domingo, maio 29, 2016

Precisamos falar sobre herança - GUSTAVO FRANCO

O GLOBO - 29/05

Fez muito bem o Ministro da Fazenda, na verdade o presidente Michel Temer, em propor ao Congresso a alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de modo a refletir as cores exatas do cenário econômico e fiscal que recebeu de Dilma Rousseff. É importante ter claro o legado da presidente afastada, inclusive para se acrescentar elementos aos julgamentos no Senado e diante da História.

O superlativo número de R$ 170 bilhões para o déficit primário no exercício de 2016, conforme aprovado na semana que passou, foi chocante e surpreendente para muitos. Mas é só um pedaço da história, e pequeno. Note-se, para começar, que este número não é bem uma meta, mas uma estimativa realista do que ocorrerá uma vez mantidas as coisas como estão. É certo que as autoridades têm o dever de buscar um número bem menor, mas é importante estabelecer com clareza o ponto de partida, e também que há muita coisa que não entra nessa conta.

Vale lembrar que, durante os dez anos anteriores a 2008, o resultado primário médio foi um superávit maior que 3% do PIB. Esta lembrança é importante para afastar a ideia de que a Constituição de 1988 teria sido culpada da deterioração fiscal recente. E também para que se tenha muito claro que foi Dilma Rousseff quem transformou um resultado positivo médio da ordem de R$ 190 bilhões (3% do PIB de 2016) em um negativo de R$ 170 bilhões.

A deterioração fiscal comandada por Dilma Rousseff foi, portanto, de R$ 360 bilhões, sendo este o tamanho do esforço fiscal que teria que ser feito hoje para colocar o país de volta na situação onde estava no período 1998-2007, quando houve crescimento, austeridade (ao menos quando medida por superávits primários) e melhoria na distribuição de renda.

São R$ 360 bilhões morro acima, só para arrumar o resultado primário. Se colocarmos na conta os juros, os números se tornam ainda mais perturbadores.

No ano de 2015, o Brasil foi o país cujo Tesouro Nacional mais pagou juros no mundo: 8,5% do PIB, contra 4,62% na Índia, 4,11% em Portugal, 4,02% na Itália e 3,61% na Grécia.

Em moeda corrente, estamos falando de R$ 502 bilhões em juros em 2015, quando o déficit primário (o resultado sem contar juros) foi de 1,88% do PIB, equivalente a R$ 111 bilhões. Assim, nesse ano, o déficit total do setor público foi de 10,38% do PIB ou de R$ 613 bilhões.

A mesma lei que recém alterou a LDO estimou o déficit nominal para 2016 em 8,96% do PIB, ou seja, R$ 579 bilhões, dentro dos quais estão os R$ 170 bilhões de que falamos logo acima. Estima-se que a conta de juros neste ano fique parecida com a do ano passado. A ver.

Tudo considerado, com este déficit nominal, a projeção para a dívida pública bruta ao final de 2016 é de 73,4% do PIB, uma alucinação. E não pense que foi só isso. Mesmo com o Tesouro entrando fortemente no vermelho, o governo resolveu fazer outros gastos fora do Orçamento, que não entram nas contas acima. Para tanto, transferiu cerca de R$ 500 bilhões para o BNDES em títulos, em várias operações. Como se a sua empresa estivesse dando prejuízo e você resolvesse se endividar para emprestar um valor correspondente à metade do seu faturamento a uma subsidiária.

Nesta semana que passou, um pedaço desse dinheiro foi devolvido, vamos ver quanto vai custar para regularizar essa operação.

Além disso, temos também as operações “anticíclicas” da Caixa e do Banco do Brasil, ordenadas explicitamente pelo governo. A quem pertencerá o prejuízo decorrente dessas atuações? Que tamanho tem essa conta? E as operações feitas com o dinheiro do FGTS?

Não seria bom ter um corte e uma análise circunstanciada do estado dessas instituições neste momento de transição e reflexão?

E as necessidades de capitalização da Petrobras, decorrentes da devastação a que foi submetida em consequência das insanidades heterodoxo-nacionalistas adotadas pelo governo afastado e da pilhagem engendrada pela quadrilha que ali se instalou?

A dívida da Petrobras cresceu a tal ponto que o fluxo de caixa descontado da empresa para o horizonte relevante de avaliação está zerado, ou pior, a depender do preço do petróleo nos próximos anos. Basta olhar os relatórios de analistas externos da empresa, todos acordes nesse terrível diagnóstico.

Isso mesmo, você não entendeu mal, a empresa está tecnicamente quebrada, funcionando da mão para a boca, um dia de cada vez, terrivelmente necessitada de um aumento de capital, ou da venda de ativos, de cortes dramáticos e providências difíceis. Uma empresa desse tamanho, ainda mais estatal, não pode entrar em recuperação judicial, não sem provocar um problema sistêmico.

Mas antes de pensar no conserto, que se registre a façanha: poucos anos depois do apogeu representado pela descoberta do pré-sal e do aumento de capital em Nova York em 2010, quando a companhia captou US$ 70 bilhões, na maior operação da espécie jamais registrada neste planeta, Dilma Rousseff conseguiu colocar a Petrobras a meio centímetro da recuperação judicial. Que portento em matéria de incompetência administrativa, imprevidência estratégica e desonestidade mesmo, esta última, inclusive, reconhecida oficialmente no balanço.

Fará bem o novo presidente da Petrobras em ter muito claras as condições da empresa no momento em que assumir as suas responsabilidades.

A mesma recomendação vale para a presidente do BNDES, para o qual já se decidiu devolver R$ 100 bilhões dos R$ 500 bilhões que recebeu do Tesouro. O banco deve ser capaz de demonstrar para onde foram os recursos, e talvez mesmo pagar o Tesouro com esses ativos. E, se houver prejuízo, que seja declarado e explicado para que as culpas pertençam a quem de direito.

Como foi acontecer uma tragédia desse tamanho?

É claro que temos que refletir muito sobre as brechas na Lei de Responsabilidade Fiscal e sobre o mau uso das empresas estatais, seja para propósitos políticos, para a corrupção, ou para simplesmente financiar e acobertar o populismo fiscal.

Mas nem por um segundo devemos esquecer que a responsabilidade pela catástrofe possui nome e sobrenome e que o Senado não estará se debruçando apenas sobre “pedaladas”, “jeitinhos” ou decretos feitos por assessores descuidados, mas sobre o maior descalabro fiscal que a história econômica brasileira registra desde, possivelmente, quando Dom João VI abandonou o país em 1821 e rapou o ouro que havia no Banco do Brasil.

E não por acidente as quedas no PIB do biênio 2015 e 2016, que se espera que atinjam 3,8% e 3,8%, ultrapassam o que se observou nos anos da Grande Depressão, 1930-31, quando as quedas foram de 2,1% e 3,3%.

É fundamental que se tenha clara a exata natureza e extensão da herança, para que as dores inerentes ao árduo trabalho de reconstrução financeira e fiscal do crédito público sejam associadas a quem produziu a doença, não ao médico.


