domingo, abril 18, 2010

DANUZA LEÃO

Um final feliz, dentro do possível
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 18/04/10


Assim passaram a tarde, driblando as enfermeiras, conversando e rindo. No início da noite, ele se foi


O QUE SERÁ menos pior: ter uma morte relativamente em paz, com o auxílio de todos os procedimentos para evitar a dor, ou passar dias, semanas, talvez meses, rodeado de médicos e enfermeiras, cheio de tubos, com estranhos aparelhos em volta, lúcido, talvez -o que é bem pior-, para poder viver por mais alguns dias, semanas, talvez meses? Difícil, a resposta.
Mesmo assim, merece palmas o novo Código de Ética Médica, que dá ao paciente o direito de decidir se o médico deve ou não continuar o tratamento para prolongar sua vida.
Esse paciente, em caso de impossibilidade, pode registrar em cartório o "testamento vital", delegando poderes a alguém para decidir quais os procedimentos que autoriza (ou não), sobretudo para cessar esforços inúteis para ter mais algum tempo de vida, sabe-se lá de que maneira.
A ideia é boa, mas não imagino alguém, em boa saúde, indo ao cartório para fazer esse testamento. Se já estiver mal, a ideia de levar o tabelião ao hospital é terrível. E afinal, delegar a alguém o direito de decisão sobre nossa vida é muito sério. E essa pessoa, será que aceita tal responsabilidade? É aí que começam os problemas, sobretudo se o doente for rico, pois deve ser alguém de total confiança, que não deixe a menor dúvida quanto à sua decisão. E, de preferência, que não seja herdeiro.
Ainda vai haver muita briga em torno desse Código de Ética. Os médicos, para cessarem com os procedimentos, vão querer ver o tal testamento (com firma reconhecida), e se o próprio doente disser que não quer que prolonguem sua vida, já que não existem esperanças, vão querer isso por escrito, para evitar um processo futuro.
Quem ainda não botou sua colher torta no assunto foi a Igreja. É bem verdade que no momento ela está mal na foto, mas é claro que vai dar seus palpites e dizer que a vida é sagrada etc. e tal. Tão sagrada que não é permitido aos católicos o uso de nenhum contraceptivo, mesmo em caso de risco de morte. E a igreja está perdoando tanto -sem nem precisar pedir- que perdoou os Beatles pela blasfêmia ("somos mais famosos do que Jesus") e anos de sexo, drogas e rock and roll; já já estará perdoando os padres pedófilos.
A verdade é que essa história de morte é muito malfeita, e as pessoas não deveriam morrer, apenas tomar um avião e nunca mais dar notícias.
Os amigos poderiam até reclamar, "poxa, nem um telefonema, nem um e-mail com uma foto", mas com o tempo iriam se esquecendo.
Eu tinha um amigo que ficou longo tempo no hospital sofrendo por um monte de coisas. Num determinado momento de um determinado dia, ele percebeu que estava chegando a hora -ou apenas cansou, nunca vamos saber. Fez um sinal para a mulher, com quem já tinha combinado tudo, ela ligou o iPod com as músicas de que ele mais gostava, tirou da bolsa uma garrafa de uísque, serviu dois, um para cada um, em copos que havia trazido de casa, com gelo e soda, que vieram em um pequeno isopor. Enquanto tomavam a primeira dose, ela, que o havia obrigado a deixar o vício de fumar há anos e que nem fumante era, abriu um maço de cigarros, tirou um, acendeu e pôs na mão dele, que sorriu como não fazia há tempos. Assim passaram a tarde, driblando as enfermeiras, conversando e rindo. No início da noite, ele se foi; ela, quase feliz, por terem usufruído, juntos, algumas horas de bem-estar. Houve quem dissesse que eram dois loucos.
Algum tempo depois foi sua vez; passou por todos os sofrimentos de praxe dentro de um hospital, e imagino que tenha pensado em como seria bom ter alguém que lhe oferecesse uma bebida que a ajudasse a ficar levemente eufórica, só que num hospital essas coisas não existem.
Uma pena, aliás. E essa história é verdadeira.

JANIO DE FREITAS

Os bilhões falsos do autoritarismo
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 18/04/10


Custo alegado pelo governo da hidrelétrica de Belo Monte não inclui gastos adicionais, subsídios e perdas do BNDES


MAIS uma vez se pode testemunhar com clareza o quanto a conduta presidencial de Lula está impregnada de autoritarismo. Como de desajuste com a pedagogia necessária a uma democracia mais real no Brasil. A imposição, com o comprometimento presente e futuro de recursos incalculáveis, da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu paraense, só deixa à sensatez uma esperança tênue no Judiciário.
Marcado para terça-feira, o leilão entre dois consórcios, para decidir o vencedor da obra e da exploração da hidrelétrica, ainda está sujeito à suspensão por medida judicial. O juiz Jirair Aram Meguerian cassou a liminar que sustava o leilão, mas Renato Brill de Góes, procurador da República, dispôs-se a recorrer para que a palavra judicial seja, ao menos, da Corte Especial do Tribunal Regional Federal de Brasília, e não individual. Adiar o leilão, porém, é apenas um recurso temporário e incapaz de deter a vontade autoritária, para que a decisão final surja do confronto entre a pressa interessada do governo e as evidências contrárias à hidrelétrica.
Os R$ 19 bilhões de custo da usina são uma alegação falsa do governo. Seria, se fosse real, o custo da usina em si. Mas há o custo de infraestrutura da região, os custos adicionais de transmissão da energia, e, claro, os reajustes. A proibição contratual dos reajustes pode impedir certas elevações, mas não, por exemplo, as de imprevistos decorrentes -é certo que haverá- da falta de conhecimento pleno da geologia local para o projeto.
O custo alegado da usina para o país é falso ainda porque não inclui os grandes e duradouros subsídios dados pelo governo aos construtores/concessionários. Não inclui a perda do BNDES, que financiará com juros privilegiados 80% do custo da hidrelétrica, caso o dinheiro se destinasse a outros projetos. E não inclui, também, o prejuízo federal do repasse de dinheiro ao BNDES, pelo governo, abaixo do custo de captação. Por fim, é falso porque a graciosidade do financiamento não se limitará aos 30 anos alegados, mas, a custo tão baixo para o devedor, as prorrogações habituais o levarão a um bom meio século.
Você sabe quem pagará tudo isso? Não importa. Pagará sabendo ou não.
O fato de ser a terceira maior hidrelétrica do mundo não justifica tudo? É outra falsificação. Grande, no caso, pode ser o represamento, sobre a floresta amazônica e zonas hoje habitadas, mas não em geração de energia. Mesmo considerando médias anuais, os números do governo são pífios em relação ao gigantismo da obra e seu custo (financeiro, social e ambiental). E os números se arruinam em definitivo ante a realidade de que, no estio, a redução do volume de água vai se refletir em redução da energia gerada. Indústrias, transportes, comércio e moradias não sustam sua necessidade de energia por causa de estio periódico.
Muitas obras do PAC são do mesmo gênero de Belo Monte, boa parte escolhida ou precipitada por motivo eleitoral. São bilhões sem conta. Outros bilhões, muito misteriosos, são as dezenas aplicadas em armamentos, bases e projetos militares. Como se houvesse um país que tudo pode à custa do país grande, e um país grande que de nada sabe, apenas paga -também sem saber.

