sexta-feira, setembro 25, 2009

JOÃO MELLÃO NETO

Velhos tempos, belos dias


O Estado de S. Paulo - 25/09/2009

Se bem me recordo, meu pai adquiriu uma perua DKW zerinho por volta de 1962. Ele gostava de carros e entendia um pouco do assunto. Lembro-me da raiva que ele tinha do veículo - que só aumentava à medida que ele o ia conhecendo melhor - e de seu calvário por ter de levá-lo semanalmente ao mecânico. O motor era de dois tempos, o que significa que era barulhento e fumegante. A vedação era péssima: quando chovia lá fora, também chovia dentro. A maçaneta do vidro saía na mão sempre que se tentava acioná-la. Os ruídos internos davam a impressão de que a carroceria estava com todos os parafusos soltos. O câmbio "na direção" era de três marchas que teimavam em não se deixar engatar. A qualidade do carro, enfim, era sofrível. Principalmente quando comparado aos norte-americanos que predominavam em nossas ruas à época.

Mas nem por isso se deve condená-lo. Ele representou um papel importante nos primórdios da indústria automotiva brasileira. O ceticismo quanto à viabilidade de uma fábrica nacional de veículos era muito grande. Para se ter uma ideia basta relembrar um argumento muito ventilado então: era tecnicamente impossível fundir blocos de motores em climas tropicais. O DKW, e também o Fusca, desafiaram todos os tipos de dúvida e descrença ao serem integralmente fabricados aqui.

Pois bem, a vida nos ensina que não é porque pranteamos um morto que desejamos, na prática, ressuscitá-lo.

Qual seria a reação dos consumidores se o saudoso DKW Vemag fosse relançado agora? Pior: se, além de reiniciar a sua produção, o governo proibisse qualquer outra marca de construir veículos em território brasileiro, sob o argumento de que é necessário prestigiar a indústria nacional?

Pois a respeitável matrona que atende pelo nome de dona Dilma já provou ser capaz de entabular raciocínios semelhantes. Em sua mais recente entrevista - publicada na Folha de S.Paulo no domingo -, ela afirma, explicitamente:

Que a presença do Estado na economia tem de aumentar;

e que patriotismo e nacionalismo são exatamente a mesma coisa.

São teses que remontam à época do DKW. E dona Dilma, ao que parece, deseja mesmo relançá-lo. Ou promover algum disparate semelhante. Se ela chegar à Presidência, mais que de imediato a indústria de vestuário tratará de recuperar o maiô de duas peças. E não é impossível que ela mesma venha a usá-lo para divulgar a nova moda.

Dona Dilma é realmente um achado único. Um precioso fóssil encontrado pelo presidente Lula. Parabéns a ele.

Ela é plenamente capaz de afirmar publicamente, sem ruborizar-se, que jamais se encontrou com as pessoas com quem de fato se encontrou. Na recíproca, a ninguém surpreenderia caso reiterasse que participou de eventos em que nunca esteve. Como a Santa Ceia ou a 3ª Internacional Comunista, por exemplo.

Consta que ela surgiu nas hostes do PDT, de Leonel Brizola. Este deve ter sido o seu grande guru em matéria de discurso político. Para quem não se recorda, Brizola caracterizava-se por pregar, na década de 90, tudo aquilo de que se falava na década de 50. Era algo que nos reportava às preleções de nossos avôs.

Para restaurar os fatos, vale a pena lembrar que a surpreendente dona Dilma estreou no cenário político muito antes do retorno de Brizola ao Brasil. Ela militou na VAR-Palmares, uma organização terrorista, e, com merecimento, passou alguns anos no calabouço.

Curiosamente, foi no período em que a indomável dona Dilma esteve a ferros que o governo militar de Geisel, sem que ninguém das esquerdas se desse conta, tomou-lhes algumas de suas mais caras bandeiras. A proliferação de empresas estatais, na época, foi avassaladora. O Estado, por sua vez, nunca antes fora maior, tampouco mais abrangente. Ele tudo previa. E também tudo provia.

O raciocínio da elite pensante da área militar seria facilmente subscrito por gente como a empertigada dona Dilma. Pregavam eles que havia na economia numerosas áreas estratégicas que, se não estivessem sob controle estatal, facilmente cairiam nas mãos dos odiosos estrangeiros. Estatizar, portanto, era um gesto de soberania. E esse raciocínio valia tanto para empresas siderúrgicas como para redes de restaurantes e - pasme-se - hotéis de alta rotatividade.

E quanto à iniciativa privada? Era vista com maus olhos e tratada com má vontade. Segundo eles, os então poucos empresários brasileiros, em sua ânsia por capitais, não teriam o menor escrúpulo em se associar às perigosas e malquistas empresas multinacionais. E isso era o fim!

A verdade é que o Estado de então apenas tolerava a existência de empresas privadas nacionais. Concedia-lhes crédito subsidiado, mas em troca exigia vassalagem. Cabia ao Estado determinar o que e quanto devia ser produzido por cada uma. No mais, sempre que surgia uma nova oportunidade na economia, antes que algum "aventureiro" dela se apossasse, logo vinha o Estado criando uma nova estatal.

Ora, esse, na prática, era o discurso das esquerdas brasileiras, desde a década de 1950. E a persistente dona Dilma, com o seu discurso "retrô", caso se consagre nas urnas, certamente o adotará. Não seria mais a volta do DKW, mas a do Maverick GT.

Confesso que tenho medo de gente como a circunspecta dona Dilma. Ela parece ser fria, determinada, alguém que de tudo faria se fosse em prol da "causa" que defende. E o pior é que tem chances reais de chegar à Presidência da República. Se isso vier a ocorrer, será que ela nos vai permitir tratá-la como "tia Dilma"?

Não é por nada, não. É que ela não tem jeito de governante. Tem, isso sim, de governanta.

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