Disciplinar o conflito distributivo - SAMUEL PESSÔA

Folha de São Paulo - 29/05

A economia brasileira está à beira do precipício. O deficit primário de R$ 170,5 bilhões resulta do descontrole fiscal iniciado nos últimos dois anos do governo Lula e aprofundado nos cinco anos e meio do governo de Dilma Rousseff.

Erros de política econômica agravaram e esconderam o desequilíbrio estrutural de nosso Estado: há 20 anos o gasto primário real da União cresce ao ritmo de 6% ao ano, muito acima do crescimento do PIB, que rodou pouco abaixo de 3%.

O crescimento do gasto segue diversas leis que vinculam o gasto público à receita, estabelecem regras de elegibilidade e critérios de indexação de benefícios de vários programas sociais, alguns que beneficiam sobretudo os 10% mais ricos, como a gratuidade das universidades públicas, regras de evolução da carreira e da remuneração de servidores públicos e de aposentadorias e pensões, entre tantas outras.

O resultado desse conjunto de regras é disfuncional para a sociedade: o gasto público cresce sistematicamente além da economia, causando dinâmica explosiva do endividamento público e risco real de, se nada for feito, retornarmos ao cenário de inflação acelerada e crônica, vigente nos anos 80.

A luta de cada grupo por seu naco no orçamento -seja na forma de uma garantia de gasto ou renda, ou de uma garantia de desoneração tributária- resulta em situação ruim para o conjunto da sociedade: juros reais elevados, baixo crescimento, em função da contínua pressão por aumento da carga tributária, e risco de descontrole inflacionário.

O caminho para a construção de equilíbrio fiscal virtuoso é reformular cada uma dessas leis. Temos que fazer uma reforma da Previdência, desvincular a receita da União e qualificar o gasto público, refazer as regras de gestão de pessoal do setor público, repensar as inúmeras desonerações e crédito subsidiado para o setor produtivo etc.

A lista é extensíssima.

A grande dificuldade é que cada medida isolada não resolve o todo -resolve somente parte do todo- e mobiliza forte grupo de pressão pela manutenção do status quo.

Estamos diante de dificílimo problema de ação coletiva.

A proposta, anunciada na última terça-feira (24), de estabelecer um limite para o crescimento do gasto público é a maneira que o governo Temer encontrou de ajudar a sociedade brasileira a buscar essa situação que é ótima do ponto de vista coletivo, mas difícil de ser construída em democracias tão consensuais como a nossa.

A limitação ao crescimento do gasto público é medida que disciplina nosso conflito distributivo. O Executivo estabelece um limite no interior do qual o conflito distributivo pode ocorrer: além deste limite, defende-se o bem comum.

É preciso esperar os detalhes da proposta. E, de fato, o diabo mora nos detalhes.

Quais normas legais terão que ser revistas para viabilizar o limite proposto?

Uma das consequências da limitação será impedir a concessão de benefícios ao setor produtivo, congelar aumentos nominais de salários, aposentadorias e benefícios sociais sempre que o gasto público atingir o limite constitucional.

A sociedade, por meio do Congresso, terá que discutir, a partir de uma restrição orçamentária dura, de onde e para onde deslocar e alocar recursos.

Não poderá fazê-lo mandando a conta para a inflação, na forma de aumentos insustentáveis da dívida pública ou da carga tributária.

Se funcionar, será o Plano Real de Temer.

Pires na mão - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 29/05

ALVARO GRIBEL E MARCELO LOUREIRO (INTERINOS)
Financiar investimentos será mais difícil com o forte déficit que atinge os fundos de pensão. Segundo a Abrapp, associação que representa as entidades de previdência complementar do país, o balanço de 219 fundos registrou rombo de R$ 62 bi em 2015, número 16 vezes maior que o déficit de 2014. “Nossa expectativa é estabilizar ou reverter esse déficit só em 2018”, disse o presidente da Abrapp, José Ribeiro Pena Neto.

Perda de patrimônio

O gráfico mostra como a recessão atingiu fortemente os fundos. Desde 2012, o balanço vem caindo ano a ano, até chegar ao enorme rombo do ano passado. De 219 fundos do país, 92 estão no vermelho, o que significa que os benefícios que eles têm a pagar ao longo dos próximos anos e décadas estão acima dos ativos que possuem. De um lado, há alta dos valores a serem pagos, com o envelhecimento da população; de outro, a perda de valor dos ativos, que em 2007 representavam 17,2% do PIB e agora valem 12,2%.

Risco cambial

Com os fundos de pensão no vermelho, o mercado de capitais em baixa, e o BNDES sem o vigor de anos anteriores, a solução para financiar as concessões pode estar no crédito externo. José Carlos Martins, da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), acredita que a situação vai reativar a antiga discussão sobre as garantias contra o risco cambial, que é tomar empréstimos em moeda estrangeira.

Portas fechadas

A Petrobras conseguiu fazer captações no exterior, mas para outras empresas investigadas na Lava-Jato o acesso ao crédito continua distante. Um título da Odebrecht é negociado lá fora com desconto de 70%, o que inviabiliza novas emissões. No caso da Andrade Gutierrez, o deságio é de 20%. No mercado, há quem avalie que a única saída para a Odebrecht é ser comprada por um grupo chinês. “Ela está sem fluxo de caixa e sem acesso a crédito”, disse uma fonte.

Tudo vermelho

O PIB do primeiro trimestre sai na quarta-feira e é consenso que o país terá o quinto período seguido de queda. Pelas contas do Itaú Unibanco, a retração será de 0,8%. As estimativas ainda apontam redução de 0,7% no segundo trimestre e mais dois tombos no segundo semestre. A boa notícia é que a queda ficará menos intensa. Segundo o banco, o quarto trimestre terá redução de 0,1%. Números azuis, só em 2017.

Sinais de melhora

Segundo o economista Rodrigo Miyamoto, do departamento de pesquisa econômica do Itaú, houve melhora em quase a metade dos 48 indicadores antecedentes analisados entre fevereiro e abril. Isso sugere que o PIB do quatro trimestre ficará próximo da estabilidade. “Há um ano, esse indicador estava em 20%, agora subiu para 48%”, explicou. Os estoques da indústria caíram, há perspectiva de redução das taxas de juros, e indicadores de confiança começam a dar sinais de recuperação.

PÉ NA TÁBUA. O preço do galão de gasolina nos EUA está no nível mais baixo para o período desde 2009, às vésperas da temporada de verão.

PIOR NÚMERO. A projeção do Bradesco é que a taxa de desemprego tenha subido de 10,9% para 11% em abril. O IBGE divulga o resultado na terça-feira.