VOLVER!

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Zapeando 

João Ubaldo Ribeiro

O GLOBO - 18/04/10


Não dá para continuar a ver e ouvir, no close dado pelo noticiário de TV, o único sobrevivente de uma família dizimada pelos deslizamentos de terra e lixo no Rio de Janeiro. As estatísticas que já transformam em números essas famílias e pessoas não apagam – para mim e para, tenho certeza, a maioria de vocês – suas histórias individuais e é muito doloroso pôr-se, mesmo que tão vicariamente, na pele deles. Gente confrontada por vicissitudes terríveis, mas espantosamente forte e capaz ainda, em meio a perdas irrecuperáveis e desnorteantes, de pensar racionalmente, de fazer planos, de ainda acreditar em alguma coisa. Gente de muito mais fibra do que eu, com toda a certeza, que esfrio de pavor só em imaginar achar-me em situação semelhante.
Mas o telejornal muda de foco e passa a ouvir as autoridades. Os adjetivos comumente atados à palavra "autoridades", ou seja, "responsáveis" ou "competentes", parecem agora empregados em lugar de seus antônimos, soam como ironia de quem fala. Diz uma dessas autoridades que as chuvas que causaram os desmoronamentos resultaram em catástrofes tão inevitáveis quanto os tsunamis, como se as vítimas destes construíssem residências em palafitas de compensado no meio do oceano, ou qualquer coisa assim. Diz mais ainda que não mandou chover, e suponho que os munícipes devem agradecer por ele se abster de fazer isso, ainda que abdicando de um privilégio singular.
Sim, claro que a responsabilidade não é de ninguém e quem pagou foi quem morreu e seus sobreviventes. Tudo dentro da normalidade, da mesma forma que a outra reportagem que apareceu depois que mudei de canal, desta vez sobre o ex-governador Arruda. Ouço que está muito abatido, talvez em depressão. Lembro das minhas velhas aulas de Medicina Legal, quando me ensinavam que muitos criminosos não ficavam abatidos devido a remorsos pelos seus atos, mas, sim, ao fato de terem sido descobertos ou desmascarados. Não será esse o caso em questão, talvez. Deve atentar-se à circunstância de que o ex-governador não é criminoso ainda, mas apenas suspeito, não só porque não foi condenado nem se sabe se será, como porque aquela gravação em que aparecia metendo a mão na granolina deixa muita margem para dúvida, conforme observado pelo presidente da República. Apresso-me a informar que, acima, usei "criminosos" apenas como força de expressão e também tenho sérias dúvidas sobre aquela gravação. Teriam sido notas de cem, cinquenta ou sortidas? Eram todas verdadeiras, nenhuma falsa? Eram novas ou usadas? Por aí vai, é dúvida demais para continuar a sustentar acusações levianas.
O abatimento do ex-governador deve persistir, talvez com altos e baixos, pelo menos enquanto o julgamento não se realizar, se se vier a realizar. Funciona bastante, aqui no Brasil. O comentário é "coitado, é muito difícil para ele, um homem com poder e status como ele tinha, agora nessa situação, é o castigo mais duro que ele pode receber". É possível. Pelo menos no nosso direito consuetudinário, ficar abatido e deprimido funciona bastante, podendo redundar até mesmo em exclusão de punibilidade. Já vi um delegado explicar a um jornalista que o atropelador bêbedo, por ele preso depois de atropelar cinco ou seis pessoas, aleijar todas e matar uma, tinha acordado morto de remorsos, coitado, um verdadeiro farrapo de sentimento de culpa, vergonha e arrependimento, tanto assim que, mal acabara de ser solto mediante uma pequena fiança, procurara atendimento psicológico e estava sob tranquilizantes.
Mudo de canal, mas que vejo? Brasília é também objeto das notícias deste aqui, só que agora a respeito das novas eleições para governador do Distrito Federal. Eleição disputada, muitos candidatos. Ainda bem que, como nos bons tempos, é indireta, não vai dar muita despesa. Entre os seletos eleitores, um deputado recém-egresso de uma temporada na cadeia de Papuda. Bonito colégio eleitoral, essa nossa capital é um exemplo. Vislumbro nisso mais um tento para nós, na legislação paradisíaca que imaginamos existir no cobiçado Primeiro Mundo. Podemos ser os pioneiros em dar aos presidiários direito a eleger, dentre os outros presidiários, seus representantes no Congresso, sem prejuízo dos que já estão lá, é claro. Os eleitos serão soltos e empossados e, se voltarem a assaltar, sequestrar ou estuprar, estarão novamente sujeitos às rigorosas penas da lei, caso o foro especial a que terão direito os condenar.
Quem sabe, talvez um dos canais anteriores traga notícias que inspirem pensamentos menos inquietantes. Mas não, aqui está o caso do psicopata que matou vários jovens, depois de violentá-los. Como se sabe, havia sido preso e condenado, mas teve a prisão relaxada por bom comportamento. Certamente esse bom comportamento se deveu em grande parte ao fato de não haver meninos na penitenciária. Todo mundo sabe que psicopata não se cura nem se recupera e esse ilustrou isso claramente, quando voltou a matar apenas dias depois de ter saído da prisão. Mas quase ninguém, inclusive, ao que parece, o juiz responsável pela soltura, ligou para isso. E não importa tantos meninos terem sido assassinados, o que importa é que nossas leis são as mais adiantadas do mundo (sempre me pareceu que lei adiantada para país atrasado é que significa atraso, mas deve ser burrice minha) e nossa Justiça funciona.
Tanto funciona que também se noticia que um cidadão que reagiu a um assalto domingo e matou um dos assaltantes ficou preso até a quarta-feira passada. Foi em legítima defesa e a arma era do próprio assaltante, mas somente a Justiça poderá determinar isso, sabe-se lá quando. É o que dá o sujeito reagir a assalto e não morrer. Vai preso, para aprender a não desobedecer à orientação da autoridade. E, libertado, ainda viverá com medo de uma possível vingança do assaltante sobrevivente. É, parece que não adianta muito mudar de canal.

