domingo, novembro 14, 2010

DANUZA LEÃO

O preconceito (às avessas)
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 14/11/10

Me parece ultrapassado que a nova presidente queira um ministério com maior número de mulheres
HOMENS E MULHERES são pessoas; umas mais inteligentes, outras menos, algumas mais preparadas, outras nem tanto, mas está escrito na Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, que somos todos iguais, independentemente de raça, credo etc. etc. -e sexo, claro.
Pensando nisso, me parece meio ultrapassado que nossa nova presidente queira fazer um ministério com maior número de mulheres, tanto quanto me soa estranho que exista uma Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres; para quê? Já se foi o tempo em que elas precisavam de alguém que lhes desse "uma força", quando eram fraquinhas e indefesas.
Hoje são fortes o suficiente para comandar uma delegacia, pilotar um Boeing ou dirigir uma nação, e não precisam de um homem que passe a mão em suas cabeças para poderem existir. Só precisam deles para serem mais felizes.
As feministas do século passado queimaram seus sutiãs, lutaram e conseguiram: hoje têm todos os direitos, igualzinho a eles, mas se é verdade que o ministério de Dilma terá 1/3 de mulheres, só por serem mulheres, a presidente estará cometendo um erro e se mostrando muito antiquada.
O tempo passou, presidente; ministros devem ser escolhidos por suas capacidades -além de pertencerem a um dos 12 partidos da coligação, é claro-, não por serem homens, mulheres, brancos, amarelos ou negros.
Escolher um homem porque ele é homem, ou uma mulher por ela ser mulher, é preconceituoso, e o preconceito, qualquer que seja ele, deve ser evitado -além de ser crime.
A lei estipula uma cota de 30% de mulheres entre os candidatos de cada partido; mas e se todos forem homens, porque naquele ano as mulheres resolveram não entrar na política, acontece o quê? E se alguém inventar fundar o Partido Feminino do Brasil, só com mulheres, pode? E se for fundado um partido gay, pode? Nossa presidente não foi eleita por levantar a bandeira do feminismo, coisa dos anos 70.
A luta pela igualdade dos sexos foi grande e foi vitoriosa, por isso elas têm o dever de continuar lutando para não serem tratadas como "mulherzinhas" e, sendo assim, jamais assumir um cargo -às vezes com pouca competência- só para provar que chegaram lá.
Será prudente também que a nova presidente, antes de fazer os convites, conheça seus méritos -além do currículo e da folha corrida-, para que o quesito amizade não influencie na escolha (o passado recente aconselha).
Se Dilma for também politicamente correta, talvez queira fazer um ministério idem; nesse caso, terá que nomear mulheres, homens, gays, negros, asiáticos, transexuais, índios, e mais o que exista por aí, em matéria de raças e sexos.
Aliás, se eu for à delegacia e disser que fui assaltada por três crioulos, será que pela Lei Afonso Arinos vou presa? E será que alguém, numa hora dessas, diz que foi assaltada por três afro-brasileiros?
E vamos combinar também que tanto o feminismo como o politicamente correto estão mais do que ultrapassados, e que se as mulheres lutaram tanto para serem iguais aos homens -e provaram que podem ser-, deveriam lutar também para mudar a regra da aposentadoria: mulheres aos 55 anos, homens aos 60. Apenas uma questão de coerência, e também de orgulho e brio, para mostrar que não precisamos nem de privilégios nem de favores.

MERVAL PEREIRA

Os bons exemplos
Merval Pereira
O GLOBO - 14/11/10



Um levantamento inédito feito pela Macroplan, empresa brasileira de consultoria, em parceria com pesquisadores do Instituto Universitário Europeu (Florença, Itália), mostra o Brasil na 55 aposição no ranking mundial dos governos eletrônicos, junto com Índia e China.

Publicado pelo Centro Global de Tecnologia da Informação e Comunicação em Parlamentos, das Nações Unidas, o estudo identifica que o Brasil ainda tem um longo caminho pela frente na construção da democracia eletrônica, e critica as práticas das diversas instâncias governamentais, desde a federal às municipais.

Um projeto de lei de acesso a informação pública já foi aprovado pela Câmara e está parado no Senado, devendo ser apreciado somente pelo futuro plenário que teve 2/3 renovados nas eleições de outubro.

A moderna democracia digital permite que a sociedade acompanhe passo a passo a atuação dos funcionários públicos, e previsivelmente encontra resistências entre deputados e senadores.

A legislação de acesso à informação, ferramenta indispensável para o exercício de uma democracia moderna, hoje é um assunto que mobiliza todos os governos, como já registrei algumas vezes aqui na coluna, com comentários do professor brasileiro Rosental Calmon Alves, da Universidade de Austin, no Texas, especialista no assunto.

Há 20 anos, era assunto apenas dos Estados Unidos e dos países escandinavos. Os países europeus demoraram muito, mas em, alguns casos, os países pós-comunistas da Europa do Leste foram mais rápidos do que os da Europa Ocidental porque estavam instalando uma democracia nova e esses conceitos eram necessários.

O projeto de lei brasileiro, que a presidente eleita Dilma Rousseff enviou ao Congresso quando era Chefe da Casa Civil, previa que a Controladoria Geral da União, e não uma agência reguladora, assuma o controle do processo de acesso às informações.

Em todos os países, o conflito instala-se quando um cidadão quer saber quanto um ministro gastou na viagem, e em que ele gastou, ou como os parlamentares usaram suas verbas, e esses casos não podem ser decididos por um representante do governo, mas sim da sociedade, e por isso as leis mais modernas preveem uma agência independente, como o México, que é o país que tem a melhor legislação.

Embora a lei ainda não exista, e por isso mesmo o país esteja tão atrasado nesse processo, o estudo da Macroplan identificou, na categoria interatividade e participação, o site da Câmara dos Deputados do Brasil (e-democracia) como um dos destaque, ao lado do inglês No. 10 e-petitions e TID +,da Estônia.

O site brasileiro é um espaço virtual criado para estimular cidadãos a contribuir para o processo legislativo federal por meio do compartilhamento de ideias e experiências.

Entre outras coisas, o e-democracia permite aos usuários apresentar normas legislativas, construídas de forma colaborativa para subsidiar o trabalho dos deputados na elaboração de leis.

Mas o estudo mostra também que existem, no entanto, inúmeras experiências nas quais o nosso executivo e legislativos podem se espelhar para avançarmos na construção de um Estado aberto.

As melhores práticas na categoria transparência da ação parlamentar foram desenvolvidas nos Estados Unidos Open Congress, Capitol Words for you e Open legislation.

Nesse último, destaca-se o sistema de busca legislativa do Senado do estado de Nova Iorque, que tem um design das tradicionais ferramentas de busca da internet, como o Google, e permite ao usuário realizar buscas facilmente a partir de temas, autores de proposições, votos recentes e comissões.

Uma vez acessada a legislação, o usuário pode comentar sobre o conteúdo. O estudo também aponta como destaque, no Reino Unido, os sites They work for us e BBC Democracy Live.

As aplicações da web 2.0 no setor governamental têm sido o mote recorrente nos recentes congressos e noticiários de inovação em governo.

Um dos primeiros atos do presidente Barack Obama quando assumiu a Casa Branca foi publicar um memorando chamado "Transparency and Open Government", que afirmava o comprometimento da sua administração em criar um nível sem precedentes de transparência no governo, garantir a confiança pública e estabelecer um sistema de participação e colaboração.

O site data.gov lançado pela administração federal dos EUA resulta dessa política. No ar desde 2009, é um repositório de dados oficiais, e permite o desenvolvimento de aplicativos por terceiros.