AGENDA SEMANAL. Segundo a Go Associados, o novo teste do governo será a análise pelo Congresso do projeto que amplia a Desvinculação das Receitas da União. A colunista voltará na terça-feira

A vitória da toga sobre o colarinho branco - CARLOS AYRES BRITTO

O Estado de S. Paulo - 29/05

Um dos muitos sentidos do substantivo “constituição” é este: modo peculiar de ser das coisas. Modo único de ser de tudo o que existe, pois o fato é que nada é igual a nada. Tudo é absolutamente insimilar, aqui, neste planeta, e alhures. Daí que, já em sentido jurídico e grafada com a inicial maiúscula, Constituição signifique o modo juridicamente peculiar de ser de um povo soberano. Modo juridicamente estruturante de ser, entenda-se. Isso por veicular, ela, a Constituição, as linhas de montagem tanto do Estado quanto da sociedade, no âmbito territorial em que tal povo exerce a sua soberania.

Outro dado a considerar: essa espécie de Constituição (a originária) é habitualmente designada por sinônimos. Ora é chamada de Lei das Leis, ora deLex Maxima, ora de Magna Carta, ora de Código Político. Explico. Lei das Leis, por ser a única lei que o Estado não faz, e no entanto se faz de todas as leis que o Estado faz. Lex Maxima, pela sua hierarquia superior às demais leis do Estado, aqui inseridas as próprias emendas a ela, Constituição. Magna Carta ou mesmo Lei Fundamental, por consubstanciar os princípios e regras que fundamentam ou cimentam ou elementarizam a personalidade humana. Finalmente, Código Político, pela referida característica de estruturar com inicialidade o Estado e a própria sociedade. Perceptível que estruturar com inicialidade o Estado é fazê-lo com todos os órgãos elementares dele. Tanto o bloco daqueles órgãos concebidos para governar (Poder Legislativo e Poder Executivo) quanto o bloco daqueles que não governam, mas impedem o desgoverno (Polícia Judiciária, Ministério Público, Tribunais de Contas e Poder Judiciário, em especial).

Um outro sinônimo, todavia, ouso propor como dotado de préstimo instrumental para o melhor entendimento da Constituição. É a locução “Carta Mãe”. Isso porque toda Constituição originária é matriz de um Estado e de um Ordenamento Jurídico, ambos novinhos em folha. Mãe que jamais nasce sozinha, entretanto. O seu partejamento se faz acompanhar do partejamento da Ordem Jurídica em sentido objetivo e do Estado em sentido subjetivo. É como dizer: a Constituição parteja a si mesma e dá à luz, simultaneamente, Ordem Jurídica de um povo soberano. Dois nascimentos a um só tempo. Como sucede com toda mulher que se faz mãe pela primeira vez. Mulher que traz à vida cá de fora o seu bebê e ainda nasce enquanto mãe mesma. E nasce enquanto mãe mesma porque até então o que havia era tão somente a figura da mulher. Não propriamente a figura da mãe. Dando-se que a Ordem Jurídica é o rebento objetivo da Constituição, tanto quanto o Estado é esse mesmo rebento, mas numa acepção subjetiva.

Sucede, porém, que a Constituição é um tipo de mãe que jamais emancipa de todo o seu rebento. Este lhe deve obediência o tempo todo. Seja enquanto Ordem Jurídica, seja enquanto Estado. Noutros termos, a Constituição é mãe que nasce para conviver por cima, o tempo inteiro, com o seu filho. Compondo com ele um só Sistema de Direito Positivo ou, simplesmente, Sistema Jurídico. É o que se chama de princípio da supremacia da Constituição, para cuja irrestrita obediência ela concebe e monta um Sistema de Justiça, principalmente. Um Sistema de Justiça que, em dimensão federal, incorpora a Advocacia-Geral da União, os advogados privados, a Defensoria Pública e o Ministério Público da mesma União, tudo afunilando para o Poder Judiciário e, no âmbito deste, para o Supremo Tribunal Federal (STF). A Lei Suprema a ser definitivamente guardada por um Tribunal Supremo como penhor de segurança jurídica máxima.

É agora que vem o necessário link normativo: o Sistema de Justiça brasileiro não tem “fagocitado” (Wellington Lima e Silva) ou por qualquer forma traído o Sistema Jurídico igualmente brasileiro. Não tem resvalado para esse pântano da mais ignominiosa teratologia funcional e jamais poderia fazê-lo, pois sua legitimidade provém do sistema que o antecede. Uma coisa a se seguir a outra, necessariamente, numa típica relação de causa e efeito. O Sistema Jurídico enquanto causa, o Sistema de Justiça enquanto efeito. Mas um Sistema Jurídico de que faz parte a Constituição mesma, torno a dizer, na singularíssima posição de fonte, ímã e bússola do Direito Positivo que a ela se segue ou que nela se fundamenta.

Concluo. Tenho o domínio dessas elementares noções como imperioso para o entendimento do juízo de que os passos da chamada Operação Lava Jato não têm no Sistema de Justiça brasileiro um súbito e intransponível muro. Ao contrário, tal Sistema de Justiça operou como sua chave de ignição e, depois, passou a operar como segura ponte para decisões que devem ser tão objetivas quanto não partidárias. Não seletivas em face de ninguém nem de partidos ou blocos políticos, porque assim é que determina o Sistema Jurídico igualmente brasileiro. Sistema tão jurídico quanto serviente do princípio republicano de que “todos são iguais perante a lei”, nos termos da parte inicial da cabeça do art. 5.º da Constituição. Por isso que a regular continuidade dela, Operação Lava Jato, ganhou vida própria. Tornou-se um imperativo natural. Emancipou-se de quem quer que seja e se vacinou contra qualquer tentativa de obstrução ou estrangulamento. Venha de quem vier, individual ou coletivamente. Tudo porque essa regular continuidade ganhou status de depurado senso de justiça material do povo brasileiro. Questão de honra nacional. Símbolo de uma luminosa era que, deitando raízes no julgamento da Ação Penal 470 (prosaicamente conhecida por “mensalão”), acena com a perspectiva do definitivo triunfo da toga sobre o colarinho branco dos mais renitentes e enquadrilhados bandidos. Afinal, como oracularmente sentenciou Einstein, “quando a mente humana se abre para uma nova ideia, impossível retornar ao seu tamanho primitivo”.

Atire a primeira pedra - ELIANE CANTANHÊDE

O ESTADÃO - 29/05

A sensação é de que o Titanic está afundando, com gravações e delações atingindo tudo e todos: de um lado, os caciques e o PMDB de Michel Temer; de outro, ministros de Dilma Rousseff e o próprio ex-presidente Lula; no meio, o sempre citado tucano Aécio Neves. Ninguém pode atacar, todos precisam se defender. Ninguém tem motivos para comemorar, todos têm bons motivos para lamentar – e se preocupar.

O novíssimo delator Sérgio Machado fere Romero Jucá, Renan Calheiros e José Sarney, causando estragos no governo interino de Temer. E o reincidente Pedro Corrêa, que foi do mensalão ao petrolão, mira PT, PMDB, PP e PSDB, mas seu maior rombo é no governo afastado, ao comprometer Lula.