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

O advogado de Ahmadinejad

EDITORIAL

O Estado de S.Paulo - 18/04/10

Se cobrasse honorários por desempenho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia apresentar uma alentada fatura ao seu homólogo iraniano Mahmoud Ahmadinejad pelos extenuantes serviços de advocacia que lhe prestou nos últimos dias. Desacreditando a própria versão oficial de que a intenção do governo brasileiro era mediar o conflito sobre o programa nuclear do Irã, Lula se comportou como patrono de Teerã nas suas reuniões bilaterais com os líderes estrangeiros vindos a Brasília para dois encontros de cúpula: o do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) e o do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China).
O chinês Hu Jintao, o indiano Manmohan Singh, o russo Dmitri Medvedev e o sul-africano Jacob Zuma ouviram dele o que ouviriam de Ahmadinejad: que a adoção, pelo Conselho de Segurança (CS) da ONU, de uma nova rodada de sanções contra o Irã, buscada pelos Estados Unidos e a União Europeia, seria inútil ou contraproducente, e que o diálogo é a única via para o país prosseguir com o programa nuclear a que tem direito e a comunidade internacional se convencer dos seus fins pacíficos. Na véspera, de volta da Cúpula de Segurança Nuclear, em Washington, Lula já havia criticado abertamente o presidente Obama.
"O que acho grave é que ele até agora não conversou com o Irã", acusou. Na realidade, o sexteto formado pelos EUA, Alemanha, Grã-Bretanha, França, Rússia e China vinha conversando intermitentemente com a República Islâmica, sem resultados. Lula, que visitará Teerã daqui a um mês, temperou a sua defesa da posição iraniana com o reparo de que o país "tem de ser mais transparente para mostrar que a finalidade de seu programa é pacífica". Pelo visto, ele acredita nas intenções declaradas do Irã: o problema estaria apenas na sua opacidade. Como se isso não fosse indício veemente de seus planos para, no mínimo, chegar ao limiar da produção da bomba.
Lula tem afirmado que em 2003 o mundo foi induzido a crer que o Iraque tinha armas de destruição em massa - e que isso não pode se repetir com o Irã. O fato é que Saddam agia como se as tivesse, ao passo que Ahmadinejad age como se não quisesse tê-las. Lula também anunciou que falará "olho no olho" com Ahmadinejad "e, se ele disser que vai construir (a bomba), vai arcar com as consequências do seu gesto". Só mesmo a sideral soberba do presidente para levá-lo a imaginar que o seu anfitrião poderá se confessar com ele. Saindo do terreno da galhofa, o que o Brasil propõe é ressuscitar as negociações sobre a troca de urânio iraniano enriquecido a 3% pelo equivalente russo e francês de 20% de teor, para a produção de isótopos de uso medicinal.
A ideia, discutida em outubro passado na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), visava a reduzir os estoques iranianos de material passível de enriquecimento a 90%, necessário para a bomba. A tentativa de testar a boa-fé do Irã gorou quando Ahmadinejad exigiu que a troca fosse simultânea, o que a tornaria inócua para o objetivo desejado.
Foi a gota d"água para os Estados Unidos passarem a dar prioridade às sanções. Assim como as 3 anteriores, desde 2006, elas resultam das trapaças do Irã com a AIEA, sonegando informações requeridas e ocultando instalações e equipamentos sensíveis.
O retrospecto, é bem verdade, indica que as punições de nada serviram - ou porque saíram aguadas do Conselho de Segurança, sobretudo por obra da China, ou porque foram desrespeitadas até por empresas americanas. É incerto o efeito das próximas, se e quando forem aprovadas. Se forem robustas e receberem maciço apoio internacional, talvez levem os iranianos de volta à mesa, para uma negociação que poderia ser muito mais abrangente, como propõem especialistas em Oriente Médio e diplomatas - desde que o Irã deixe de pregar a destruição de Israel. A questão-chave é a posição da China, que mantém as suas cartas perto demais do peito para permitir prognósticos seguros do seu jogo.
Pequim reluta em punir o Irã que lhe vende 12% do seu petróleo e gás. Mas teria concordado em ao menos discutir as sanções com os outros membros do CS. Eis uma atitude mais madura - ou mais esperta - do que a do Brasil, advogando para Teerã.

