso da missão, propuseram pacto de não-agressão ao tucano. Mas ouviram que Russomanno não amenizará o discurso por ora.

Pitbull Tucanos temem conduta hostil do candidato do PRB nos debates, já que a sigla é aliada nacional do PT.

Habeas corpus Presidente do PTB paulista, Campos Machado foi advogado de Edir Macedo, fundador da Igreja Universal e controlador da TV Record, onde hoje trabalha Russomanno.

Goleada Com a defecção dos petebistas, chega a cinco o número de partidos da base de Geraldo Alckmin que disputam a prefeitura paulistana em voo solo ou associados a rivais de Serra. Além do PTB, estão nesta situação PSB, PP, PDT e PPS.

Sem estrelas Lula e Marta Suplicy não devem comparecer hoje à convenção do PT que referendará o nome de Fernando Haddad. A solenidade, prevista para as 15h no salão nobre da Câmara de São Paulo, terá discursos rápidos do candidato e da vice, Nádia Campeão (PC do B).

Com estrelas O ex-presidente e sua mulher, Marisa Letícia, acompanharão Luiz Marinho no evento que formalizará seu nome à reeleição, às 11h, no Pavilhão Vera Cruz, em São Bernardo. À ocasião, Marcos Cláudio da Silva, filho de Lula, será lançado candidato a vereador.

Fico A despeito dos atritos com dirigentes tucanos que o afastaram da convenção do PSDB, Wesley Goggi permanecerá à frente da ala jovem da campanha de Serra. A decisão foi do candidato.

Cacife Dilma Rousseff mandou buscar o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, no meio da madrugada, em jatinho da FAB, para ajudar a formatar juridicamente a suspensão do Paraguai do Mercosul.

Lastro Adams participou de café da manhã em que foi debatida a decisão, com Dilma, Cristina Kirchner e José Mujica. A presidente queria que a punição fosse bem fundamentada, eliminando a impressão de que o bloco agiu com "voluntarismo".

Maioria Enquete feita pela FSB Pesquisa com 220 deputados federais brasileiros mostra que 56% consideram ter havido quebra da regra democrática no impeachment de Fernando Lugo.

Controverso Já a suspensão do Mercosul não é tão majoritária: 34% apoiam a medida, contra 22% que dizem que, a despeito da decisão não-democrática, o Paraguai não deveria ser punido. Outros 36% afirmaram que não houve quebra da regra democrática no país.

Sob alerta O Planalto já foi avisado que eventuais ataques a Guido Mantega (Fazenda), como dossiês, partirão do grupo ligado ao PT que não viu atendidos pleitos pela ocupação de mais cargos no Banco do Brasil.

Prioridade Após lançar o "PAC dos equipamentos", Dilma conversou com os ministros Aloizio Mercadante (Educação) e Alexandre Padilha (Saúde) para propor um pacote robusto de obras nos respectivos setores.

Siameses O modelo de licitação para projetos das duas pastas, como creches e UPAs, será o mesmo, para acelerar a execução. O tema será discutido em audiência pública na semana que vem.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio

"A decisão do STF de derrubar a fidelidade partidária e redistribuir tempo de rádio e TV equivale a reabrir o 'bataclã' partidário."

DO DEPUTADO ONYX LORENZONI (DEM-RS), comparando a troca de siglas esperada após a decisão do STF sobre o PSD ao bordel da novela "Gabriela".

contraponto

Melhores amigas

A senadora Kátia Abreu (PSD-TO), defensora dos ruralistas, vive fase "só love" com a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente). Na terça, após audiência pública, foi até a ambientalista:

-Faço questão de dar um beijinho na minha ministra.

Um colega de Izabella que viu a cena não resistiu e disse para a ministra do verde:

-Se fotografam isso você está liquidada!