Atualmente, existem mais de 600 aplicativos de utilidade pública desenvolvidos por programadores externos.

No Poder Legislativo, um dos mais célebres exemplos foi localizado pelo estudo da Macroplan, na Assembleia Legislativa da região de Catalunha (Espanha), com o a seção Parlamento 2.0 no site que agrega links do legislativo em diversos canais de interação como, por exemplo, YouTube, Facebook e Twitter.

Na mesma seção, são oferecidos links para os blogues dos parlamentares, serviços de subscrição personalizada e uma seção de perguntas a serem direcionadas ao presidente do parlamento, com respostas publicadas on-line.

O livre acesso à informação pública pressupõe que os sites tenham informações relativas às despesas da instituição, como salários de pessoal, gastos ou processos de licitação que devem ser apresentados de maneira mais detalhada e acessível possível.

Finalmente, investir em ferramentas do tipo 2.0, pois estes se tornaram os canais de participação, trazendo mais abertura, transparência e democracia para a administração pública, promovendo um diálogo público colaborativo.

No ambiente legislativo, esse projeto irá demandar do deputado ou do senador que esteja apto a responder aos questionamentos em tempo hábil e de maneira apropriada, que esteja preparado para se relacionar de modo colaborativo com os cidadãos, não apenas quando do processo eleitoral, mas no desenvolvimento das atividades parlamentares.

Caso contrário, resultados diametralmente opostos àqueles que motivam a utilização de ferramentas 2.0 certamente vão aparecer, distanciando ainda mais os cidadãos da instituição

DORA KRAMER

Insegurança legislativa
DORA KRAMER 


O Estado de S.Paulo -14/11/10
A combinação de uma situação inusitada no Supremo Tribunal Federal com uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral e uma alteração na legislação eleitoral feita pelo Congresso em dezembro de 2009 criará uma circunstância inédita para Câmara dos Deputados que toma posse em fevereiro de 2011.
Pela primeira vez, uma legislatura será iniciada sem que se saiba realmente quem são os deputados eleitos nem qual o tamanho exato da representação de cada partido. Tudo por conta da Lei da Ficha Limpa, que serviu para a impugnação de várias candidaturas, mas não previu as consequências.
"Ninguém pensou nisso. O Congresso saiu legislando de qualquer maneira, em cima dos joelhos e acabou criando um problema para o Judiciário", diz o ministro do STF Marco Aurélio Mello, que considera "inconcebível" o fato de a Câmara e as Assembleias Legislativas tomarem posse sem ter as respectivas composições definidas. "Nunca se viu nada igual, é a insegurança jurídica total."
O TSE só saberá na semana que vem quantos são os eleitos em estado de indefinição, mas Marco Aurélio considera impossível que todos os casos sejam resolvidos a tempo, porque os impugnados ainda podem recorrer ao STF. Além disso, a Justiça entra em recesso em 20 de dezembro e só retorna das férias coletivas na véspera da posse dos deputados, marcada para 2 de fevereiro. "Não podemos sair batendo carimbo, precisamos julgar caso a caso."
Enquanto não se souber exatamente quantos deputados tiveram suas candidaturas definitivamente impugnadas não será possível definir a exata composição da Câmara nem das Assembleias Legislativas. Isso também afeta a escolha das Mesas Diretoras, compostas pelo critério de proporcionalidade entre as bancadas.
Os deputados federais e estaduais eleitos são definidos pelo número de votos válidos recebidos, divididos pela quantidade de cadeiras existentes. Esse resultado dividido depois pelo número de votos válidos dados a cada legenda define o tamanho das bancadas.
Há três problemas a serem solucionados. Um deles é a nomeação pelo presidente da República de um novo ministro do Supremo, a fim de resolver o impasse provocado pelo julgamento do caso Jader Barbalho, de modo a não se repetir o empate.
Outro problema é a resolução do TSE determinando que os deputados com a candidatura em suspenso não sejam diplomados em 17 de dezembro. Na opinião de Marco Aurélio, o tribunal "foi adiante da lei" ao baixar essa resolução. Ou seja, extrapolou.
A questão que parece ainda mais complicada diz respeito a uma alteração na Lei Eleitoral feita no fim de 2009 pelo Congresso, dizendo que os votos anulados em virtude da inelegibilidade do candidato não irão para os partidos.
Isso altera o que diz o Código Eleitoral de 1983, que computa para as legendas os votos dos candidatos. Haveria, então, um conflito de normas a respeito do qual o TSE só pode se pronunciar se algum partido ou tribunal regional fizer uma consulta.
Se não houver contestação, vale a nova regra. Quer dizer, partidos que tiverem "puxadores de voto" impugnados perderão representantes e terão suas bancadas reduzidas. Exemplos: se Paulo Maluf for recusado em definitivo, o PP perde os 497.203 votos dados a ele e se Anthony Garotinho perder a vaga, o PR fica sem os 694.862 votos.
Ao mesmo tempo, outros deputados inicialmente não eleitos assumirão as vagas.
Confusão que na expectativa do ministro Marco Aurélio Mello só se resolve em meados de 2011, fazendo com que a Câmara e as Assembleias que abrirão os trabalhos em fevereiro não sejam necessariamente as mesmas do restante da legislatura de quatro anos.
Jogo do poder. O PMDB decidiu que Michel Temer não deve renunciar à presidência do partido e sim acumular o posto com a Vice-Presidência. Não há impedimento legal e uma razão pragmática se impõe: como vice Temer fortalece o partido e como presidente do partido se fortalece como vice. 

CELSO MING

Arma contra a deflação
CELSO MING 


O Estado de S.Paulo 14/11/10
Foi-se o tempo das reverências e dos acatamentos incondicionais de cada decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos). Desta vez, sua política monetária alternativa está sendo criticada por todos os lados, embora nem sempre pelas razões certas.
A política é a do afrouxamento quantitativo, que consiste na recompra de títulos do Tesouro americano com a emissão de moeda. Já saiu para isso US$ 1,7 trilhão e mais US$ 600 bilhões deverão ser emitidos até junho de 2011.
Alemanha, França, China e Brasil denunciam esse despejo de moeda pelos seus efeitos reais e não pelas intenções expostas pelos responsáveis por ela. E esses efeitos são a desvalorização do dólar e a valorização relativa que provocam nas demais moedas nacionais.
A maioria dos críticos denuncia os riscos de inflação e da criação de bolhas financeiras que essas impressões de dinheiro tendem a provocar. No entanto, o presidente do Fed, Ben Bernanke, não pode ser contestado quando diz que não há no horizonte nenhum risco de inflação ou de bolhas assassinas.
Bernanke afasta outra crítica, a de que o Fed não terá condições de reverter o processo em tempo hábil se a inflação ou se as bolhas aparecerem da noite para o dia. Ele tem respondido que é relativamente fácil pisar nos freios e colocar rapidamente em marcha o eventualmente necessário enxugamento de liquidez.
Seu argumento central é o de que o afrouxamento quantitativo é uma maneira de reverter ameaças de deflação, essa doença da moeda tão ou mais perversa do que a inflação.
Apenas para esclarecer, quando a economia se prostra na deflação (queda persistente e duradoura dos preços), a arrecadação de impostos baqueia porque estes são calculados sobre os preços. E, se eles estão baixos, produzem menos receita.
A deflação derruba o lucro das empresas porque encurta o faturamento. Em seguida, trava os investimentos e a contratação de pessoal, porque empresário nenhum quer aumentar um negócio que aponta para prejuízos ou estagnação. A deflação aumenta as dívidas em termos relativos porque estas permanecem do mesmo tamanho enquanto preços e salários se contraem. Ela ainda leva os bancos a aumentar o dinheiro em caixa e a segurar o crédito no pressuposto de que, quanto mais esperarem, maior o poder aquisitivo do mesmo volume de dinheiro. E, pelas mesmas razões, levam as pessoas a deixar dinheiro parado (entesouramento) em vez de colocá-lo em circulação.
Nenhum dos críticos deixa de reconhecer a necessidade de medidas preventivas contra a deflação. Mas avisam que o afrouxamento quantitativo é pouco eficaz para isso. Em vez de reativar o crédito, o consumo e o emprego, os dólares abundantemente emitidos escorrem do mercado americano para o resto do mundo, onde atuam para valorizar as outras moedas. É sinal de que a novidade monetária não serve como arma contra a deflação.
Na reunião de cúpula realizada em Seul, na Coreia do Sul, quinta e sexta-feira passadas, tanto o presidente Barack Obama como o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Tim Geithner, avisaram que a política é essa e que não vai mudar.
Mas eles já não podem sustentar o argumento de que seu objetivo é a valorização do dólar. Nem que a China deve ser condenada por desvalorizar a sua moeda. Afinal, os Estados Unidos não estão fazendo exatamente o mesmo, embora com outros instrumentos?
Licença para matar
Houve quem identificasse no parágrafo 6 da Declaração do G-20 aprovada em Seul uma espécie de licença de caça, ou uma autorização para que o governo brasileiro passe a controlar o fluxo de capitais especulativos, de modo a evitar excessiva valorização cambial.
Macroprudência
Lá ficou dito que economias emergentes com reservas internacionais adequadas e câmbio sobrevalorizado poderão adotar "medidas macroprudenciais cuidadosas" para se proteger do forte fluxo cambial.
Pedir para quê?
Difícil entender esse novo caráter autorizativo. Até hoje, o governo brasileiro não precisou pedir licença a nenhum organismo internacional para taxar a entrada de capitais ou, eventualmente, para impor uma quarentena a eles.
Consulta?
E não haveria de ser o G-20, uma organização de caráter informal, que teria de ser consultado para isso. 