Pedro Corrêa beneficiou-se dos esquemas mais corruptos da República e conta na sua delação divulgada pela revista Veja que Lula gerenciou pessoalmente o esquema de corrupção da Petrobrás, não só impondo diretores corruptos, mas até garantindo a divisão da propina entre os partidos aliados – por exemplo, entre PP e PMDB.

Segundo Corrêa, o ex-presidente da Petrobrás José Eduardo Dutra relutava, mas Lula o obrigou a nomear Paulo Roberto Costa para uma diretoria, de onde seria o principal operador da roubalheira. Além de dar ordem direta para a nomeação, Lula teria mandado Dutra chantagear o Conselho de Administração, a quem compete ratificar nomeações de diretores: “Quero que você diga aos conselheiros que eu nomeei que, se o doutor Paulo Roberto não estiver nomeado daqui a uma semana, eu vou demitir e trocar esses conselheiros todos”.

José Dirceu foi condenado e preso pelo mensalão, está condenado e preso pelo petrolão e foi apontado pela Procuradoria-Geral da República, por ministros do Supremo e por parte da opinião pública como “chefe da quadrilha”. Mas há controvérsia. A delação de Pedro Corrêa põe mais dúvida nessa hipótese.

Bem fez o juiz Sérgio Moro em denunciar as tentativas de mexer em dois novos instrumentos fundamentais para o combate à corrupção: a delação premiada (confirmada por provas) e a prisão de condenados em segunda instância (e não mais só quando tramitado em julgado). Entre os pontos comuns entre PT e PMDB, além do governo Dilma, está este: parlamentares petistas apresentam projetos mudando as regras e caciques peemedebistas atacam esses avanços das investigações em conversas com Sérgio Machado. Legislando em causa própria...

Esses áudios e a queda de Romero Jucá do Planejamento ajudam a fragilizar Temer, mas, se ele não parece nenhuma fortaleza (nem um Itamar Franco), Lula não está em condições de acusar ninguém, articular uma cambalhota na votação do impeachment no Senado e muito menos capitanear um movimento nacional pela antecipação das eleições para presidente.

Aliás, o respeitado e competente Mozart Vianna, hoje na assessoria direta de Temer na Presidência, reage à tese lulista de “eleições já” e diz que não tem o menor suporte na realidade e no ordenamento jurídico do país. Segundo a Constituição, a população elege o presidente e seu vice e, se o presidente cai, o vice assume. Só é convocada nova eleição em caso de vacância – por renúncia ou morte.

“Não há hipótese legal de convocar eleições nem de instalar o parlamentarismo durante o atual mandato, que é de quatro anos. Qualquer mudança, só para os futuros mandatos”, diz Mozart, que foi secretário geral da Câmara e fundamental para vários presidentes da Casa.

Temer, professor de Direito Constitucional, fica mordido com a tese de que o impeachment é “golpe” e devolve, sem citar a palavra maldita, que convocar eleições é que não está previsto na Constituição. Seria uma ruptura constitucional e ruptura constitucional é que é golpe! Resumo da ópera: a alternativa legal é Temer ou Dilma. O resto está fora de cogitação – e fora da lei.

Delação a machadadas - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 29/05

Nunca, na história do Brasil, tantos políticos e empresários corruptos tiveram tanto medo de um juiz e das investigações que desmantelaram o bilionário esquema de corrupção na Petrobras. Todos, sem exceção, execram Sérgio Moro e fogem do magistrado como o diabo foge da cruz. Também atacam o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. E lamentam a seriedade e a dificuldade de acesso ao ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no STF. É o que revelava, até o momento em que escrevia este texto na tarde de ontem, o teor das conversas gravadas entre Sérgio Machado, ex-senador e ex-presidente da Transpetro, e figurões da República, como Renan, Jucá, Sarney.

Apanhado pela Operação Lava-Jato, Machado virou delator e, ao que tudo indica até agora, prometeu entregar aliados que teriam envolvimento na maracutaia como forma de atenuar a própria pena. Nos áudios vazados até o início da tarde de ontem, não havia revelações capazes de implicar os três interlocutores com a roubalheira na Petrobras. Mas sugeria tramas para frear as investigações. Os estragos causados expuseram situações vexatórias. O primeiro e maior deles, até agora, impôs a imediata saída de Jucá do Ministério do Planejamento para não atrapalhar o governo Temer.

No entanto, nenhuma das conversas trazidas à tona é tão devastadora quanto a escuta telefônica, com autorização judicial, que flagrou Dilma enviando termo de posse a Lula, antes mesmo de ele assumir a Casa Civil, em março. "Só usa em caso de necessidade (...), tá?", diz a então presidente ao petista. O gesto foi interpretado como uma tentativa de obstrução da Justiça para evitar uma eventual prisão de Lula pelo juiz Sérgio Moro. O episódio acabou impedindo que o petista se tornasse ministro. No caso, a presidente não estava grampeada. Lula, sim, era o alvo da investigação. E ela acabou ligando para um celular usado por ele.

Também em delação premiada, Delcídio do Amaral, que era senador do PT e então líder do governo até ser preso pela Lava-Jato, acusa Dilma e Lula de agirem para obstruir as investigações. O refresco na memória é porque tem gente achando que as gravações das conversas de Machado são uma espécie de absolvição para Dilma e os petistas. Não são. Afinal, as investigações até o momento indicam para Lula como suposto chefe do esquema criminoso que envolvia PT, PMDB e PP. Indicam que políticos dos três partidos, e não apenas do PMDB, se empenharam ou estão empenhados em barrar a Lava-Jato. Os brasileiros que queriam Dilma fora e tampouco avalizavam Temer torcem agora para que todos os culpados sejam julgados e tenham a pena que merecem. Da direita à esquerda. Seja de que partido for.

Os grampos dos oligarcas e a Lava Jato - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 29/05

Quem se lembrar do que estava fazendo na manhã de 11 de março poderá entender melhor as conversas do doutor Sérgio Machado com os magnatas de Brasília. Era uma sexta-feira. No domingo, 3,6 milhões de brasileiros iriam às ruas pedindo a saída de Dilma e festejando o juiz Sergio Moro.

Enquanto acontecia a maior manifestação popular da história do país, algumas dúzias de maganos, quatro deles grampeados, armavam esquemas para "delimitar" a Lava Jato. Nas longas conversas com Sérgio Machado, Dilma deveria ir embora para que se pudesse construir um "acordão". Segundo Romero Jucá, "tem que mudar o governo para estancar essa sangria". Costuravam fantasias de palhaço para quem fosse para a rua com bonecos ou cartazes saudando o juiz Sergio Moro.

Nenhum dos notáveis grampeados foi capaz de dizer que as ladroeiras deveriam ser investigadas.

Pelo contrário. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, foi chamado de "mau caráter" por Renan. Deixando-se de lado as referências de Machado à mãe do procurador-geral, Jucá chamou o juiz Moro de "torre de Londres", para onde se "mandava o coitado para confessar". Segundo Sarney, ele persegue "por besteira".

