Zelando por Zelaya
Jornal do Brasil - 25/09/2009 |
RIO - Não me lembro de ter ouvido tanto escarcéu pelo mundo em 1992 – ontem praticamente – quando o Brasil apeou do poder o primeiro presidente eleito por voto direto desde 1960. Bem verdade que tivemos o cuidado de tomar providências legais – o tal do impeachment – evitando assim que Fernando Collor fosse colocado de pijama dentro de um avião para a Bolívia. Se por acusações que nunca foram confirmadas – o homem está aí lépido e fagueiro – não tivemos paciência para esperar pelo fim do mandato, por que Honduras deveria aguardar as próximas eleições para os insatisfeitos mudarem o governo, como sugere o presidente Lula? É bom não esquecer que a deposição de Zelaya foi avalizada pelo Congresso, pela Justiça e pelos militares, não necessariamente nesta ordem. Confesso que não me sinto à vontade para chamar Micheletti e sua turma de golpistas, ou me verei obrigado a rever os acontecimentos de 1992 para investigar se por trás do impeachment não se escondia um golpe de Estado. A verdade é que sempre tivemos muita classe e habilidade para rasgar nossa Carta Magna. Viemos nos aperfeiçoando desde os tempos do marechal Deodoro. Sempre arranjávamos um jeitinho de disfarçar nossas fraturas constitucionais. Que eu saiba, em nenhuma ditadura do continente houve rodízio de generais no poder, com eleições indiretas e tudo para que exibíssemos uma aparência de estado democrático. Estou certo de que Micheletti e sua turma, não estariam nessa saia justa se tivessem consultado o Brasil sobre a melhor maneira de proceder nesses casos. Talvez, sob nossa orientação, Zelaya é que estivesse sendo chamado de golpista!!! Desconfio que as razões da deposição do bigodudo vão muito além de seu desejo de se reeleger. Pouca gente acredita que Zelaya se materializou na embaixada, como alega um diplomata brasileiro. Foi uma empreitada de alto risco que não permitia erros de cálculos. E se não tivesse ninguém em casa? (Era domingo à noite). Pela versão corrente, porém, Zelaya simplesmente bateu à nossa porta em Tegucigalpa, como um entregador de pizzas: – Quem é? – perguntou o funcionário do lado de dentro depois de ouvir insistentes toques na campainha. – É o presidente deposto de Honduras! – Quem? – o funcionário pensou ter ouvido mal. – Manuel Zelaya! Será que dá para você abrir a porta? O funcionário cochichou temeroso com a mulher. A capital hondurenha também tem sua violência urbana. Podia ser um assalto. – O senhor veio a mando de quem? – Sou amigo do presidente Lula. Abra essa porta, por favor. Viajei 15 horas, estou cansado, com fome, preciso tomar um banho. – Só temos um quarto de solteiro disponível. O senhor está sozinho? – Estou com alguns assessores e parentes. Somos – virou-se e começou a contar – um, dois, três... setenta! – O quêêêêê?... Só posso deixá-lo entrar se receber uma prova de que o senhor é mesmo o presidente Zelaya. –Tudo bem. Vou jogar meu chapéu por cima do muro! Agora o presidente Lula está com essa banana – não confundam com batata – quente nas mãos: ou entrega Zelaya às autoridades do país ou lhe concede asilo, caso em que ele pode virar um novo Stroessner – ditador paraguaio que viveu 17 anos no Brasil. Outra saída seria convencer Zelaya a fazer o caminho de volta enquanto Micheletti e sua turma disfarçam e fingem vigiá-lo na Nicarágua. Seja como for, o imbróglio botou o pequenino país centro-americano no mapa da mídia mundial. A última vez que Honduras ganhou manchetes na imprensa brasileira foi em 2001, quando sua seleção derrotou o Brasil de Felipão, por 2 a 0, na Copa América. Mas isso já é outra história...
* Carlos Eduardo Novaes é escritor. |