ELIANE CANTANHÊDE

A solidão do poder
ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SÃO PAULO - 14/11/10



BRASÍLIA - Dizem que o poder é um exercício solitário. Quando as coisas vão bem, nem se nota. Quando vão mal, a solidão é cruel. Com Dilma Rousseff, a premissa tende a ser mais do que verdadeira.
Dilma é uma mulher guerreira, além de aplicada, determinada e parecer genuinamente bem intencionada. Mas o seu forte não é equipe. Ao assumir o Minas e Energia, não trouxe quase ninguém. E assim caiu na lábia de Erenice Guerra, que carregou com ela na mudança para a Casa Civil.
Na campanha, encontrou o time pronto: o presidente do PT, José Eduardo Dutra, o deputado José Eduardo Cardozo e a eminência parda Antonio Palocci. Não era amiga, nem mesmo próxima, de nenhum deles. O único nome da sua, digamos, cota pessoal foi o do ex-prefeito Fernando Pimentel, que esfarelou ao se meter com neo-aloprados da quebra de sigilo fiscal.
Eleita, Dilma se vê diante de um onipresente Lula, a quem deve a indicação e a vitória; de um Palocci para quem o céu é o limite; de um Temer zeloso pelos interesses partidários; de um PT inebriado pelo poder; de um PMDB voraz e de dez outros partidos disputando a sua atenção, os seus cargos e a sua caneta. Neles, quantos amigos, ou pelo menos aliados fieis, Dilma tem?
No poder, como na vida, é preciso dispor de um ombro para as horas difíceis, um ouvido confiável, um conselho descompromissado. Alguém para se admitir o que nunca se admite em público e de quem se possa ouvir o que não se quer ouvir. JK, FHC e Lula tiveram.
Dilma faz bem em trazer a mãe e a tia para o Alvorada, como aconchego pessoal, e em manter Giles Azevedo, que a acompanha há 19 anos. Mas é preciso mais.
O seu risco é o isolamento dentro do próprio governo. Enquanto a economia ajudar, tudo será festa. Mas, com qualquer sacolejo, o perigo serão os aliados, que são tantos. Quanto mais, quanto menos.

SEJA FELIZ

FERREIRA GULLAR

Ah, se não fosse a realidade! 
Ferreira Gullar
folha de são paulo - 14/11/10

Ninguém imagina que Lula deixe dona Marisa em São Bernardo para instalar-se na alcova de Dilma



DILMA ESTÁ eleita e, a partir de 1º de janeiro de 2011, será a presidente do Brasil. Nunca imaginou que isso pudesse acontecer, nunca sonhou com isso, nunca o desejou e, não obstante, terá em breve, nas mãos, o mais alto posto político do país. Um milagre? Um passe de mágica? Se pensamos assim, o mago é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Inicialmente, apesar de sua indiscutível popularidade, dava a impressão que superestimara seu prestígio, não iria elegê-la.
De fato, como acreditar que uma mulher que nunca se candidatara a nada, destituída de carisma e até mesmo de simpatia, fosse capaz de derrotar um candidato como José Serra, dono de uma folha de serviços invejável, tanto como parlamentar quanto como ministro de Estado, prefeito e governador?
Não obstante, aconteceu. Para espanto meu e de muita gente mais, 56% dos eleitores preferiram votar em alguém que eles mal conhecem do que eleger um político conhecido de todos, contra o qual não pesa qualquer suspeita ou acusação desabonadora. E por que o fizeram? Porque o presidente Lula mandou.
E não foi só o pessoal mal informado que recebe Bolsa Família, não. Empresários, banqueiros e intelectuais famosos também apoiaram sua candidatura, porque Lula mandou. Mas não estou aqui para chorar sobre o leite derramado e, sim, para tentar ver o que pode acontecer em consequência disso.
Advirto o leitor de que não parto do princípio de que vai dar tudo errado, que o governo de Dilma Rousseff está condenado ao fracasso. Nada disso. Como muita gente, diante desse fato inusitado, nunca visto na história brasileira, pergunto: e agora?
Sempre se faz tal pergunta quando um presidente da República, seja ele quem for, assume o mandato. Ocorre que, pela primeira vez, pouco se sabe da pessoa eleita e, mais que isso, eleita porque alguém mandou. A pergunta que está na cabeça de todos -dos que votaram contra e dos que votaram a favor- é: quem vai governar, ela ou Lula?
É uma questão razoável, não só porque ela nunca governou nem mesmo um município, como porque Lula, sabendo disso, deve temer pelo que venha a fazer. E temerá, com razão, já que o fracasso dela, como governante, será debitado inevitavelmente na conta dele, responsável pela mágica que a pôs na Presidência da República.
Estará, assim, criada uma situação também inédita na história do poder central do Brasil: como Dilma não é responsável por ter sido eleita -e ocupar o lugar que só não é do Lula porque a lei não permite uma segunda reeleição-, talvez não possa fazer no governo senão o que for aprovado por ele.
Isso lembra, até certo ponto, a situação vivida por Cristina Kirchner, eleita presidente da Argentina graças à popularidade do marido, Néstor Kirchner, recentemente falecido. Enquanto vivo, era ele quem governava, sem maiores vexames para ela, uma vez que, casados, podiam até na cama discutir e acertar as medidas governamentais que ela tomaria no dia seguinte.
Já o caso de Lula e Dilma será mais complicado, pois ninguém imagina que ele deixe dona Marisa dormindo em São Bernardo para instalar-se na alcova da presidente Dilma, no palácio da Alvorada.
Nem se acredita, tampouco, que optem por um relacionamento clandestino para, em encontros secretos, disfarçados -ele de peruca loura e ela vestida de homem, bigode e barbas-, discutirem a volta da CPMF ou o que fazer com o MST.
Fora daí, o jeito seria divorciar-se e casar com Dilma, mas tendo o cuidado de deixar claro que se tratou de uma paixão repentina, fulminante, e não de um romance secreto que só então veio à tona. Tal solução tem o perigo de manchar a reputação dos dois, por oferecer aos maldosos a chance de sussurrar que a candidatura de Dilma teria origens sexuais. É risco demais, não dá.
A alternativa, então, talvez seja Dilma nomeá-lo chefe da Casa Civil, lugar antes ocupado por ela. Minha dúvida é se Lula, que se acredita o maior estadista brasileiro de todos os tempos, aceitaria função tão subalterna, especialmente depois dos escândalos que envolveram Erenice Guerra, a substituta de Dilma no cargo.
É problema dele. Apenas constato que, se é fácil, com truques mágicos, fazer acontecer o impossível, difícil é resolver os problemas reais.