Na véspera do primeiro grampo, num jantar em Brasília, Renan expusera as vantagens do "semipresidencialismo", uma arapuca tucana onde prenderam o pé do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Para a turma do grampo, o desastroso governo petista deveria ir embora, levando consigo o alcance da Lava Jato.

Naqueles dias eram dois os países. No das conversas de Brasília, armava-se o "acordão". No das ruas, selou-se o destino de Dilma Rousseff. Falta apenas que o Senado baixe a lâmina.

Quem foi para a rua tem todos os motivos para se sentir atendido. Os grampos de Sérgio Machado mostram que, por motivos opostos, Renan, Sarney e Jucá também foram atendidos. Jucá tornou-se ministro.

Como a Lava Jato não foi estancada, Machado tornou-se um grampo ambulante, agravando o pesadelo da oligarquia ferida pela mesma Lava Jato.


VACINA

Michel Temer dispõe de uma vacina capaz de imunizá-lo contra a radioatividade da Lava Jato.

Trata-se de seguir a fórmula que livrou o companheiro Obama de muitas maluquices da maioria republicana no Congresso.

Basta o presidente interino comunicar à maioria parlamentar pluripartidária assustada com com a operação: "Não aprovem nada que comprometa as atividades do Ministério Público e do Judiciário. Se aprovarem, eu veto".

BAIXARIA

Floriano Peixoto deixou o palácio do Catete e não deu posse a Prudente de Moraes. O general Figueiredo fez a mesma coisa em 1985 com José Sarney. Apesar da diferença de rituais, nenhum dos dois cometeu a grosseria de Dilma Rousseff com Michel Temer.

O vice-presidente encontrou apenas uma funcionária no seu gabinete. Até as secretárias foram levadas para o Alvorada. Ficou só uma jovem, que dias depois se foi.

Felizmente o PT poupou o novo governo do constrangimento imposto por assessores de Carlos Lacerda à equipe de seu sucessor, Negrão de Lima, em 1966. Em uma gaveta do palácio Guanabara havia cocô.

MADAME NATASHA

Madame Natasha diverte-se com o vocabulário dos políticos.

Durante o mandarinato de Dilma Rousseff identificava-se um petista de fé porque ele dizia (e diz) "presidenta".

Michel Temer ainda não completou um mês na cadeira e identificam-se as pessoas que têm poder (ou acham que têm), porque elas se referem ao "Michel". "Temer" é coisa para pobre.

BAFO DO DRAGÃO

É impossível impedir que alguns maganos saiam por aí dizendo que conversam com ministro do Supremo Tribunal Federal.

Duas bolas já bateram na trave, mas nada impede que um ministro se distraia, caindo na frigideira.

JANTAR

Na semana passada o presidente Michel Temer jantou com os três comandantes militares e o chefe do seu gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen.

BILHETERIA VIP

Pode ter parecido estranho que Vandenbergue Machado tenha aparecido numa conversas do senador Renan Calheiros. Afinal, ele trabalha na Confederação Brasileira de Futebol.

O cidadão, poderoso representante de Ricardo Teixeira, que não pode pisar nos Estados Unidos, e de José Maria Marin, que está preso em Nova York, era o anjo da guarda dos poderosos de Brasília sempre que eles precisavam de ingressos (grátis) para eventos esportivos.

NA MOSCA

Sérgio Machado sabe das coisas. Conversando com Renan Calheiros, fez uma comentário escatológico sobre o Supremo Tribunal Federal e previu: "Com essa mulher vai ser pior ainda".
Acertou. Em setembro, a ministra Cármen Lúcia assumirá a presidência do tribunal, com a faca nos dentes.

BOA MEMÓRIA

O ex-senador e ex-presidente José Sarney disse que "está implantada" a "ditadura da Justiça", que "é a pior de todas".

É um homem justo. A outra, que durou de 1964 a 1985, não lhe fez mal algum.

Na ditadura dos generais, a namorada do ex-governador paulista Adhemar de Barros tinha um cofre com mais de US$ 2 milhões. Boa parte vinha de empreiteiros. A organização em que militava Dilma Rousseff levou-o.

A ditadura que combatia a subversão torturando presos orgulhava-se de combater a corrupção. A namorada de Adhemar disse que o cofre estava vazio, os generais acreditaram e ninguém incomodou os financiadores da famosa "caixinha do Adhemar". Os empreiteiros eram gente de confiança.


Sérgio Machado e o duque de Caxias
Alguém precisa explicar ao doutor Sérgio Machado que o duque de Caxias nunca ajudou a resolver problemas de quadrilhas de larápios.

Conversando com Renan Calheiros, o ex-senador e ex-presidente da Transpetro expôs um dos braços de seu plano para sedar a Lava Jato. Nas suas palavras:

"Fazer um pacto de Caxias, vamos passar uma borracha no Brasil e vamos daqui para a frente".

Depois, na conversa com José Sarney, Machado prosseguiu em sua vivandagem:

"Fazer um grande acordo com o Supremo etc. e fazer a bala de Caxias para o país não explodir. E todo mundo fazer acordo porque (...) não sobra ninguém".

O doutor confundiu o papel de Caxias enfrentando rebeliões políticas durante o Império com seu imaginário da proteção contra a Lava Jato. Caxias sufocou três grandes revoltas e articulou a anistia dos Farrapos do Rio Grande do Sul. A ideia de que ele pudesse passar a borracha numa encrenca como a de hoje é apenas um sonho das vivandeiras do século 21.

Pelo contrário, por motivos políticos, Caxias prendeu um ex-governante do país. Em 1842, depois de sufocar uma rebelião paulista, deteve o padre Diogo Feijó, que fora o regente do Império de 1835 a 1837. O padre, grande figura de sua época, a respeito de cuja honorabilidade jamais se disse uma palavra, escreveu-lhe: "Quem diria que, em qualquer tempo, o sr. Luís Alves de Lima seria obrigado a combater o padre Feijó? Tais são as coisas deste mundo..."

Caxias respondeu-lhe: "Quando pensaria eu, em algum tempo, que teria de usar da força para chamar à ordem o sr. Diogo Antônio Feijó?"

Operação suja a jato - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 29/05

Na mais recente turbulência política provocada pela divulgação de conversas para lá de embaraçosas de três “capas-pretas” do PMDB, um detalhe chama especial atenção: nenhum dos personagens estimulados a dizer o que não deveriam ao gravador de Sérgio Machado se animou a reclamar em público pelo fato de terem servido de cobaias na coleta de material para uma delação premiada.

Romero Jucá, José Sarney e Renan Calheiros aludiram à inadequação do “contexto” dos trechos divulgados, negaram intenções escusas por trás das palavras obscuras, mas não impuseram reparos nem qualificaram como traiçoeiro o ato do ex-presidente da Transpetro ali sustentado pelo partido por 12 anos consecutivos. Com a anuência e o aval do PT, o dono da bola nesse período.

Ao menos os três tiveram o bom senso de não invocar o argumento da perseguição política, da conspiração ou coisa que valha. Escolados e escaldados preferiram por ora aguardar os acontecimentos sem maiores precipitações. Não cutucaram a fera ferida nem fizeram acusações aos investigadores, aos promotores que negociaram a troca de informações ou ao ministro Teori Zavascki que homologou a delação.