A defesa nacional na sociedade e na política - MÁRIO CÉSAR FLORES


O Estado de S.Paulo - 30/06


A questão existencial das Forças Armadas - o quê, para o quê, por quê e com quais prioridades - vem exigindo revisão no mundo do pós-guerra fria. Que papéis são hoje presumíveis para elas nos diversos cenários nacionais e internacionais, qual a organização, quais as configurações e dimensões que lhes são adequadas? No equacionamento desse quadro de dúvidas influi o como a sociedade e o mundo político veem a defesa nacional - tema referenciado ao Brasil no artigo A Defesa no sentimento nacional, em O Estado de S. Paulo de 2/8/2011, cuja continuidade do descaso sugere ser conveniente nele insistir. O descompasso entre o País político/econômico e seu sistema militar tem sido irrelevante para a sociedade e a política brasileiras - uma fissura nacional incubadora de insegurança, na projeção do tempo.

Há 140 anos (guerra com o Paraguai) sem ameaças externas percebidas como graves, é compreensível o desinteresse da sociedade pela defesa, compartilhado pelo mundo político e setores da intelligentsia (universidade, mídia, etc.) que cultivam um curioso paradoxo: vociferam soberania, numa época de revisão restritiva desse conceito, mas são insensíveis às injunções estratégicas na soberania nacional e no status do País na ordem internacional! A razão de ser básica das Forças Armadas é menoscabada, e tendemos a pensá-las principalmente no desempenho de suas atribuições subsidiárias (segurança da navegação aérea e marítima, atuação em crises de defesa civil, etc.), como milícia em apoio à polícia no controle do paroxismo de desordem e violência vigente no País e na vigilância policial das fronteiras, áreas de atuação permanente ou eventual importantes, mas não substitutas da defesa nacional como justificativa do sistema militar.

Demonstração clara desse "clima": a defesa nacional não tem merecido dedicação atenta no Congresso Nacional. O desapreço se explica: no Brasil político muito pautado pela eleição/reeleição, para que a atenção política vá além das próximas eleições - condição intrínseca às grandes questões da defesa -, é preciso que o interesse da sociedade e o apelo eleitoral decorrente se estendam mais adiante do curto prazo, e isso não acontece com a defesa. Além de não render votos, a defesa nacional não é propícia ao atendimento de nossa cultura política patrimonial-clientelista e do condicionamento viciado. Esse cenário se reflete no trato do Orçamento: no "mundo que conta", nosso orçamento militar é pequeno em porcentual do PIB. Tal participação é compreensível diante das demandas sociais e econômicas e da ausência de problemas de defesa entendidos como críticos. Mas é errado que os efeitos da constrição no preparo militar coerente com o País sejam "sumariamente ignorados", embora na democracia o Congresso seja ator relevante na defesa nacional e na inserção da dimensão estratégica do País no cenário internacional.

O tema é complicado, mais ainda em época, como a atual, em que a tecnologia, complexa e naturalmente cara, não permite improvisação sob pressão da necessidade imediata, como ocorria no século 19, quando nossa política era apoiada em capacidade militar improvisada, viável com a tecnologia de então (na 2.ª Guerra Mundial a atuação brasileira ainda foi improvisada, com apoio tutelar norte-americano). A Estratégia Nacional de Defesa (END), aprovada em dezembro de 2008, foi (é) um passo positivo, mas qual tem sido sua repercussão (apoio, contribuições, restrições?) na sociedade, na mídia e na política? Praticamente nula. Foi avaliada e avalizada pelo Congresso (atuação que lhe propiciaria amparo político) e analisada por instituições de estudo supostamente dedicadas ao tema? Se o foi, não houve interesse e repercussão na mídia e na sociedade.

A emersão da defesa nacional do descaso é condição (ao menos uma das condições) para que o Brasil se faça presente, com a estatura que lhe cabe, na arquitetura do século 21. Há que identificar e hierarquizar nossas vulnerabilidades e preocupações, formular concepções estratégicas com a definição de prioridades realistas e a configuração e organização das Forças que lhes correspondam - um processo exigente de visão política e competência estratégica à altura da difusa realidade atual e do Brasil nela.

Sem ufanismo ilusório e tampouco sem sujeição à ideia de que a segurança é garantida pelo jurisdicismo e pacifismo utópicos, a presença brasileira no mundo requer atenção para o fato de que vivemos num mundo imperfeito, sujeito ao realismo do poder e aos conflitos inerentes ao planeta economicamente, ambientalmente e com acesso aos recursos naturais praticamente integrado, mas politicamente fragmentado. Em paralelo com a construção de um país socialmente feliz e economicamente forte, é preciso construir uma afirmação político-estratégica apoiada em capacidade militar comedida, mas convincente e credível; coerente com o Brasil no contexto regional; dissuasória, por sinalizar risco e alto custo para qualquer agressor, hoje improvável, mas não impossível no correr do tempo; além de útil à cooperação em missões internacionais legitimadas por organização adequada. E isso não é fácil, na ausência de interesse político e societário. Insere-se nessa equação o assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, ilógico sem razoável capacidade militar que o respalde.