REGINA ALVAREZ

Mudança de estilo
REGINA ALVAREZ
O GLOBO - 14/11/10


As peças desse quebra-cabeça que é a montagem do novo governo ainda estão sendo selecionadas, mas é possível vislumbrar com que estilo e tom a presidente eleita, Dilma Rousseff, irá conduzir a política externa e quais peças se encaixam nesse jogo de poder. O estilo bem diferente de Lula deve resultar em uma política também diferente. Mais pragmática e menos pirotécnica.

Na semana passada, em Seul, Dilma fez a primeira aparição na cena internacional, após o resultado das urnas. Pode comparecer a mais algum compromisso no exterior até a posse, a pedido de Lula, mas a partir de janeiro deve dar prioridade à agenda interna, deixando a internacional ser tocada pelo novo chanceler.

Os sinais emitidos pelo entorno da presidente eleita indicam que o atual, Celso Amorim, é carta fora do baralho. O ministro das Relações Exteriores deve ter perfil discreto, mais ao estilo de Dilma, e ficará totalmente subordinado ao seu comando.

Nesse figurino encaixa-se o embaixador Antonio Patriota, atual secretário-geral do Itamaraty, que é próximo de Amorim, mas muito ligado à própria Dilma por laços de amizade e admiração mútua.

Na bolsa de apostas para substituir Celso Amorim, Patriota permanece no topo, embora tenham surgido novos nomes nos últimos dias, como o de José Viegas, exministro da Defesa e atual embaixador do Brasil na Itália, que é amigo de Lula.

Ao que tudo indica é no campo internacional que ficará bem marcada a diferença de estilo entre criador e criatura.

A política externa de Dilma não deve abrir espaço para lances de ousadia, como o protagonismo de Lula na tentativa de um acordo entre os Estados Unidos e o Irã sobre o programa nuclear, que no final das contas nos colocou em oposição com a primeira potência do mundo, um dos nossos principais parceiros comerciais.

Avaliação colhida entre diplomatas graduados é que o estilo carismático e emotivo de Lula, que ajudou o Brasil a marcar muitos gols no campo internacional, foi o problema que resultou na forte reação dos EUA ao acordo de Teerã.

Lula se excedeu nas manifestações de afetuosidade com Ahmadinejad, irritando os Estados Unidos.

O governo de Dilma deve buscar uma aproximação maior com o governo de Barack Obama, por razões óbvias que não foram levadas em conta na atual gestão. A importância estratégica da parceria com a maior potência do mundo. Na condução da política externa, a presidente eleita deve buscar também uma maior interação entre as várias áreas de governo que lidam com o comércio exterior. A sintonia entre o Itamaraty e o MDIC, por exemplo, é importantíssima, mas não é isso que acontece no atual governo.

Tabuleiro I

Fonte próxima à presidente eleita aposta que Antonio Palocci ocupará um cargo de coordenação no governo de Dilma. "Não tem como ser diferente. Ele coordenou a campanha e está no comando da transição. Não faz sentido desperdiçar essa bagagem toda e seu trânsito nos setores empresarial e político, colocando Palocci em um ministério setorial", argumenta. Faz sentido.

Tabuleiro II

Já na área econômica, os mesmos ventos que sopram a favor de Mantega, como se viu no G-20, porque ele é queridinho de Lula e também de Dilma, segundo a fonte, empurram o presidente do BC, Henrique Meirelles, para fora da equipe econômica. Dilma não tem temperamento para conviver com os conflitos internos e alfinetadas em público que se viu na gestão de Lula entre a Fazenda e o Banco Central. O coração da presidente eleita bate por Nelson Barbosa, mas o humor do mercado pode inviabilizar a ida do atual secretário de Política Econômica para o BC.

EUA x China I

A presença chinesa na América Latina tem sido vista com cautela pelos americanos. O Council on Hemispheric Affairs (Coha), entidade considerada um think tank liberal, escreveu que o governo americano está monitorando atentamente os passos chineses na região. A leitura é de que a China está aproveitando o bom momento econômico para ampliar sua influência política.

EUA x China II

O Coha lembra que os chineses tomaram o posto dos EUA como principal parceiro comercial do Brasil, em 2009, e têm sido capazes de oferecer acordos que estão além da capacidade dos americanos: "Em alguns casos, os chineses emprestaram bilhões de dólares com juros abaixo de 1%. Pelas regras da OCDE, os Estados Unidos são obrigados a praticar taxas de mercado", destaca.

O ataque do dragão

Os números mostram que a corrente de comércio da AL com a China disparou nos últimos anos. Em 2000, somava US$ 12 bi. Em 2008, atingiu US$ 180 bi e, em 2009, mesmo com a crise mundial, chegou a US$ 125 bi. Entre 2003 e 2008, as exportações da AL para a China cresceram em média mais de 35% ao ano. O consultor Rodrigo Maciel, da Strategus Consultoria, diz que o Brasil precisa tirar proveito da situação: "Temos que atrair investimentos diversificados para os projetos de infraestrutura", recomenda.

FÓRUM: O Ibre/FGV promove na próxima sexta-feira o seminário "O Brasil no novo governo", para discutir os desafios de Dilma Rousseff na política econômica.

COM ALVARO GRIBEL

GOSTOSA

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA

Não é bem assim
RENATA LO PRETE 
FOLHA DE SÃO PAULO - 14/11/10

Em resposta à ideia, defendida pelo PMDB, de que cada partido mantenha no governo de Dilma Rousseff sua atual cota na Esplanada, o PT passou a argumentar que o tamanho pode até ser o mesmo, mas que ninguém é dono deste ou daquele ministério.
Dos ministérios alheios que o PT gostaria de comandar a partir de janeiro de 2011, o das Comunicações é considerado estratégico pelo partido. Por ali passarão questões como a universalização da banda larga e o novo marco regulatório das telecomunicações. Os petistas sugerem Antonio Palocci. O PMDB oferecerá a Dilma o nome de Moreira Franco.

Bolinha de papel No segundo turno, quando Dilma deixou de comparecer ao debate do SBT Nordeste e a emissora, contrariando regras assinadas, optou por não realizar entrevista com José Serra, alguns de seus executivos mencionavam, em privado, as agruras do banco PanAmericano, também de Silvio Santos, cujo rombo veio a ser revelado na terça-feira passada.

Serviços prestados Ao matar no peito a crise PanAmericano, o presidente do BC, Henrique Meirelles, dificultou bastante a vida dos que gostariam de vê-lo fora do próximo governo.

Ludoterapia Preocupados com a desenvoltura do PMDB, petistas cheios de malícia sugerem que Michel Temer faça como José Alencar, acumulando a vice com o Ministério da Defesa. Seria, argumentam, uma maneira de mantê-lo entretido.