A TERRORISTA MENTIROSA

PAU MANDADO

MÍRIAM LEITÃO

Bloco desigual
MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 18/04/10

A minha parte favorita do PAC chinês é aquela que prevê intercâmbio entre os partidos brasileiros e o Partido Comunista Chinês. O que será que os partidos brasileiros podem aprender com eles? Talvez ensinem como controlar de forma tirânica um país continental por 60 anos, submeter tibetanos, matar estudantes numa praça e censurar a internet.

Poderia ser, também, como criar uma reserva de mercado para os militantes do partido em todos os postos importantes da burocracia, e assim ocupar a máquina do Estado. Mas para isso já há tecnologia local.

Na área comercial, é interessante a parte do acordo em que os dois países se comprometem a intensificar medidas para a exportação de carne suína, porque os chineses acabam de fazer o oposto. O empresário Pedro de Camargo Neto, da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), foi surpreendido, na quinta-feira, com o anúncio de mais um adiamento da visita sanitária que o governo chinês faria ao Brasil, em maio. Isso é uma etapa obrigatória para suspender o embargo à carne brasileira.

— Lula esteve na China em maio, e eles disseram que mandariam uma comitiva ao país. Nada aconteceu.

Estive na China em fevereiro, e eles disseram que mandariam a comitiva no final de maio. Hoje, fico sabendo que a vinda foi adiada para setembro. A impressão é que os chineses só querem vender, nunca comprar.

O Brasil faz papel de bobo nessa relação — disse o empresário.

O acordo entre os bancos de desenvolvimento finge tornar iguais criaturas totalmente diferentes. A China tem uma taxa de poupança de 53%, e no Brasil se comemora quando ela chega a ser 18%. O BNDES disse que uma das modalidades será assim: Brasil e Índia fazem um projeto que é financiado pelos bancos dos dois países e cofinanciado por um terceiro. Imagine o contrário: o BNDES cofinanciando um projeto russoindiano? Hoje, o Brasil tem sido principalmente exportador de commodities. O Brasil exporta minério e soja, como a Rússia exporta petróleo. A China tem exportado produtos de valor agregado, e a Índia tem investido em tecnologia de informação.

— Não é preciso muito esforço para vender matériaprima — diz José Augusto de Castro, da AEB.

Em 2009, pela primeira vez a Índia ultrapassou o Brasil no comércio internacional.

Foram US$ 155 bilhões em vendas, contra US$ 153 bilhões do Brasil. Uma virada dos indianos, que em 1980 exportavam menos da metade do valor brasileiro: US$ 8 bilhões contra US$ 20 bi. A arrancada foi puxada pela venda de manufaturados e de serviços, produtos com maior valor agregado, como carros, computadores e softwares.

A economia indiana conseguiu crescer mais em 2009 (7%) do que em 2008 (6,7%).

A explicação para o bom desempenho está na alta taxa de poupança do país, em torno de 37% do PIB, mas o governo abriu um enorme déficit nas contas públicas com os programas de estímulo. A previsão da agência Fitch é que em 2010 e 2011 o país vai crescer 8% e 8,5%. Mas o crescimento está aumentando perigosamente a inflação.

A China anunciou na quintafeira que o PIB do primeiro trimestre fechou com alta de 11,9%, e o temor de novo é de superaquecimento. Parte desse desempenho é turbinado pelo que mais prejudica o Brasil e o resto do mundo: um câmbio absolutamente artificial.

O que torna a relação comercial chinesa desleal.

Os analistas que acompanham as relações comerciais entre os dois países dizem também que o Brasil é passivo diante das decisões chinesas.

Rodrigo Maciel, do Conselho Empresarial BrasilChina, acredita que os investimentos chineses serão maiores nos próximos anos, mas diz que os produtos brasileiros têm dificuldade de entrar na China, principalmente os agrícolas. Com 60% da população vivendo no campo, cerca de 800 milhões de pessoas, o país não vai abrir sua economia.

— Na rodada Doha, China e Brasil estão em lados opostos na questão agrícola. Os Bric não são um bloco formado, e não acredito que possam vir a ser. Os interesses são muito diversos, principalmente na questão agrícola — afirmou Rodrigo Maciel.

José Augusto de Castro acha que o Brasil, na relação com a China, não consegue tirar proveito nem quando está em situação de vantagem, como na soja, onde há apenas três grandes produtores: Brasil, Estados Unidos e Argentina. Ele teme que os chineses tentem impor preços baixos jogando com a possibilidade de comprar mais da Argentina.

— Nada que a China faz acontece por acaso. Eles têm planejamento em suas ações e fazem o que querem com o Brasil. No caso da soja, o cenário é amplamente favorável, e não conseguimos tirar proveito. A China já está negociando isoladamente com a Argentina, e vai conseguir impor preços mais baixos ao Brasil. Precisamos endurecer o jogo, a exemplo do que faz a Vale na negociação do minério de ferro — disse.

Dos Bric, a Rússia foi o mais afetado pela crise: recessão de 7,9% em 2009. O sétimo pior resultado de todos os países analisados pela Fitch. A previsão para este ano é de crescimento de 4,5%.

A recuperação deve ser puxada pelo aumento do preço do petróleo. A inflação também é um problema, mas a crise derrubou a taxa de 13,3% para 8,8%.

Encontros como esse são importantes e serão cada vez mais frequentes com o aumento do peso do Brasil, mas é bom separar delírio de fato.

Os quatro países que formam a sigla Bric não formam um bloco, são diferentes, e em algumas questões são antagônicos.

Há vários interesses comuns, muitos negócios bons para todos os lados, mas é preciso evitar o delírio de que está se formando uma liga contra os “outros”, e ser mais pragmático na defesa de nossos próprios interesses.