Vale repetir aqui fato citado no artigo anterior: há cerca de 15 anos, no intervalo em seminário sobre o Ministério da Defesa, no qual emergira inoportunamente o tema salarial, ouviu-se esta frase: "Os militares ganham mal, mas por que lhes pagar mais, se não precisamos deles?". É necessário que esse final psicótico seja revertido. Se a defesa nacional continuar em plano de irrelevância autista, correremos o risco de comprometer decisivamente a lógica existencial das Forças Armadas: seu papel na garantia da vida nacional protegida e na inserção correta do Brasil na ordem regional e global.

O eleitor que se defenda - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 30/06

Surgiram na praça mais dois capítulos na crônica e inútil reavaliação das regras eleitorais.


Oito dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) concederam ao PSD, agremiação inventada pelo prefeito paulistano, Gilberto Kassab, os mesmos direitos dos outros partidos com representação na Câmara dos Deputados, no que tange ao tempo na TV e ao financiamento público.

Havia dúvidas quanto a essas prerrogativas, uma vez que a lei as oferecia apenas aos partidos que tivessem obtido cadeiras na Câmara nas eleições de 2010. Decidiu-se que os deputados, ao entrarem no PSD, levaram consigo os votos necessários para que o novo partido desfrutasse desses benefícios.

A decisão do STF não deixa de ser problemática, uma vez que a própria corte estabelecera, anteriormente, que os votos do eleitor se dirigem, em tese, ao partido, e não aos deputados individuais.

Transferir-se para um partido novo -mesmo que formado artificialmente, no claro objetivo de esquivar-se das regras de fidelidade partidária estabelecidas- não seria o mesmo, entretanto, que passar para uma agremiação que já existia nas eleições de que o político houvesse participado.

Não é ilógico o argumento. Mas a decisão reflete, acima de tudo, a dificuldade de acompanhar, com estipulações cada vez mais detalhadas, a inesgotável imaginação de políticos para manter-se no fisiologismo de sempre.

Mundo real e desejos de regulamentação entraram em conflito ainda mais agudo na outra decisão judicial, protagonizada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Contrariando o que decidira em março deste ano, o TSE resolveu aceitar a tese de que serão elegíveis, no próximo pleito municipal, mesmo aqueles candidatos que tiveram suas contas eleitorais reprovadas em ocasião anterior.

Basta ter apresentado as contas, certas ou erradas, regulares ou suspeitas, à Justiça Eleitoral. Cerca de 21 mil candidatos apresentavam irregularidades nesse aspecto. Dada uma alteração regimental na composição da corte (o ministro Ricardo Lewandowski cedeu seu lugar a José Antonio Dias Toffoli), aprovou-se a revisão do entendimento anterior.

Os chamados "contas-sujas" agradecem a oportunidade. A aprovação da contabilidade eleitoral pela Justiça torna-se, mais do que nunca, uma simples formalidade.

Ao eleitor resta defender-se como pode. Não conte ele que a respeitabilidade na vida política venha por meio de normas e tribunais, para nada dizer dos políticos.

Não existe legítima defesa? - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 30/06


O anacronismo da legislação penal e processual penal do País vem gerando situações absurdas, levando cidadãos inocentes, que reagiram a criminosos que os assaltavam à mão armada, a serem processados por crime de homicídio doloso triplamente qualificado.

Só este mês, ocorreram três casos semelhantes. Um aconteceu numa joalheria de Porto Alegre, onde o proprietário, reagindo a um assalto no momento em que abria o estabelecimento, baleou um dos criminosos, que acabou morrendo. Outro caso aconteceu numa tarde de sábado no centro da cidade de Caxias do Sul. Surpreendida em seu apartamento por um ladrão que a ameaçava com uma faca de cozinha, uma senhora de 86 anos tirou da gaveta um revólver calibre 32 que pertencera a seu marido e que estava sem uso há mais de 30 anos e o matou com três disparos.