Ampulheta Uma eventual fusão PMDB-DEM só valeria para a distribuição do tempo de TV em 2012 e 2014 se concretizada até o final deste ano, daí a afobação dos personagens envolvidos.

Plano B Na provável hipótese de a fusão não vingar, Gilberto Kassab confia na abertura da "janela" para migrações partidárias em 2011, garantindo a elegibilidade de quem for para o PMDB.

Ah, é? A declaração de Aloizio Mercadante (PT-SP) contra a recondução de José Sarney à presidência do Senado teve o dom de fazer com que o peemedebista, desde sempre disposto a permanecer na cadeira, assumisse de vez a candidatura.

É hoje só O governo acredita ter um trunfo para aprovar o Orçamento, preservado de maiores loucuras, ainda neste ano: trata-se da última oportunidade para que deputados e senadores não reeleitos carimbem emendas para obras em suas bases. Se a votação ficar para 2011, os benefícios serão todos da nova legislatura.

Acumulou Objeto de cobiça dos tucanos paulistas, a Secretaria de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia deverá ser comandada pelo vice-governador eleito, Guilherme Afif (DEM).

Vitrine A pasta, ocupada por Alberto Goldman e Geraldo Alckmin no mandato de José Serra, controla a rede de ensino técnico do Centro Paula Souza, os parques tecnológicos, as agências de fomento e o IPT.

Muita calma... Como a eleição na Assembleia ocorre apenas em março, Alckmin manterá prudente distância do assunto durante a transição. No PSDB, o governador em exercício, Barros Munhoz, atual presidente da Casa, e Bruno Covas, reeleito com votação recorde, estão em campanha pelo cargo.

...nessa hora Antigo aliado do governador eleito, o deputado tucano Celino Cardoso informou a Alckmin que submeterá seu nome ao partido e também entrará na disputa pela presidência.

com LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELI

tiroteio

"O trem-bala, pelo visto, conta com a tecnologia arrecadadora patenteada por Delúbio Soares. Já nasce com caixa-preta."

DE RAUL JUNGMANN (PPS-PE), em resposta ao tesoureiro do mensalão, que em seu Twitter qualificou o partido do deputado como "turma do atraso", por contestar no STF o aporte de recursos públicos ao projeto do TAV.

contraponto

Questão de gênero

Integrante da comitiva que acompanhou Lula à Argentina em 2008, Paulo Skaf teve a oportunidade de sentar-se ao lado de Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, em almoço oferecido por Cristina Kirchner.

Escalado para discursar, o representante da Fiesp perguntou a um funcionário do cerimonial como Cristina preferia ser chamada. Resposta: "presidenta". Skaf voltou-se para Dilma, que já despontava como a escolhida de Lula para concorrer em 2010, e provocou:

-E você, quando eleita, como quer ser chamada?

-Skaf, pare já de brincadeira!

ANTÔNIO PALOCCI FILHO

Blitzkrieg, tática e estratégia

ANTÔNIO PALOCCI FILHO
FOLHA DE SÃO PAULO - 14/11/10



A guerra contra a crise econômica exige paciência, estratégia e coordenação conjunta das nações



A DECISÃO recente do Fed (o banco central dos Estados Unidos) de, até junho do próximo ano, injetar mais US$ 600 bilhões na compra de títulos norte-americanos de longo prazo gerou preocupações e reações de todos os tipos mundo afora. Ostensivamente, o objetivo é baixar a taxa de juros de longo prazo, estimulando o investimento.
Mas se teme que esse aumento da liquidez no mercado americano tenha efeitos negativos sobre os países emergentes de melhor desempenho econômico, valorizando ainda mais suas moedas, em detrimento da competitividade de seus produtos.
A União Europeia se impõe uma consolidação fiscal, na expectativa de que possa haver, mais tarde, uma retomada mais consistente no crédito e nos investimentos.
No outro lado do mundo, a China, que tem procurado diminuir sua dependência das exportações de forma bastante gradual, mantém sua moeda ancorada ao dólar, valendo-se do seu robusto superavit externo.
O resultado desses fatores sugere que os países com melhores políticas cambiais acabarão pagando um alto preço enquanto não se alcança um ajuste harmonioso.
Uma desejada ação coordenada entre as grandes economias vai perdendo fôlego.
O G7 se esfacelou, e o G20, que teve papel importante na primeira onda da crise, tem agora dificuldades em induzir cada país a tomar decisões que diminuam o custo do ajuste global, decorrente do esgotamento da capacidade do consumidor americano de garantir o crescimento da demanda mundial, como ocorreu nas duas últimas décadas.
Pelo tamanho da economia americana -25% da economia mundial e 30% do mercado de consumo global, antes da crise-, a sua recuperação tem impacto sobre todas as nações.
Mas a derrota parlamentar do presidente Barack Obama reduziu sua margem de manobra. Há muita gente que parece gostar de ver democratas e republicanos numa luta sem fim. Acha que assim eles têm menos tempo para atrapalhar os negócios ou estourar o Orçamento. Mas isso é folclore.
O fato é que a reação à crise tornou-se tarefa ainda mais espinhosa para o governo Obama. Se já era difícil fazer a coisa certa, agora só se faz o possível, e o governo ficou com poucos instrumentos além da política monetária, com reflexos importantes sobre todos os continentes.
Esse quadro é preocupante porque uma das razões de a crise financeira de 2008 não ter provocado repercussões ainda maiores na economia real foi a preservação do comércio internacional.
No entanto, as medidas de fechamento comercial no período recente têm sido quase três vezes mais frequentes do que as de abertura.
Por isso, é preciso insistir numa ação minimamente coordenada entre as principais economias, valorizando as boas práticas, que equilibrem fluxos de comércio e fortaleçam o nível de renda do trabalhador nos países emergentes.
Um recrudescimento protecionista terá efeitos deletérios de longo prazo. Proteção comercial é fácil de fazer e difícil de desmontar. Mas será um caminho inevitável se muitos países forem deixados à própria sorte.
O governo brasileiro tem feito um grande esforço nos fóruns internacionais por uma ação mais coordenada. Não deve deixar de fazê-lo. Em um mundo que mostra enorme dificuldade de entendimento, não há outra coisa a fazer senão remar contra a maré quando se defende algo essencial.
A reunião do G20 em Seul, iniciada em ambiente de discórdia, encerrou-se com um vago compromisso de cooperação para sanar os desequilíbrios da economia mundial e as desvalorizações competitivas, um resultado modesto, mas melhor do que o esperado.
Mas não devemos nos iludir: nas guerras, os exércitos normalmente ficam exultantes com o sucesso da tática da Blitzkrieg -a ação relâmpago. Só muito tempo depois descobrem que, concentrados na tática, perdem na estratégia.
A guerra contra a crise econômica exige paciência, estratégia e coordenação. Movimentos táticos isolados produzirão apenas um período mais longo de incerteza.

ANTÔNIO PALOCCI FILHO, 50, deputado federal (PT-SP) e ex-ministro da Fazenda, escreve mensalmente, aos domingos, neste espaço.