Nisso, se diferenciaram (sem ilações de que nisso resida mérito, por favor) dos petistas, cuja prática de atacar o mensageiro equivale a sistemáticas assinaturas de recibos, além de levá-los a desmentir as próprias versões. Um exemplo foi a reação de Dilma Rousseff à conversa em que Romero Jucá sugere que o impeachment da presidente daria conta de “estancar essa sangria”.

Dilma e os companheiros de partido de imediato atribuíram ao diálogo a condição de “prova” da conspiração para derrubá-la, que nada teria a ver com o crime de responsabilidade ora em exame na comissão especial do Senado. Quer dizer, a mandatária afastada não respeita delator, mas tem o maior respeito pelas gravações feitas por Sérgio Machado na busca de sua delação. Do mesmo modo, o PT desqualifica o teor de gravações e depoimentos que implicam seus correligionários, mas qualifica o método quando o atingido é o adversário.

E cessam por aí as diferenças, pois algo mais forte os iguala: o desejo de que a operação fosse lavada da face da terra. O pitoresco da história é que as urdiduras dos referidos poderosos resultam em rigorosamente nada. Tão influentes e, ao mesmo tempo tão impotentes diante de um cenário que desconheciam, embora já tivessem tido dele uma amostra na CPI dos Correios que sustentou a denúncia da Procuradoria-Geral da República, que virou processo no Supremo Tribunal Federal e resultou na condenação de gente que se imaginava diferenciada.

Desde então, e agora mais do que nunca, o ambiente exige respeito, já dizia Billy Blanco em seu Estatuto da Gafieira. As gravações, por enquanto, não expuseram crimes. Não foram, porém, sem efeito. Mostraram ao País a discrepância entre o que dizem em público nossas autoridades e o que falam no recôndito da privacidade. Oficialmente todos eles são defensores da Lava Jato. No paralelo, contudo, revelam horror ao cumprimento da lei e à independência dos Poderes. Nutrem especial repúdio à conduta correta de servidores.

Ao ponto de um ex-presidente da República, como José Sarney, considerar que o Brasil vive uma “ditadura da Justiça”. No mínimo uma contradição em termos.

Ainda que as inconfidências de suas excelências não venham a lhes render punições mais graves, já serviram para pôr abaixo a pose de distinção que assumem diante de um microfone e a inconsistência das bravatas cometidas nos conchavos. E de novo recorrendo a Billy Blanco, desta vez com A Banca do Distinto, encerremos: A vaidade é assim/ põe o bobo no alto e retira a escada/ mas fica por perto esperando sentada/ mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão.

Cenário intermediário - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 29/05

O cientista político Octavio Amorim Neto, professor da EBAPE/FGV, escreve no Boletim Macro do IBRE-FGV de maio uma análise com três cenários possíveis para o governo Michel Temer, onde destaca a maior possibilidade de um cenário intermediário prevalecer. No otimista, a ampla coalizão interpartidária formada logra dar-lhe uma estável maioria legislativa superior a 60% da Câmara e do Senado, o que lhe permitiria aprovar cruciais reformas constitucionais, como por exemplo, a da Previdência Social.

Para Octavio Amorim Neto, nesse cenário positivo, a política econômica deverá satisfazer as expectativas do mercado, “gerando um choque de credibilidade à la Macri na Argentina”. O novo presidente aproveita a curta lua de mel que terá para propor reformas que apontem rumo à estabilização da economia e à retomada do crescimento a médio prazo.

Fundamental para a materialização do cenário otimista, ressalta Amorim Neto, “é o não envolvimento do novo presidente na Lava-Jato. O contrário seria simplesmente devastador”. Além disso, o processo de impugnação da chapa Dilma-Temer não pode prosperar no TSE. Temer deve também saber se distanciar de Eduardo Cunha e lidar de maneira rápida e íntegra com os ministros que venham a ser denunciados em casos de corrupção.

O cenário otimista requer também que o PT e os movimentos sociais não consigam deslegitimar e desmoralizar a nova presidência de Temer. “Será muito importante que o novo governo saiba lidar com os protestos de rua que aqueles atores certamente organizarão”.

Para tanto, analisa Amorim Neto, Temer deverá utilizar com destreza seus principais ativos: sua moderação e sua paciência, o lastro que lhe dá sua base estadual paulista, sua influência sobre o PMDB e seu conhecimento de direito constitucional. Além disso, para manter unida sua coalizão governativa, precisará emitir sinais que deem credibilidade à promessa de não se candidatar à reeleição em 2018, reassegurando o PSDB, e saber satisfazer e, simultaneamente, dar claros limites à poderosa direita varejista (PSD, PP, PR, PTB e PRB) presente em sua administração.

“Ou seja, a chave para o cenário otimista é a criação de um bom ambiente negocial que facilite a implementação de amplas reformas econômicas”. Sob esse cenário, o PIB começa a ressuscitar no segundo semestre, e, em 2017, a popularidade de Temer inicia uma trajetória ascendente. Adicionalmente, nessa análise de Amorim Neto, o PMDB e seus aliados têm um desempenho aceitável nas eleições municipais de outubro de 2016.

Já no cenário intermediário, verifica-se um começo caótico como o da presidência de Itamar Franco em 1992. Temer encontra grandes dificuldades para imprimir uma ação coerente aos ministros e solidificar sua base parlamentar. “Consequentemente, o apoio político do governo no Congresso não será tão grande quanto o esperado sob o cenário otimista, mas o novo presidente logra, pelo menos, formar uma maioria absoluta”, analisa Amorim Neto.

De maneira complementar, o receio da queda de mais um chefe de Estado estimula a cooperação interpartidária na aprovação de apenas algumas medidas importantes para enfrentar a crise econômica. Tal como sob o cenário otimista, Temer não é envolvido na Lava-Jato, nem o processo de impugnação da chapa Dilma-Temer prospera no TSE. O PT e os movimentos sociais tentam deslegitimar o governo, mas são enredados em suas contradições e enfraquecidos pelo fracasso do governo Dilma.

“Um desempenho frustrante, mas não desolador, caracteriza o resultado do PMDB e dos seus aliados no pleito municipal de 2016. Ao fim e ao cabo, Temer consegue se equilibrar, mas sem ter força política suficiente para avançar com amplas reformas”. Nesse caso, a economia apenas sai da UTI, e Temer vai capengando até o final de 2018.

Por último, o cenário pessimista de Amorim Neto implica a reiteração do padrão verificado sob Dilma, isto é, “uma mistura explosiva de paralisia decisória, rejeição do governo pelo eleitorado e contaminação mútua entre crise política e crise econômica”.

Na análise, o envolvimento do alto escalão do governo em escândalos de corrupção, seguido de respostas equivocadas pelo presidente, ajudam a piorar o cenário, e a oposição se revela vigorosa no Congresso e nas ruas, gerando uma aguda crise de legitimidade para o Executivo. O atoleiro econômico continua, levando, em consequência, Temer à renúncia ou à destituição.