O terceiro caso aconteceu na região de Cidade Dutra, na zona sul de São Paulo. Rendido em sua loja por dois assaltantes e levado até um banheiro, um comerciante de produtos de informática aproveitou um momento de distração dos bandidos, sacou uma pistola Glock 380 que guardava na mochila e disparou contra os bandidos. Um deles também disparou um revólver calibre 32. Os bandidos foram feridos e morreram logo após dar entrada no Pronto-Socorro do Grajaú. A loja já havia sido assaltada oito vezes nos últimos três anos.

Apesar de terem agido em legítima defesa, nos três casos as vítimas dos assaltantes podem se converter em réus de ações criminais, correndo o risco de serem condenadas a penas privativas de liberdade a serem cumpridas em prisões de segurança máxima, o que representa uma absurda inversão de valores.

Por não ter registro de arma, por exemplo, a idosa de Caxias do Sul está sendo indiciada por crime de homicídio doloso - quando há intenção de matar. Pela legislação processual penal em vigor, explicou o delegado responsável pelo caso, sua tarefa é apenas elaborar o inquérito criminal e enviá-lo para a Justiça. A propositura de uma ação penal cabe ao Ministério Público e o acolhimento do pedido e a posterior condenação ou absolvição da acusada são de responsabilidade de um juiz criminal.

Já os proprietários da joalheira de Porto Alegre e da loja de informática de São Paulo tinham suas armas registradas pela polícia, como manda a Lei do Desarmamento. Apesar disso, os delegados responsáveis pelo inquérito criminal deixaram-se levar por um formalismo que parece exagerado.

No caso do comerciante paulista, por exemplo, o delegado colocou em dúvida a tese de legítima defesa e, alegando indícios de "reação excessiva" e "excesso doloso", pois um dos assaltantes era menor de idade, prendeu o comerciante na carceragem da delegacia. As testemunhas relataram que os assaltantes agiram com violência e que, após o tiroteio, o comerciante esperou a chegada da polícia, apresentou a arma e prestou depoimento. "Quanto à possibilidade do reconhecimento da legítima defesa, submeto à apreciação do Poder Judiciário, ouvindo representantes do Ministério Público", disse o delegado responsável pelo inquérito.

Ficou evidente que a idosa e os comerciantes apenas reagiram, defendendo seu patrimônio e sua vida. Como imputar exagero na reação que tiveram ao ter a vida ameaçada? Por que indiciá-los e convertê-los em réus, obrigando-os a gastar a poupança de uma vida para contratar advogados de defesa, uma vez que eram pessoas honestas colocadas sob risco em suas residências e locais de trabalho? Apesar de serem obrigados a observar a legislação processual penal, que tem mais de 70 anos, por que os delegados de polícia se deixaram levar por tanto formalismo?

A falta de bom senso na interpretação das leis propicia, assim, um cenário surrealista, no qual têm direitos os bandidos, devendo as vítimas de atos criminosos curvar-se à vontade de seus algozes. E quem se defende dentro de sua própria casa vai para a cadeia por ter ferido um criminoso. Não existe mais legítima defesa?

Saldos comerciais enganosos - PATRICIA MARRONE


O Estado de S.Paulo - 30/06


Foi-se o tempo em que todos os estágios de produção industrial permaneciam dentro de uma única fronteira nacional. O avanço dos meios de transporte e das tecnologias de informação e de comunicação facilitou a criação de redes de produção globais com o deslocamento internacional de partes, componentes e produtos semiacabados. Estima-se que, atualmente, o comércio global em bens intermediários represente 56% do comércio total de bens industriais (Miroudot, S. Lanz R. & Ragoussis, A, Trade in intermediate goods and services, OECD Trade Policy Working Paper, 93 - 2009).

Quanto a isso, um exemplo muito citado na literatura detalha a composição do valor do iPhone4, da Apple. Do seu valor de fábrica na China, US$ 187, apenas US$ 21 são gerados em fábricas locais, já que a maior parte dos componentes é do Japão, dos Estados Unidos e da Coreia do Sul.