SEJA FELIZ

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

"Governo Dilma vai ser amigável com a iniciativa privada", diz Bradesco
MARIA CRISTINA FRIAS 
folha de são paulo - 14/11/10

"O governo Dilma será um governo amigável com a iniciativa privada e o empreendedorismo. Será democrático e defensor das liberdades individuais." A opinião é de Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco.
Trabuco quase completou o "circuito Elizabeth Arden" em apenas 72 horas, nos últimos dias.
Ao inaugurar sedes "mais amplas e modernas", nos centros financeiros de Luxemburgo, Londres e Nova York, o presidente do banco encontrou-se com cerca de 400 pessoas, entre investidores, acionistas e analistas.
A preferida de Lula agrada aos investidores internacionais, que estão bem informados sobre o país, diz Trabuco.
"Na visão deles, a presidente eleita saiu das amarras do marketing político, revelando-se uma executiva com perfil de gestora competente", conta Trabuco.
"Vários deles me disseram que a veem de forma muito positiva. Consideram que Dilma é objetiva no trato dos temas, encarando de frente qualquer assunto", relata.
Segundo Trabuco, os investidores notaram até a sensibilidade política da ex-ministra. "Eles perceberam que a presidente tem habilidade política para lidar com interesses de partidos da base, o que será crucial na administração de uma maioria política no Congresso."
Com relação a perguntas sobre a composição do novo governo, Trabuco disse ter recomendado "não exagerar no jogo de especular sobre nomes". Para o presidente do Bradesco, "as especulações são nuvens que mudam conforme o vento. Melhor segurar a ansiedade e esperar a definição, até porque não há motivo de urgência".
Para os investidores com quem conversou, o governo Dilma vai manter o tripé câmbio flutuante, metas de inflação e disciplina fiscal.
A expectativa, conta Trabuco, é que o Brasil continue a crescer puxado pelo mercado interno e o aumento de investimentos externos.
O presidente do banco contou que já esperava um interesse maior pelo país, mas que se surpreendeu com perguntas de seus interlocutores sobre praticamente todos os setores da economia.
"Vários deles [investidores internacionais] me disseram que veem Dilma de forma positiva. Consideram que ela é objetiva, encarando de frente qualquer assunto"

CORRIDA POR REAVALIAÇÃO

O salto na valorização do mercado imobiliário nos últimos anos deve promover, a partir do próximo ano, uma busca por reavaliação dos preços de imóveis onde funcionam agências bancárias, segundo a consultoria Binswanger Brazil.
Em 2001, com o objetivo de cumprir uma resolução do Banco Central, que reduziu a parcela mínima de ativos imobilizados, muitas instituições financeiras venderam as suas agências a investidores privados e passaram a alugá-las, de acordo com a consultoria.
Uma das condições dos contratos era que as locações fossem mantidas por, no mínimo, dez anos, apenas com a correção do aluguel pelo IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado), explica Rafael Camargo, sócio-diretor da Binswanger.
"Como os contratos começam a vencer em 2011 e a explosão de valores do mercado imobiliário superou o reajuste pelo índice de inflação, os investidores vão correr para reavaliar seus ativos", afirma Camargo.

HSBC fecha a primeira operação em yuan no Brasil

O HSBC fechou a primeira operação em moeda chinesa no mercado brasileiro. O pagamento em yuans, cujo valor não foi informado, foi feito pelo grupo Tellerina, proprietário da Etna e da Vivara, entre outras empresas.
Com a transação no Brasil, o HSBC tornou-se o único banco internacional com fechamento comercial em moeda chinesa, em todos os continentes.
Para a empresa, há a vantagem da economia e da facilidade de fazer apenas o câmbio para yuan, sem passar pela conversão em dólar.
"Mais do que isso, é importante ter um banco que possibilite o pagamento em yuans porque isso facilita muito a relação comercial", afirma Rodrigo Caramez, diretor do HSBC no Brasil.
A autorização final do governo chinês saiu em junho.
"Em cinco meses montamos operações em 33 países porque nos valemos da forte presença do HSBC na China. Colocamos cinco brasileiros lá", conforme o executivo.
A estratégia do banco foi focar de início companhias de médio e grande porte. Depois virão as menores. Outra operação já está para sair, segundo ele.
O Brasil é um dos dez maiores parceiros comerciais da China. "Há cerca de cinco anos, não estava na lista."

Vernissage 
A editora Zahar lança "Arte & Dinheiro", de Katy Siegel e Paul Mattick, com prefácio do economista Gustavo Franco. O livro organiza os capítulos como se fossem salas de uma exposição, onde são mostradas obras de arte que abordam o dinheiro. Há artistas que retratam ou usam o "vil metal", outros refletem sobre seu caráter abstrato. Há fotos de trabalhos de Andy Warhol e Cildo Meireles.

com JOANA CUNHA, ALESSANDRA KIANEK e FLÁVIA MARCONDES

VINICIUS TORRES FREIRE

Andam dizendo por aí: Brasil
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 14/11/10


"Risco fiscal" no governo Dilma, controle de capitais, real forte, nada afeta ânimo de bancões com o Brasil



A "GUERRA FRIA" das moedas continua? Não houve acordo nenhum no G20? A Irlanda é o novo Portugal? O contágio irlandês vai derrubar o euro em relação ao dólar? A China pode apertar a política monetária e abalar a especulação altista com commodities que o Brasil vende? A política monetária expansionista dos Estados Unidos não vai funcionar? Decisões importantes nos EUA vão subir no telhado devido ao impasse político, Barack Obama vs. republicanos?
Sabe-se lá; pode ser que sim. Uma saraivada de relatórios de bancões estrangeiros sobre o final de 2010 e início de 2011 observa os "riscos", "as incertezas", o blá-blá-blá de costume. Mas está difícil de encontrar uma avaliação pessimista sobre o Brasil e sobre os mercados financeiros dos países ditos emergentes. Ou, na prática, parece haver mais otimistas do que pessimistas até em relação ao mercado financeiro do mundo rico. Desemprego? Governos hiperendividados? Esse é outro departamento. Desde agosto, há animação geral na praça do mercado.
"Muito riso, pouco siso", diziam as mães e avós de antigamente.
Crédito crescendo a 20% ao ano, China comprando commodities como sempre e o efeito do "bônus demográfico" sobre o mercado de trabalho devem manter o Brasil crescendo entre 4,5% e 5% em 2011, com inflação em torno de 5%. Parece tudo óbvio, decerto, mas são eles que estão dizendo, administradores e consultores do dinheiro grosso.
Há "risco político" na indefinição da política fiscal (de gastos do próximo governo)? Há, dizem. Mas não estão ligando muito ou acreditam mesmo que Dilma Rousseff vai entregar um resultado fiscal razoável. Muitos levaram a sério as declarações de Mantega na semana passada a respeito de contenção de gastos público e de crédito estatal.
Há risco de mais intervenções no câmbio, controle de capitais? Há, nada radical, dizem, talvez mais compra de reservas e alguns controles adicionais a fim de evitar valorizações agudas do real. Mas isso importa quase apenas para quem vai fazer operações financeiras talvez afetadas por novas medidas de limitação à entrada de capitais. Não muda em nada o panorama geral da economia. Não muda também a perspectiva de investimentos de estrangeiros na Bolsa. É futurologia, claro, mas são eles que estão dizendo -os economistas dos bancões.
Os ativos financeiros estão caros? A Bolsa, pelo menos, não está, dizem. Sugerem comprar ações de bancos e de incorporadoras.
Tumulto na Europa? Pode ser desagradável, mas haveria poucos estilhaços por aqui. O risco de confusão na Europa agora se chama Irlanda, que pode ter de gastar mais com seus bancos quebrados. Por causa disso, o custo de financiamento da dívida da Grécia, de Portugal e da Irlanda, claro, foi às alturas. Ou seja, há o risco de nova gripe financeira, tal como a causada pelo vírus grego, embora o vírus irlandês vá encontrar a Europa mais vacinada por mundos e fundos reunidos para combater o contágio helênico.
O final do ano nos mercados emergentes, Brasil inclusive, pode ser mais agitado por "realização de lucros", quedas temporárias nos mercados, mas a perspectiva para 2011 é que tanto os mercados de dívida como as ações ainda serão muito mais interessantes aqui do que nos países do Ocidente rico.