Para Octavio Amorim Neto, a essa altura, é difícil crer na prevalência do exigente cenário otimista. Entretanto, é duvidoso que Temer caia. Assim, ele acredita que o cenário intermediário parece ter a mais alta probabilidade.

Aposta nas privatizações - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 29/05

A decisão do governo do presidente em exercício Michel Temer de encarar, sem subterfúgios, as dificuldades para resolver, de uma vez por todas, o tão acalentado programa de privatizações na área de infraestrutura, vem sendo aplaudida nos mais variados setores da sociedade. Ao tomar a iniciativa de criar um órgão para cuidar do setor diretamente ligado à Presidência da República, abre-se o caminho para que as concessões em setores estratégicos não fiquem adormecidas nas gavetas da burocracia estatal.

Com a criação do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), por meio de medida provisória, o Palácio do Planalto estabelece que todas as decisões relativas às concessões para a exploração de bens públicos serão tomadas por um colegiado composto pelo próprio presidente da República, cinco ministros e o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Essa medida não deixa dúvida de que a meritocracia prevalecerá em substituição às tão criticadas indicações político-partidárias, que eram a praxe nos dois governos do Partido dos Trabalhadores (PT). Para citar apenas um caso, as agências reguladoras tiveram as diretorias ocupadas por petistas ou simpatizantes nos últimos anos, o que em nada contribuiu para o esperado funcionamento desses órgãos de fiscalização. Agora, a expectativa é de que prevalecerá a competência e o profissionalismo.

O novo modelo para promover as concessões permitirá ao BNDES criar o Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias, que terá autonomia para contratar empresas, entidades e profissionais para a confecção de estudos prévios de viabilidade, obrigatórios para as concessões. No passado, o BNDES tentou implantar um modelo semelhante em parceria com bancos privados, a Empresa Brasileira de Projetos (EBP), mas esbarrou na má qualidade dos projetos apresentados.

O maior desafio a ser enfrentado é a falta de projetos de qualidade, o que bloqueia a liberação de empréstimos pelo sistema financeiro às empresas interessadas em disputar as concessões. Com o PPI, o governo espera equacionar essa questão e deslanchar o programa de privatizações de uma vez por todas. Sem dinheiro em caixa, com uma dívida astronômica e com a economia sofrendo um choque de arrumação, o programa de privatizações, em boa hora, merece a atenção necessária do Palácio do Planalto.

Blogueiros chapa branca - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 29/05

Depois de três dias de discussões sobre a crise do País, os participantes do 5.º Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais – que contou com a participação da presidente afastada Dilma Rousseff numa de suas sessões – lançaram uma carta aberta à sociedade cujo teor parece ter sido inspirado em escrachadas patuscadas da televisão ou em chanchadas do cinema.

Escrita com o objetivo de denunciar o “golpe parlamentar” que afastou Dilma do poder e denunciar a ilegitimidade do governo do presidente interino Michel Temer, a carta, escrita em português precário – meio parecido com o que a presidente afastada fala, o que mostra que fez escola –, raciocínio tortuoso, viés ideológico e aversão à verdade, é mais do que um besteirol. Retrata de modo inequívoco o nível de indigência intelectual e moral dos integrantes da máquina de difamação que, sustentada por dinheiro público durante os 13 anos e meio do lulopetismo, se especializou em contar mentiras, plantar boatos, caluniar adversários políticos do PT e agredir moralmente repórteres e colunistas dos grandes jornais, sempre sob o pretexto de defender a “democratização da comunicação”.

A carta aberta começa acusando o Supremo Tribunal de Federal de ser um “poder acovardado”. Prossegue afirmando que o governo Dilma teria subestimado a força dos jornais, revistas e televisões “a serviço do conservadorismo”. Alega que Temer é elitista e machista, por não ter indicado nenhuma mulher, negro ou trabalhador para seu Ministério. Diz que ele destruirá as empresas estatais do País e entregará os recursos do pré-sal “às multinacionais do petróleo, recolocando o Brasil na órbita dos Estados Unidos”. Criticam, ainda, a demissão do presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que havia sido nomeado por Dilma dias antes da votação da abertura do impeachment pelo Senado. Aparelhada pelo PT, a empresa é uma tevê estatal disfarçada de televisão pública que foi criada em 2007 pelo governo Lula. Apesar de ter consumido mais de R$ 3,6 bilhões de recursos federais nos últimos anos, só conseguiu chegar a 1% da audiência duas vezes – quando mostrou um documentário sobre o Rio Reno e quando apresentou um filme de Mazzaropi. Nos demais dias, a EBC – que emprega a peso de ouro alguns participantes do 5.º Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais – jamais saiu do traço.

A carta aberta também apoia ocupações de prédios públicos, como forma de “resistência contra o governo golpista”. Propõe ampla cobertura das manifestações contra Temer, das ações que permitam o retorno de Dilma ao Palácio do Planalto e das notícias que mostrem mulheres, jovens negros, militantes da reforma agrária e povos indígenas como “vítimas mais imediatas da escalada autoritária”.

Dois parágrafos da carta aberta merecem destaque. Um é o que afirma que o governo interino priorizará a “comunicação chapa branca, favorecendo a Globo na distribuição de verbas públicas e usando dinheiro do contribuinte para salvar organizações moribundas, como a editora Abril e o ex-Estadão” (sic), cujos proprietários, além de participar do “sistema corrupto de poder que tenta se perpetuar sob a presidência de Temer”, seriam “beneficiários de contas suspeitas em paraísos fiscais”. O outro afirma que o golpe faz parte de uma “estratégia de recolonização do continente e de desestabilização dos Brics” – plano esse que teria entre seus líderes o titular do Ministério das Relações Exteriores, José Serra, que é classificado como “conspirador parceiro da Chevron”.

Na parte final da carta, os blogueiros são taxativos. “Não daremos trégua à Globo, a Temer, aos traidores que se dizem sindicalistas, nem aos tucanos e empresários da Fiesp, que agiram a serviço do golpismo. Resistiremos nas ruas e nas redes”, prometem eles. Se alguém deve recear essas ameaças certamente são os redatores de programas de humorismo da televisão. Agora eles têm nesses blogueiros e ativistas fortes concorrentes.

Os cuidados com estatais e seus fundos de pensão - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 29/05

A se considerar os estragos feitos nos 13 anos de aparelhamento lulopetista de empresas públicas e respectivas previdências, é preciso mesmo uma regulação do setor



No primeiro conjunto de medidas e intenções na área econômica anunciadas terça-feira pelo governo Temer, com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, à frente, foi incluído o apoio do Planalto a uma proposta de legislação originada no Senado para regular empresas estatais e respectivos fundos de pensão.

Diante do anúncio de mudanças no plano macroeconômico de alcance bem mais amplo, como a criação de um teto para o crescimento de boa parte das despesas públicas, aquele item ficou em segundo plano nas repercussões. Mas ele também aborda uma questão vital para a sociedade e, em particular, os funcionários de companhias públicas: a qualidade da gestão das empresas estatais da União e de seus fundos de pensão.

O apoio do Planalto aos projetos dos senadores tucanos Tasso Jereissati (CE) e Aécio Neves (MG), além da senadora Ana Amélia (PP-RS), se justifica pelo estrago bilionário que o aparelhamento empreendido pelo lulopetismo em estatais e fundos provocou.

Registrem-se relatos em delações na Lava-Jato de que o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto frequentava escritórios desses fundos. Deduz-se o resto.

Aprovados no Senado, até com o aval do ainda governo Dilma, os projetos estão na Câmara, e precisam ser acompanhados com atenção, para não serem adulterados. Afinal, eles mexem com interesses pesados, ao regular a contratação de diretores, a prestação de informações, licitações, e assim por diante. Atividades vitais, também para os esquemas de corrupção.

Um aspecto deletério no relacionamento das estatais e fundos com o Executivo é o não profissionalismo. Postos em conselhos administrativos passaram a ser usados para complementar salários de ministros, por exemplo, sem qualquer preocupação se os conselheiros iriam ou não contribuir para melhorar a gestão da empresa. Mesmo antes do PT.

Na era lulopetista tudo piorou, porque a ingerência do Planalto em empresas e fundos passou a ser bastante usada para fins escusos. O caso mais gritante é a Petrobras, centro das atenções da Lava-Jato, que se estenderam para o setor elétrico (Eletronuclear e Eletrobras).

A estatal petroleira foi capturada pelo esquema lulopetista para financiar um projeto de poder, com a cooptação também de funcionários de carreira, porém colocando-se em postos-chave gente de confiança do partido: na presidência, os petistas militantes José Eduardo Dutra e José Sérgio Gabrielli; e à frente do Conselho de Administração, Dilma Rousseff. A estatal foi virtualmente quebrada.

Os fundos de pensão, por sua vez, dado o seu tamanho gigantesco, costumam ser usados em políticas de governo. Com os tucanos, nas privatizações; com os petistas, no apoio a empresários amigos e, em outro erro bilionário, no desastroso programa de substituição de importações de equipamentos para exploração de petróleo, cujo símbolo é a Sete Brasil, também falida.

A conta será dividida entre os funcionários de estatais participantes dos fundos e o contribuinte em geral, via Tesouro. Números: em cinco anos, o conjunto de estatais da União teve um prejuízo de R$ 60 bilhões, e seus fundos, perdas de R$ 113 bilhões. É bastante justificada a atenção do governo Temer com os dois projetos de lei.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

ODEBRECHT: CRESCE EXPECTATIVA PELA PRISÃO DE LULA

As relações promíscuas com a Odebrecht, agora expostas pelas investigações da Lava Jato, metem tanto medo nos políticos que até dão garantia ao mais poderoso deles, o ex-presidente Lula, de que será preso. Isso ficou claro numa das gravações do ex-senador Sergio Machado, quando o presidente do Senado, Renan Calheiros, conta ter ouvido do próprio Lula a certeza da sua prisão “a qualquer momento”.

DILMA ENROLADA
As gravações também revelam um Renan Calheiros convicto do envolvimento de Dilma com a empreiteira que mais roubou o País.

ODEBRECHT METE MEDO
O medo da língua de Marcelo Odebrecht, segundo Delcídio do Amaral, fez Dilma nomear um ministro para STJ sob o compromisso de soltá-lo.

ELA E SUAS RAZÕES
Segundo fontes ligadas à Lava Jato, Marcelo Odebrecht tem oferecido elementos de prova capazes de prender toda a “república petista”.

TERCEIRA OPERAÇÃO
Na Operação Janus (nada a ver com Lava Jato), o MPF investiga Lula por tráfico internacional de influência, a serviço da Odebrecht.

EXÉRCITO PODE ASSUMIR OBRAS INVESTIGADAS NA PF
O presidente Michel Temer discute a viabilidade de o Exército assumir as obras atrasadas que estão sob controle de empreiteiras enroladas na roubalheira à Petrobras. O Planalto pediu estudo ao ministro Helder Barbalho (Integração) para ampliar a participação do Exército na transposição do rio São Francisco. A obra, que já custou mais de R$ 8 bilhões, deve ser a primeira a receber o reforço dos militares.

A LISTA É GRANDE
A Usina de Belo Monte, duas ferrovias, um aeroporto e a Usina de Angra 3 são algumas das obras que podem ser tocadas pelo Exército.

PREOCUPANTE
A situação da Mendes Júnior é a que mais preocupa: tem contratos de mais de R$1 bilhão no governo, mas suas finanças estão arrebentadas.

NOVO RITMO
Helder Barbalho turbinou repasses para os projetos em curso. Passaram de R$ 150 milhões para R$ 215 milhões ao mês.

CAINDO EM CILADA
Sarney diz em gravação que Lula “tem chorado muito”, daí seus “olhos inchados”, e que uma “cilada” prendeu o ex-senador Delcídio Amaral. Mal sabia que ele próprio havia caído na cilada de Sérgio Machado.

PROXIMIDADE
Renan Calheiros e a defenestrada Dilma eram mesmo próximos, ao menos até a divulgação das gravações. Ele afirma ter dito a ela, ao proibi-la de falar em renúncia: “Eu sei que a senhora prefere morrer”.

VAI LEVANDO
O Planalto pretende aprovar a reforma trabalhista até o fim deste ano – ou, no máximo, no início de 2017. Aliado do governo, o deputado Paulinho da Força (SD-SP) disse que “vai empurrar” para não votar.

CACHÊ GENEROSO
Treze dias antes do impeachment, a Ancine, agência do governo que libera o acesso aos favores da Lei Rouanet, autorizou R$ 2,9 milhões para o filme “Aquarius”. Os burocratas da Ancine cobraram a fatura: ordenaram que a turma exibisse em Cannes cartazes contra o “golpe”.

AGILIZA, MICHEL
Partidos do “centrão” (PSD, PP, PRB, PSC, PR, PTB e PTN) e o presidente Michel Temer discutem a relação. É que o presidente ainda não formalizou alguns dos acordos fechados com seus líderes.

É GOLPE!
Após usá-lo na tentativa de anular a votação do impeachment, o governador maranhense Flavio Dino reluta na nomeação do intelectual Waldir Maranhão (PP-MA) secretário de Educação, como prometera.

PROMOVIDO
O presidente Michel Temer pode anunciar nesta semana Raimundo Lira (PMDB-RR) como o novo líder do governo no Senado. Lira ganhou o apoio dos senadores após o trabalho no comando da comissão do impeachment. A maioria do PMDB, e PSDB, apoia Lira no cargo.

SEM MUDANÇA
Na esteira das gravações no âmbito da Lava Jato, Michel Temer foi aconselhado a afastar ministros mencionados na operação. Por enquanto, no entanto, já avisou que não haverá mudança no governo.