Com a generalização da integração produtiva, os dados de fluxos de comércio (importações e exportações) passaram a fornecer uma perspectiva equivocada de onde o valor é gerado, já que são medidos pelos valores de entrada e saída, em sucessivos cruzamentos de fronteiras, com o que não refletem o valor adicionado localmente.

Assim, o efetivo resultado da balança comercial em termos de valor adicionado pode diferir bastante do saldo mostrado pelos preços dos bens finais comercializados. Estudos da OMC mostram que o superávit chinês com os Estados Unidos, obtido por meio dos dados brutos de comércio, seria 40% menor se contabilizado pelo valor adicionado. Daí a natureza enganosa dos desequilíbrios em balanças comerciais. Portanto, medir o comércio em valor adicionado seria importante para entender onde a competitividade é gerada no lado da oferta. Já os dados brutos de exportações e importações continuam a servir para identificar quem compra os produtos.

Wassily Leontief, economista premiado com o Nobel, sistematizou as relações intersetoriais de uma economia, mostrando o produto final de um setor como insumo para outro, na forma de uma matriz, denominada de insumo-produto. E, para entender as participações nacionais nessas cadeias de valor, elas foram aplicadas também aos fluxos de comércio entre países, procurando separar informações sobre bens finais de bens intermediários. Com isso, foi possível calcular, por exemplo, que a parcela do valor adicionado importada e posteriormente exportada tenha correspondido a 21,5% das exportações globais e a 12,7% nas exportações brasileiras em 2004 (Koopman, R. e outros: Give credit where the credit is due: tracing value added in global production chains - NBER Working Paper 16426, September 2010).

Outros estudos mostram que a indústria dos grandes países desenvolvidos vem apresentando participações crescentes de produtos intermediários em suas exportações e também importações decrescentes destes, enquanto grandes países em desenvolvimento têm apresentado o movimento no sentido inverso. China e México são os mais integrados em cadeias produtivas globais. Conforme a OCDE, de 1995 para 2010 os produtos intermediários saltaram de 68% para 77% da pauta de importações chinesa. A evidência é também válida para o Brasil, onde houve crescimento de 62% para 68% das importações de produtos intermediários nesses 15 anos, segundo a mesma metodologia. Em 2004, nossa pauta de intermediários importados chegou ao ápice de 77%, mas, provavelmente, devido à valorização do real, deixamos de participar da cadeia global de valor, retroagindo aos 68% atuais.

Entre outras, as implicações para o Brasil são: nossas políticas industriais devem estimular a inovação em produtos, estimular a especialização em estágios de produção nos quais o valor adicionado possa ser ampliado internamente e melhorar as condições para que as cadeias industriais busquem maior participação da indústria nacional no contexto global.

CLAUDIO HUMBERTO

“Está tudo preparadinho; não há nada fora do script”
Ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, e o julgamento do mensalão


NOVES FORA, NADA: PUNIÇÃO AO PARAGUAI É INÓCUA

A “punição” do Mercosul ao Paraguai, anunciada em Mendonza, não produzirá qualquer efeito, exceto pelo gesto político de solidariedade ao ex-bispo Fernando Lugo. Agonizante, o Mercosul já não existe como sugere a expressão “mercado comum”, que o inspirou, em razão de medidas protecionistas de todos os países-membros. O organismo, hoje, é só uma espécie de convescote onde presidentes fingem unidade.

JÁ MORREU

A ideia de “mercado comum” foi substituída por uma tentativa ainda mal sucedida de “união aduaneira”, sempre sabotada pela Argentina.

MAIS O QUE FAZER

Afastar o Paraguai do Mercosul significa, na prática, que seu presidente apenas será poupado de participar de reuniões com demais colegas.

APEQUENOU-SE

“Maria-vai-com-as-outras”, o Brasil ignorou os brasiguaios, mais de 400 mil brasileiros perseguidos por Lugo, e que apoiam o atual governo.

TIRO NO PÉ

Além de curvar-se, o Brasil deu um “golpe” na sua tradição diplomática: o Paraguai não votou a própria saída e a Venezuela entrou pela janela.