GOSTOSA

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Boca de túmulo
Sonia Racy 


O Estado de S.Paulo - 14/11/10
Ganso conseguiu colocar um ponto final ao mal-estar criado junto à Promotoria de Direitos Humanos. O órgão pediu esclarecimentos ao craque depois que, em entrevista a esta coluna em julho, afirmou que no time do Santos não havia jogadores homossexuais "graças a Deus".
O jogador enviou uma declaração dizendo que não tinha intenções de ofender ou discriminar ninguém.
O promotor Eduardo Valério se deu por satisfeito e recomendou que Ganso não manifeste mais opiniões homofóbicas em público.
Grandeza
Obras de artistas como Daniel Senise, Arthur Piza, Vik Muniz, entre outros, irão a leilão, sábado, na Fazenda Boa Vista. Doadas pela JHSF, em prol de instituições designadas por moradores do empreendimento.
O evento para mil pessoas contará ainda com shows de Erasmo Carlos, Arnaldo Antunes e Céu.
Paixão nacional
O Museu do Futebol fechou parceria com a Adidas. Monta em dezembro o segundo Encontro de Colecionadores de Camisas de Futebol.
Bem alcoólico
A Childhood Brasil arrecadou, quinta-feira, nada menos que R$ 750 mil, durante evento organizado em torno dos produtores de vinhos do Primium Familiae Vinis, no Jockey Club.
O lote mais disputado da noite beneficente foi uma caixa com 11 garrafas de vinhos. Saiu por R$ 250 mil.

Responsabilidade social

Ana Diniz associou-se à faculdade Singularidades, que desenvolve formação de professores. A parceria está oferecendo bolsas de estudos para os 100 melhores colocados no vestibular da instituição, que cursaram o ensino público.
O Santander fez as contas. Já investiu mais de R$8 milhões no Programa Espaço de Práticas em Sustentabilidade. Além de cursos presenciais, o site divulga dicas ecologicamente corretas para empresas.
A Bei Editora mobilizou-se para ajudar a combater o analfabetismo. Doou mil livros para a campanha de Natal da Ação Cidadania, que tem como tema Educação para a Paz.
O projeto Planeta Sustentável, do grupo Abril, avisa: acaba de lançar aplicativo para celular que ajuda a identificar aves da Mata Atlântica. Parte da renda da venda do serviço será revertida para o WWF-Brasil.
O projeto de inclusão digital Caia na Rede, desenvolvido em obras da Odebrecht, chegou a terras africanas. Em parceria com a Fundação Vale, no reassentamento de Cateme, Moçambique.
O Bazar da Rosa, evento beneficente - pilotado por Vera Monfort, Sonia Leite Bastos, Lu Podboy, Mary Caro e Helo Di Cunto -, acontece a partir de quinta. No Morumbi.
Arte que inspira a preservar. A exposição de Furoshiki, tradicional pano quadrado japonês, está em cartaz no escritório de Arte Joh Mabe.
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República decidiu. Diante do sucesso do seu Twitter, acaba de criar perfil no Facebook para divulgar suas ações.

Detalhes nem tão pequenos...
1. O Natal ainda está longe, mas o velhinho já chegou e circula pelos ambientes anunciando os preços e as pechinchas de final de ano.
2. Foram nessas cadeiras onde as grandes cabeças da literatura se reuniram para bater papo e ganhar muitos prêmios.
3. Será bom ou ruim o que o simpático realejo vê nas cartas para o ano que vai entrar?
4. Parece meia, mas o estilo está cravado para a vida toda na pele e na alma.
5. A sensação verde e amarela, que tanto agrada os gringos, virou mote de campanha e de exaltação em noite artística.

JOÃO UBALDO RIBEIRO

A República, filosoficamente
João Ubaldo Ribeiro 


O Estado de S.Paulo - 14/11/10
Há quem sustente que, em janeiro de 1890, Itaparica ainda não tinha certeza de que a República fora proclamada no ano anterior, notadamente o filósofo e tribuno Nabucodonosor Pontes Ferrão, autor de valente discurso intitulado "Onde se encafurna ela, que não aparece?". Com essa alocução, pronunciada no Largo da Quitanda, em arroubado improviso ornado de lindas ordens inversas, e tida por alguns como apócrifa, mas não obstante ainda venerada como peça de estilo e civismo, o orador, segundo se diz, chegou a convencer grande parte de seus concidadãos de que a República não existia, era uma invencionice de poetas, desocupados e loroteiros.
Para tornar a história completa, deve acrescentar-se que ele classificou a tão comentada República de "mero factoide". Eu, que nunca tive acesso direto ao documento, estranhei o uso dessa palavra, mas Jacob Branco, ele próprio notável orador e estudioso da vida e obra de Nabucodonosor Ferrão, garantiu que o termo já era usado desde o tempo em que o padre Vieira xingava os hereges na Catedral da Bahia e que seu emprego recente, como palavra do Sul do País, configura mais um furto filológico, dentre os muitos de que Itaparica sempre foi vítima. E até hoje é um argumento válido, assinala Jacob, porque a República de fato continua a aparecer muito pouco na ilha, tendo-se escassa notícia dela, a não ser na hora de pedir os votos e cobrar os impostos. No mais, que se saiba, continua encafurnada, só que agora em Brasília.
Fato ou factoide, Jacob também me assegurou que, em 1890, as comemorações do Sete de Janeiro, data em que celebramos a verdadeira independência brasileira, pois foi quando acabamos de correr a tapa o opressor lusitano, sucederam em clima conturbado. (Não queremos desmerecer ninguém, mas esse negócio de independência no grito é mole, na ilha foi que o pessoal teve de sair no braço). Realizaram-se em meio a um racha inconciliável, entre os que pretendiam continuar a homenagear o imperador nos festejos, como era da tradição, e os que se anunciaram como prepostos ou representantes da tão falada República e só queriam saber de marechal pra lá e marechal pra cá. Fizeram dois cortejos, ambos desfilando debaixo dos apupos, cacetadas e pedradas dos opositores, e dizem que certas famílias da ilha que até hoje não se dão bem começaram a rixa por ocasião desse mencionado Sete de Janeiro.
Estamos já bem longe desses tempos e os poucos monarquistas que restam na ilha limitam suas atividades subversivas a reuniões secretas que todo mundo sabe que são às quintas-feiras, depois da novela, na casa de Bertinho Borba, que até hoje não desistiu da ideia de ser nomeado barão. Desde aquele 1890 que eles nunca esquecem, os monarquistas, como acho que já contei aqui, estão tentando redigir, sem concordar nem nos termos nem na gramática, um convite endereçado ao futuro rei da ilha, cujo nome é também objeto de intensa controvérsia, pois uns querem um português d. João ou d. Pedro legítimo, outros querem um holandês, outros querem um japonês rico e assim por diante, não há acordo à vista.
Quanto ao proverbial homem da rua, ou popular, na ilha, creio que uma pequena entrevista com Azeda, que continua muito empertigado e elegante, sempre desfilando de chapéu armado com uma inclinação meio malandra, é esclarecedora. Azeda declarou-se inteiramente favorável a tudo o que lhe perguntaram, mesmo quando isso rendia algumas contradições. Afinal, ele era contra ou a favor da República? Houve hesitação, mas foi breve.
- É o seguinte, bote aí - disse Azeda. - Eu estou com o Homem. Minha posição é clara. Bote aí: minha posição na República é com o Homem.
Diante de postura tão resoluta, não creio que haja grandes manifestações amanhã. É duvidoso que Ari de Maninha, orador junto ao qual até Jacob Branco é calouro, venha a fazer sua costumeira palestra alusiva à data, no bar de Espanha, até porque Espanha rechaçou a ideia, apresentada pela comissão dos festejos, de conceder um desconto de 15 por cento na cerveja. ("É 15 no 15!", inspirado slogan de Ari de Almiro, em feliz referência simultânea ao 15 de novembro e aos 15 por cento do desconto, mas, ao que parece, Espanha não é muito sensível ao marketing moderno).
De qualquer forma, o 15 de novembro nunca foi mesmo muito prestigiado na ilha, nem sequer entre os mais progressistas e esclarecidos. Persistem na memória de seus discípulos ainda vivos os ensinamentos de Waltinho Filósofo, o pranteado fundador da Escola Filosófica do Sorriso de Desdém, que disse que a República, como todas as demais obras do homem escravizado ao homem, só merecia mesmo um sorriso de desdém. A única vantagem dela sobre a monarquia era que tinha propiciado um grande aumento de gente para se xingar e se indicar para o inferno - às vezes Waltinho era um tantinho radical. E talvez tenha também pegado trauma de República, porque, pouco antes de fundar a escola do Sorriso de Desdém, tentou montar a República de Platão na ilha, ele e os discípulos desfilando para lá e para cá com coroas de folhas de pitanga e enrolados em lençóis sem nada por debaixo, porque não consta que Sócrates usasse cueca. Mas essa República não foi bem compreendida pelo delegado, de maneira que podemos dizer que se tratou da última grande experiência republicana em Itaparica. E creio que o resto pode ser resumido na postura de Azeda. Quando ele repetiu que estava com o Homem, alguém lembrou que agora não vai ser mais homem, vai ser mulher.
- Então bote aí: eu estou com a Mulher. Vocês não me pegam, minha posição na República é com a Mulher, aqui pra vocês todos, eu também sou filosófico. 