PAINEL DA FOLHA

PTB em disputa
RENATA LO PRETE

FOLHA DE SÃO PAULO - 18/04/10

Sem perspectiva de diálogo com Roberto Jefferson, o PT corteja Campos Machado, líder do PTB em São Paulo, para abortar uma aliança que pode acrescentar preciosos 43 segundos ao tempo de TV de José Serra, hoje em desvantagem nesse quesito na comparação com Dilma Rousseff. O mais recente capítulo dessa corte, da qual até José Dirceu já participou, foi uma visita feita a Campos, na quarta, por Emídio de Souza.
Embora o prefeito de Osasco coordene a campanha de Aloizio Mercadante, nem o mais otimista dos petistas acha possível retirar Campos da órbita de Geraldo Alckmin, a quem é muito ligado. O objetivo real é evitar a aliança nacional PSDB-PTB. Campos rebate: "Missão impossível". Mas o PT não desistirá.


Ventos. O mais recente Datafolha, no qual Serra aparece dez pontos à frente de Dilma, indica recuperação da petista no Sul do país: ela subiu cinco pontos nesse segmento, e ele caiu três. Enquanto o PT já tem candidaturas na rua em dois dos três Estados da região, o PSDB sofre com a dificuldade de Yeda Crusius em atingir dois dígitos no Rio Grande do Sul e vive um dos piores impasses para montar palanque em Santa Catarina.

Sem efeito. Os números também mostram que, a despeito de toda a mobilização da campanha de Dilma em busca do eleitorado feminino, ela continua estacionada nesse segmento em 22%. Serra manteve o viés de alta, registrando hoje 38% da preferência entre as mulheres.

Demarcação. A programação de Serra amanhã em Minas incluirá encontro com prefeitos. Trata-se de ação preventiva contra o voto "Dilmasia" ou "Anastadilma", híbrido que chegou a ser defendido pela petista em visita ao Estado. A ideia é que o governador-candidato Antonio Anastasia repita, desta vez ao lado do próprio, que Serra é o seu nome para a Presidência.

Frugal. Sopa e nada mais foi o cardápio do jantar oferecido na quarta por Michel Temer à cúpula petista. Segundo correligionários do presidente do PMDB, assim o PT será tratado de agora em diante. Carne gorda apenas quando (e se) fechar a aliança em Minas.

Fatura. O PSB se reunirá na terça para tratar da agônica candidatura presidencial de Ciro Gomes. Em pauta também estará a reabertura do diálogo com o PT. Inicialmente, a reivindicação é apoio aos candidatos do partido ao governo no Distrito Federal, Espírito Santo, Amapá e Piauí. A chance de a sigla conseguir o pacote completo é quase nula, mas trata-se de negociar.

Que fase! O Tribunal Superior Eleitoral ameaça arquivar, por fragilidades técnicas, a consulta do PSB que poderia garantir mais tempo de televisão a Ciro. O relator é o ministro Aldir Passarinho.

Troco. A base aliada de Cid Gomes (PSB-CE) promete instalar nesta semana a CPI da Saúde, cujo alvo é a administração de Fortaleza. O governador, irmão de Ciro, tem 44 dos 46 deputados. A prefeita Luizianne Lins (PT) acaba de desfilar pela capital em campanha com Dilma.

Não saio. De Fernando Gabeira (PV), negando a hipótese de abdicar da candidatura no Rio em virtude das dificuldades de acomodação em sua aliança: "Quem gostaria que eu desistisse é o governador, que aí poderia sair em viagem e nem fazer campanha".

Um... Contrariado com as mudanças no secretariado feitas por seu sucessor, Orlando Pessuti (PMDB), e com o fato de este ter oferecido palanque a Dilma no Paraná, Roberto Requião (PMDB), que disputará o Senado, pediu para ser recebido por Lula.

...e outro. Do outro lado, o PSDB convidou Osmar Dias (PDT) a disputar o Senado na chapa de Beto Richa. Dias aguarda última conversa com Lula em busca de apoio do PT a sua candidatura ao governo.
com SILVIO NAVARRO e ANDREZA MATAIS

Tiroteio

"Na última eleição presidencial, um eleitor mordeu o dedo do outro no Rio de Janeiro. Nesta, se continuar assim..."
Do presidente nacional do PT, JOSÉ EDUARDO DUTRA , lembrando incidente de 2006 no qual uma simpatizante de Lula teve parte do dedo arrancado por uma eleitora de Alckmin numa briga de bar.

Contraponto

Te vi na TV

Numa manhã de domingo, o ministro Cezar Peluso, que nesta sexta-feira assumirá a presidência do STF, dirigiu-se ainda de pijama até a porta de casa para pegar os jornais. Ao abri-la, foi cumprimentado por um vizinho, que elogiou seu desempenho na Corte, mas fez uma ressalva:
-O senhor precisa parar de fazer assim- e cobriu parcialmente o rosto com uma das mãos, como a indicar reflexão ou cansaço, num gesto que vira o ministro fazer repetidas vezes nas sessões transmitidas pela TV Justiça.
Peluso agradeceu, despediu-se, entrou em casa e não pensou mais no assunto até que num outro domingo, semanas depois, foi abordado pelo mesmo vizinho, que repetiu o gesto e comentou, em tom aprovador:
-Parabéns, o senhor não está mais fazendo assim!

TOSTÃO

A igrejinha de Dunga

TOSTÃO

GAZE DO POVO - 18/04/10


Dunga disse novamente, desta vez na Academia Brasileira de Letras, que, no futebol e na vida, o que importa é o resultado.
Fiquem tranquilos. Dunga foi apenas convidado. É um hábito da Academia chamar pessoas de destaque na sociedade para um en contro. Dunga não é candidato ao cargo de imortal, mesmo se o Brasil for campeão, e ele escrever mais um original livro sobre como ser um vencedor. Ricardo Teixeira fa ria o prefácio, e o auxiliar Jor ginho, a orelha. Dunga só não po de publicar antes da Copa, como fez Par reira em 2006.
Dunga e Jorginho formam uma boa dupla. Estão entrosados e já mostraram que têm bons conhecimentos técnicos e táticos. É a união do técnico mal humorado, tosco, que não aceita críticas, com o auxiliar evangélico e tranquilo.O que é ter resultados na vida, fora do futebol? Se tornar um profissional vitorioso, rico e famoso, mesmo que fosse por meios não muito legais e éticos? Aparecer e ser campeão no Big Brother? Ou ser um homem simples e bom, sem nenhuma pretensão de ser herói?
Se qualquer outro treinador dissesse que só interessa o resultado, ninguém se incomodaria, já que todos os times do mundo, de todas as épocas, entram em campo para vencer. Já Dunga dizendo isso, por seu habitual comportamento, gera outras leituras.
Depois de tantos bons resultados, a maioria concorda com o jeito pragmático de Dunga. Vivemos em uma sociedade consumista, competitiva, do espetáculo, em que a úni ca coisa importante é a vi tória, a glória e a fama. As pessoas não querem ser amadas. Querem ser vencedoras, admiradas e bajuladas.
Muitos acham ainda que, para dirigir uma seleção na Copa, é necessário, além de ser operatório e disciplinado, que o treinador seja rígido e nacionalista, uma mistura de um ditador com um Policarpo Quaresma. Para esses, com Dunga, não se repetiria o fracasso de 2006, quando Parreira foi chamado de bonzinho e frouxo por permitir tantas arruaças.
Dunga nunca vai entender por que a seleção de 82, eliminada pela Itália, é mais elogiada que a de 94, campeã do mundo.
Dunga passa a impressão de que a vitória lhe proporciona mais sofrimento que prazer, e que ainda pode xingar os críticos, como fez em 94, ao levantar a taça. Para ele, perder jogando bem deve ser muito pior que perder jogando mal. Sofre mais.
Apesar de não ter admiração pelo estilo de Dunga, reconheço sua eficiência no comando da seleção. A maioria dos jogadores prefere técnicos rígidos e que tomam todas as decisões. É uma maneira de os jogadores transferirem para o técnico a responsabilidade pelas derrotas e pelas vitórias. A presença de vários atletas evangélicos e obedientes facilita o trabalho do treinador. É a igrejinha de Dunga.
Se o Brasil ganhar ou perder, o mo tivo principal será Dunga. Isso já está decidido. É valorizar demais o treinador, seja quem fosse. É também uma maneira estreita de se analisar futebol, um esporte que, com frequência, é decidido, entre equipes do mesmo nível, pelo acaso e por fatores inusitados, que vão além da racionalidade doentia de Dunga.

SABOROSA

DORA KRAMER

O Brasil no espelho
DORA KRAMER
O ESTADO DE SÃO PAULO - 18/04/10



São Paulo, 17 (AE) - Brasília faz aniversário na quarta-feira, dia 21 de abril, data de homenagear também Tiradentes e Tancredo Neves, simbolismos positivos, guardados benquistos.
Mas quis um ardil do destino que a capital do Brasil completasse seus 50 anos - justamente o tempo que Juscelino Kubitschek imaginou condensar o desenvolvimento do País no plano de metas “50 anos em 5” do qual a mudança da capital era sua síntese - imersa no dissabor.
Na amargura de ver em tão pouco tempo de vida a cidade se modernizar e a política se deteriorar a ponto de um governador ser preso, o Legislativo quase todo se comprometer, um ex-governador renunciar ao Senado por improbidade, isso depois de um senador ter sido o primeiro a ter o mandato cassado por quebra de decoro parlamentar.
O Supremo Tribunal Federal está para julgar pedido de intervenção federal feito pelo Ministério Público nos Poderes Legislativo e Executivo e as pesquisas mostram que, para a população, seria a solução mais adequada.
Célio Borja, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, estudioso de Constituições, está inteiramente de acordo. “A intervenção se tornou indispensável para assegurar o princípio da moralidade previsto no artigo 37 da Constituição.”
Para ele, a eleição indireta do sucessor de José Roberto Arruda não resguarda o preceito constitucional pelo fato de boa parte da Câmara Legislativa de Brasília ter sido envolvida no escândalo que levou Arruda à cadeia e, depois, ao afastamento do cargo pela Justiça.
Duas questões propostas ao olhar experiente de Célio Borja: a autonomia política do Distrito Federal e a influência da transferência da capital sobre os meios e modos da política brasileira.
A primeira, no entendimento dele, é inevitável. Quando o Rio de Janeiro era capital, lembra, foram feitos alguns movimentos em prol da autonomia. Todos fracassados.
“Os tempos mudaram e não há como argumentar contra o direito das comunidades ao autogoverno. O problema não está na concepção da autonomia de Brasília, mas na maneira como ela é exercida, na péssima qualidade dos políticos, na falta de responsabilidade dos partidos e também em boa medida na ausência de opinião pública em Brasília.” 
Como exemplo de que a autonomia de um distrito federal por si não é necessariamente uma distorção, Célio Borja lembra que Washington, a capital dos Estados Unidos, tem independência
O problema de Brasília são os vícios de origem bastante conhecidos desde as origens do Brasil. “Tudo em Brasília resultou de favores de administração federal. É uma cidade administrada por favores. Quando isso se dava só no âmbito federal ainda se mantinham as aparências, mas, agora, no plano local, nem as aparências mais se salvam.” 
Passemos à segunda questão. Costuma-se atribuir a deterioração da política e dos políticos à mudança da capital para uma região geograficamente “longe do povo”. Isso confere?




Na opinião de Célio Borja, em parte é verdade. 

“Juscelino argumentava que o poder central não poderia ficar submetido à pressão das demandas do povo de uma unidade da Federação. O governo federal não podia se preocupar com a falta de água ou de luz em Copacabana. Não levou em conta que o poder precisa sempre ser pressionado.”
Célio Borja acha que houve sim um vácuo de informação entre a mudança da capital e a formação de uma geração de jornalistas independentes, porque os principais nomes do jornalismo - à exceção de Carlos Castello Branco - não se transferiram para Brasília.
A crônica política ficou distante e a opinião pública, à época ainda não referida na televisão, permaneceu alheia ao que se passava na capital.
Pois bem, mas como se explica a baixa qualidade da representação nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, que continuam perto do povo e nem por isso sofrem pressões ou são importunadas com denúncias sobre suas mazelas?
“A moralidade geral de fato é muito baixa e não pode se explicar apenas pela transferência da capital 50 anos depois.” 
Serve de espelho. Ao brasiliense, os cumprimentos

GAUDÊNCIO TORQUATO

Campanha do medo?

GAUDÊNCIO TORQUATO 

O Estado de S.Paulo - 18/04/10


"Sem medo de ser feliz?" Aécio Neves, o bem avaliado governador mineiro, que acaba de deixar o posto para se candidatar ao Senado, no surpreendente discurso por ocasião do lançamento de José Serra à Presidência da República, decidiu não apenas responder ao slogan de Lula em 2002, mas fazer um repto: "Sem medo de resgatar o passado." O neto de Tancredo, em oratória inflamada, deixou claro seu posicionamento, livrando-se de insinuações que davam conta de postura tíbia ante a candidatura do governador paulista. Por trás da desconfiança, uma agenda pontilhada de encontros e gentilezas entre ele, o presidente Luiz Inácio e a candidata Dilma, em que a cordialidade teria dado lugar à amizade pessoal.
Sob elogios recíprocos, Aécio foi o primeiro a engatar a ideia do pós-lulismo, contrastando com o anti-lulismo apregoado por companheiros tucanos. Ainda como pano de fundo, registrava-se um contencioso histórico, atrelado à versão de resistência dos mineiros a mais um candidato paulista no plano federal. O sonho de resgatar o legado de Tancredo, arrebatado pelo destino, ainda permanece aceso nas Minas Gerais, unidade de forte tradição política.
Os tucanos viveram um período como aves sem rumo. Sem discurso e sem estratégia. O comício de Brasília lhes mostrou a biruta. Passaram a sentir a rota do vento. Mais que isso, a ameaça de olhar para o retrovisor, recorrente na liturgia petista, pairava sobre o tucanato. Pois bem, os fantasmas saíram das tumbas e, para decepção do PT, não assustaram ninguém. Ao contrário, receberam aplausos.
O autor da façanha da "volta ao passado, sem medo de ser feliz" foi ele, Aécio Neves. Resgatou a temida pauta da comparação entre os ciclos FHC e Lula, aceitando o jogo que o PT quer e o PSDB não pretendia jogar. A peroração abrigou quesitos que o petismo escreveu na lousa durante esses sete anos e cinco meses do governo Lula, a começar pela execração da privatização e o endeusamento da estatização. O mineiro acusou o petismo/lulismo pela "autoproclamação da própria bondade". O exclusivismo messiânico, expresso na construção "nunca na história deste país", que permeia o discurso da atual administração, foi questionado.
De fato, a insistência com que o petismo procura separar passado e presente tem sido responsável pela acidez com que os adversários se tratam. Indignados, os tucanos decidiram entrar na arena dispostos a defender a ideia de que as "virtudes" da era Lula se repartem com o ciclo FHC. Ou, se tentarem ser mais exatos, se devem, ainda, ao alicerce fincado no governo Itamar Franco.
Como se observa há tempos, cada ente (partidos, governantes) tem procurado impor seus pontos de vista. É inegável que o ciclo Lula é mais farto de dados e programas. Se exibe balanço mais positivo, isso também se deve às circunstâncias externas e à arquitetura do Plano Real. A privatização da era FHC, com exemplos aprovados nas áreas de telecomunicações e de siderurgia, passou a ser estigmatizada. Alguns teimam em pintá-la com o verniz do neoliberalismo. O PT não reconhece o mérito por conta da cultura "nós e eles" que semeia. A visão separatista acirrou os ânimos no meio da sociedade. O "exclusivismo" ganhou ares de arrogância.
A isso se soma a guerra das trombetas. A de Lula tem sido mais tonitruante. O conceito do Estado forte, por sua vez, que se imaginava arquivado, volta à tona. Na verdade, a crítica tem como foco o Estado como abrigo do mando partidário. Basta lembrar que o PMDB elegeu, em 1986, 21 de 22 governadores de Estado, implantando a estrutura mais capilar dos nossos dias. A estratégia ainda hoje lhe dá frutos para continuar a ser a maior sigla. O PT quer o mesmo. Por isso, Aécio acusa o aparelhamento do Estado (há 22 mil cargos na máquina federal). Se alguém esperava o matreiro mineiro falando pouco para não dizer nada, ouviu uma raposa disposta a enfrentar briga de cachorro grande. O repto para o duelo foi aceito.
José Serra dá sinais de que vai pegar o lenço vermelho jogado sobre a arena. A comparação, infeliz, aliás, que faz entre Celso Pitta e Dilma (lançados por Maluf e Lula, respectivamente) borra a bandeira branca da paz, que desfraldou ao exaltar o diálogo nacional, a paz social. Como aperitivo da acidez, Lula, vez ou outra, bagunça o coreto ao dar estocadas no Judiciário ou pinça a velha luta de classes no discurso de palanque. Mas, no final das contas, a que levarão mordidas e assopros de uns e outros? Esse tipo de embate gera entusiasmo? Não. O discurso político, embalado por conceitos abstratos, atinge apenas segmentos racionais. Isso posto, aduz-se que temas como tamanho do Estado, privatização, estatização, estabilidade econômica, comparação de ciclos fazem parte da planilha mais acomodada à cabeça do que ao estômago. Agitarão plateias já fiéis aos dois lados e assíduas ao campo de lutas. As margens não serão induzidas por ecos que chegarão, tênues, a elas.
O que se deve esperar dos candidatos é uma densa pauta sobre questões de alta prioridade. Campanha negativa não rende voto. Mas, como se pode observar nos últimos dias, a campanha nem começou e a agressão sobe de tom. O acirramento decorre das deficiências de uns ou visão errática de outros, da ausência de ideias e programas e, ainda, da percepção capenga de que o adjetivo gera mais eco que o substantivo. O País quer ver mudança também no campo eleitoral. Não quer nova campanha do medo. É inimaginável que se perca tempo (e esforço) com batalhas em torno de questões bizantinas do tipo: "Quem pode mais?" Afinal de contas, que projeto de país cada candidato defende? Que áreas precisam de urgentes reformas? Em alguns anos, o Brasil até poderá conquistar a posição de quinta maior economia do planeta. Mas a mentalidade política, convenhamos, deixa a desejar.
JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO

ANCELMO GÓIS

Av. Lyda Monteiro 
Ancelmo Gois
O GLOBO - 18/04/10

Wadih Damous, presidente da OAB-RJ, pediu à Câmara de Vereadores do Rio para que a Av. Marechal Câmara passe a se chamar Av. Lyda Monteiro.
Na avenida fica a sede da OAB, vítima de atentado a bomba em 1980, na ditadura, no qual morreu dona Lyda, que era secretária da entidade.

Em tempo... 
O marechal Câmara (18241893) combateu na Guerra do Paraguai.

Chico Xavier, o filme 
O BNDES tira uma lasquinha do sucesso de “Chico Xavier”.
O banco é cotista do fundo Lacan Downtown, que pôs R$ 1 milhão no filme de Daniel Filho.

Templo é dinheiro 
O telepastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, iniciou uma campanha junto a seus fiéis em que pede R$ 1 mil de doação em troca de um livro e de um certificado do “Clube 1 Milhão de Almas”.

Rádio Seguro 
O que se diz no setor é que Eduardo Nakao vai deixar a presidência do IRB-Brasil Re.

Economia do bafo 
As blitzes da Lei Seca (eu apoio) criaram um novo emprego no Rio: o de condutor de carro de bebum reprovado no teste do bafômetro.
São taxistas que ficam parados ao lado das blitzes. Quando o motorista tem a carteira apreendida, eles se oferecem para levar o carro. Mas cobram caro: para dirigir da Av Atlântica à Lagoa, acredite, a tarifa é R$ 200.

Jessye no Rio 
A soprano americana Jessye Norman cantará em outubro no Municipal do Rio, a convite da empresária Myrian Dauelsberg.
Em 2001, Jessye cancelou sua vinda depois dos ataques terroristas em Nova York, e o dinheiro dos ingressos foi devolvido.

Samba x bossa nova 
De Ruy Castro sobre o abraço (registrado outro dia em foto aqui na coluna) que deu em José Ramos Tinhorão, com quem vive divergindo no embate bossa nova x samba: — Aos que estranharam meu abraço no Tinhorão, arquiinimigo da bossa nova, explico: sou fã de Tinhorão como historiador da cultura popular brasileira.
Concordo com tudo que ele diz... de 1900 para trás.

É que... 
O movimento da bossa nova surgiu em 1958.
Ah, bom!

Alô, alô 
A italiana Carla Cico, expresidente da Brasil Telecom que enfrenta problemas na Justiça por aqui, deve assumir uma diretoria mundial da Alcatel-Lucent.

ZONA FRANCA 
O fotógrafo Laizer Fishenfeld ganhou o Prêmio Especial/Vox Populi no IV Concurso Avistar Itaú BBA. Merece.
Voltou ao Rio o juiz Gustavo Direito, após ter dado aulas sobre o Judiciário brasileiro em Genebra e Paris.
Alessandro Molon, candidato a deputado federal pelo PT, participou de seminário sobre ética em Brasília.
Marcelo Barreto, o coleguinha do Sportv, lança terça “Os 11 maiores camisas 10 do futebol brasileiro”, às 19h, na Travessa do Shopping Leblon.
Emílio Gallo estreia terça a peça “Monólogos da marijuana”, no Teatro dos Quatro.
O Marly Cury, em Niterói, entregou doações para as vítimas das chuvas.
Mário Sodré, da Ampeb, criou o Twitter @ampeb.
Mara Bergamaschi lança “Brasília aos 50 anos. Que cidade é essa?”, amanhã, na Travessa do Leblon.

A mãe do ano 
Juliana Paes tem desmentido boatos que está grávida.
Mas a TV Globo, sempre alerta, já preparou uma segunda trajetória para sua personagem na próxima novela das 18h, “Girassol”, de Walther Negrão, caso a querida atriz venha engravidar no decorrer da trama.

Registro social 
Jorge Babu foi quinta numa loja da Mercedes-Benz, na Barra, no Rio, comprar um modelo da marca alemã.
O deputado foi expulso do PT, acusado, na época, de envolvimento com milícias.

Trem das seis 
Uma turma de Nova Iguaçu, RJ, que vem todo dia junta para o Centro do Rio no trem das 6h ficou tão amiga que, além de saber os aniversários uns dos outros, agora já faz até festinhas com bolas de gás, bolo, refrigerante, salgadinhos e “Parabéns pra você” a bordo.
Não é fofo?

Chip no bilau 
Mr. Catra, o funkeiro carioca de sucesso, compôs um batidão especial para mostrar no show que fará terça agora na Fundição Progresso, na Lapa.
Chama-se “O chip”.
Trechinho da letra: “Para de me ligar / Isso me irrita / Quer me rastrear?/Bota um chip na minha p...”.

Herança bendita 
Quarta agora faz 50 anos que o Rio deixou de ser a capital da República. Durante 197 anos (1763-1960), a cidade foi o endereço do poder político no país. A mudança do Distrito Federal para Brasília provocou danos graves na economia do Rio e reflexos polêmicos (bota polêmicos nisso) na nossa história recente.
Mas ficou também um legado positivo. São joias arquitetônicas que só foram erguidas aqui porque o Rio era capital. E ninguém tasca — ficarão conosco para sempre. Menos mal.
Veja alguns exemplos nestas fotos.

Neymar na Copa 
Por que será que todo técnico da seleção sempre implica com os preferidos da torcida, como Dunga faz agora com Neymar (foto), o menino-craque do Santos? Será que somos tão burros assim?