DELTA RECEBEU QUATRO VEZES MAIS EM 2011, NO DF

O governo do Distrito Federal pagou mais de R$ 92,8 milhões – dos R$ 111,2 milhões empenhados – à empreiteira Delta em 2011, primeiro ano de gestão de Agnelo Queiroz (PT). Segundo dados do Tribunal de Contas do DF, encaminhados à CPI mista do Cachoeira, o valor é quatro vezes maior que o total pago à Delta em 2010, quando foram repassados

R$ 19,4 milhões, dos R$ 25,7 milhões empenhados.

RECORDISTA

O governo do DF pagou à Delta em 2011 o maior valor dos últimos dez anos. Em 2009, os pagamentos chegaram a R$ 46,9 milhões.

CONTRATOS MILIONÁRIOS

Em 2012, dos R$ 45,8 milhões empenhados, foram pagos R$ 27,5 milhões à Delta, segundo levantamento do Tribunal de Contas.

GESTÕES ANTERIORES

Agnelo Queiroz negou, em depoimento à CPI do Cachoeira, que seu governo tenha assinado quaisquer contratos com a Delta.

MARATONA

O vice-presidente da República, Michel Temer, e o presidente do PMDB, senador Valdir Raupp (RR), participam, neste sábado, de três convenções do partido: em Natal (RN), João Pessoa (PB) e Campina Grande (PB).

OLHO NO SENADO

O governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), ajudou a costurar a aliança PPS-PSB pela reeleição do prefeito Luciano Ducci em Curitiba. E quer manter aliança com os dois partidos para o Senado, em 2014.

SAUDOSISMO, NÃO

Ex-presidente do Senado, o deputado Mauro Benevides (PMDB-CE), no 11º mandato parlamentar, não dá palpite sobre a sucessão do presidente José Sarney: “Seria entendido como eiva de saudosismo”.

RENOVAÇÃO

O Senado vai gastar R$ 558 mil com fornos de micro-ondas e elétricos, cafeteiras, frigobares, fogões e freezers, além de cabeceiras de camas king size para os ilustres garantirem noites tranquilas de sono.

O CÉU NA TERRA

Se aprovada a aposentadoria só aos 60 para mulheres e aos 65 para homens, o leitor Delmiro Gouveia, de Maceió (AL) acredita que para se aposentar bastará aos brasileiros apresentar atestado de óbito.

TELHADO DE VIDRO

O gasto inútil da Rio+20 se reflete até na falta de planejamento: alugaram toldos por R$ 509,5 mil, na última hora, sem licitação, para o Riocentro. Alguém pensou que poderia chover, ou fazer sol...

OS NOVOS RICOS

Cresce o número de roubos a brasileiros em Paris. A embaixada não dá conta das queixas: gatunos afanam no metrô, na Torre Eiffel, nos restaurantes e em lojas da Champs-Élysées, e violam malas nos hotéis.

MELHOR PREVENIR

Médicos precavidos estão guardando fotos do “antes e depois” para enfrentar a onda de ações por “dano moral” por “plástica mal feita” movidas por dondocas da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.

PENSANDO BEM...

...com a entrada de Hugo Chávez no Mercosul, o Brasil, além do “pai” e da “mãe” dos brasileiros, agora também tem o “tio”.


PODER SEM PUDOR

MARCAÇÃO CERRADA


Quando o presidente Jânio Quadros renunciou, o vice João Goulart visitava a China e os militares diziam não aceitar sua posse. Até democratas sinceros pediam a desistência de Jango. Já em Paris, na viagem de volta, ele recebeu um telefonema preocupado de Juscelino Kubitschek, advertindo que o País estava “à beira de uma guerra civil”. O senador Barros Carvalho, que acompanhava João Goulart, tomou o telefone e calou JK:

– Não haverá renúncia. Eu não vou deixar. Agarro as mãos do presidente e não largo, mas ele não assina a renúncia!

SÁBADO NOS JORNAIS


Globo: Censo do IBGE: Brasil é menos católico e ainda mais evangélico
Folha: Mercosul aproveita ausência do Paraguai e inclui Venezuela
Estadão: Com Paraguai fora, Mercosul abre as portas à Venezuela
Estado de Minas: A batalha da fé
Jornal do Commercio: Mução liberado após irmão assumir culpla
Zero Hora: Estado tem a maior diversidade religiosa do país, mostra IBGE