SEJA FELIZ

PEDRO S. MALAN

Recôndita (des)harmonia?
Pedro S. Malan 


O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/11/10
"Pode-se argumentar, como muitos fazem, que nossa democracia não precisa de República, que aos trancos e barrancos vamos construindo a inclusão política e social, e que preocupação com honestidade política, bom governo, valores cívicos e instituições respeitadas é moralismo pequeno-burguês." Mas, como o autor da citação (José Murilo de Carvalho), espero que haja um número crescente de brasileiros que discorde dessa posição. Os eleitores dirão.
As linhas acima concluíram meu artigo de janeiro de 2010 neste espaço. Bem, dos 135,8 milhões de potenciais eleitores brasileiros, 55,7 milhões disseram Dilma, 43,7 milhões disseram Serra e 36,4 milhões ou se abstiveram de votar, ou anularam seu voto, ou votaram em branco. Maioria é maioria e teremos, pelos próximos quatro anos, uma presidente de todos, e não apenas dos 41% (do total de potenciais eleitores) que a sufragaram explicitamente nas urnas.
O processo eleitoral e seu resultado mostraram que existe sim uma "opinião pública" no Brasil. Que esta não é "esquálida", como Hugo Chávez denomina a oposição que se lhe faz. "Eu não sou um indivíduo, eu sou o povo", diz ele. Por aqui tivemos nosso presidente afirmando, pouco antes do primeiro turno: "A opinião pública somos nós."
Porém, dois domingos atrás, nas suas primeiras declarações - lidas - já como presidente eleita, Dilma Rousseff deu a entender que estaria preparada para deixar de lado os discursos de palanque, e a excessiva dependência, tanto de Lula quanto do sistema de "marquetagem" política, para efetivamente se dedicar a governar o País em nome de todos - em princípio, até 2014.
Afinal, como disse o presidente do PT em entrevista ao jornal O Globo no domingo passado: "(No PT) não existe esse negócio de definir projeto de poder por número de anos. (...) Normalmente, são vertentes autoritárias que trabalham com projetos de poder de longo prazo. O nazismo é que trabalhava com um projeto de décadas."
Mas o presidente do PT sabe que seu partido usa o discurso da "comparação de dois projetos para o País". Um seria o projeto de um "novo modelo", que reúne desejos que ou não haviam ocorrido antes a nenhum outro partido político ou que ninguém, nunca antes, havia sido capaz de implementar com tanta sabedoria, engenho e arte.
Existe um problema no debate, a meu ver, simplório e equivocado, desse discurso maniqueísta dos dois projetos: o bom e o mau. Problema que é, em boa parte, das oposições, como muito bem situado no contexto atual por José Alvaro Moisés em seu artigo de domingo passado no caderno Aliás deste jornal (Qual Oposição?).
Mas existe também um problema não resolvido, interno ao lulo-petismo e bem expresso, desde o início, pelo ex-ministro José Dirceu, o ex-capitão do time, o grande operador político do governo (enquanto lá esteve) e dos bastidores do PT até o presente. Vale lembrar que a resposta do PT - em nota oficial de março de 2004 - ao escândalo Waldomiro Diniz (hoje prescrito e arquivado) foi a de propor... mudanças na política econômica do governo Lula!
Mais de 20 meses depois, em entrevista concedida no dia 27 de novembro de 2005, Dirceu, além de dizer que Lula é "personagem difícil", e "estar indo devagar na implantação de um governo de esquerda", reconheceu que "deveria ter saído do governo quando Lula optou, perto do final de 2004, por seguir o caminho defendido por Palocci". Não o fez porque ainda esperava mudanças. Afinal, como notou (em 23 de novembro de 2004) Teresa Cruvinel, sempre muito bem informada sobre esses assuntos, "o PT tem dois objetivos agora: reconquistar a coordenação política do governo para o ministro José Dirceu e mudar os rumos da política econômica".
Há muita gente no PT que acha que esses rumos vêm mudando desde que Antônio Palocci e Paulo Bernardo tiveram sua proposta - de contenção da velocidade de crescimento das despesas primárias do governo - derrotada ao final de 2005. É público e notório quem disparou o tiro de misericórdia na proposta. Como notou Merval Pereira, "nem nos tempos do todo-poderoso José Dirceu a Casa Civil tinha a audácia de ir tão longe no enfrentamento da política econômica". O silêncio de Lula à época foi revelador do que viria.
A presidente eleita sabe que tem uma tarefa hercúlea pela frente a partir de agora. A presidente eleita sabe que as lideranças políticas de um governo, por meio de suas posturas, suas ações e seus critérios na escolha de suas equipes, emitem poderosos sinais sobre os limites do que constituem comportamentos e inaceitáveis no trato da coisa pública. A presidente eleita sabe, espero eu, ainda que - como o presidente atual - tenha dificuldade política em reconhecê-lo de público, que o Brasil de hoje não começou a ser construído em 2003.
A presidente eleita sabe que a escolha do núcleo duro de seu governo e de seus 37 ministros será um momento definidor das expectativas quanto aos próximos quatro anos. Aguarda-se, com especial interesse, o anúncio da composição completa da equipe econômica da presidente eleita - a quem desejo boa sorte.
O grande risco que corremos é o do excesso de complacência e voluntarismo. O Brasil - e seu futuro governo - tem desafios incríveis à frente. Nas questões de infraestrutura (física e institucional). No nível (excessivo), na composição (distorcida) e na eficiência (precária) tanto do gasto público quanto da arrecadação tributária. Na deficiente qualidade de nossos níveis educacionais, quando comparados aos níveis - muitíssimo melhores - de países que conosco competem. Na necessidade de lidar com questões de longo prazo nas áreas previdenciária, trabalhista e tributária - e pensando no longo prazo.
Em suma, tarefas que exigem mais ação consistente e menos discursos de palanque - que, esperemos, sejam muito menos frequentes a partir de agora.
ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC